Rev. Enferm. UFSM - REUFSM

Santa Maria, RS, v. 10, e69, p. 1-17, 2020

DOI: 10.5902/2179769239810

ISSN 2179-7692

 

Submissão: 01/09/2019    Aprovação: 15/04/2020    Publicação: 10/08/2020

Artigo Original

 

Vivências de adolescentes com sintomas depressivos em contexto escolar

Experiences of adolescents with depressive symptoms in school context

Vivencias de los adolescentes con síntomas depresivos en el contexto escolar

 

 

Fernando Fraga HerzogI

Aline Cammarano RibeiroII

Lisiane dos Santos WelterIII

Graciela Dutra SenhemIV

Lidiana Batista Teixeira Dutra SilveiraV

Fernanda Franceschi de FreitasVI

 

I Graduando em Enfermagem pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: fernando-fraga@hotmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6968-9104

II Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: alinecammarano@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3575-2555

III Psicóloga. Mestranda do Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: lisianewelter27@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6781-0847

IV Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: graci_dutra@yahoo.com.br ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4536-824X

V Enfermeira. Doutoranda em Enfermagem pelo Programa de Pós Graduação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: lidianadutrasilveira@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6373-9353

VI Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: fe_franceschi@yahoo.com.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9618-4400

 

Resumo: Objetivo: conhecer as vivências dos adolescentes com sintomas depressivos em contexto escolar. Método: estudo qualitativo realizado em uma Escola Pública do interior do Estado do Rio Grande do Sul. Foram entrevistados 05 adolescentes que apresentassem sintomas depressivos ou diagnóstico de depressão, conforme checklist. As entrevistas ocorreram de abril a maio de 2019 e os dados foram tratados pela Análise de Conteúdo de Minayo. Resultados: emergiram das falas dos adolescentes duas categorias: O adolescer e a intensificação dos sintomas depressivos e Fontes de apoio e as perspectivas para o futuro. Considerações finais: os adolescentes apresentam vivências comuns para a idade, como o convívio com a família, escola e pares, além de comportamentos de indecisão e dúvida. Devido estar adaptando-se ao processo de mudanças da fase adolescência, muitas vezes, ainda não desenvolveu habilidade para lidar com determinadas situações.

Descritores: Adolescente; Depressão; Saúde mental; Enfermagem

 

Abstract: Objective: to know the experiences of adolescents with depressive symptoms in school context. Method: qualitative study carried out in a public school in the countryside of the state of Rio Grande do Sul. The interviewees were 05 adolescents with depressive symptoms or diagnosis of depression, according to a checklist. The interviews occurred from April to May 2019 and the data were treated by Content Analysis of Minayo. Results: two categories emerged from the adolescents’ speeches: the adolescence and the intensification of the depressive symptoms and sources of support and the prospects for the future. Final Thoughts: the adolescents present common experiences for age, such as the interaction with the family, school and peers, as well as behaviors of indecision and doubt. Due to the process of adaptation to changes of adolescence, many times, they have not developed the ability to deal with certain situations yet.

Descriptors: Adolescent; Depression; Mental health; Nursing

 

Resumen: Objetivo: conocer las vivencias de los adolescentes con síntomas depresivos en el contexto escolar. Método: estudio cualitativo realizado en una escuela pública del interior del estado de Rio Grande do Sul. Fueron entrevistados 05 adolescentes con síntomas depresivos o diagnóstico de depresión, de acuerdo con una checklist. Las entrevistas se produjeron de abril a mayo de 2019 y los datos fueron tratados mediante el Análisis del Contenido de Minayo. Resultados: emergieron de los discursos de los adolescentes dos categorías: la adolescencia y la intensificación de los síntomas depresivos y fuentes de apoyo y las perspectivas para el futuro. Consideraciones finales: los adolescentes presentan vivencias comunes para su edad, como la interacción con la familia, la escuela y sus compañeros, así como los comportamientos de la indecisión y la duda. Debido al proceso de adaptación a los cambios de la adolescencia, muchas veces, aún no desarrollaron la capacidad para afrontar determinadas situaciones.

Descriptores: Adolescente; Depresión; Salud mental; Enfermería

 

 

Introdução

 

A adolescência é uma etapa do ciclo vital caracterizada por diversas mudanças e particularidades, contínuas e intensas, que impactam a vida do indivíduo, nos âmbitos físico, emocional e social. Nesta fase, ocorre uma profunda transformação corporal entre a criança e o jovem adulto.1

O adolescente, pelo seu período de desenvolvimento, pode tornar-se um indivíduo vulnerável e está sujeito, a desenvolver psicopatologias que, até meados da década de 1960, eram consideradas patologias exclusivas da fase adulta, como a depressão.2 Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão é um transtorno mental comum, e caracteriza-se por sintomas como a anedonia, baixa autoestima, culpa, tristeza, desvalia, alterações no sono e apetite por pelo menos duas semanas.3

Dados da OMS mostram que, entre os anos de 2005 e 2015, houve um significativo aumento do número de casos de depressão, 18%. E, segundo estimativa de 2017, 300 milhões de pessoas vivem com depressão. O Brasil é o país da América Latina com a maior prevalência desta psicopatologia, acomete 5,8% da população, ou seja, 11,5 milhões de brasileiros sofrem deste transtorno mental. Esta alteração pode ocorrer em qualquer etapa do ciclo vital.3

Em adolescentes, os sintomas podem se apresentar de forma diferente da fase adulta.  Alguns comportamentos comuns para a faixa etária, como irritabilidade, mudanças de humor, agressividade e as alterações do sono, são observados nos casos de depressão, sendo estas, características frequentes do período da adolescência e dificultam o diagnóstico adequado.4

A depressão na adolescência é complexa e se configura como um problema que demanda desafios para saúde pública e necessita de um olhar atento, pois se não cuidada e tratada, pode ocasionar sérios prejuízos ao desenvolvimento, saúde mental e qualidade de vida do adolescente. Em um estudo relacionado à depressão em adolescentes, com alunos do ensino médio de quatro países da Europa (Áustria, Alemanha, Eslovênia e Espanha), os resultados indicaram uma combinação importante dos fatores individuais que são a autoestima, auto aceitação, otimismo e os fatores de proteção como o apoio e estabilidade da família e uma escola participativa, o que considerou a necessidade de uma abordagem que contemple multifatores associada à avaliação da saúde mental na perspectiva da prevenção e intervenção.5

O contexto em que este adolescente está inserido apresenta fatores determinantes que estão relacionados ao surgimento dos sintomas depressivos, como a vulnerabilidade social, baixa renda, separação dos pais, violência sofrida pelo adolescente ocasionada pela mãe, uso de substâncias psicoativas e a insatisfação com a autoimagem.6

Na direção de diminuir estas vulnerabilidades, uma possibilidade é o Programa Saúde na Escola (PSE), criado em 2007, que objetiva integrar ações de promoção à saúde, efetuado pelas equipes de Atenção Primária, no contexto escolar.7  Desta forma, considera-se que o espaço de Saúde na Escola é oportuno para criação e fortalecimento de vínculos entre a enfermagem e os adolescentes, com a possibilidade de realizar ações de promoção, prevenção e de intervenção, e assim, minimizar possíveis agravos à sua saúde.

Sabendo da importância da enfermagem e dos cuidados frente a este contexto, o estudo tem como questão de pesquisa: quais as vivências dos adolescentes com sintomas depressivos em contexto escolar? No sentido de viabilizar aos profissionais de enfermagem e da escola, aproximação dos aspectos subjetivos demonstrados pelos adolescentes, para realizar educação em saúde pautada em ações de promoção à saúde e prevenção da depressão.

Justifica-se a investigação nesse tema, pois é emergente na saúde do adolescente e um problema de saúde pública; ainda, converge com os objetivos de desenvolvimento sustentável da Organização das Nações Unidas,8 descrito no objetivo 3: Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades, e estabelece a seguinte meta: até 2030, reduzir em um terço a mortalidade prematura por doenças não transmissíveis por meio de prevenção e tratamento, e promover a saúde mental e o bem-estar. Assim, objetivou-se conhecer as vivências de adolescentes com sintomas depressivos em contexto escolar.

 

Método

 

Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, com abordagem qualitativa. O cenário foi uma Escola Pública Estadual, localizada em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. Esta escola apresenta as seguintes etapas do ensino: ensino fundamental, ensino médio e também Educação para Jovens e Adultos. Os participantes foram adolescentes estudantes do ensino fundamental ou médio da escola selecionada.

O critério de seleção foi de adolescentes entre 12 e 18 anos de idade, conforme definição estabelecida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que apresentassem sintomas depressivos ou diagnóstico de depressão, de acordo com a percepção da equipe pedagógica da escola e conforme checklist entregue aos professores. Para esta seleção, os professores foram instruídos a partir de uma capacitação para o reconhecimento dos sintomas depressivos, com base no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais.9

Para a coleta dos dados, utilizou-se a entrevista semiestruturada, constituída de questões sociodemográficas referentes ao sexo, idade e composição familiar, e perguntas relacionadas ao objetivo desta pesquisa. A entrevista foi conduzida conforme a demanda de fala do adolescente, propiciando a ele um ambiente de escuta e sigilo. As produções foram analisadas de acordo com a técnica de Análise Temática do Conteúdo, que consiste em descobrir os núcleos de sentido, cuja presença ou frequência seja expressiva para o objetivo analítico visado, abrangendo as fases: pré-análise; exploração do material; tratamento dos resultados obtidos e a interpretação.10

Foram selecionados os oito adolescentes com sintomas depressivos e diagnóstico de depressão com base no checklist aplicado pelos professores. A partir disso, eles foram contatados, sendo que dois deles tinham interesse em participar, mas os pais não aceitaram a participação e um recusou participação na pesquisa. Foram realizadas, portanto, cinco entrevistas, em uma sala disponibilizada na própria escola. A coleta foi realizada nos meses de abril e maio de 2019.

Pesquisa aprovada no dia 20 de março de 2019, pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) da instituição proponente, de acordo com os termos da resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde, com parecer nº 3.210.655 e registro CAAE n° 08034219.6.0000.5346. A pesquisa foi desenvolvida conforme os padrões éticos exigidos.

Os adolescentes que participaram do estudo assinaram o termo de assentimento e os responsáveis por eles assinaram o termo de consentimento livre esclarecido, ambas duas cópias, ficando uma cópia com o pesquisador e outra com o participante e responsável. Manteve-se o anonimato dos participantes e os mesmos foram identificados pela letra “A” referente a “adolescente” seguidas dos números de 1 a 5 (A1, A2, A3; sucessivamente).

 

Resultados e discussão

 

Os adolescentes tinham idade entre 14 e 18 anos, quatro pertenciam ao sexo feminino e um ao sexo masculino. Nenhum relatou ter alguma religião ou espiritualidade. Três adolescentes moravam com a mãe, um com os avós e um com os pais. A renda de quatro participantes era maior que um salário mínimo. Quatro adolescentes realizavam acompanhamento psicológico e dois estavam em uso de medicamentos psiquiátricos. Nessa direção, apresentam-se duas categorias: O adolescer e a intensificação dos sintomas depressivos e Fontes de apoio e as perspectivas para o futuro.

 

O adolescer e a intensificação dos sintomas depressivos

 

Os adolescentes, quando questionados acerca dos seus sentimentos no dia-a-dia, apresentavam-se confusos para falar, dificuldades em explicar, oscilação de sentimentos, e, em alguns momentos se mostravam tristes e/ou agitados. E, um adolescente falou que sua mãe achava estranha essa oscilação de sentimentos e se comparava com suas amigas que, também, apresentavam pensamentos negativos.

[...] é bem confuso para falar a verdade, eu não sei explicar. Tem vezes que eu fico no quarto quieto, eu não sei dizer o meu sentimento, só quero ficar quieto. (A1)

 

[...] tem dias que estou bem agitada, tem dias que eu estou mais para baixo, mais quieta, e minha mãe tem estranhado [...] eu tenho umas amigas que são que nem eu, para baixo, que tem esses pensamentos que eu tenho. (A2)

 

[...] eu me sinto bem triste, ansiosa, preocupada, com alguns momentos de felicidade, e assim, eu sinto muita coisa. (A3)

 

[...] sei lá, é que eu sou bipolar, e aí varia muito. É tudo junto. (A5)

 

A adolescência é uma etapa fundamental no processo de evolução do sujeito, com particularidades inerentes a esta fase.11 Observaram-se nas falas, especificidades relacionadas ao comportamento do adolescente. Para tanto, na busca de sua emancipação, a adolescência pode ser uma etapa conflitante e incerta. Essas modificações, de ordem física e psicossocial devem gerar sua identidade, e devem ser vividas de forma natural.12

De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS),13 este protótipo, idealizado para a vida adulta pode tornar-se vulnerável, conforme as situações vivenciadas pelos adolescentes, como exposição à violência, vulnerabilidades familiares, desprovimento financeiro e histórico de abusos. Esse período e a maneira que ele é experienciado é considerado um determinante de saúde mental no adolescente.

Dentre os sentimentos que permeiam o cotidiano destes adolescentes, destacam-se alguns negativos, que por vezes ultrapassam o seu entendimento do que é natural e impactam o seu dia-a-dia, nos espaços social, escolar e familiar. O adolescente percebe seus pensamentos negativos, relatam o surgimento desses de forma repentina e não conseguem estabelecer conexão a um motivo, deixando-os angustiados. Durante as entrevistas, todos os participantes demonstram-se inquietos e mexem nas mãos com frequência ao falar sobre seus sentimentos, o que demonstra ansiedade.

[...] dependendo do dia [sinto] só tristeza [...] tem vezes que eu me olho no espelho, e me pergunto, por que estou assim? Horrível, é do nada. (A1)

[...] por algum motivo fico triste, fico mal, fico para baixo, só eu não sei por que, mas eu fico. (A2)

 

[...] eu me sinto bem triste, ansiosa, preocupada. A maior parte do tempo eu me sinto triste ou solitária. (A3)

 

[...] do nada eu fico triste, me dá vontade de chorar. (A4)

 

[...] fui diagnosticada também com depressão, um pouco de ansiedade. Aí eu tenho umas crises também às vezes [...] eu tenho crise de pânico, não consigo explicar. [...] começo a ficar muito desesperada, coração fica muito acelerado, vontade de chorar, dá muita tremedeira, eu não lembro, porque é muito momentâneo e depois eu não lembro muito. (A5)

 

A expressão das emoções é uma habilidade desenvolvida a partir de vivências, sendo que essa experiência capacita o sujeito para determinada atitude. Para tanto, observa-se nas falas as dificuldades de reconhecimento das expressões, emoções e pensamentos, processo que se encontra em fase de aprimoramento na vida do adolescente.

Constata-se que, apenas na fase final da adolescência, começa a moldar a maturidade emocional e durante este processo, o adolescente pode estar suscetível à vulnerabilidade.14 Conforme informações publicadas pela OPAS,13 o adolescente com instabilidade emocional precisa ser abordado de forma precoce, com o desenvolvimento de ações de promoção e proteção da saúde, pois pode haver consequências no caráter da alteração do bem-estar mental na fase adulta.

O isolamento social é observado como forma de lidar com os pensamentos que causam esta aflição no cotidiano do adolescente, assim como, constata-se o desejo de sumir, forma que o adolescente refere para que esta angústia e sofrimento sejam atenuados. As falas subsequentes demonstram esta apreensão.

[...] fico entocado no quarto, não gosto de sair muito [...] [penso em] sumir de tudo. Penso em estar num lugar, longe de todo mundo, até passar. (A1)

 

[...] quando eu estou para baixo eu não queria estar ali. (A2)

 

[...] eu meio que criei um mundo de fantasias na minha cabeça que eu faço mais parte, passo mais parte do tempo no mundo de fantasia do que no mundo real. (A3)

 

[...] eu penso em sumir, desaparecer daquele lugar. Parece que quando desaparece a tristeza vai sumir também. (A4)

 

[...] de noite quando eu vou para o meu quarto, parece que eu fico mais sozinha, não fico no meio das pessoas, eu não tenho que fingir que eu estou melhor para as outras pessoas [...] aí eu fico como eu realmente sou, é pior. Que daí tudo que eu tranquei o dia todo, volta tudo de noite quando eu estou só. (A5)

 

O retraimento social é considerado o comportamento isolacionista do indivíduo na relação com seus pares, de forma contínua, e afeta o adolescente, necessitando de atenção por parte de seus responsáveis e professores.15 A falta de interação social demonstra-se preocupante no desenvolvimento saudável da criança e do adolescente, e indica um aumento na probabilidade de problemas sociais e comportamentais, e nos relacionamentos interpessoais no futuro.16

Na sequência, observam-se alguns depoimentos que demonstram comportamentos de autolesão sem intenção suicida, ideações suicidas e agressividade.

[...] há um tempo, eu me cortava. Eu tinha um sentimento de tristeza, daí eu me cortava. (A2)

 

[...] penso que sou inútil, que vou ficar solitária. Tenho medo que possa acontecer algo pior, como eu acabar me matando ou alguma coisa assim. (A3)

 

[...] a minha tia se matou, eu fico pensando que posso fazer a mesma coisa que ela fez. Tenho medo de ficar sozinha. (A4)

 

[...] eu fico com muita raiva, sei lá, às vezes fico com vontade de matar alguém, vontade de quebrar tudo, aí começa a passar e começo a ficar triste [...] quando eu estava pior, eu pensava em suicídio. (A5)

 

A insociabilidade e a falta de esperança podem estar relacionadas às tentativas de suicídio, sendo a 3ª causa de morte entre adolescentes de 15 a 19 anos e segundo estimativas, 62 mil adolescentes morreram mundialmente, por agravos cometidos contra si mesmo.13 Em 2017, no Brasil, ocorreram 1.047 mortes por lesões autoprovocadas voluntariamente em crianças e adolescentes com idade entre 10 e 19 anos, e no Estado do Rio Grande do Sul, ocorreram 80 casos nesta faixa etária.17

Uma revisão de literatura que analisou 33 estudos em diversos países relacionados à prevalência e fatores associados ao comportamento suicida na adolescência considera esta conduta como multifatorial, podendo sofrer influência de características pessoais e comportamentais do adolescente, dos amigos e do círculo familiar.  E, a ideia de morte pode ocorrer, eventualmente, quando se considera o processo de amadurecimento e desenvolvimento de métodos para lidar com situações problemáticas vivenciadas no cotidiano, porém, transfigura-se preocupante e alarmante quando ocorrem de forma intensa e constante.12

O principal fator de vulnerabilidade para o ato suicida é a preexistência de transtorno mental (predominantemente transtornos de humor), associado a outros fatores desencadeantes.18 Tem-se algumas suscetibilidades para o suicídio como: adolescentes com antecedentes de sofrerem abuso sexual, questionamentos quanto à sexualidade, histórico de adoção, abuso de drogas e utilização patológica da internet.19

Observa-se o apoio nas relações, os vínculos de suporte e de confiança como elementos que possibilitam um crescimento mais saudável.20 Na adultez emergente, o jovem tem como proteção a autoestima e autoeficácia e relações sociais vivenciadas nos grupos de amizade, estudo ou trabalho podem ser potenciais redes de apoio.21 No entanto, estudo realizado acerca da ideação suicida, entrevistou 257 pessoas na cidade de Fortaleza, com idades entre 18 e 56 anos, relacionou como fator de proteção ao ato suicida, o compromisso religioso, a satisfação com a vida e com a saúde. Pessoas envolvidas com a religiosidade têm menos chances de apresentar tendência suicida.18

O acolhimento proveniente da família, professores e amigos, o acompanhamento de uma equipe de enfermagem e interdisciplinar junto ao adolescente é importante nesta fase, pois demonstram alguns sinais de ideação suicida, unindo-se a situações suscetíveis para tal comportamento. A assistência psiquiátrica e psicológica e o uso de medicamentos antidepressivos e ansiolíticos podem ser necessários para o tratamento dos sintomas.

 

Fontes de apoio e as perspectivas para o futuro

 

Nos depoimentos dos adolescentes emerge a importância de apoio nos momentos de estresse e confusão. A escola mostra seu importante papel na vivência deles. O professor é visto como fonte de apoio para alguns, e este profissional percebe quando o aluno não está bem e tenta auxiliá-lo na resolução de seus conflitos.

Na família, a mãe é citada por um adolescente como suporte. Apesar de ocorrer desentendimentos familiares, que são comuns nesta fase, ele procura a sua independência e desencadeia dessa maneira, conflitos como forma de se diferenciar e tentar se afastar, ao mesmo tempo em que ainda tem certa dependência.

[...] uma professora, ela sabe tudo sobre mim, quando não estou legal ela só olha para mim e já diz. Se eu estou num dia feliz ela fala: “aconteceu alguma coisa”, aí ela mal olha para mim e já diz: tu não estás bem [...] essa professora, eu conto tudo para ela, eu confio 100%. (A1)

 

[...] tem uma professora aqui na escola, eu confio bastante nela, quando eu estava mal ela percebia. (A2)

 

[...] embora ela não entenda sempre, eu busco a minha mãe. (A3)

 

[...] [me sinto apoiada] pelo professor, amigos, por essas pessoas. (A4)

 

As experiências do adolescente com seus pais e professores são determinantes para o desenvolvimento de sua identidade. A comunicação efetiva e apropriada com estes jovens auxilia na sua segurança e bem-estar.  A satisfação com a vida está muitas vezes relacionada com a boa relação estabelecida com os pais, e mínimos conflitos familiares podem atuar como fator de proteção para a depressão.22

No contexto escolar, a atuação da enfermagem junto ao PSE tem importante papel na promoção à saúde e prevenção de seus agravos. As ações em saúde devem ser estruturadas entre a Equipe de Atenção Primária e escola, observando a necessidade e as tendências com o aumento do número de casos de depressão e suicídio em adolescentes.

O PSE, além da consolidação em promoção e prevenção, tem significativa atribuição de combater as vulnerabilidades apresentadas por estes sujeitos. A cooperação entre equipe de saúde, escola e família é essencial para o funcionamento satisfatório do programa.7        

Além da escola e da família como fonte de apoio, o adolescente percebe a música como amparo, como relatos abaixo:

[...] na universidade tem um jardim botânico, fico ali quieto, boto meus fones [escuto música] e espero [...] em casa eu boto uma música triste. Tento acalmar. (A1)

 

[...] tento ficar quieta no meu quarto, escutando música, para espairecer um pouco. (A2)

[...] [para acalmar] escuto música, vejo algum vídeo no youtube, filme, série. (A5)

 

A música é definida como prática de promoção da saúde na adolescência. Estudo desenvolvido acerca da percepção dos adolescentes em relação à música como instrumento para promover a saúde teve como resultados os benefícios físicos, emocionais e sociais, destacando a enfermagem como potencializadora de explorar essa para promoção da saúde dos adolescentes.23

Nas perspectivas para o futuro, a maioria dos entrevistados demonstrou interesse em continuar seus estudos e ingressar em uma universidade. Esses jovens expressam pensamentos de forma confiante, e que, por meio de seu esforço irão atingir seus objetivos. Mostram-se otimistas, mesmo com as dificuldades que vêm enfrentando em relação aos sentimentos negativos no dia-a-dia.

[...] eu pensei em entrar para universidade. (A1)

 

[...] quero me formar em várias coisas, se eu me esforçar bastante, correr atrás, vai ser um futuro legal. (A2)

 

[...] me imagino uma radiologista bem sucedida, sem pensamentos negativos, feliz. (A4)

 

[...] vou fazer uma faculdade, me formar. (A5)

 

Ter um plano para o futuro é uma maneira de melhor visualização de qual direção deve-se prosseguir. Estes planos podem sofrer influência das relações interpessoais e do contexto em que este adolescente está inserido e envolve algumas dimensões, como: profissional, afetiva e de cidadania. Cabe salientar que perspectivas definidas e bom relacionamento familiar conferem diminuição da carga de estresse em adolescentes.24 Observa-se que o contexto no qual o adolescente está inserido tem fundamental importância em suas expectativas e planos.

No entanto, um adolescente quando questionado acerca do futuro, referiu de forma diferente em relação ao demais adolescentes:

[...] não visualizo futuro nenhum, nem imagino mais, e não sei como é que pode ser o futuro [...] não tenho nenhuma esperança. (A3)

 

A partir da análise da tríade cognitiva, alteração em que o sujeito apresenta visões alteradas de si mesmo, do mundo e do futuro, na forma de recorrentes pensamentos negativos configurando-se como automáticos, consegue-se ter uma dimensão do estado mental do indivíduo, relacionado diretamente à depressão. Constata-se a presença de estresse mais alto em adolescentes do sexo feminino, e dentro das causas estressoras está o contexto familiar desajustado, impactando na ausência de perspectivas para o futuro.24

Na percepção negativa, a influência do seu estado de humor atual abala a compreensão e há predominância de sentimentos derrotistas, conforme visualizado em diversos trechos durante a entrevista. Neste caso, foi observada baixa autoestima, profunda tristeza, isolamento social, dificuldade em relacionamentos com colegas e professores, sentimento de inutilidade, ideação suicida, e que impactam em suas perspectivas para o futuro.

 

Considerações finais

 

Este estudo permitiu conhecer as vivências dos adolescentes com sintomas de depressão. Apresentam comportamentos comuns para a idade, como a indecisão, dúvida, o convívio e o vínculo com a família, escola e seus pares. Percebe-se a preocupação do adolescente quando tomado por sentimentos que não considera estar dentro da normalidade, como a tristeza, sendo esta comum nas vivências de qualquer ser humano. O adolescente por estar adaptando-se ao processo de mudanças da fase, muitas vezes, ainda não desenvolveu habilidade para lidar com determinadas situações. Para tanto, ocorreram alguns depoimentos com situações mais preocupantes, como a autolesão sem intenção suicida e ideação suicida, sendo que estes, ao serem observados pela família, escola ou amigos devem ser encaminhados ao serviço de saúde para atendimento e acompanhamento especializado.

Em relação ao desenvolvimento de pesquisas, há necessidade da realização de novas investigações que relacione o adolescente, a saúde mental e a enfermagem. Destaca-se que é uma temática ainda incipiente nas discussões e investigações, porém é emergente e um problema de saúde pública. Quanto as limitações neste estudo, considerou-se a concretização de mais participantes, pois depende de fatores externos, como o consentimento dos pais, que por vezes, não desejam que seus filhos exponham situações que acontecem nos círculos familiares.

Como implicação para prática de enfermagem, o enfermeiro precisa perceber-se como um profissional qualificado para a escuta deste adolescente, e desenvolver ações de promoção, prevenção e intervenção à saúde, a partir do PSE e nas Equipes de Atenção Primária.

 

Referências

 

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Autor correspondente

Aline Cammarano Ribeiro

E-mail: alinecammarano@gmail.com

Endreço: : Av. Roraima nº 1000.  Cidade Universitária. Prédio 26. Centro de Ciência da Saúde.  Bairro Camobi. Santa Maria, RS, Brasil.

CEP: 97105-900

 

 

Contribuições de Autoria

1 – Fernando Fraga Herzog

Concepção e planejamento do projeto de pesquisa, obtenção e análise de interpretação dos dados, redação e revisão crítica.

 

2 –Aline Cammarano Ribeiro

Concepção e planejamento do projeto de pesquisa, análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica.

 

3 Lisiane dos Santos Welter

Concepção e planejamento do projeto de pesquisa, análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica.

 

4 Graciela Dutra Senhem

Análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica.

 

 5 Lidiana Batista Teixeira Dutra Silveira

Análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica.

 

6 – Fernanda Franceschi de Freitas

Análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica.

 

 

Como citar este artigo

Herzog FF, Ribeiro AC, Welter LS, Senhem GD, Silveira LBTD, Freitas FF.  Vivências de adolescentes com sintomas depressivos em contexto escolar. Rev. Enferm. UFSM. 2020 [Acesso em: Anos Mês Dia]; vol.10 e69: 1-17. DOI:https://doi.org/10.5902/2179769239810