Uma santa médica? Milagre e medicina nas <i>Vitae Radegundis</i> (Gália - séculos VI e VII)

Résumé

O presente artigo tem como objetivo investigar e discutir a relação entre a medicina secular, embasada na vigorosa tradição hipocrático-galênica, e a santidade, tendo por base a análise de duas Vitae Radegundis, narrativas hagiográficas, escritas pelo poeta Venâncio Fortunato e a monja Baudonívia, respectivamente, entre fins do século VI e princípios do VII. Seguindo este intento, discorrer-se-á, primeiro, acerca da medicina secular, com enfoque em suas facetas teórica e prática, abarcando, assim, a teoria humoral e as três modalidades de tratamento ou curationes. Adiante, valendo-se da Análise do Discurso Crítica como ferramenta metodológica, procedeu-se à análise de ambas as hagiografias, destacando passagens nas quais tanto a assistência médica prestada por Radegunda quanto os milagres por ela realizados envolviam a utilização de práticas da medicina secular. Ao fim deste estudo, foi possível verificar que, longe de uma situação de ruptura e conflito, as práticas médicas encontravam-se entrelaçadas à vivência da caritas cristã e a própria figura do santo, por vezes, mesclava-se com a do médico.