As margens da ficção em António Lobo Antunes
DOI:
https://doi.org/10.5902/2179219486231Palavras-chave:
Até que as pedras se tornem mais leves que a água, António Lobo Antunes, Guerra Colonial, Poética do desprendimento e do vôo, Frase-imagemResumo
Em Até que as pedras se tornem mais leves que a água (2017, 1ª. ed.), António Lobo Antunes retorna à imagem sobrevivente e traumática da guerra colonial. A ficção contemporânea e fragmentária apresenta a montagem ou colagem de duas vozes delirantes, que flutuam entre tempos e espaços simultâneos e superpostos: a do “pai branco” (alferes mobilizado para Angola) e a do “filho preto” (o “miúdo” africano levado por ele para Portugal). Desde o início, sabe-se que ambos morrerão, por ocasião do ritual da matança do porco na aldeia e caberá ao leitor acompanhar as crises de identidade dos sujeitos ex-cêntricos e desterritorializados a fim de decifrar as causas do conflito. Mais uma vez, a ficção antuniana inscreve narradores-personagens, que se subtraem ao “tempo dos vencedores”, num claro viés benjaminiano, revestindo-os de uma singular dimensão humana. Através da poética do desprendimento e do vôo, inerente ao título de uma crónica e ao romance, observa-se o gesto ascensional de libertação dos sujeitos detentores das vozes que flutuam entre o passado e o presente. Há uma “frase-imagem” a ser decifrada, a partir das reflexões críticas e filosóficas de Jacques Rancière. Ao repensar, por meio da imagem, as relações do Outrora com o Agora, a ficção do autor português contemporâneo não só propõe o entrelaçamento da imagem-fantasmática, da imagem-páthos e da imagem-sintoma - teorizadas por Aby Warburg -, como também nos ensina a ver o invisível: o que estava à margem da História oficial no período da tentativa de manutenção do Império português.
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