Universidade Federal de Santa Maria

Ci. Fl., Santa Maria, v. 31, n. 2, abr./jun., 2021

DOI: 10.5902/1980509844460

ISSN 1980-5098

Submissão: 22/05/2020 • Aprovação: 29/10/2020 • Publicação: 1º/06/2021

Artigos

Regeneração natural após 13 anos de plantio com espécies arbóreas fixadoras de nitrogênio em Valença, no estado do Rio de Janeiro

Natural regeneration after 13 years of revegetation with nitrogen- fixing trees in Valença, Rio de Janeiro state, Brazil

Khadidja Dantas Rocha de LimaI

Maria Elizabeth Fernandes CorreiaII

Eduardo Francia Carneiro CampelloIII

Alexander Silva de ResendeIV

I Engenheira Agrônoma, Dra., Pesquisadora, Escola da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil

https://orcid.org/0000-0001-7575-0621 – khadidjadantas@hotmail.com

II Bióloga, Dra., Pesquisadora, Centro Nacional de Pesquisa de Agrobiologia, Seropédica, RJ, Brasil

https://orcid.org/0000-0003-1919-6659 – elizabeth.correia@embrapa.br

III Engenheiro Florestal, Dr, Pesquisador, Centro Nacional de Pesquisa de Agrobiologia, Seropédica, RJ, Brasil

https://orcid.org/0000-0003-4484-9738 – eduardo.campello@embrapa.br

IV Engenheiro Florestal, Dr, Pesquisador, Centro Nacional de Pesquisa de Agrobiologia, Seropédica, RJ, Brasil

https://orcid.org/0000-0002-1433-9203 – alexander.resende@embrapa.br

RESUMO

Este trabalho avaliou a regeneração natural em área plantada há 13 anos com diferentes proporções de leguminosas fixadoras de nitrogênio. O plantio foi realizado em 2001, em pastagem abandonada, em Valença, sul do estado do Rio de Janeiro, com seis espécies florestais arbóreas não nodulantes, consorciadas com sete espécies leguminosas arbóreas nodulantes, de forma a estabelecer quatro proporções de leguminosas (30, 50, 65 e 80%) na composição botânica inicial. O delineamento experimental foi o de blocos ao acaso, com três repetições em parcelas de 940 m2. Em 2014, foram avaliados indivíduos regenerantes (≥ 60 cm) dentro de cada parcela e as espécies foram identificadas e classificadas quanto ao hábito de crescimento, grupo ecológico e síndrome de dispersão. Quantificou-se densidade absoluta, frequências absoluta e relativa e os índices de diversidade de Shannon e de equabilidade de Pielou. Foram encontradas 37 espécies que não haviam sido plantadas inicialmente. Somente três, das 13 espécies plantadas estiveram presentes no banco de plântulas. A maioria das espécies regenerantes eram arbóreas, pioneiras, com hábito de dispersão por zoocoria. O plantio misto com leguminosas arbóreas nodulantes é eficaz na ativação do processo de sucessão ecológica, uma vez que garante um alto recrutamento de espécies nativas regenerantes, com destaque para a composição botânica com 50 e 65%.

Palavras-chave: Leguminosas arbóreas; Recuperação de áreas degradadas; Floresta estacional semidecidual

ABSTRACT

This study aimed to evaluate the ecological succession under different proportions of nitrogen-fixing trees intercropped with non-nitrogen fixing trees species through the understory floristic survey. A randomized block design with four treatments and three replications was conducted for 13 years with 30, 50, 65, and 80% of nitrogen-fixing trees in the whole plants used per plot. Fixed subplots with 10 m x 10 m were installed at the experimental plots and evaluated all individuals with height ≥ 60 cm to carry out the floristic survey. The species were identified and classified according to growth habit, the successional class, and dispersion syndrome. The natural regeneration vertical structure was evaluated with the following indicators: absolute density, absolute frequency, and relative frequency, the horizontal structure with Shannon’s diversity index and Pielou’s equitability index. The survey founded 37 species that had not been planted initially. Only three of the 13 planted species were present in the seedling bank. It was identified a more significant presence of pioneer trees species with zoochoric dispersion in the four treatments understory, indicating that the species mixed allowed the activation of the natural succession process. Treatments with 50 and 65 % of nitrogen-fixing trees favoured the diversity of species.

Keywords: Leguminous trees; Land reclamation; Semideciduous seasonal forest

1 INTRODUÇÃO

No Vale do rio Paraíba do Sul, localizado ao sul do estado do Rio de Janeiro, a Mata Atlântica sofreu grandes impactos durante diferentes ciclos econômicos. No século XIX, a economia da região foi impulsionada pelo ciclo do café, em que extensas áreas foram desmatadas. Com a decadência da cafeicultura, a paisagem cedeu lugar às pastagens e fragmentos florestais em diferentes níveis de degradação e sucessão ecológica (SANTOS et al., 2009).

Para reverter essa degradação, são necessárias iniciativas de restauração ecológica (MARTIN, 2017). Nesse contexto, o plantio de espécies arbóreas visa acelerar o processo de restauração e, para seu sucesso, a escolha das espécies é de extrema importância (RESENDE; LELES, 2017). As espécies escolhidas para recompor essas áreas devem conseguir se estabelecer em ambiente degradado, superar a competição com gramíneas exóticas (SANTANA et al., 2020) e facilitar a entrada de novas espécies, aumentando a complexidade da comunidade (KELTY, 2006).

Nesse contexto, leguminosas arbóreas que formam associações simbióticas com bactérias capazes de fixar nitrogênio atmosférico e com fungos micorrízicos, podem ser indicadas como facilitadoras do processo sucessional, por apresentarem: (i) maior rusticidade na competição por água, nutrientes e energia, (ii) rápido crescimento e (iii) por promoverem condições favoráveis à entrada e permanência de indivíduos mais exigentes (MACHADO et al., 2010). Este último está relacionado ao aumento das condições de sombreamento, aporte de nutrientes (via deposição de serapilheira) e transferência de nitrogênio para as espécies coabitantes (via rede micelial de fungos micorrízicos). Todas essas ações são esperadas, podendo levar à redução de custos e aumento da eficiência dos processos de recuperação dessas áreas (MARTINS et al., 2019).

Diversos estudos têm avaliado o efeito de plantios consorciados, em que são testados os efeitos de uma ou mais espécies de leguminosas arbóreas sobre outras não nodulantes (SILVA et al., 2013; LIMA et al., 2017). Interferências por vezes positivas e negativas na qualidade do solo e no desenvolvimento das espécies consorciadas já foram observadas. Entretanto, pouco se sabe sobre as interações ocorridas nesses modelos de plantios sobre o processo de sucessão ecológica.

Dessa maneira, o objetivo deste trabalho foi o de avaliar o efeito do plantio de diferentes proporções de leguminosas arbóreas fixadoras de nitrogênio, em consórcio com espécies arbóreas não nodulantes, sobre a sucessão ecológica, no bioma Mata Atlântica.

2 MATERIAL E MÉTODO

O estudo foi desenvolvido na Fazenda Santo Antônio da Aliança, localizada no Santuário de Vida Silvestre da Serra da Concórdia, criado em 1992 para preservar a fauna e a flora do ecossistema da Serra da Concórdia, que é o mais importante remanescente da Mata Atlântica na margem esquerda do Médio Paraíba do Sul. Faz parte do Projeto Santuários de Vida Silvestre da Fundação Pró-Natureza - Funatura. É uma APA (Área de Proteção Ambiental) e, portanto, não é uma unidade de proteção integral, o que possibilita alguns usos diretos e indiretos. Localiza-se na divisa dos municípios de Barra do Piraí e Valença, Rio de Janeiro, situado entre as coordenadas geográficas de 22°22’20”S e 43°47’23”W, com altitude média de 650 m (CALDAS, 2006).

Pela classificação de Köppen, o clima da região é Cwa, tropical de altitude, com precipitação pluviométrica de 1.225 mm, temperatura média das máximas de 30ºC e umidade relativa do ar de 72% (DERESZ et al., 2006). O relevo da área é predominantemente ondulado, característico da região sob influência do domínio morfoclimático dos “mares-de-morros” (AB’SABER, 1966). Os solos mais representativos da área são o Cambissolo Háplico Tb distrófico e o Latossolo Vermelho-Amarelo distrófico (CALDAS, 2006).

A área experimental está inserida na região fitoecológica denominada Floresta Estacional Semidecidual, que apresenta deficit hídrico durante a estação seca, ocasionando perda das folhas pelas espécies arbóreas nessa estação (IBGE, 1992). Em março de 2001, foi realizado o reflorestamento de uma área de pasto abandonado, a partir do plantio de mudas de seis espécies florestais arbóreas não nodulantes, consorciadas com mudas de sete espécies leguminosas arbóreas nodulantes (Tabela 1), plantadas com o objetivo de facilitar o estabelecimento das demais. Foram usadas espécies nativas, misturadas com espécies não nativas (Khaya senegalensis nativa da África, Acacia auriculiformis nativa da Austrália, Acacia mangium nativa da Austrália e Pseudosamanea guachapele nativa da América Central). No plantio houve a preocupação de mesclar espécies com potencial econômico e outras de elevada plasticidade ambiental, junto com nativas, de forma a garantir o sucesso do plantio e atender à demanda do proprietário de possibilitar renda à restauração florestal de sua área. Realidade que se aplica aos dias de hoje, no que tange à recomposição de reserva legal. Outra característica desse estudo, diz respeito à avaliação da presença de espécies exóticas na composição botânica do plantio e sua possível interferência na regeneração natural. Questão de elevada preocupação nos dias atuais e relativizada quando do plantio da área em 2001.

O delineamento experimental utilizado foi em blocos ao acaso, com quatro tratamentos, considerando as proporções de leguminosas arbóreas nodulantes distribuídas em 30, 50, 65 e 80% do total de plantas de cada unidade experimental. Todos os tratamentos foram repetidos em três blocos. Totalizando 12 parcelas, cada uma com dimensões de 37,5 m x 25 m.

Tabela 1 – Espécies arbóreas fixadoras e não fixadoras de nitrogênio utilizadas no experimento em Valença, estado do Rio de Janeiro

Table 1 – Nitrogen-fixing and non-fixing tree species used in the experiment, Valença, Rio de Janeiro state

Nome científico

Nome vulgar

Família

Espécies não nodulantes

Ceiba speciosa (A. St. Hil.) Ravenna

Paineira

Malvaceae

Colubrina glandulosa Perkins

Sobrasil

Rhamnaceae

Handroanthus chrysotrichus (Mart. ex DC.) Mattos

Ipê-amarelo

Bignoniaceae

Khaya senegalensis (Desr.) A. Juss

Mogno-africano

Meliaceae

Peltophorum dubium (Sprengel) Taub

Farinha-seca

Fabaceae-Caesalpinoideae

Handroanthus heptaphyllus (Vell.) Mattos

Ipê-rosa

Bignoniaceae

Espécies nodulantes Fabaceae

Acacia auriculiformis A. Cunn. ex. Benth.

Acácia-auriculada

Mimosoideae

Acacia mangium Willd.

Acácia-mangium

Mimosoideae

Dalbergia nigra (Vell.) Alemão ex. Benth.

Jacarandá-da-bahia

Papilionoideae

Enterolobium contortisiliquum (Vell.) Morong.

Orelha-de-macaco

Mimosoideae

Mimosa caesalpiniifolia Benth.

Sabiá

Mimosoideae

Piptadenia gonoacantha (Mart.) J. F. Macbr.

Pau-jacaré

Mimosoideae

Pseudosamanea guachapele (Kunth) Harms.

Guachapele

Mimosoideae

Fonte: Autores (2020)

As mudas foram produzidas em viveiro e as sementes das espécies de leguminosas nodulantes foram inoculadas com estirpes de rizóbios e propágulos de fungos micorrízicos arbusculares (FMA), conforme recomendações de Resende et al. (2013). Já as espécies arbóreas não nodulantes foram inoculadas apenas com FMA. Todos os inoculantes foram produzidos e fornecidos pela Embrapa Agrobiologia.

O plantio foi realizado em covas de 0,2 m x 0,2 m x 0,2 m, adubadas com 100 g de fosfato de rocha + 10 g de composto de micronutrientes (12% de Zn, 1,6% de Cu, 4% de Mn e 1,8% de B) + 25 g de sulfato de potássio + 25 g de calcário dolomítico. Cada parcela foi composta por 204 mudas, em espaçamento de 2 m × 2 m, totalizando 2.448 mudas, plantadas em curvas de nível.

Até o fechamento da área, aos quatro anos, foram realizadas dez atividades de roçada e coroamento além do replantio das mudas mortas na área experimental. Alves (2007) avaliou a taxa de sobrevivência das espécies não nodulantes aos 48 meses após o plantio (Tabela 2). Nota-se que as diferentes proporções de leguminosas no stand não afetou de forma consistente a média da taxa de sobrevivência que ficou próxima a 40%. As espécies C. speciosa e H. heptaphyllus não foram plantadas no tratamento de 65% de leguminosas, por problemas no processo de produção de mudas. Dessa forma, em substituição, aumentou-se o número de indivíduos das outras 4 espécies. C. speciosa e P. dubium apresentaram as maiores taxas de sobrevivência.

Tabela 2 – Taxa de sobrevivência das espécies não fixadoras de nitrogênio 48 meses após o plantio, em função das proporções de leguminosas utilizadas

Table 2 – Survival rate of non-nitrogen fixing species, 48 months after planting, in the 4 proportions of mixed plantations used, in Valença, state of Rio de Janeiro

Nome científico

Taxa de sobrevivência em função do percentual de leguminosas plantadas (%)

30

50

65

80

Ceiba speciosa (A. St. Hil.) Ravenna

67

75

-

56

Colubrina glandulosa Perkins

37

30

33

8

Handroanthus chrysotrichus (Mart. ex DC.) Mattos

26

35

42

29

Khaya senegalensis (Desr.) A. Juss

32

10

20

0

Peltophorum dubium (Sprengel) Taub

81

71

73

86

Handroanthus heptaphyllus (Vell.) Mattos

40

21

-

26

Média

47

40

42

42

Fonte: Adaptado de Alves (2007)

Source: Adapted from Alves (2007)

Em outubro de 2014, final do período seco, foi realizado um levantamento florístico e fitossociológico das espécies regenerantes do sub-bosque, em que foram demarcadas subparcelas de 10 m x 10 m, em cada uma das 12 parcelas experimentais.

A identificação botânica das espécies foi realizada in loco, partindo do reconhecimento de suas estruturas vegetativas (folhas) e reprodutivas (flor, fruto e sementes). Para as espécies não identificadas em campo, foi necessária a coleta do material botânico fértil, quando possível, para identificação através da confecção de exsicatas. O material vegetal coletado foi identificado com base no acervo da coleção botânica do Herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (REFLORA, 2015). As espécies foram classificadas quanto ao hábito de crescimento (arbóreo, arbustivo e herbáceo), ao grupo ecológico (pioneira e não pioneira) e à síndrome de dispersão (anemocórica, zoocórica e autocórica) segundo a lista indicada pela Resolução SMA nº 08/2008 do Instituto de Botânica de São Paulo.

Os parâmetros fitossociológicos considerados para a análise da estrutura horizontal estão descritos em Freitas e Magalhães (2012) e abrangeram as Densidades Absoluta (DA) e as Frequências Absoluta (FA) e Relativa (FR). A diversidade florística foi estimada pelo índice de diversidade de Shannon (H’) e a equabilidade pelo índice de Pielou (J’).

Os dados do levantamento florístico (família botânica, gêneros, espécies) foram tratados por meio de estatística descritiva (valores mínimos, máximos, médias e coeficientes de variação).

Os possíveis padrões de relação entre a porcentagem de leguminosas arbóreas nodulantes plantadas e a regeneração natural no sub-bosque das áreas estudadas foram verificados através de uma análise multivariada de agrupamento (cluster analysis). Dessa maneira, obteve-se um dendrograma de distâncias pelo método da ligação simples (single linkage method) e distância euclidiana, por meio do cálculo da média dos valores de equabilidade e diversidade, para cada tratamento, com o auxílio do programa PAST versão 2.17c. Essa análise permite agrupar áreas consideradas semelhantes.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

As diferentes proporções de leguminosas influenciaram no número total de indivíduos regenerantes. O menor valor médio foi encontrado no tratamento de 80% de leguminosas (8.300 ind.ha-1) e o maior, no tratamento de 65% (11.367 ind.ha-1) (Tabela 3). Já em relação ao número de famílias, gêneros e espécies de regenerantes associados a cada tratamento, os menores valores de riqueza de famílias (12), gêneros (17) e espécies (19), estiveram associados ao tratamento de 30% de leguminosas na composição de plantio. As demais proporções de leguminosas apresentaram semelhanças entre si, com valores médios de 19 famílias, 26 gêneros e 28 espécies. Em média, os tratamentos com percentuais intermediários de leguminosas favoreceram em mais de 60% a regeneração natural da área, quando comparados ao tratamento com menor percentual de leguminosas na composição botânica, após 13 anos do plantio.

Esses resultados reforçam o papel facilitador que as espécies fixadoras de nitrogênio possuem, uma vez que, como apontado por Chaer et al. (2011) e Menge e Chazdon (2016), ao melhorarem as condições de disponibilidade de nitrogênio do substrato, permitem que mais espécies possam ocupar esses nichos, estruturando o ambiente.

Tabela 3 – Densidade total de indivíduos, número de famílias, gêneros e espécies, dos indivíduos regenerantes no sub-bosque, em Valença, estado do Rio de Janeiro

Table 3 – Individuals total density, families number, regenerating plants genera and species at the understory of mixed plantations, in Valença, Rio de Janeiro state

Tratamentos

Mínimo

Média

Máximo

Total

CV (%)

Densidade total de indivíduos (indivíduos ha-1)

30%

8.100

9.300

10.400

-

12

50%

8.000

11.000

12.900

-

24

65%

10.500

11.367

12.700

-

10

80%

7.000

8.300

9.800

-

17

Famílias (número)

30%

6

8

10

12

25

50%

8

12

15

19

30

65%

10

11

12

16

9

80%

8

12

19

21

51

Gêneros (número)

30%

7

10

11

17

24

50%

10

14

20

27

36

65%

13

14

15

25

8

80%

10

14

23

24

52

Espécies (número)

30%

9

11

13

19

18

50%

11

16

21

29

32

65%

14

16

18

28

13

80%

10

15

24

26

52

Fonte: Autores (2020)

De modo geral, a família Fabaceae, com 9 espécies, apresentou a maior riqueza (Tabela 4). Avaliando fragmentos limítrofes a essa área experimental, Freitas e Magalhães (2014) também encontraram maior riqueza de espécies dessa família. Esses resultados são comuns em regiões tropicais que apresentam uma estação seca prolongada. Segundo Ribeiro et al. (2009), isso se dá em função de algumas espécies dessa família formarem associações simbióticas com fungos micorrízicos e rizóbios, acarretando vantagem competitiva por água, energia e nutrientes, em comparação com famílias que não fazem uso dessa dupla associação.

De maneira geral, 10 espécies foram as responsáveis por 73% de todos os indivíduos encontrados na regeneração natural (Tabela 4), ficando as outras 30 espécies com os 27% restantes. Outro ponto a ser destacado é que, embora tenham sido plantadas 7 espécies da família Fabaceae, somente três delas foram encontradas no banco de plântulas regenerantes (Piptadenia gonoacantha (7,4%) (nativa da região), Mimosa caesalpiniifolia (2,1%) e Pseudosamanea guachapele (0,4%)(ambas exóticas à região), totalizando 10% dos indivíduos. Com exceção dessas duas últimas, nenhuma outra espécie não nativa do bioma, que havia sido plantada inicialmente, foi encontrada no banco de plântulas. Todas as demais foram provenientes da regeneração natural das fontes de propágulos existentes no entorno ou presentes no banco de sementes do solo.

Esse resultado reforça o papel de facilitação de espécies leguminosas pioneiras, fixadoras de nitrogênio, que estruturam o ambiente, mas não apresentam representatividade no banco de plântulas, permitindo assim que espécies nativas se estabeleçam a partir da melhoria das condições edafoclimáticas (RESENDE et al., 2013).

O porte das plantas regenerantes do sub-bosque foi essencialmente arbóreo (acima de 70%) para todos os tratamentos, com forte predomínio de espécies pioneiras (próximo a 80%) e com dispersão zoocórica (acima de 55%). A maior presença de espécies com hábito de crescimento arbóreo é um bom indicativo de favorecimento da sucessão ecológica, pois, à medida que as espécies plantadas vão entrando em senescência, as espécies arbóreas regenerantes irão substituí-las, dando sequência ao processo sucessional.

Em todos os tratamentos, as espécies pioneiras apresentaram maior frequência e dominância. A maior presença de espécies pioneiras pode estar associada a um relativo curto período entre o plantio das espécies arbóreas e a avaliação florística (13 anos), como também à ausência de fragmentos florestais em estágios avançados de sucessão ecológica ou de mata nativa limítrofe às áreas estudadas (CALDAS, 2006).

A maior presença de espécies no sub-bosque com síndrome de dispersão zoocórica sinaliza a capacidade de atratividade de fauna exercida pelas espécies plantadas. Melo e Durigan (2007) ressaltam a importância das espécies com síndrome de dispersão zoocórica, como facilitadoras do processo de sucessão, pois permitem uma atratividade à fauna e, assim, contribuem com o enriquecimento da área com novas formas de vida.

Tabela 4 – Espécies encontradas no sub-bosque dos plantios com 30, 50, 65 e 80% de leguminosas arbóreas fixadoras de nitrogênio, em Valença, estado do Rio de Janeiro

Table 4 – Understory species found under plantations with 30, 50, 65, and 80% of nitrogen-fixing trees, in Valença, Rio de Janeiro state

Família

Nome Científico

HC

G

D

Tratamentos

30

50

65

80

FRi

FR

DAi

FAi

DAi

FAi

DAi

FAi

DAi

FAi

Ocorrência/

parcelas

Anacardiaceae

Schinus terebinthifolius Raddi

Arbóreo

P

Zo

-

-

100

8,3

-

-

-

-

0,2

8,3

Annonaceae

Annona cacans Warm.

Arbóreo

P

Zo

-

-

200

8,3

-

-

100

8,3

0,6

16,7

Arecaceae

Syagrus romanzoffiana (Cham.) Glassman

Arbóreo

P

Zo

100

8,3

800

25,0

1200

25,0

1600

25,0

7,2

83,3

Asteraceae

Piptocarpha axillaris (Less.) Baker

Arbóreo

P

An

-

-

-

-

-

-

100

8,3

0,2

8,3

Vernonanthura phosphorica (Vell.) H. Rob.

Arbustivo

P

An

-

-

200

8,3

-

-

-

-

0,4

8,3

Bignoniaceae

Cybistax antisyphilitica (Mart.) Mart.

Arbóreo

NP

An

200

16,7

100

8,3

500

16,7

300

25,0

2,1

66,7

Cecropiaceae

Cecropia hololeuca Miq.

Arbóreo

P

Zo

-

-

300

16,7

100

8,3

100

8,3

1,0

33,3

Euphorbiaceae

Alchornia glandulosa Poepp. & Endl.

Arbóreo

P

Zo

-

-

100

8,3

-

-

100

8,3

0,4

16,7

Fabaceae-Caesalpinioideae

Senna pendula (Humb. Bonpl. ex Willd.) H. S. Irwin Barneby.

Arbóreo

P

Zo

100

8,3

100

8,3

-

-

300

8,3

0,8

33,3

Fabaceae-Papilionoideae

Centrolobium microchaete (Mart. ex Benth.) H. C. Lima

Arbóreo

NP

An

-

-

-

-

100

8,3

100

8,3

0,4

16,7

Machaerium nyctitans (Vell.) Benth.

Arbóreo

P

An

-

-

-

-

100

8,3

-

-

0,2

8,3

Fabaceae-Mimosoideae

Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan

Arbóreo

P

Au

-

-

-

-

100

8,3

-

-

0,2

8,3

Mimosa artemisiana Heringer & Paula

Arbóreo

P

Au

-

-

-

-

300

16,7

-

-

0,6

16,7

Mimosa caesalpiniifolia Benth.

Arbóreo

P

Au

-

-

100

8,3

1000

16,7

-

-

2,1

25,0

Piptadenia gonoacantha (Mart.) Macbr.

Arbóreo

P

Au

600

16,7

1400

25,0

600

16,7

1200

25,0

7,4

83,3

Pseudosamanea guachapele (Kunth) Harms

Arbóreo

P

Au

-

-

100

8,3

100

8,3

-

-

0,4

16,7

Senegalia polyphylla (DC.) Britton & Rose

Arbóreo

P

Au

200

16,7

-

-

-

-

2800

25,0

7,0

50,0

Lauraceae

Ocotea pulchella (Nees & Mart.) Mez

Arbóreo

P

Zo

-

-

-

-

-

-

100

8,3

0,2

8,3

Malvaceae

Sida rhombifolia L.

Arbustivo

P

Au

1000

16,7

800

16,7

1700

25,0

400

16,7

7,6

75,0

Melastomataceae

Miconia pusiliiflora (DC.) Naudin

Arbóreo

P

Zo

-

-

-

-

-

-

100

8,3

0,2

8,3

Meliaceae

Guarea guidonia (L.) Sleumer

Arbóreo

NP

Zo

-

-

-

-

-

-

200

16,7

0,6

8,3

Melia azedarach L.

Arbóreo

P

Zo

-

-

100

8,3

-

-

-

-

0,2

8,3

Myrtaceae

Eugenia uniflora L.

Arbustivo

P

Zo

600

25,0

200

16,7

700

25,0

900

16,7

4,7

83,3

Psidium guajava L.

Arbóreo

P

Au

-

-

200

8,3

100

8,3

-

-

0,2

8,3

Piperaceae

Piper arboreum Aubl.

Arbóreo

P

Zo

2200

25,0

1200

25,0

1800

25,0

1800

25,0

13,6

100

Piper cuyabanum C. DC.

Herbáceo

P

Zo

1500

25,0

1100

25,0

1300

25,0

400

8,3

8,4

83,3

Rosaceae

Eriobotrya japonica (Thunb.) Lindl.

Arbóreo

NP

Zo

-

-

100

8,3

-

-

100

8,3

0,4

16,7

Rubiaceae

Psychotria carthagenensis Jacq.

Arbóreo

NP

Zo

100

8.3

900

33,3

600

25,0

1100

16,7

5,3

75,0

Rutaceae

Citrus aurantifolia (Cristm.) Swingle

Arbóreo

P

Zo

-

-

-

-

100

8,3

-

-

0,2

8,3

Zanthoxylum rhoifolium Lam.

Arbóreo

P

Zo

-

-

-

-

-

-

100

8,3

0,2

8,3

Sapindaceae

Cupania vernalis Cambess.

Arbóreo

NP

Zo

200

16,7

100

8,3

100

8,3

100

8,3

0,8

33,3

Solanaceae

Cestrum intermedium Sendtn.

Arbustivo

P

Zo

100

8,3

100

8,3

500

8,3

500

16,7

2,3

41,7

Nicotiana tabacum L.

Arbustivo

P

Au

100

8,3

500

16,7

700

16,7

100

8,3

2,7

50,0

Solanum argenteum Dunal

Arbóreo

P

Zo

800

16,7

700

25,0

900

25,0

400

16,7

5,5

83,3

Solanum ranulosoleprosum

Dunal

Arbóreo

P

Zo

1400

25,0

100

8,3

100

8,3

100

8,3

3,3

50,0

Sterculiaceae

Guazuma ulmifolia Lamarck

Arbóreo

P

Zo

1300

25,0

1300

25,0

200

8,3

600

16,7

6,6

75,0

Styracaceae

Styrax pohlii A. DC.

Arbóreo

NP

Zo

100

8,3

200

4,2

700

25,0

800

16,7

3,5

66,7

Ulmaceae

Trema micrantha (L.) Blume.

Arbóreo

P

Zo

-

-

-

-

100

8,3

100

8,3

0,4

16,7

Verbenaceae

Aegiphila sellowiana Cham.

Arbóreo

P

Zo

-

-

100

2,1

-

-

-

-

0,2

8,3

Lantana camara L.

Arbustivo

P

Zo

-

-

200

2,1

200

8,3

100

8,3

1,0

25,0

Fonte: Autores (2020)

Em que: HC = Hábito de Crescimento (arbóreo, arbustivo); G = Grupo Ecológico (P = Pioneira e NP = Não pioneira); D = Síndrome de Dispersão (Zo = Zoocórica, An = Anemocórica, Au = Autocórica), DAi = Densidade absoluta; FAi e FRi = Frequências absoluta e relativa e de ocorrência nas parcelas.

Os índices de diversidade de Shannon-Weaver (H’) e de equabilidade de Pielou (J’), verificados nos tratamentos 30% (H’ = 2,05 e J’ = 0,58), 50% (H’ = 2,52 e J’ = 0,69), 65% (H’ = 2,52 e J’ = 0,65) e 80% (H’ = 2,26 e J’ = 0,59), estão representados no agrupamento de Cluster da Figura 1. A análise mostra alta similaridade entre os tratamentos com 50 e 65% de leguminosas plantadas no consórcio, indicando, junto com os valores absolutos de H’ e J”, que a regeneração natural foi favorecida nesses tratamentos.

Figura 1 – Análise multivariada de agrupamento (cluster) por distância Euclidiana, ligação simples (single linkage) obtida a partir dos valores referentes aos índices de diversidade de Shannon e equabilidade de Pielou nos diferentes tratamentos

Figure 1 – Cluster multivariate analysis by Euclidean distance, single linkage obtained from the values referring to Shannon’s diversity and Pielou’s equability indexes in 4 different treatments

gráfico.jpg

Fonte: Autores (2020)

Esses valores ainda são inferiores aos encontrados em um fragmento próximo à área de estudo, que, segundo Freitas e Magalhães (2014), foram de H’ = 3,15 e J’ = 0,84, mas indicam que, mesmo em pouco tempo, a intervenção feita possibilitou um ganho ecológico à área. Esse fato pode ser constatado numericamente, ao se considerar que em 2001 foram plantadas 13 espécies e, em 2014, foram contabilizadas 37 espécies que não haviam sido plantadas, totalizando uma riqueza total de 50 espécies. Esses resultados reforçam o papel de estruturação ambiental que as leguminosas possuem (CHAER et al., 2011; MENGE; CHAZDON, 2016).

4 CONCLUSÕES

O plantio de leguminosas arbóreas fixadoras de nitrogênio é eficaz na ativação dos processos de sucessão ecológica, uma vez que garante um alto recrutamento de espécies nativas regenerantes, principalmente acima de 30% da composição inicial. Em áreas como as do estudo, recomenda-se utilizar um percentual entre 50 e 65% de espécies com essa capacidade na composição de plantio.

As espécies exóticas plantadas não foram encontradas no banco de plântulas regenerantes, com exceção de Pseudosamanea guachapele e Mimosa caesalpiniifolia. Cerca de 98% dos indivíduos regenerantes não estavam na composição botânica do plantio inicial, tendo, portanto, origem nas áreas adjacentes, ou na ativação do banco de sementes de solo, a partir da cobertura florestal originada pelo plantio.

REFERÊNCIAS

AB’SÁBER, A. N. O domínio dos “mares de morros” no Brasil. Geomorfologia, São Paulo, n. 2, p. 1-9, 1966.

ALVES, T. G. Sobrevivência de espécies arbóreas nativas consorciadas à leguminosas nodulantes, Serra da Concórdia, Valença, Rio de Janeiro. 2007. Monografia (Bacharelado em Ciências Biológicas) - Universidade Severino Sombra, Vassouras, 2007.

CALDAS, A. J. F. da S. Geoprocessamento e análise ambiental para determinação de corredores de hábitat na Serra da Concórdia, Vale do Paraíba –RJ. 2006. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais e Florestais) - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, 2006.

CHAER, G. M. et al. Nitrogen-fixing legume tree species for the reclamation of severely degraded lands in Brazil. Tree Physiology, Oxford, v. 31, p. 139-149, 2011.

DERESZ, F. et al. Produção de leite de vacas Holandês x Zebu em pastagens de gramíneas tropicais manejadas sob pastejo rotativo. Juiz de Fora, MG: Embrapa Gado de Leite, 2006. 6 p. (Circular Técnica, 90).

FREITAS, W. K. de; MAGALHÃES, L. M. S. Métodos e parâmetros para estudo da vegetação com ênfase no estrato arbóreo. Floresta e Ambiente, Seropédica, v. 19, n. 4, p. 520-540, 2012.

FREITAS, W. K. de; MAGALHÃES, L. M. S. Florística, diversidade e distribuição espacial das espécies arbóreas de um trecho de Floresta Estacional Semidecidual da Serra da Concórdia, RJ. Floresta, Curitiba, v. 44, p. 259-270, 2014.

IBGE. Manual técnico da vegetação brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Departamento de Recursos Naturais e Estudos Ambientais, 2012. 272 p. (Série Manuais Técnicos em Geociências, n. 1).

KELTY, M. J. The role of species mixtures in plantation forest. Forest Ecology and Management, Amsterdan, v. 233, p. 195-204, 2006.

LIMA, K. D. R. et al. Soil fauna as bioindicator of recovery of degraded areas in the caatinga biome. Revista Caatinga, Mossoró, v. 30, p. 401-411, 2017.

MACHADO, R. L. et al. Soil and nutrient losses in erosion gullies at different degrees of restoration. Revista Brasileira de Ciência do Solo, Viçosa, MG, v. 34, p. 945-954, 2010.

MARTIN, D. M. Ecological restoration should be redefined for the twentyfirst century. Restoration Ecology, Malden, v. 25, n. 5, p. 668-673, 2017.

MARTINS, E. M. et al. O uso de sistemas agroflorestais diversificados na restauração florestal na Mata Atlântica. Ciência Florestal, Santa Maria, v. 29, p. 632, 2019.

MELO, A. C. G.; DURIGAN, G. Evolução estrutural de reflorestamentos de restauração de matas ciliares no Médio Vale do Paranapanema. Scientia Forestalis, Piracicaba, v. 7, p. 101-111, 2007.

MENGE, D. N. L.; CHAZDON, R. L. Higher survival drives the success of nitrogen-fixing trees through succession in Costa Rican rainforests. New Phytologist, Cambridge, v. 209, p. 965-977, 2016.

REFLORA. Herbário Virtual. Rio de Janeiro, [2015]. Disponível em: http://reflora.jbrj.gov.br/jabot/herbarioVirtual/. Acesso em: 30 out. 2015.

RESENDE, A. S. et al. Uso de leguminosas arbóreas na recuperação de áreas degradadas. Tópicos em Ciência do Solo, Viçosa, MG, v. 8, p. 71-92, 2013.

RESENDE, A. S.; LELES, P. S. S. Controle de plantas daninhas em restauração florestal. 1. ed. Brasília, DF: Embrapa, 2017. 107 p.

RIBEIRO, M. C. et al. The Brazilian Atlantic Forest: How much is left, and how is the remaining forest distributed? Implications for conservation. Biological Conservation, Essex, v. 142, p. 1141-1153, 2009.

SANTANA, J. E. S. et al. Grasses Control Strategies in Setting Restoration Stand of the Atlantic Forest. Floresta e Ambiente, Seropédica, v. 27, n. 2, e20190066, 2020.

SANTOS, M. A. et al. Estratégias e ações para conservação da biodiversidade no Estado do Rio de Janeiro. In: BERGALLO, H. G. et al. Pressão antrópica e as novas dinâmicas na economia fluminense. Rio de Janeiro: Instituto Biomas, 2009. p. 41-65.

SILVA, A. B. et al. Estoque de serapilheira e fertilidade do solo em pastagem degradada de Brachiaria decumbens após implantação de leguminosas arbustivas e arbóreas forrageiras. Revista Brasileira de Ciência do Solo, Viçosa, MG, v. 37, p. 502-511, 2013.

Contribuição de Autoria

1 – Khadidja Dantas Rocha de Lima

Conceituação, Escrita - primeira redação

2 – Maria Elizabeth Fernandes Correia

Administração do projeto, Supervisão

3 – Eduardo Francia Carneiro Campello

Obtenção de financiamento, Metodologia

4 – Alexander Silva de Resende

Escrita - revisão e edição