Formação continuada em educação especial: análise da oferta de cursos de especialização na região Nordeste do Brasil

Continuing training in special education: analysis of the offer of specialization courses in the Northeast region of Brazil

Formación continua en educación especial: análisis de la oferta de cursos de especialización en la región nordeste de Brasil

 

Bruno Cleiton Macedo do Carmo

Universidade Federal de Alagoas – UFAL, Nordeste, Brasil.

bruno.cleiton.macedo@gmail.com

Adilson Rocha Ferreira

Secretaria de Estado da Educação de Alagoas -SEDUC/AL, Nordeste, Brasil.

adilsonrf.al@gmail.com

Neiza de Lourdes Frederico Fumes

Universidade Federal de Alagoas – UFAL, Nordeste, Brasil.

neiza.fumes@iefe.ufal.br

Viviane Nunes Sarmento

Universidade Federal do Agreste de Pernambuco – UFAPE, Nordeste, Brasil.

viviane.sarmento@ufape.edu.br

Renato Vitor da Silva Tavares

Secretaria de Estado da Educação de Alagoas -SEDUC/AL, Nordeste, Brasil.

renato.tavares@iefe.ufal.br

 

Recebido em 05 de março de 2024

Aprovado em 12 de setembro de 2024

Publicado em 27 de dezembro de 2024

 

RESUMO

Nos últimos anos, a busca por qualificação dos professores que atuam na área da educação especial se tornou recorrente nos discursos que reverberam uma educação mais inclusiva. Nesse sentido, o presente estudo tem como objetivos analisar a oferta dos cursos de especialização da área da educação especial e inclusiva ofertados na Região Nordeste do Brasil e discutir sobre as determinações que estruturam esse modelo de Pós-Graduação Lato Sensu. Trata-se de uma pesquisa quantitativa documental que utilizou dados secundários da base do sistema e-MEC coletados entre agosto de 2020 e dezembro de 2021. Para tratamento dos dados, foi utilizada estatística descritiva. Os resultados apontam para um total de 2.209 cursos de especialização Lato Sensu na área da educação especial distribuídos pelos nove estados nordestinos. Os resultados também revelam que há cursos idênticos que são ofertados em mais de um estado; a maioria é composta por cursos da rede privada de ensino; majoritariamente vinculados à área da educação. Diante dos resultados, foi realizada reflexão sobre os atos regulatórios, mecanismos de avaliação, assim como a condição mercadológica evidenciada nos cursos de pós-graduação Lato Sensu. Por fim, é notório o crescimento dos cursos de especialização na área de educação especial no Brasil, principalmente na esfera privada de ensino, formando uma cadeia mercadológica que não garante a qualidade da formação docente, o que, por sua vez, fomenta um ciclo ininterrupto de busca individualizada dos docentes por uma qualificação exigida pelo mercado de trabalho, mas que é quase impossível de ser alcançada.

 

Palavras-chave: Pós-Graduação Lato Sensu; Inclusão; Formação Docente.

 

 

ABSTRACT

In recent years, the searching for qualifications of teachers who work in the special education area has become recurrent in speeches that promote a more effective inclusive education. In this sense, the present study aims to analyze the offer of specialization courses in the area of special and inclusive education offered in the Northeast Region of Brazil and discuss the determinations that structure this Lato Sensu Postgraduate model. The present study is a quantitative documentary research which used secondary data from the e-MEC system collected between August 2020 and December 2021. After processing all data, descriptive statistics were used. The results point to a total of 2,209 Lato Sensu specialization courses in the Special Education area distributed across the 9 northeastern states. The results also reveal that identical courses are offered in more than one state; the majority courses is from the private education network; mostly linked to education area. Given the results, a reflection was carried out about the regulatory acts; evaluation mechanisms, as well as the market condition evidenced in Lato Sensu postgraduate courses. Furthermore, the growth of specialization courses in special education area in Brazil is notable, mainly in the private teaching education, which forms a marketing chain that does not guarantee the quality of teacher training; which, in turn, encourages an individualized uninterrupted cycle searching by the teachers for a qualification required by the job market, but the same time, it is almost impossible to achieve.

 

Keywords: Postgraduate Lato Sensu; Inclusion; Teacher Training.

 

 

RESUMEN

En los últimos años, la búsqueda de cualificación para los docentes que trabajan en el área de educación especial se ha vuelto recurrente en los discursos que promueven una educación más inclusiva. En este sentido, el presente estudio tiene como objetivos analizar la oferta de cursos de especialización en el área de educación especial e inclusiva ofrecida en la Región Nordeste de Brasil y discutir las determinaciones que estructuran este modelo de Postgrado Lato Sensu. Se trata de una investigación documental cuantitativa que utilizó datos secundarios de la base del sistema e-MEC recopilados entre agosto de 2020 y diciembre de 2021. Después del procesamiento de los datos, se utilizó estadística descriptiva. Los resultados apuntan a un total de 2.209 cursos de especialización lato sensu en el área de educación especial distribuidos en los 9 estados del noreste. Los resultados también revelan que existen cursos idénticos que se ofrecen en más de 1 estado; la mayoría son cursos de la red de educación privada; mayoritariamente vinculado al área de educación. Ante los resultados, se realizó una reflexión sobre los actos regulatorios; mecanismos de evaluación, así como la condición del mercado evidenciada en los posgrados lato sensu. Además, es notable el crecimiento de los cursos de especialización en el área de educación especial en Brasil, principalmente en el ámbito de la enseñanza privada, formando una cadena de comercialización que no garantiza la calidad de la formación docente; lo que, a su vez, fomenta un ciclo ininterrumpido de búsqueda individualizada del profesorado de una cualificación requerida por el mercado laboral, pero que es casi imposible de alcanzar.

 

Palabras clave: Postgrado Lato Sensu; Inclusión; Formación de Profesores.


Introdução

Desde o surgimento do paradigma da inclusão, a formação docente para atender as pessoas com deficiência nas instituições da rede regular de ensino se apresenta como um grande desafio para a efetivação de ações inclusivas que propiciem um processo de ensino-aprendizagem que consiga lidar com as especificidades desses estudantes. Nesse sentido, muitos autores apontam a falta de formação docente como sendo a principal barreira a ser vencida, principalmente após a massiva entrada de alunos da educação especial na rede regular de ensino (Silva, Carvalho, 2017; Fantacini, Dias, 2015; Sekkel, Zanelatto, Brandão, 2010; Pletsch, 2009).

Dados do censo escolar de 2022 mostram que há 1.455.473 professores atendendo alunos da educação especial no Brasil, o que corresponde a aproximadamente 63% de todos os professores da educação básica. Destes que trabalham em classes comuns do ensino regular, apenas 690.120 professores possuem especialização, o que compreende a menos da metade do total. Dentre aqueles que tem formação, não há como afirmar que esses cursos de especialização foram realizados na área de educação especial. Ainda mais alarmante é que o mesmo censo escolar aponta para 113.115 docentes que possuem apenas o ensino médio e outros 1.501 que estudaram até o ensino fundamental ministrando aulas para alunos com deficiência em classes comuns do ensino regular (INEP, 2023).

Apesar desses dados, é importante destacar que a formação docente no Brasil melhorou muito nos últimos anos quando comparada a um passado não muito distante. Ao longo dos anos, o processo de formação de professores vem assumindo distintos formatos, passando desde a formação nas denominadas Escolas Normais até recentemente a formação em instituições de ensino superior (Saviani, 2009). No que se refere à educação especial, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional pontua que os docentes devem ter uma especialização adequada para atender alunos com deficiência, transtorno de espectro autista e altas habilidades ou superdotação. Contudo, a lei não especifica quais são essas especializações e em que níveis devem ser realizadas (Brasil, 1996).

Uma característica importante da formação de professores no Brasil é que a gestão dos processos de formação sempre ficou a cargo de uma tutela político-estatal centralizadora de decisões sobre a profissão, o que fomentou uma concepção da função docente cada vez mais técnica (Garcia, 2013; Araújo et al. 2010).

Nesse sentido, aliado ao discurso neoliberal que passou a exigir cada vez mais profissionais especializados na área da educação e que incute o discurso do investimento próprio na qualificação da força de trabalho de docentes, os cursos de especialização ganharam força como uma ferramenta mercadológica revestida da ideologia neoliberal para que o profissional docente não se sinta obsoleto e à margem das exigências do mercado educacional.

É nesse contexto que se observa um crescimento acentuado de instituições que ofertam cursos de especialização, fomentadas por uma flexibilização estatal que nos últimos anos foi diminuindo as exigências tanto organizacionais como pedagógicas para o funcionamento destes cursos, a exemplo do tipo de instituição que pode ofertar os cursos, a exigência de apresentação de Trabalho de Conclusão de Curso e a qualificação do corpo docente (Ferro, 2023).

Cabe destacar que este discurso também está impregnado nas políticas públicas educacionais, como pode ser destacado na meta 16 do Plano Nacional de Educação (2014-2024):

Formar, em nível de pós-graduação, 50% dos professores da Educação Básica, até o último ano de vigência deste PNE, e garantir a todos os(as) profissionais da Educação Básica formação continuada em sua área de atuação, considerando as necessidades, demandas e contextualizações dos sistemas de ensino (Brasil, 2014).

Diferente dos cursos de graduação e pós-graduação Stricto Sensu, os quais possuem, minimamente, ferramentas de controle de qualidade com avaliações regulares e que disponibilizam dados estatísticos para o acompanhamento da evolução destes níveis de educação, como os censos educacionais, disponibilizado pelo INEP, e os relatórios da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a pós-graduação Lato Sensu só possui o sistema e-MEC, em que podem ser consultados dados dos cursos e instituições, porém sem oferecer um panorama geral da situação deste nível educacional no país.

Nesse contexto, o presente trabalho surge como desdobramento de uma pesquisa realizada pela ANPEd (Associação Nacional de Pesquisadores em Educação), como trabalho encomendado à Prof. Dra. Maria Helena Michels, para a 40ª reunião anual, intitulada “A formação do professor de educação especial no Brasil” que tinha como objetivo geral investigar a formação para educação especial no Brasil. A pesquisa nacional envolveu mais de 30 pesquisadores de todas as regiões do país, sendo a coleta de dados realizada entre agosto de 2020 e dezembro de 2021. Para este artigo em particular, buscou-se retratar a oferta dos cursos de especialização da área da educação especial e inclusiva ofertados na Região Nordeste do Brasil e discutir sobre as determinações que estruturam esse modelo de Pós-Graduação Lato Sensu.

 

 

Metodologia

 

Para este estudo, foi realizada uma pesquisa documental com abordagem quantitativa, em que foram utilizados dados secundários disponibilizados pelo sistema e-MEC, do Ministério da Educação do Brasil, referentes aos nove estados do Nordeste brasileiro. Sá-Silva, Almeida e Guindani (2009) expõem que as pesquisas documentais permitem uma melhor compreensão da realidade dos objetos estudados ao fazer uso de técnicas e procedimentos sistematizados, os quais viabilizam a extração de informações importantes de documentos ainda não analisados em relação ao tema proposto. Neste contexto, Boslaugh (2007) define dados secundários como aqueles que foram coletados, organizados e até tratados por terceiros e que estão disponíveis para serem analisados por pesquisadores.

O Sistema e-MEC foi regulamentado pela Portaria do Ministério da Educação n. 21, de 21 de dezembro de 2017, e consiste em um sistema eletrônico de gerenciamento de informações relativas aos processos de regulação, avaliação e supervisão da educação superior, da rede pública e privada de ensino, do Brasil. Nesse sistema, são encontrados dados de cursos Lato Sensu (especializações) de todo o país, os quais possuem natureza declaratória, em que a veracidade das informações inseridas é de responsabilidade das instituições de ensino que as postaram no sistema (Brasil, 2017).

As buscas foram feitas na interface de busca avançada do e-MEC (https://emec.mec.gov.br/emec/nova), com a especificação de “cursos de especialização em atividade”. No campo destinado às palavras ou termos foram inseridos os seguintes termos: AEE, Altas Habilidades Superdotação, Atendimento Educacional Especializado, Autismo, Braile, Braille, Cegueira, Deficiência, Deficiência Intelectual, Deficiente, Educação Especial, Educação Inclusiva, Inclusão, Libras, Surdez, Surdo, Surdocegueira, Transtorno do Espectro Autista e Transtornos Globais do Desenvolvimento.

Foram realizadas buscas individuais com cada termo para os nove estados da Região Nordeste. Após a busca, os resultados foram exportados diretamente do e-MEC em formato de planilha eletrônica. Assim, inicialmente, foram agrupadas todas as planilhas de cada estado e o total de cursos encontrados foi de 2.209. Em seguida, foi realizada a exclusão dos cursos duplicados que foram encontrados nos resultados das buscas dos diferentes termos. Após a remoção destes cursos duplicados os resultados dos nove estados seguiram para mais duas etapas de análises.

Na Etapa 1 foram analisados todos os cursos (n=1.718), mesmo aqueles presentes em mais de um estado. Já na Etapa 2 foram analisados os cursos considerando os que eram ofertados em mais de um estado como uma única ocorrência, já que estes cursos apresentam o mesmo número de cadastro no e-MEC e os dados lá disponibilizados são contabilizados independente do local de oferta (n=1.126). Esse último procedimento se fez necessário para evitar duplicidade de informações. Nessa etapa, foram analisadas a data de criação dos cursos, as áreas de vinculação, esferas administrativas, modalidades, carga horária, número de vagas e egressos. Na figura 1 está exposto o fluxograma do processo de buscas dos cursos de especialização na Região Nordeste a partir das palavras ou termos supracitados.

 

Figura 1 - Fluxograma das buscas dos cursos de especialização da região Nordeste do Brasil.

Diagrama, Texto

Descrição gerada automaticamente

Fonte: elaborada pelos autores.

 

Com a base de dados constituída, passou-se para a análise dos dados buscando o levantamento das características e das especificidades dos cursos de especialização em atividade. Para isso, foi utilizada a estatística descritiva realizada através do software jamovi versão 2.3 (The Jamovi Project, 2022), interface baseada no software R versão 4.1 (R Project Team, 2021), e os dados estão apresentados em gráficos e tabelas com as suas frequências absoluta e relativa. A seguir, foi feita uma discussão crítica dos resultados.

 

 

Resultados e discussão

 

Apresentação descritiva dos resultados

 

Como resultado das buscas, com base nos termos e palavras elencados, foram encontrados 2.209 cursos de pós-graduação Lato Sensu no campo da educação especial e inclusiva, em que a sua distribuição por descritor e por estado está disposta na Tabela 1.

 

 

 

 

Tabela 1- Quantitativo de cursos de especialização encontrado em cada estado da Região Nordeste do Brasil por descritor.

Descritores

AL

BA

CE

MA

PB

PE

PI

RN

SE

AEE

4

19

27

17

9

13

10

10

13

Altas Habilidades Superdotação

0

4

0

2

0

0

0

0

0

Atendimento Educacional Especializado

13

38

30

32

22

23

10

17

23

Autismo

8

14

12

4

8

6

2

3

6

Braile

1

8

8

12

2

8

2

5

8

Braille

0

5

3

2

4

3

1

1

3

Cegueira

0

2

2

3

0

1

1

1

1

Deficiência

16

43

14

24

6

18

8

12

18

Deficiência Intelectual

6

13

4

4

1

4

2

1

4

Deficiente

0

0

0

0

0

0

0

3

0

Educação Especial

64

192

113

134

32

92

43

47

92

Educação Inclusiva

19

53

39

44

16

18

4

22

18

Inclusão

6

22

8

7

4

8

2

3

8

Libras

20

81

37

47

30

26

33

20

26

Surdez

0

2

2

1

0

2

1

1

2

Surdo

3

12

3

3

2

4

1

1

4

Surdocegueira

0

2

2

2

0

1

1

1

1

Transtorno do Espectro Autista

3

11

4

3

6

1

1

6

1

Transtornos Globais do Desenvolvimento

0

0

1

0

0

0

0

1

0

Fonte: elaborada pelos autores com base nos dados do e-MEC.

 

Com base nesses resultados, percebe-se que há termos em que o número de cursos listados é maior do que os demais, o que denota que há áreas temáticas e/ou tipos de deficiências privilegiadas com os maiores números de cursos de pós-graduação. Assim, a Figura 2 demonstra em uma nuvem de palavras a representação da frequência total de resultados por termo ou palavra utilizada na busca, em que o tamanho da fonte da palavra é proporcional ao número de cursos encontrados.

 

 

 

Figura 2 - Nuvem de palavras da frequência de cursos de especialização encontrados por descritor.

 

Fonte: elaborada pelos autores.

 

Aqui, destacamos que os termos e palavras “Educação Especial” (n=809, 36,62%), “Libras” (n=320, 14,49%), “Educação Inclusiva” (n=233, 10,55%) e “Atendimento Educacional Especializado” (n=208, 9,42%) foram aqueles que apresentaram os maiores números de cursos como resultados. Em contrapartida, os termos e palavras “Cegueira” (n=11, 0,50%), “Surdez” (n=11, 0,50%), “Surdocegueira” (n=10, 0,45%), “Altas Habilidades Superdotação” (n=6, 0,27%), “Deficiente” (n=3, 0,14%) e “Transtornos Globais do Desenvolvimento” (n=2, 0,09%) apresentaram os menores números de cursos achados nas buscas.

Além de formações genéricas em educação especial, percebe-se que o modelo categorial ainda pode ser observado e que, em certos termos, relacionados diretamente a uma deficiência específica, ainda é a base para muitos cursos. Nesse sentido, estão os cursos em Libras (Surdez), Braile/Braille (Deficiência visual), Surdocegueira e TEA. Também, merece destaque o curso de Atendimento Educacional Especializado. Por outro lado, cursos específicos em "Deficiência Intelectual" aparecem pontualmente, o que difere do que aconteceu em outros momentos da história da educação especial (Toledo, Vitaliano, 2012; Pletsch, Araújo, Lima, 2017).

 

Etapa 1

 

A partir dos procedimentos adotados para a constituição do banco de dados, foram identificados 1.718 cursos de pós-graduação Lato Sensu ofertados na Região Nordeste, sendo que a distribuição por estado pode ser observada na Figura 3.

Figura 3 - Distribuição de cursos de especialização por estado da Região Nordeste do Brasil.

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados do e-MEC.

Como é possível notar, o estado da Bahia concentra o maior número de cursos (n=404, 23,52%), seguido dos estados Maranhão (n=271, 15,77%), Ceará (n=248, 14,44%), Pernambuco (n=182, 10,59%), Sergipe (n=170, 9,90%), Alagoas (n=125, 7,28%), Rio Grande do Norte (n=122, 7,10%), Paraíba (n=100, 5,82%) e Piauí (n=96, 5,59%).

Importante salientar que alguns cursos, de uma mesma instituição, são ofertados em estados distintos, mantendo as características, diferenciando-se apenas pelos locais onde possuem vinculação institucional, como demonstrado no gráfico abaixo.

 

Figura 4 - Recorrência da oferta de um mesmo curso de especialização pelos estados da Região Nordeste do Brasil.

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados do e-MEC.

Ainda que a maioria desses cursos seja ofertada em apenas um estado (n= 837, 74,33%), percebeu-se a existência da oferta de um mesmo curso em mais de um estado, sendo mais prevalente a oferta em dois estados (n=154, 13,68%), seguida por quatro estados (n=66, 5,86%), cinco estados (n=33, 2,93%), três estados (n=24, 2,13%) e seis estados (n=12, 1,07%), como pode ser verificado na Figura 4.

 

Etapa 2

 

Para dar continuidade à apresentação dos resultados, para os cursos que possuíam ofertas em mais de um estado foi considerada apenas uma ocorrência de cada um dos cursos de especialização por instituição. Portanto, foram removidas todas as repetições, ainda que estivessem em diferentes estados, uma vez que se tratava de um mesmo curso, com os mesmos dados duplicados e diferindo apenas o estado da federação em que era ofertado. Desse modo, os resultados que se seguem dizem respeito ao total de 1.126 cursos ofertados nos estados da Região Nordeste.

Desses cursos de especialização ainda em atividade analisados, pode-se verificar que eles começaram a ser ofertados na Região Nordeste do Brasil há mais de duas décadas, conforme disposto na Figura 5.

Figura 5 - Retrospectiva histórica da data de criação dos cursos de especialização em atividade na região Nordeste do Brasil.

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados do e-MEC

Apesar de haver relatos da existência de cursos de aperfeiçoamento ou especializações ofertados na érea de educação especial já na década de 1970 (Michels, 2017), nos dados disponibilizados pelo sistema e-MEC, entre os cursos que se encontravam em atividade até a coleta de dados, foi constatada a criação de um curso de especialização em 2002 e timidamente outros foram criados até 2011. A partir de 2012, nota-se que houve um crescente aumento no número de cursos, tendo o ápice no ano de 2019, com 210 cursos de especialização criados.

Os cursos de pós-graduação Lato Sensu em funcionamento nos estados da Região Nordeste do Brasil estão vinculados, de acordo com a plataforma e-MEC, a sete áreas de conhecimento distintas, conforme apresentadas na Figura 6.

Figura 6 - Áreas de vinculação dos cursos de especialização encontrados na região Nordeste do Brasil.

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados do e-MEC.

De acordo com os dados, os cursos de especialização estão majoritariamente vinculados à área da educação (n=1035, 91,92%). É possível constatar também que há um número considerável de cursos vinculados à área de saúde e bem-estar (n=43, 3,82%), artes e humanidades (n=23, 2,04%) e negócios, administração e direito (n=20, 1,78%).

Os dados aqui analisados mostram que os cursos são ofertados por 240 Instituições de Ensino Superior vinculadas ao MEC de diferentes esferas administrativas, como é possível observar na Figura 7.

Figura 7 - Esferas administrativas dos cursos de especialização encontrados na Região Nordeste do Brasil.

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados do e-MEC.

Do total de cursos, a grande maioria é da esfera administrativa privada (n=1106, 98,22%), de modo que 829 cursos (73,62%) são ofertados por instituições privadas com fins lucrativos e 277 (24,60%) por instituições privadas sem fins lucrativos. Apenas 19 cursos (1,68%) são ofertados por instituições da rede pública, dentre os quais cinco cursos são da esfera municipal (0,44%), nove da estadual (0,80%) e cinco da federal (0,44%). Aponta-se ainda a oferta de um curso na esfera especial (0,09%). Essa esfera administrativa especial refere-se a instituições de educação superior criadas por lei, seja estadual ou municipal, e existentes na data da promulgação da Constituição Federal de 1988, desde que não sejam total ou preponderantemente mantidas com recursos públicos (BRASIL, 2014).

Os cursos são, majoritariamente, ofertados na modalidade da Educação Presencial, 87,74% (n=988), enquanto, apenas, 12,26% (n=138) dos cursos são ofertados na Educação a Distância (EAD). Quanto à carga horária, os cursos apresentam a duração mínima de 360 e máxima de 1600 horas, resultando numa média de 501,27 horas (±145,17). Os cursos, em seu conjunto, ofertam 314.788 vagas e já tiveram, até o momento da coleta dos dados, 87.670 egressos.

Mesmo com 87,74% dos cursos ofertados na modalidade presencial, ao se fazer a análise de oferta de vagas por modalidade de ensino, presencial ou EAD, observa-se que a modalidade EAD apresenta uma quantidade muito superior de vagas ofertadas por curso, chegando a uma média de 944,4 (±2.156) vagas por curso nas instituições privadas de ensino e uma média de 339 (±235,7) vagas por curso nas instituições públicas de ensino (Tabela 2 e Figura 8).

 

Tabela 2 – Número de cursos e vagas ofertadas de acordo com a esfera administrativa e modalidade de ensino, presencial ou EAD, de cursos de especialização da Região Nordeste do Brasil.

Esfera Administrativa e Modalidade

Cursos

Vagas

n

%

n

%

Pública

20a

1,78%

2.734

0,87%

Presencial

14

70,00%

700

25,60%

EAD

6

30,00%

2034

74,40%

Privada

1106

98,22%

312.054

99,13%

Presencial

974

88,07%

187.394

60,05%

EAD

132

11,93%

124.660

39,95%

a Contabilizados os cursos da rede pública e da esfera especial.

EAD = Educação a Distância

Fonte: elaborado pelos autores com bases nos dados do e-MEC.

 

 

 

 

Figura 8 – Média do número de vagas ofertados pelos cursos de especialização da Região Nordeste do Brasil, de acordo com a esfera administrativa e modalidade de ensino, presencial ou EAD.

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados do e-MEC.

 

Esses dados reforçam uma política de formação continuada no formato EAD que o governo brasileiro adotou desde o início dos anos 2000. Contudo, Carmo et al. (2019) apontam que esse padrão internacional que o Brasil adotou para formar os professores da educação especial é pautado em um modelo específico de baixo custo, com foco na formação continuada e em serviço, sendo a EAD a principal modalidade de ensino empregada, que somada a outras características terminam por fragmentar e fragilizar a formação docente.

 

Discussão crítica dos resultados

 

A discussão dos resultados encontrados considera dois aspectos importantes evidenciados: 1) os atos regulatórios e os mecanismos de avaliação e acompanhamento desse segmento de ensino e 2) a condição mercadológica da educação, especificamente evidenciada pelos cursos de pós-graduação Lato Sensu.

 

Atos normativos e mecanismos de avaliação dos cursos Lato Sensu

 

Os atos normativos/regulatórios referentes aos cursos de pós-graduação Lato Sensu datam da década de 1960, quando a Lei nº 4.024/1961 que tratava das Diretrizes e Bases da Educação Nacional fez, pela primeira vez e de forma explícita, menção aos cursos de especialização e aperfeiçoamento (Brasil, 1961). Contudo, com o passar dos anos, inúmeras mudanças na concepção desses cursos, além de lacunas regulatórias e de avaliação, vêm provocando acirradas discussões no campo educacional, principalmente quanto à oferta, ao reconhecimento, à qualidade e à finalidade dos cursos de pós-graduação Lato Sensu no Brasil.

Ainda em 1965, imprecisões sobre a natureza dos cursos de Especialização e Aperfeiçoamento levaram o Conselho Federal de Educação (CFE) a fazer a distinção entre o que denominou de cursos Lato Sensu e Stricto Sensu, sendo os primeiros formados pelos cursos de especialização e aperfeiçoamento e os segundos pelos cursos de mestrado e doutorado. Mesmo com essa decisão do CFE, os objetivos e as finalidades dos cursos Lato Sensu não ficaram claros e durante muitos anos eles serviram para formação de docentes para o magistério superior (Brasil, 2018a; Fonseca, 2004; Oliveira, 1995).

Foi apenas em 2001 que o Conselho Nacional de Educação (CNE), por meio da Resolução nº 1/2001, publicou nova regulamentação para cursos de especialização, aperfeiçoamento e Master Business Administration – MBA que acenava para um possível aprimoramento e supervisão desses cursos. Todavia, numa política de aperfeiçoamento aligeirado e de baixo custo, principalmente bancada pelos trabalhadores, fortalecida pelo lobby de grupos educacionais e pelo discurso de adequação à nova realidade do mercado de trabalho, em 25 de setembro de 2008, foi publicada a Resolução nº 5 do CNE, a qual estabeleceu o credenciamento especial para instituições não educacionais ofertarem cursos de especialização (Brasil, 2008b; Brasil, 2001).

A partir desse momento, ocorreu um aumento expressivo na oferta desse tipo de curso, o que não foi acompanhado de mecanismos de avaliação da qualidade deste. Isso fez com que muitos questionamentos quanto à formação dos egressos desses cursos fossem suscitados. Num sinal de recuo, o CNE publicou em fevereiro de 2011 a Resolução nº 4/2011 e estabeleceu normas transitórias sobre o credenciamento especial de instituições não educacionais para a oferta de cursos de especialização, meses depois uma nova resolução do CNE, Resolução nº 7, de 8 de setembro de 2011, revogou o credenciamento especial para ofertas de cursos de especialização (Brasil, 2011a; Brasil, 2011b).

Nessa tentativa de aprimoramento dos cursos Lato Sensu, em 2014, o CNE instituiu o cadastro nacional de oferta de cursos de pós-graduação Lato Sensu das instituições credenciadas no sistema federal de ensino:

Art. 1º Fica instituído o cadastro nacional de cursos de pós-graduação lato sensu (especialização) oferecidos nas modalidades presencial e a distância por instituições credenciadas no Sistema Federal de Ensino.

Parágrafo único. Farão parte do cadastro referido no caput, pelo menos, as seguintes informações sobre cada curso oferecido a partir do ano de 2012:

I - título;

II - carga horária;

III - modalidade da oferta presencial ou a distância;

IV - periodicidade da oferta (regular ou eventual);

V - local de oferta;

VI - número de vagas;

VII - nome do coordenador;

VIII - número de egressos;

IX - dados sobre o corpo docente (Brasil, 2014).

 

Contudo, o cadastro instituído pelo CNE não se efetivou em uma ferramenta de acompanhamento e avaliação da qualidade dos cursos, configurando-se apenas como uma formalidade administrativa e burocrática, permanecendo os cursos Lato Sensu sem controle externo.

Em meio a denúncias de irregularidades na oferta de cursos e na emissão de certificados de especialização, o CNE publicou a Resolução nº 1 de 2018, que estabelece diretrizes e normas para a oferta dos cursos de pós-graduação Lato Sensu e determina que:

Art. 2º Os cursos de especialização poderão ser oferecidos por:

I - Instituições de Educação Superior (IES) devidamente credenciadas para a oferta de curso(s) de graduação nas modalidades presencial ou a distância reconhecido(s);

II – Instituição de qualquer natureza que ofereça curso de pós-graduação stricto sensu, avaliado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) autorizado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), na grande área de conhecimento do curso stricto sensu recomendado e reconhecido, durante o período de validade dos respectivos atos autorizativos;

III - Escola de Governo (EG) criada e mantida por instituição pública, na forma do art. 39, § 2º da Constituição Federal de 1988, do art. 4º do Decreto nº 5.707, de 23 de fevereiro de 2006, credenciada pelo CNE, por meio de instrução processual do MEC e avaliação do Instituto Nacional de Pesquisa Anísio Teixeira (Inep), observado o disposto na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, no art. 30 do Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017, e no Decreto nº 9.057, de 25 de maio de 2017, no que se refere à oferta de educação a distância, com atuação voltada precipuamente para a formação continuada de servidores públicos;

IV - Instituições que desenvolvam pesquisa científica ou tecnológica, de reconhecida qualidade, mediante credenciamento exclusivo pelo CNE por meio de instrução processual do MEC para oferta de cursos de especialização na(s) grande(s) área(s) de conhecimento das pesquisas que desenvolve;

V - Instituições relacionadas ao mundo do trabalho de reconhecida qualidade, mediante credenciamento exclusivo concedido pelo CNE por meio de instrução processual do MEC para oferta de cursos de especialização na(s) área(s) de sua atuação profissional e nos termos desta Resolução (Brasil, 2018b).

 

A Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES, 2019) destaca os incisos IV e V do artigo citado acima, que, segundo a mesma, reedita o permissivo contido na resolução nº 5/2008, a qual possibilitava o credenciamento especial de instituições não educacionais para ofertar cursos Lato Sensu. Também, destaca-se o fato de que a oferta dos cursos por meio de convênio entre instituições só pode ocorrer se o convênio for celebrado apenas entre instituições credenciadas:

 

Art. 2º. [...]

§ 2º Fica permitido convênio ou termo de parceria congênere entre instituições credenciadas para a oferta conjunta de curso(s) de especialização no âmbito do sistema federal e dos demais sistemas de ensino (BRASIL, 2018b).

Nesse ínterim, ainda pairam sobre os cursos de pós-graduação Lato Sensu dúvidas quanto a sua real natureza e quanto à qualidade dos cursos que são ofertados, tamanha é a lacuna na avaliação da oferta e da qualidade dos mesmos como pode ser observado nos dados demonstrados em relação aos cursos que possuem como foco a formação de profissionais para a educação especial no nordeste brasileiro.

 

Condição mercadológica da educação

 

Um importante aspecto evidenciado pelos dados diz respeito à mercantilização da educação brasileira nos últimos anos, que tem suas bases e legitimação na ideologia neoliberal. Com isso, o caráter das oportunidades, que se pautam na ideia de concorrência meritocrática, cresce aliado aos investimentos particulares e financiamentos privados, visto que, mais do que nunca, a educação é encarada como um uma espécie de molde profissional que irá fornecer mão de obra qualificada ao abastecimento econômico.

Essa representação da educação como uma relação mercadológica se tornou, conforme respalda Laval (2019), a vulgata das organizações financeiras internacionais e de muitos governos e, nesses termos, se constrói concretamente a ideia de marketing educacional. Ainda, segundo o autor, a educação que até então era entendida como uma necessidade moral e política, tornou-se uma oferta interesseira da parte de organizações privadas. Isto posto, deveria se adaptar ao mercado generalizado, segundo o verbo em vigor, porque esse é o “estado natural da sociedade”.

Freitas (2018) explica que no neoliberalismo o parâmetro de funcionamento da sociedade é a própria organização empresarial – tomada como modelo racional de organização –, apagando a historicidade e transformando as instituições em miniorganizações empresariais de prestação de serviços, o que, em termos, altera a própria concepção de educação e, por conseguinte, a própria política educacional.

Essa organização empresarial é percebida em nossos dados quando se constatou que determinados cursos eram reproduzidos, majoritariamente, por instituições privadas e com fins lucrativos nos diferentes estados nordestinos. Destaca-se que uma parte deles (111 cursos) se repetia em, pelo menos, quatro dos nove estados e com um número significativo de vagas sendo oferecidas, por vezes, estando o mesmo coordenador na função.

Quando se busca explicações para esses grandes conglomerados educacionais, mais precisamente acerca das discussões da educação especial as quais este estudo se respalda, encontra-se, a partir do ano de 2009, um direcionamento de políticas públicas para a formação docentes em educação especial, a exemplo da oferta de cursos de aperfeiçoamento e especialização Lato Sensu, na modalidade EAD, por intermédio da Universidade Aberta do Brasil, realizados em colaboração com instituições públicas de educação superior, em meio à necessidade de apoiar a formação de professores para atuar nas salas de recursos multifuncionais e em classes comuns do ensino regular, visto a promulgação, pela Presidência da República, do decreto 6.571/2008 o qual regulamentava o Atendimento Educacional Especializado (AEE) (Carmo et al., 2019).

Mais tarde, com a aprovação da Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva, de 2008, e com o decreto nº 7.611, de 17 de novembro de 2011, da Presidência da República, que veio a assegurar, de forma explícita, a construção da educação especial na escola comum (Brasil, 2011c; Brasil, 2008a), esses cursos ganham fôlego e passam a ser mercantilizados em instituições privadas e/ou com fins lucrativos. Este movimento aparece nos dados apresentados, os quais evidenciam o aumento de abertura desses cursos.

Destaca-se ainda que a Resolução CNE/CEB nº 4, de 02 de outubro de 2009 (Brasil, 2009), estabeleceu, em seu artigo 12, que “para atuação no AEE, o professor deve ter formação inicial que o habilite para o exercício da docência e formação específica para a educação especial”. Nesse caso, a formação específica, muitas vezes, foi entendida como um curso de especialização na área ou em educação especial, educação inclusiva, entre outros.

Com o avanço das políticas públicas de inclusão nos anos 2000, a sala de recursos multifuncionais se tornou um dos espaços para a oferta de serviços complementares e suplementares à educação do estudante público-alvo da educação especial na escola regular. Demanda-se dessa nova perspectiva a presença de novos profissionais/especialistas: o professor do atendimento educacional especializado, tradutor/ intérprete de Libras, instrutor de Libras, ledor, entre outros. Paralelamente, professores se sentem pressionados para dar conta das novas demandas e, recorrentemente, buscam individualmente por respostas para a sua formação, obedecendo a lógica do mercado de trabalho.

Destarte, o processo mercadológico da educação abre possibilidades mediante às exigências do mercado profissional para docentes e, com isso, constatou-se um aumento ainda mais expressivo, a partir de 2012, no número de novos cursos Lato Sensu para suprir a necessidade desses professores/profissionais que buscam formação continuada e/ou especialidades, a fim de garantir o lócus de um plano de atendimento que deveria ser construído pela comunidade escolar como um todo: família, demais instituições e as mais diversas interfaces sociais (Kassar; Rebelo, 2013).

Diante da lógica da mercantilização da educação, acima mencionada, formas de controle são naturalizadas, dentre elas a fabulação de que “o saber é um bem privatizado, apropriado pelo indivíduo, ou pela empresa e também fonte de rendimentos particulares” (Laval, 2019, p. 133).

Assim, uma vez que a inclusão avança no que tange à participação e à permanência das pessoas público-alvo da educação especial nos espaços educacionais, operando em redes complexas, o neoliberalismo orquestra esse passo político e essencial em relação às vidas dessas pessoas, colocando-as em um setor profissional/especial da educação, na qual, seus profissionais, de maneira desenfreada, recorrem às especializações diante do argumento do investimento profissional e da “sensibilização” de uma educação para todos.

 

Diante dessa conjectura, Charlot (2013) chama atenção ao paradoxo de que em tempo que a escola atual com frequência não se encontra adaptada à sociedade moderna, é igualmente verdade que a escola está bem adaptada às necessidades da classe dominante. Mediante essa concepção pertinente do autor, não obstante, a situação da educação especial permanece imbricada diante da nossa realidade objetiva que possui como fundamento o neoliberalismo.

 

Conclusões

 

A partir dos dados evidenciados, percebemos que com o avanço das políticas públicas de inclusão, os serviços complementares e suplementares voltados à educação de pessoas com deficiência foram alargados e, com isso, a demanda de profissionais com especialidades foram concomitantemente ampliadas, os levando a cada vez mais buscarem por formação/ aperfeiçoamento, no que se refere as suas respectivas práticas.

Esse movimento acarretou no aumento expressivo de cursos Lato Sensu, em sua maioria ofertados por instituições privadas, a partir de um processo mercadológico que se configura como solução para suprir necessidades antigas e, principalmente, as que surgem diante dessas exigências.

Diante dessa lógica de mercantilização da educação, os professores da educação especial, também estigmatizados pela ideia de herói e “responsáveis pelas vidas que lhes são conferidas”, buscam desenfreadamente por essas formações/especializações. Por sua vez, estas não são orientadas a partir da proposta de uma educação que vise a comunidade escolar como política, mas sim pela procura do melhor e menor preço.

Diante desse contexto, ao colocar o olhar nesses sujeitos trabalhadores, encontra-se a mediação da educação como lucro, da cobrança exacerbada pela produção e, por conseguinte, da individualização. Mediante essa realidade objetiva e de uma proposta rarefeita de inclusão, o número de cursos de aperfeiçoamento e especializações crescem com grande fôlego, bem como suas respectivas vendas, através de uma organização cada vez mais categórica e classificatória.

O resultado disso são professores especialistas em categorizar deficiências e comportamentos, mediante uma perspectiva de mercado marcada pela fetichizada ideia de eficiência, as quais as pessoas com deficiência não se enquadram e os professores continuarão pagando para obtê-la.

Nesse sentido, parece que é exatamente essa “educação” reprodutora de ideologias que faz com que pessoas com deficiência sejam inseridas na escola por intermédio do discurso da inclusão sem as providências, acessibilidade e financiamentos necessários, de modo que o professor é, na maioria dos casos, responsabilizado por este ensino e acaba por dissimular e justificar a dominação da norma e, como se não fosse suficiente, ainda pagam por isso segundo a lei da oferta e da procura.

 

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