Logotipo

Descrição gerada automaticamente

Universidade Federal de Santa Maria

Voluntas, Santa Maria, v. 16, n. 1, e93470, 2025

DOI: 10.5902/2179378693470

ISSN 2179-3786

Submissão: 30/08/2025 Aprovação: 17/11/2025 Publicação: 28/11/2025

1 INTRODUÇÃO.. 3

2 O GERME DA REJEIÇÃO.. 7

3 A CATÁSTROFE DO NASCIMENTO.. 14

4 SOBRE A (F)UTILIDADE DAS RUÍNAS. 22

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 28

AGRADECIMENTOS. 29

REFERÊNCIAS. 29

 

Estudos Schopenhauerianos

 

Cartografias do desalento: Schopenhauer e a ruína dos mundos futuros

 

Cartographies of despair: Schopenhauer and the ruin of future worlds

 

Fernando Ferraz OlszewskiIÍcone

Descrição gerada automaticamente

Jorge Tibilletti de LaraIIÍcone

Descrição gerada automaticamente

Gabriel LopesIIÍcone

Descrição gerada automaticamente

 

I Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

II Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

 

RESUMO

Este artigo tem como objetivo examinar aspectos da conjuntura pessimista contemporânea, analisando a retomada dos debates sobre os pessimismos reprodutivos e os fundamentos do pessimismo cósmico a partir do legado filosófico de Arthur Schopenhauer. Partindo de discussões contemporâneas sobre o pessimismo de raízes schopenhauerianas, investigaremos tendências nas humanidades que respondem ao sentimento de catástrofe a partir da especulação afirmativa que busca a composição de mundos futuros como forma de reabilitação. Mostramos que essas vertentes pessimistas e negativas não apenas hesitam diante dessa resposta, mas frequentemente a rejeitam, problematizando ainda as expectativas de um futuro aberto alicerçado no êxito da proliferação humana - retomando assim as reflexões seminais de Schopenhauer desenvolvidas em O mundo como vontade e como representação e no segundo volume de Parerga e Paralipomena. Defendemos que, no contexto dos debates atuais, elementos centrais do pensamento pessimista merecem ter sua lógica e argumentação rigorosamente examinados, em especial pelo modo como atualizam pressupostos schopenhauerianos.

Palavras-chave: Pessimismo; Temporalidade; Antinatalismo

ABSTRACT

This article aims to examine aspects of the contemporary pessimistic conjuncture, analyzing the renewed debates on reproductive pessimism and the foundations of cosmic pessimism through the philosophical legacy of Arthur Schopenhauer. Starting from contemporary discussions on pessimism rooted in Schopenhauer’s thought, we investigate trends in the humanities that respond to the sense of catastrophe through an affirmative speculation that seeks the composition of future worlds as a form of rehabilitation. We show that these pessimistic and negative perspectives not only hesitate before such a response but often reject it, further problematizing the expectations of an open future grounded in the success of human proliferation—thus revisiting Schopenhauer’s seminal reflections developed in The World as Will and Representation and in the second volume of Parerga and Paralipomena. We argue that, in the context of current debates, central elements of pessimistic thought deserve to have their logic and argumentation rigorously examined, particularly regarding how they update Schopenhauerian premises.

Keywords: Pessimism; Temporality; Antinatalism

1 INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objetivo examinar aspectos da conjuntura pessimista contemporânea[1], analisando a reatualização dos debates sobre os pessimismos reprodutivos[2] e os fundamentos do pessimismo cósmico a partir do legado filosófico de Arthur Schopenhauer. Partindo das contribuições de autores que podem ser vinculados a essa corrente - como Thomas Ligotti em sua crítica antinatalista[3], Julio Cabrera em sua ética negativa[4] e Eugene Thacker em sua abordagem do horror cósmico[5] -, investigaremos abordagens especulativas nas humanidades que respondem ao sentimento de catástrofe e de fim recorrendo a uma postura afirmativa e reabilitadora, orientada para a composição de mundos futuros em um sentido especulativo[6].

Argumentaremos que essas vertentes pessimistas não apenas hesitam diante dessa resposta, mas radicalmente a rejeitam, problematizando as expectativas de um futuro aberto alicerçado no êxito da proliferação humana. Esta posição retoma e radicaliza as reflexões schopenhauerianas sobre o sofrimento e a nulidade da existência, desenvolvidas em O mundo como vontade e como representação e no segundo volume de Parerga e Paralipomena.  Tanto os pessimismos reprodutivos quanto as ideias relacionadas ao pessimismo cósmico estão dentro do que pode ser definido como “novos pessimismos” que têm sido objeto de debate em análises recentes na teoria social[7].

Recentemente, o ideário antinatalista, que integra o conjunto dos pessimismos reprodutivos, também foi analisado considerando a ideia de futuros históricos, delineando um sentido de história negativa[8]. A exploração de temas relacionados aos novos pessimismos também tem se tornado cada vez mais presentes em discussões filosóficas acadêmicas e para-acadêmicas contemporâneas[9]. As reflexões sobre os pessimismos reprodutivos têm participado de livros dedicados ao público geral nas questões éticas sobre a procriação, destacando a centralidade do ideário antinatalista[10]. Além disso, discussões profícuas e recentes sobre as relações entre o ideário schopenhaueriano e o antinatalismo benatariano reafirmam a importância da reatualização da vertente pessimista organizada por Schopenhauer[11].

É importante argumentar, de forma preliminar, que entendemos o pessimismo como uma tradição mais ou menos difusa que aborda a precariedade da existência e sua impermanência, bem como a fragilidade, e muitas vezes a futilidade, do conhecimento na construção de certezas sobre o mundo. Nesse sentido, pode ser considerado um campo que se organiza como um conjunto de lógicas do pior[12]. Não se trata, portanto, de uma inclinação mental para a tristeza, mau humor ou melancolia, estados frequentemente evocados por detratores para invalidar as reflexões pessimistas. Porém, é fundamental considerar que esse reconhecimento não esvazia o conteúdo da discussão filosófica dos seus componentes afetivos e emocionais, elementos fundamentais do pessimismo schopenhaueriano enquanto uma postura[13], também presentes nas discussões sobre os novos pessimismos[14].

Consideramos que o pessimismo “produtivo”, inclinado ao engajamento e guiado pelos pressupostos da “Teoria Crítica”, também participa desse conjunto de “novos pessimismos” emergentes na conjuntura atual, uma vez que se opõe a um afirmacionismo acrítico que não se encanta com “o que está aí”, a partir da “negação de otimismos” . Além disso, é importante observar que nessas análises recentes que atualizam as interpretações schopenhauerianas à luz de Max Horkheimer, há um forte componente sociológico e uma importante ênfase na ”solidariedade presente na crítica social que visa a emancipação” . Apesar da pujança e da vocação mobilizadora de algumas abordagens presentes nos novos pessimismos, é importante ponderar, juntamente com Julio Cabrera, que ”qualquer projeto autenticamente negativo de transformação social deverá incluir em si mesmo a inicial certeza do próprio fracasso” .

A retomada de um interesse por aspectos do ideário pessimista, ou negativo, coincide com as discussões recentes no campo das humanidades que atravessam a teoria da história[15], história ambiental[16], antropologia e estudos culturais nas quais proliferam expressões como fim, colapso, extinção, catástrofe, finitude, apocalipse e fim do mundo[17]. Essas expressões apontam para a noção de urgência que decorre das ansiedades diante da crise climática global e a perplexidade diante do sentido de fim.

Desta mesma conjuntura pessimista, emerge um investimento na composição de novos mundos e futuros desejáveis. Trata-se de um esforço para imaginar horizontes abertos, aspirações que vinculam o sucesso da empreitada humana a uma nova harmonia com o cosmos. Definimos o afirmacionismo presente nessas posturas, como uma tendência a “abraçar - ontologicamente [...] as forças produtivas de incitar, sustentar e cultivar a existência”[18]. Trata-se de uma postura afirmativa que celebra traços do generoso e do generativo, rejeitando a negatividade, em prol da contínua produção do novo.

Em nossa análise, apontaremos as formas pelas quais as posturas pessimistas contrastam com tais atitudes afirmacionistas e reabilitadoras que tomam a proliferação indefinida da vida humana como um bem maior - emoldurada pelo cultivo de um mundo-para-nós - composto por uma natureza hospitaleira, abundante e generosa. Privilegiaremos como eixos desse contraste o ideário abrangente do pessimismo cósmico, e a diversidade dos pessimismos reprodutivos. “O germe da rejeição”, como intitulamos a primeira seção, dedica-se a analisar os contornos do pessimismo cósmico e alguns dos seus importantes desdobramentos nas discussões contemporâneas. Trata-se de uma filosofia de matriz schopenhaueriana que, ao contestar radicalmente a crença em uma natureza benigna e em uma expansão humana ilimitada, eleva a precariedade à condição de princípio ontológico fundamental.

Em “A catástrofe do nascimento”, a segunda seção, analisamos os pessimismos reprodutivos enquanto fenômeno emergente do século XX, tomando o antinatalismo como seu principal expoente nas discussões atuais. Argumentamos que os pessimismos reprodutivos constituem a manifestação mais tangível do pessimismo na atualidade, e que seu exame crítico revela questões cruciais, como o negacionismo demográfico e o polianismo.

Na seção final, “Sobre a (f)utilidade das ruínas”, examinamos como os movimentos antecipatórios, ao positivarem a composição de mundos, procuram contornar a precariedade e a sensação de fim. Nosso argumento conclui, no entanto, que essa postura incorre em um afirmacionismo pouco criticado, que negligencia e até mesmo veta posturas consideradas negativas, tais como a recusa, a rejeição e a resignação, bem como a fratura fundamental entre o eu e o mundo. Concluímos afirmando que a observação das expressões pessimistas contemporâneas pode contribuir para destacar a importância dos pressupostos que incluem a hesitação, não-ação, recusa e negação, influenciadas pelo ideário schopenhaueriano.

2 O GERME DA REJEIÇÃO

Ainda que seja comum atribuir a origem do pessimismo filosófico ou cósmico aos humores tristes de determinados pensadores, como Schopenhauer, Joshua Foa Dienstag observa que o mesmo tipo de crítica não é aplicada quando tratamos de  autores de filosofias ligadas ao progresso ou à realização do homem no mundo e na história, como John Stuart Mill e Karl Marx[19]. O pessimismo filosófico não deve ser considerado como mero fruto de mentes depressivas. Ele também não é apenas a resposta de certos autores que não enxergavam saída para os problemas políticos e sociais de seu tempo. Frederick C. Beiser aponta que Julius Bahnsen, Philipp Mainländer e Eduard von Hartmann foram filósofos que, embora pessimistas em um sentido cósmico, acreditavam em reformas sociais e políticas[20]; eles apenas não acreditavam que a resolução de questões sociais era o suficiente para sermos otimistas com relação à existência. Então, se o pessimismo não é mero fruto de humores sombrios ou de épocas turbulentas, o que ele é? Thacker define o pessimismo como sendo o difícil pensamento do mundo como algo totalmente indiferente aos nossos desejos, esperanças e lutas[21]. Já para Beiser pessimismo é “a tese de que a vida não vale a pena ser vivida, que o nada é melhor do que o ser, ou que é pior ser do que não ser”[22].

Podemos considerar Schopenhauer como o pai deste tipo de filosofia no mundo contemporâneo. De acordo com Schopenhauer, pensar o mundo de uma maneira pessimista significa uma reinterpretação do espanto filosófico dos gregos: a existência sensível, esta existência que dá a determinados seres a capacidade de sentir dor, prazer e tédio, causa um espanto naqueles que são capazes de entendê-la, mesmo que de forma rudimentar[23]. Este não é um espanto de admiração, mas de consternação. Nessa perspectiva, a musa da filosofia são os males, sejam eles causados pelo homem ou derivados da própria natureza. O tédio, a dor e o sofrimento, não importa de onde venham, não deveriam existir para Schopenhauer; porém, eles não somente existem, como existem em demasia e são parte essencial da natureza dos seres sensíveis. O devir faz com que estados negativos sejam inevitáveis. Para os seres sensíveis, sofrer é inseparável de existir segundo a filosofia schopenhaueriana.

Desta forma, o pessimismo pode ser visto como uma redescoberta ou releitura contemporânea do problema do mal, argumenta Beiser[24]. A filosofia de pensadores como Schopenhauer e Mainländer descarta a existência de um Deus onipotente, benevolente e atuante no mundo, portanto a questão não é mais tentar conciliar a presença do mal com a existência de um Deus benevolente e onipotente. Segundo Beiser, o problema é reformulado da seguinte forma: dado o sofrimento intrínseco ao devir e dada a falta de um sentido cósmico satisfatório para as nossas vidas, por que deveríamos sequer existir? Por que deveríamos nos perpetuar, gerando assim uma cadeia infindável de sofredores? A ontologia pessimista, que abarca toda a natureza sensível, é bem descrita por Ligotti: “Aqui está, então, o mote característico da imaginação pessimista que Schopenhauer tornou discernível: nos bastidores da vida há algo de pernicioso que faz do nosso mundo um pesadelo”[25]. Schopenhauer, aliás, faz uma analogia aterrorizante:

Somos como cordeiros a brincar na relva, enquanto o açougueiro nos observa e escolhe um e depois o outro; porque em nossos dias bons não sabemos que calamidade o destino está preparando naquele exato momento para nós: doença, perseguição, empobrecimento, mutilação, cegueira, loucura, morte, e assim por diante[26].

Schopenhauer define o substrato metafísico do mundo empírico como uma Vontade única e universal, que subsiste para além das formas a priori da nossa sensibilidade; i.e., tempo e espaço. A Vontade se objetiva no mundo empírico, através de incontáveis manifestações: das forças mais básicas da natureza, como a gravidade, até os animais mais complexos, como o humano[27]. Segundo Schopenhauer, o mundo existe como Vontade e como Representação: uma Vontade metafísica que se manifesta através de incontáveis representações individuadas, manifestações estas que se efetuam na realidade de forma ordenada, por grau de complexidade e particularidade. Porém, apesar de haver uma ordem, ela é espontânea, visto que a Vontade é cega e não tem um propósito. Ela é manifestação pura, desejo puro. Sendo cega, ela não se importa com os enormes sofrimentos pelos quais suas representações passam. Todos os seres sensíveis são marionetes descartáveis, inclusive o ser humano — mas ao contrário de outras filosofias, como a de Georg Wilhelm Friedrich Hegel[28], não somos marionetes descartáveis que servem a um propósito racional maior ou edificante.

É claro que, no século XXI, asserções metafísicas, em geral, são difíceis de serem sustentadas, graças ao atual domínio do método empírico nas ciências que descrevem os fundamentos da realidade. Entretanto, alguns comentadores de Schopenhauer afirmam que podemos e até devemos considerar a tese schopenhaueriana da Vontade como uma metáfora sobre a realidade. Um deles é Christopher Janaway: “Como deveríamos entender isso? Se for entendido literalmente, é meramente embaraçoso. Mas talvez ele esteja fazendo algo mais sutil aqui e tentando nos ensinar nosso próprio parentesco com a natureza por meios retóricos”[29]. Janaway é pertinente nessa passagem. Nosso parentesco com a natureza, embora considerado como algo dado atualmente em qualquer análise acadêmica séria, não altera o fato de que a vasta maioria das análises ainda nos coloca em um lugar especial. Porém, a complexidade biológica do Homo sapiens, seu intelecto capaz de o levar à Lua e realizar a fissão nuclear, não mudam a realidade de que ele é um ser efêmero como todos os outros, manifestação de uma natureza que está sempre se reciclando e cuspindo dolorosamente seus filhos para fora da existência.

Para Schopenhauer e filósofos pessimistas em geral, a resposta ao diagnóstico de que o não ser é preferível ao ser é a rejeição da existência. Essa rejeição não implica um niilismo moral onde tudo é permitido, muito menos que podemos ou até devemos destruir o mundo. Opondo-se a Immanuel Kant[30], para quem a ética é derivada da razão, Schopenhauer argumenta que ela é derivada da compaixão. De maneira resumida: segundo ele, quando percebemos, mesmo que de maneira intuitiva, que somos representações fenomênicas de uma única realidade metafísica, somos capazes de entender que o sofrimento dos outros é também o nosso próprio sofrimento. Este, para Schopenhauer, “é o fenômeno diário da compaixão, quer dizer, a participação totalmente imediata, independentemente de qualquer outra consideração, no sofrimento de um outro e, portanto, no impedimento ou supressão deste sofrimento […]”[31].

Vemos no fundamento da ética pessimista de Schopenhauer o germe da rejeição do devir e a preferência pelo não ser tão enfatizada pelo antinatalismo contemporâneo de pensadores como Julio Cabrera e David Benatar. A ideia, levada à sua conclusão lógica, já é tratada pelo próprio Schopenhauer, quando ele escreve:

Se imaginarmos, o mais amplamente possível, a soma total de miséria, dor e sofrimento de todos os tipos sobre os quais o sol brilha em seu curso, admitiremos que teria sido muito melhor se tivesse sido tão impossível para o sol produzir o fenômeno da vida na Terra quanto na Lua, e se a superfície da Terra, como a da Lua, ainda estivesse em um estado cristalino. […] Imaginemos por um momento que o ato de procriação não fosse uma necessidade ou acompanhado de prazer intenso, mas uma questão de pura deliberação racional; poderia então a raça humana realmente continuar a existir? Não sentiriam todos  tanta simpatia pela geração vindoura que prefeririam poupá-la do fardo da existência, ou pelo menos não gostariam de assumir a sangue frio a responsabilidade de impor-lhe tal fardo[32]?

Emil Cioran, filósofo e autor pessimista do século XX, ecoa a ética schopenhaueriana ao afirmar que “não corremos em direção à morte; fugimos da catástrofe do nascimento […]”[33]. O verdadeiro mal, para Cioran, se situa no passado, na origem do ser, e não na sua futura dissolução. Para ele, é apenas quando reconhecemos que o nascimento é a raiz de todo o mal que somos capazes de entender o mundo:

Tudo se explica na perfeição se admitirmos que o nascimento é um acontecimento nefasto ou pelo menos inoportuno; mas se formos de outra opinião, devemos resignar-nos ao ininteligível, ou então fazer batota como toda a gente[34].

O etos pessimista, portanto, é essencialmente rejeitador do mundo e enxerga o nascer de forma negativa; isto é, ele é, em maior ou menor grau, antinatalista. Na atualidade, alguns autores se destacam entre os antinatalistas, como os já mencionados Cabrera e Benatar. David Benatar, filósofo sul-africano, aponta que, quando uma pessoa X existe, estados positivos são bons e estados negativos são ruins, enquanto a ausência de estados positivos é ruim e a ausência de estados negativos é boa — algo que todos sabemos, pois é a situação de todos nós que existimos. Porém, de acordo com ele, no cenário contrafactual em que X nunca existiu, X nunca experimentou estados positivos, algo que Benatar argumenta não ser ruim, visto que não há ninguém para quem essa incapacidade de experimentar estados positivos seja ruim como no cenário em que X existe. Contudo, X também não experimentou estados negativos, mas ao contrário do que ocorre com os positivos, Benatar argumenta que isso é bom. A intuição deste autor é a seguinte: a ausência de estados negativos é boa mesmo quando não há ninguém para experimentá-la. Daí vem a assimetria benatariana entre os que passam a existir e os que nunca existiram[35].

Dada a influência de Benatar no tema do antinatalismo contemporâneo e o fato de que seu pensamento, para muitos, remonta à filosofia pessimista de Schopenhauer, atualmente ocorrem tentativas de harmonizar os pensamentos benatariano e schopenhaueriano. Vale a pena mencionarmos uma delas, realizada por André Oliveira. Este autor destrincha a tese antinatalista de Benatar em seis aspectos cruciais: a privação de estados positivos como sofrimento; a falta de reflexão da maioria dos humanos quanto à ideia de procriar; a assimetria entre estados positivos e negativos; a rejeição à autodeclaração da felicidade ou qualidade de vida; a presença do sofrimento animal; e por fim, a falta de um sentido significativo para a vida. Oliveira então os relaciona um por um a aspectos da obra de Schopenhauer, mostrando haver, se não uma equivalência completa entre as ideias, uma forte similaridade[36].

Por último, temos Julio Cabrera, filósofo argentino radicado no Brasil, que argumenta haver um atrito inerente à própria existência, algo que faz com que passar a existir seja sempre negativo, por mais que tentemos negar ou melhorar a nossa condição. Segundo ele, há no ser um mal-estar profundo. O aspecto atritado e negativo da existência começa a nos atingir desde a nossa formação no útero e termina de nos afetar quando finalmente chegamos ao óbito. Somos seres terminais ao longo de toda a vida — e seríamos mesmo se nunca morrêssemos, já que alguma forma de atrito será sempre inescapável ao ser, ainda que seja somente o atrito da falta de um sentido cósmico para as nossas vidas. Segundo este autor, o atrito se dá essencialmente de três maneiras: dor física, desânimo ou dor mental e exposição à agressão de outros humanos, seja ela física ou não. Por sua vez, esses outros humanos também estão submetidos aos três tipos de atrito e suas inúmeras manifestações. A terminalidade e os atritos forçam seres como nós a constantemente criar valores positivos para sustentar a ideia de que a vida vale a pena ser perpetuada. Somos, neste sentido, seres fadados a criar justificativas para o simples ato de existir no universo[37].

3 A CATÁSTROFE DO NASCIMENTO

Em seu romance, Maternidade, Sheila Heti esmiúça o tema da procriação sob a perspectiva de uma mulher adulta que se encontra em conflito com o que parece ser uma das decisões mais importantes de sua vida: deveria ela tornar-se mãe? Se a decisão de ter filhos é algo que requer certo planejamento e coragem, a decisão de não ter filhos é, talvez, ainda mais corajosa e complexa. É isso que Heti apresenta em seu livro, com todas as reviravoltas psicológicas, biológicas e sociais que o peso dessas decisões tem sobre as mulheres. Apesar de não se tratar de um texto pessimista ou antinatalista, o trabalho da escritora canadense guarda muitas coisas em comum com o debate proposto por essas orientações filosóficas:

O egoísmo da geração de filhos é como o egoísmo de quem coloniza um país — ambos carregam o desejo de deixar algo de si no mundo e o reformar com seus valores, à sua imagem. Eu me sinto agredida quando ouço que uma pessoa teve três filhos, quatro, cinco ou mais […] Parece mesquinho, autoritário e grosseiro — a disseminação arrogante desses seres[38].

Mara van der Lugt formulou algumas das questões que circulam nesse debate de forma bastante objetiva: O que significaria criar um ser? O que seria exigido de nós ao decidir isso e o que seria uma criação ética[39]?

Apesar de não existir uma definição formal para o que chamamos de pessimismos reprodutivos, o termo pode servir para indicar diferentes práticas, ideias e movimentos que recusam, ou hesitam seriamente diante da procriação humana. Essa negação pode estar no centro de um movimento, como o ativismo antinatalista, ou junto de outras reivindicações e ansiedades, como no caso dos movimentos Childfree, BirthStrike, 4B, dentre outros. Da mesma forma, apesar de nem todos esses movimentos terem uma orientação pessimista filosoficamente embasada, como no caso do antinatalismo, a negação da procriação e a decisão de não ter filhos, estão justificadas por uma lógica pessimista, decorrente tanto do medo das mudanças climáticas, preocupações com o futuro da humanidade, liberdade feminina, abstenção sexual, misandria e outras questões éticas.

Enquanto ideias acerca da negação do nascimento surgiram já na Grécia Antiga, e, de forma mais contemporânea, da negação da procriação, tomaram forma no final do século XIX[40], movimentos estatisticamente significativos acerca da escolha de não ter filhos podem ser datados apenas da década de 1970. Em 1972, por exemplo, o termo childfree foi utilizado pela primeira vez pela National Organization for Non-Parents (Organização Nacional para Não-Pais), buscando marcar uma diferença em relação ao termo childless. O primeiro, refere-se àqueles que escolhem não ter filhos, independentemente de suas condições econômicas, sociais e biológicas, enquanto o segundo, indica pessoas que desejam ou pretendem ser pais, mas não conseguem, geralmente por razões biológicas. Apesar de ser difícil distinguir esses dois grupos do ponto de vista demográfico, revisões sobre o tema indicam um crescimento por todo o mundo de casais childfree entre a década de 1970 e 2000[41].

Na década de 1980, as motivações de casais childfree passaram a ser analisadas a partir de várias pesquisas publicadas desde a década anterior[42]. Elas envolviam, por exemplo, a liberdade de responsabilidades no cuidado de crianças, maiores oportunidades de autorrealização, mobilidade, tempo de lazer, bens de consumo, viagens, além do desejo de evitar o lado negativo da parentalidade, vista como uma tarefa difícil; perda do controle de si e sobre o futuro e impacto na relação do casal. Além dessas motivações, a responsabilidade moral e social em relação à humanidade também se fazia presente. Sobre esse último aspecto, mulheres foram mais propensas a mencionar motivações altruístas como preocupações com o crescimento populacional, a capacidade de ser mãe e o futuro das crianças, enquanto homens tiveram suas respostas marcadas por razões individualistas[43]. Além da diferença de gênero, a tendência natalista da sociedade, atrelada ao estigma dos casais childfree são algumas das mais importantes características do tema.

Analisando o termo Childfree by choice, sobretudo a partir do campo da psicanálise, Rebecca Harrington aponta que o tema da ausência voluntária de filhos não aparece em discussões e conferências psicanalíticas. Discute-se, por exemplo, o impacto da infertilidade nos pacientes, e como tornar-se fértil a partir de tratamentos, mas escolher não ter filhos, ou conceber uma família sem crianças, mesmo para os progressistas do campo, parecem pontos negligenciados conscientemente[44]. Além disso, é comum, de acordo com a autora, mulheres que optaram por não procriar, serem vistas como emocionalmente problemáticas ou egocêntricas[45]. Nesse sentido, mesmo quando a mulher opta por não ser mãe, ou, como afirma Heti, principalmente nesses casos, o maternalismo as afeta negativamente. Para Vera Iaconelli, o discurso maternalista dificulta o entendimento de que a responsabilização na procriação é coletiva, colocando a mulher como a única responsável pelo cuidado parental, além de reduzir as mulheres à função de mães[46]. Por conta disso, uma mulher que escolhe não ser mãe é estigmatizada[47].

Esse debate é importante pois nos ajuda a entender, ao menos parcialmente, algumas das pautas de outros movimentos entendidos aqui como parte dos pessimismos reprodutivos. É o caso do movimento feminista sul-coreano 4B (4). Recentemente, após a eleição de Donald Trump à presidência dos EUA, em novembro de 2024, o movimento 4B viralizou nas redes sociais, ganhando público entre as estadunidenses[48]. Situado no chamado feminismo digital, o movimento 4B surgiu por volta de 2015. Seu nome vem dos termos bihon, bichulsan, biyeonae e bisekseu, que significam respectivamente a recusa do casamento heterossexual, da maternidade, do romance e das relações sexuais. Essa recusa, caracterizada pelo bi (), “não” em coreano, critica diretamente a guinada natalista das políticas estatais coreanas, além de buscar formas de pensar o futuro individual das mulheres. O que está em jogo é como imaginar o futuro como indivíduos após a “juventude”, em vez de como esposas e mães[49].

Outros eventos atuais, como a pandemia de Covid-19, no entanto, parecem não ter afetado de maneira significativa os planos daqueles que querem investir na paternidade. Ou seja, mesmo com uma série de estressores relacionados à saúde fetal e materna, à economia, além de outros perigos concretos de uma emergência global, de acordo com Charlotte Abel, “permanece um senso de otimismo maternal compulsório sobre a reprodução”[50]. Isso nos leva a refletir sobre a verdadeira dimensão do impacto que eventos catastróficos, ambientais ou políticos, podem adquirir. Para Katya Ivanova e Nicoletta Balbo, fatores como a incerteza econômica, o aquecimento global e o aumento da desigualdade, que caracterizam o chamado pessimismo social, têm recebido pouca atenção no tocante ao seu papel em comportamentos demográficos. A relação entre pessimismo social, ou seja, a percepção negativa dos indivíduos sobre o futuro da próxima geração, e a probabilidade de se tornarem pais, foi investigada a partir de dados demográficos dos Países Baixos. As autoras concluíram que, de fato, perceber o futuro da próxima geração como pior que o presente está associado a uma menor probabilidade de ter filhos[51].

No trabalho mencionado acima, há uma distinção feita entre pessimismo social e individual. Em resumo, percepções negativas sobre o futuro não impedem que os indivíduos avaliem sua própria situação pessoal com otimismo. Na literatura trabalhada, esse fenômeno é conhecido como “otimismo irrealista” ou “lacuna de otimismo”[52]. Para além da terminologia oriunda de pesquisas com questionários e dados demográficos, esse mesmo fenômeno pode ser entendido como o que Benatar chama de Princípio de Poliana, ou seja, uma tendência ao otimismo, a despeito de todas as coisas horríveis e danosas que ocorrem durante a existência. Para Benatar, o polianismo é tão poderoso que qualquer visão pessimista, seja ela social ou individual, é descartada como um lamento dos fracos[53].

Aproximando Benatar de Schopenhauer em uma série de aspectos, com o objetivo de demonstrar como o pessimismo metafísico schopenhaueriano é um fundamento importante do antinatalismo de Benatar, Oliveira menciona que, de acordo com o filósofo alemão, mesmo sabendo que viver é uma morte adiada, “nos esforçamos para postergar essa certeza ao máximo, como uma bolha de sabão”[54]. Nesse sentido, somos ingênuos ao acreditar que nossa vida possui algum sentido significativo, semelhantes a crianças ansiosas pelo seu futuro.

No debate ecológico e populacional, o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves chama o otimismo natalista de negacionismo demográfico, que, segundo ele, está associado ao negacionismo climático. Para ele, o tabu religioso e as posturas ideológicas, dificultam o enfrentamento dos grandes problemas ambientais, tendendo a negar os efeitos do crescimento populacional sobre o colapso ambiental global[55]. Ivanova e Balbo consideram que as incertezas sociais, associadas à fatores econômicos ou a problemas como a pandemia de Covid-19, podem levar a uma crescente visão pessimista sobre o futuro da humanidade, e, consequentemente, a uma percepção negativa sobre as condições de mundo para a nova geração, impactando, assim, os comportamentos ligados à fertilidade[56]. A maneira como os indivíduos enxergam seu futuro, nesse sentido, está intimamente ligada à procriação. Assim, mesmo que ainda possa ser difícil perceber um efeito demograficamente significativo, o crescimento de diferentes pessimismos reprodutivos pode ser encarado como um resultado concreto das percepções negativas sobre o futuro, ou da dificuldade de imaginá-lo.

Importa ressaltar, porém, que o espectro de posições dentro do pessimismo reprodutivo é amplo, abrangendo desde a reflexão teórica e acadêmica até o engajamento político e a ação pública direta. A vertente do pessimismo reprodutivo engajado, embora valorizada por alguns de seus proponentes como necessária, é objeto de contestação, podendo ser considerada como uma “causa perdida de antemão”[57].

A principal expressão dos pessimismos reprodutivos na atualidade é o antinatalismo. A primeira definição formal do termo em língua inglesa foi feita pelo Cambridge Dictionary, em 2023. No dicionário, antinatalismo é definido como a “crença de que é moralmente errado ter filhos ou que as pessoas devem ser incentivadas a não ter filhos”[58]. Apesar da definição ser bastante sucinta, de acordo com Schmitt, o antinatalismo é expresso em diferentes graus nos espectros do pessimismo. Enquanto para Thomas Ligotti, por exemplo, o antinatalismo é uma resposta à “insignificância cósmica da existência humana”[59], nos últimos anos, o termo ganhou mais tração e atenção da mídia em discussões relacionadas às mudanças climáticas. Schmitt cita o movimento BirthStrike, que defende “um estilo de vida antinatalista para evitar que futuras pessoas tenham de viver nas condições distópicas causadas pelo aquecimento global e pelos desastres ecológicos”[60].

De maneira geral, existem duas orientações que estão na base das perspectivas antinatalistas. A primeira, aponta o protagonismo da espécie humana na degradação e sofrimento de outras formas de vida na Terra; a segunda, defende a descontinuidade da existência humana por razões éticas, no sentido de que os males sempre superam qualquer aspecto positivo da vida. Assim, sintetizando as duas abordagens, prevalece a ideia de que “a existência da espécie humana seria tanto um mal para si mesma quanto para os outros seres existentes no planeta”[61]. Por conta desses diferentes focos, pode-se considerar o antinatalismo como um movimento complexo, possuindo razões altruístas, argumentos misantrópicos ou filantrópicos, tendências ecológicas ou morais. Além disso, dos pessimismos reprodutivos, o antinatalismo é o que possui conexões mais estreitas com o conhecimento acadêmico, não só por muito da sua base teórica ser oriunda do trabalho de filósofos profissionais, mas devido ao fato de que os próprios ativistas antinatalistas têm se engajado em estabelecer essa ponte[62]. Esse alinhamento está profundamente associado, como vimos, ao legado de uma determinada postura pessimista de raiz schopenhaueriana. Um desdobramento palpável nas discussões contemporâneas do pessimismo cósmico e dos pessimismos reprodutivos alinhados ao antinatalismo acadêmico, próximo das discussões negativas dentro da bioética.

4 SOBRE A (F)UTILIDADE DAS RUÍNAS

Recentemente, abordagens que analisam as ansiedades contemporâneas de uma conjuntura pessimista têm mapeado reações que buscam uma reabilitação, ou pelo menos uma saída diante do sentido de fim. Não raro, essas reações buscam produzir, compor, imaginar, tecer outros e novos mundos possíveis. Essa tendência foi descrita pelo geógrafo Thomas Dekeyser como uma espécie de fascínio contemporâneo pela projeção/composição de mundos[63]. Consequentemente, essas ansiedades sobre o presente e sobre o mundo atual se desdobram nas aspirações por horizontes possíveis, se concretizando sob a forma de novos mundos para existir e resistir. Nessa operação, o conceito de mundo se estabelece como uma “lógica fundamental de futurabilidade”[64].

 Apesar da aspiração sobre os novos mundos possíveis ter se intensificado em diversas publicações após a pandemia de Covid-19 e no incremento das ansiedades climáticas, pelo menos desde a primeira década do século XX a frase “outros mundos são possíveis”, se estabeleceu como um “mantra” em uma conjuntura de organização dos pessimismos, “como se fosse necessário reafirmá-la constantemente para lembrar a nós mesmos que acreditamos nela”[65].

Dekeyser analisou essa tendência de futurização de mundos como um fenômeno na produção de conhecimento sobre aspectos políticos e afetivos na geografia, porém, é inegável a influência da chamada “virada ontológica da antropologia” nessa produção de sentidos[66]. Essa inspiração pela projeção de mundos futuros também tem atravessado as fronteiras disciplinares e pode ser sintetizada na sua ambição em guiar-se pela "pluralidade de mundos possíveis"[67].

Mesmo se colocando como uma proposta que mobiliza as esperanças frente às ansiedades ecossistêmicas atuais, essa vertente especulativa tem enfrentado suas críticas mais fortes dentro do seu próprio campo. Em especial está a objeção à tendência em se fazer uma "sociologia do possível" em detrimento de uma “etnografia do real”, podendo produzir uma forma de um futurismo especulativo sem lastro[68]. Essa abordagem também foi definida como uma “antropologia ontopolítica”, criticada por instrumentalizar o conhecimento etnográfico – uma forma de (re)colonização – que alicerça a construção de “futuros especulativos alternativos”[69].

Vale destacar que, embora exerça influência transdisciplinar, essa abordagem antropológica tem sido circunscrita como uma ontologia paroquial, ou seja, uma instrumentalização metodológica que reduz “questões ontológicas” fundamentais a “problemas epistemológicos” internos à antropologia. Desse modo, afasta-se radicalmente da tradição metafísica abrangente que sustenta o próprio conceito de ontologia[70].

A partir de exemplos de publicações recentes, pode-se observar que as expectativas relacionadas a esses novos mundos futuros não estão separadas de um investimento em uma ética da reabilitação, um exercício especulativo reparador que busca: reativar “a potência do sonho, da experimentação, do cuidado, da fabulação, da alegria”, para “escolher como melhor compor e ocupar os mundos e o Mundo por vir”[71]; servir de  “inspiração ou lição”[72]; e, se colocar como uma oportunidade de “equilibrar as forças da natureza que foram desorientadas pelo mundo moderno”[73].

Na conjuntura pessimista atual, alguns modos de investigação do passado também se voltaram para uma postura reabilitadora. O principal exemplo, é a chamada “história potencial”, que busca especular sobre as potencialidades não concretizadas no passado, buscando reativar sua potência em uma história orientada para o futuro[74].

As posturas afirmacionistas, dedicadas à composição de mundos futuros, tendem a negligenciar perspectivas sobre uma Terra indiferente, um planeta que não se propõe a ser o nosso lar, nem se alinha aos sonhos de proliferação indefinida dos seres humanos no cosmos[75]. Por outro lado, as considerações pessimistas sobre natureza, reafirmam, quase sem exceções que a “natureza não nos ama e não nos quer fazer felizes”[76]. Nessa perspectiva, a realidade natural da qual fazemos parte é insondável e se manifesta como uma cisão intransponível: um “desalinhamento ontológico entre os seres humanos e o mundo que habitam”[77]. Ao abordar a fratura fundamental entre o eu e o mundo, Thacker critica um otimismo epistêmico que se vulgarizou:

Tenho profunda desconfiança de qualquer projeto que sugira que, simplesmente por pensar de uma nova maneira, ou por meio de alguma alternativa negligenciada, ou mesmo aprendendo a programar, possamos de repente transpor o abismo entre o eu e o mundo, ou entre o mundo-para-nós e o mundo-em-si. Sempre considerei essa premissa incrivelmente ingênua. No entanto, ela é um a priori de boa parte da teoria cultural e da filosofia. Chega a beirar a autoajuda: se você mudar sua maneira de pensar sobre o mundo, o mundo sobre o qual você pensa supostamente mudará[78].

O reconhecimento dessa cisão radical entre o eu e o mundo contrasta violentamente com a narrativa afirmadora de um planeta Terra generoso e acolhedor, uma projeção benevolente de um mundo-para-nós, sintoma flagrante do otimismo epistêmico que se recusa a aceitar o caráter indiferente e impessoal do planeta. Lynn Margulis, a microbiologista que mais contribuiu para a hipótese Gaia[79], criticou veementemente a antropomorfização da Terra na personificação de uma generosa “Mãe Gaia”[80]. Mesmo com os esforços de autores como Isabelle Stengers, que reafirmam a indiferença, e impessoalidade de Gaia[81], as interpretações sobre essa hipótese, ou teoria, ainda são frequentemente capturadas por projeções antropomorfizantes. O vislumbre de uma harmonia autorregulada em um planeta repleto de vida, acolhedor, generoso e pacífico, ainda parece demasiado satisfatório para uma mentalidade “new age”[82]. Porém, é importante observar que no ponto cego da celebração da biosfera, está, contudo, uma tanatosfera[83], e a figura de Medéia[84], imagens que se contrapõem a uma biofilia de senso comum, frequentemente relacionada à imagem de Gaia.

No ideário afirmativo que propõe a composição de mundos futuros, elementos como a indiferença do planeta e seus aspectos insólitos, absurdos e inospitaleiros, centrais às reflexões pessimistas, são rechaçados em detrimento das aspirações que compõem outros mundos no horizonte: “melhor que o mundo inerte, indiferente, são os mundos que podem ser construídos, reconstruídos, recriados, retomados”[85]. Porém, não é exagero afirmar, seguindo Dekeyser, que a animação pela (re)composição de mundos está aliada a “mecanismos que buscam evitar, confrontar, ou sublimar a ameaça representada pela ausência de mundo”[86]. Nesse sentido, a tendência à futurização serial de mundos se apresentaria menos como uma solução e mais como um reflexo, uma esperança paliativa que reage diante da antecipação do fim, ou ao vislumbre de um mundo sem nós[87].

No espetáculo generativo parece faltar espaço para se pensar: o que fazer quando o investimento na vitalidade e na afirmação se torna antiético, indesejável ou impossível? O que significaria, afinal, considerar seriamente a indiferença e a inospitalidade do cosmos e afirmar a negatividade como “uma parte de nós”, e não como algo externo[88]? Essas questões alinham-se às discussões contemporâneas já consolidadas, porém pouco contempladas, em torno de uma ética negativa, marcada por um pessimismo estrutural[89].

A orientação para a composição de mundos alia-se à busca por um futuro aberto por meio de práticas antecipatórias também sensíveis ao sentido de fim[90]. No entanto, essa abertura é cultivada de modo quase invariavelmente condicionado à permanência e à proliferação da espécie humana, ou daquilo que se reconhece como propriamente humano. Nessa perspectiva, a sombra de um futuro supostamente fechado se manifestaria justamente no encerramento da aventura humana no cosmos[91].

Esse pressuposto está profundamente arraigado em um “diagnóstico cultural” que elege a proliferação e a continuidade de Homo sapiens como condição necessária para a abertura do futuro. É crucial, contudo, problematizar essa lógica: a ausência humana não corresponde necessariamente a um futuro fechado, podendo apenas indicar uma “abertura de futuro sem humanos”[92]

Para esse diagnóstico, que funde a continuidade da humanidade com a própria noção de futuro aberto, qualquer horizonte esvaziado de um mundo-para-nós não apenas perde o sentido, mas torna-se impensável. Por outro lado, a partir das definições pessimistas aqui exploradas, um cosmos desprovido de humanos (e até mesmo de consciência) configuraria não uma catástrofe, mas a paisagem eticamente mais desejável: um repouso silencioso após a febre da vida consciente.

Ao adotarem a vitalidade criativa irrestrita como princípio ontológico, as éticas afirmacionistas enfrentam um dilema fundamental: sua incapacidade de imaginar um fim que não se converta imediatamente em matéria-prima para recomeços; seja como reabilitação, lição ou “espaço de abertura para o depois do fim”[93]. O colapso só é tolerável enquanto recurso instrumental na composição de novos mundos[94]. Nessa perspectiva, até as ruínas são recrutadas como infraestruturas de esperança, empregadas como escombros passíveis de reaproveitamento em projetos de renascimento.

Ao pessimismo caberia, contudo, uma tarefa subversiva: contemplar a futilidade dessas ruínas e negar a compulsão afirmacionista de torná-las produtivas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo desse artigo investigamos os contornos do pessimismo na contemporaneidade, explorando o reavivamento das discussões acerca dos pessimismos reprodutivos e discutindo as bases ontológicas do pessimismo cósmico, tomando como fundamento a obra de Schopenhauer.

Os movimentos recentes enquadrados neste texto como parte dos pessimismos reprodutivos não só representam na prática, mas são sintomas dos diagnósticos de Schopenhauer, Cioran e de outros pensadores pessimistas a respeito da negatividade da existência e história humana[95]. Não queremos dizer com isso que os pessimismos reprodutivos surgem da leitura informada desses autores, como formas deliberadas e organizadas de negação da Vontade ou constatação da tragédia do nascimento. Contudo, esses movimentos, gestados numa ampla conjuntura pessimista, engendram novos debates sobre as éticas da procriação, ao optarem pela inação e pela recusa. Diante do sentido de fim, movimentos antecipatórios contemporâneos recorrem à composição de mundos-como-futuros, alinhados a perspectivas afirmativas e reabilitadoras. Como observou Thomas Dekeyser, essa produção incessante do novo rejeita elementos considerados negativos ou desmobilizadores. Ampliando a análise de Dekeyser para além da disciplina da geografia, examinamos abordagens interdisciplinares (antropologia, história ambiental, filosofia) sob a influência de uma ontologia antropológica paroquial e afirmacionista.

            Nossa análise indica que essas tentativas de reabilitação não apenas negligenciam, mas ativamente suprimem as correntes pessimistas emergentes - em especial as de inspiração schopenhaueriana - que abrem espaço para uma ética e afetos negativos e as possibilidades de uma história negativa: um futuro aberto, sem humanos.

Por fim, o caleidoscópio ontológico de mundos futuros produzidos em série se coloca como um bálsamo, porém, é antes de tudo um paliativo para contornar o sentido de fim. Propomos que a investigação do legado schopenhaueriano não seja uma solução, mas uma forma de organizar o nosso desastre - uma chave de leitura sóbria -, nas cartografias do desalento.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao professor Walter Lowande pelas valiosas indicações bibliográficas e pelos enriquecedores diálogos sobre o processo de ontologização e à Rebeca Capozzi pela discussão sobre as possibilidades de uma história negativa.

REFERÊNCIAS

Abel, C. The effects of COVID-19 on imagined reproductive futures. BioSocieties, v. 19, p. 452-478, 2023.

Agrillo, C.; Nelini, C. Childfree by choice: a review. Journal of Cultural Geography, v. 25, n. 3, p. 347-363, 2008.

Alves, J.E.D. "Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico." Liinc em Revista 18.1, e5942, 2022. Disponível em: https://revista.ibict.br/liinc/article/view/5942/5595. Acesso em: 7 jul. 2025

Anti-natalism. Cambridge Dictionary (online), 2024. Disponível em: https://dictionary.cambridge.org/dictionary/english/anti-natalism. Acesso em: 12 jan. 2024.

Beiser, F. C. Weltschmerz: Pessimism in German Philosophy, 1860-1900. New York: Oxford University Press, 2016.

Benatar, D. Better never to have been: the harm of coming to existence. New York: Oxford University Press, 2006.

Bessire, L.; Bond, D. Ontological anthropology and the deferral of critique. American Ethnologist, v. 41, n. 3, p. 440-456, 2014.

Cabrera, J. A ética e suas negações: não nascer, suicídio e pequenos assassinatos. Rio de Janeiro: Rocco, 2011.

Cabrera, J. Mal-estar e moralidade: situação humana, ética e procriação responsável. Brasília: SciELO-Editora UnB, 2018.

Cabrera, J.; Di Santis, T. L. Porque te amo não nascerás! = Nascituri te salutant. Brasília: LGE Editora, 2009.

Chandler, D.; Reid, J. Becoming Indigenous: the ‘speculative turn’ in anthropology and the (re)colonisation of indigeneity. Postcolonial Studies, v. 23, n. 4, p. 485-504, 2020.

Cioran, E. Do inconveniente de ter nascido. Lisboa: Letra Livre, 2010.

Costa, A. C. Cosmopolíticas da Terra: modos de existência e resistência no Antropoceno. 2019. Tese (Doutorado em Filosofia) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.

Debona, V. Pessimismo produtivo: por uma (re)definição de pessimismo crítico. Veritas, v. 70, n. 1, p. 1-18, 2025.

Dekeyser, T. et al. Negativity: Space, politics and affects. Cultural Geographies, v. 29, n. 1, p. 5-21, 2022.

Dekeyser, T.; Jellis, T. Besides affirmationism? On geography and negativity. Area53(2), p. 318-325, 2021.

Dekeyser, T. Pessimism, futility and extinction: An interview with Eugene Thacker. Theory, Culture & Society, v. 37, n. 7-8, p. 367-381, 2020.

Dekeyser, T. Worldless futures: On the allure of 'worlds to come'. Transactions of the Institute of British Geographers, v. 48, n. 2, p. 338-350, 2023.

Dienstag, J. F. Pessimism. In: GIBBONS, M. T. (Ed.). The Encyclopedia of Political Thought. Wiley Online Library, 2014. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/9781118474396.wbept0762. Acesso em: 23 jul. 2025.

Dienstag, J. F. Pessimism: Philosophy, ethic, spirit. Princeton: Princeton University Press, 2009.

Domańska, E. The paradigm shift in the contemporary humanities and social sciences. In: Kuukkanen, J. (ed.). Philosophy of history: twenty-first-century perspectives. London: Bloomsbury, p. 180-197, 2021.

Grossberg, L.; Behrenshausen, B. G. Cultural studies and Deleuze-Guattari, part 2: From affect to conjunctures. Cultural Studies, London, v. 30, n. 6, p. 1001-1028, 2016.

Harrington, R. Childfree by Choice. Studies in Gender and Sexuality, v. 20, n. 1, p. 22-35, 2019. DOI: https://doi.org/10.1080/15240657.2019.1559515.

Häyry, M.; sukenick, A. Antinatalism, Extinction, and the End of Procreative Self-Corruption. Cambridge: Cambridge University Press, 2024.

Hegel, G. W. F. A Razão na história: uma introdução geral à filosofia da história. 2. ed. São Paulo: Centauro, 2004.

Heti, S. Maternidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

Heti, S. Parem de perguntar às mulheres que não têm filhos por que elas não têm. El País Brasil, 26 abr. 2019. Entrevista concedida a Adrián Cordellat. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/04/26/internacional/1556264752_630548.html. Acesso em: 27 jul. 2025.

Holbraad, M.; Pedersen, M. A. Introduction: the ontological turn in anthropology. In: Holbraad, M.; Pedersen, M. A. (Org.). The Ontological Turn: An Anthropological Exposition. Cambridge: Cambridge University Press, 2017, p. 1-29.

Houseknecht, S. K. Voluntary childlessness. In: SUSSMAN, M. B.; STEINMETZ, S. K. (eds.). Handbook of marriage and the family. New York: Plenum Press, 1987, p. 369-395.

Iaconelli, V. Manifesto Antimaternalista: Psicanálise e políticas da reprodução. Rio de Janeiro: Zahar, 2023.

Ivanova, K.; Balbo, N. Societal pessimism and the transition to parenthood: a future too bleak to have children? Population and Development Review, v. 50, n. 2, p. 323-342, 2024.

Janaway, C. Schopenhauer: A Very Short Introduction. Oxford: Oxford University Press, 2002.

Jardim, F. A. A.; PELEGRINI, M. A.; CÔRTES, M. M. P. Perspectivas apocalípticas e anti-apocalípticas para habitar o presente: re-existir, pensar, experimentar, e viver juntos o fim do mundo. Resgate: Revista Interdisciplinar de Cultura, v. 32, e024010, 2024.

Kant, I. A metafísica dos costumes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2011.

Kant, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Lisboa: Edições 70, 2007.

Lara, J. T.; Lopes, G. A marcha dos espectros não-nascidos: antinatalismo, assombrologia e futuros históricos. Resgate: Revista Interdisciplinar de Cultura, Campinas, v. 32, n. 00, e024011, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.20396/resgate.v32i00.8676118. Acesso em: 26 jul. 2025.

Lee, J.; Jeong, E. The 4B movement: envisioning a feminist future with/in a non-reproductive future in Korea. Journal of Gender Studies, v. 30, n. 5, p. 633-644, 2021. DOI: 10.1080/09589236.2021.1929097.

Ligotti, T. The Conspiracy Against the Human Race: A Contrivance of Horror. New York: Hippocampus Press, 2011.

Lovelock, J. E.; Margulis, L. M. Atmospheric homeostasis by and for the biosphere: The Gaia hypothesis. Tellus, v. 26, p. 2-10, 1974.

Lopes, M. V. Pessimismo como postura: o elemento afetivo da tese do pior dos mundos possíveis. Voluntas: Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v. 10, n. 2, p. 82-95, 2019. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179378638203. Acesso em: 07 jul. 2025.

Margulis, L. Symbiotic Planet: A New Look at Evolution. New York: Basic Books, 2008.

Oliveira, A. M. G. O antinatalismo benatariano e o pessimismo metafísico de Schopenhauer. Voluntas: Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v. 15, n. 1, e88376, p. 01-27, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179378688376. Acesso em: 07 jul. 2025.

Oliveira, D. P. Movimento de abstinência sexual ganha força após eleição de Trump. Deutsche Welle, 27 nov. 2024. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/movimento-de-abstin%C3%AAncia-sexual-ganha-for%C3%A7a-ap%C3%B3s-elei%C3%A7%C3%A3o-de-trump/a-70888970. Acesso em: 8 jul. 2025.

Olszewski, F. F. Interpretações do conceito de história e da ideia de progresso a partir da obra de Emil Cioran. Revista Aproximação, v. 17, p. 57-69, 2020.

Olszewski, F. F. Pessimismo e Gnose: Schopenhauer, Cioran e a apropriação das religiões anticósmicas. 2024. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Programa de Pós-Graduação em Filosofia, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2024.

Olszewski, F. Procissão de dor. São Paulo: UICLAP, 2023.

Olszewski, F. Tanatosfera. Exilado Metafísico (blog), 2025. Disponível em: https://www.exiladometafisico.com/2025/06/tanatosfera.html. Acesso em: 07 jul. 2025.

Pádua, J. A.; Saramago, V. O Antropoceno na perspectiva da análise histórica: uma introdução. Topoi (Rio de Janeiro), v. 24, n. 54, p. 659-669, 2023.

Pettman, D.; Thacker, E. Sad Planets. Hoboken: John Wiley & Sons, 2024.

Ramos, F. C. Horkheimer leitor de Schopenhauer: uma tradução e um breve comentário. Cadernos de Filosofia Alemã: Crítica e Modernidade, v. 12, p. 99-113, 2008.

Sagan, D.; Whiteside, J. H. Gradient Reduction Theory: Thermodynamics and the Purpose of Life. In: Schneider, S. H. et al. (Ed.). Scientists Debate Gaia: The Next Century. Cambridge: MIT Press, 2004. p. 17-28. Disponível em: https://doi.org/10.7551/mitpress/9780262194983.003.0017. Acesso em: 19 abr. 2025.

Schmitt, M. Spectres of Pessimism: A Cultural Logic of the Worst. Cham: Palgrave Macmillan, 2023.

Schopenhauer, A. O mundo como vontade e como representação. Tomo I. 2ª ed. Trad. Jair Barboza. São Paulo: Unesp, 2015 (W I).

Schopenhauer, A. O mundo como vontade e como representação. Tomo II 2ª ed. Trad. Jair Barboza. São Paulo: Unesp, 2015 (W II).

Schopenhauer, A. Parerga and Paralipomena. v. 2. Trad. E. F.  J. Payne. Oxford: Oxford University Press, 1974 (P II).

Schopenhauer, A. Sobre o fundamento da moral. Trad. Maria Lúcia Cacciola. São Paulo: Martins Fontes, 2001(E II).

Seixlack, A. G. C. Um fazer histórico xamânico: o potencial cosmo-histórico de reconectar territórios no Antropoceno. Topoi (Rio de Janeiro), v. 24, n. 54, p. 725-746, 2023.

Simon, Z. B.; Tamm, M. The Opening of Historical Futures. History and Theory, v. 63, n. 3, p. 303-318, 2024.

Stengers, I. No Tempo das Catástrofes. São Paulo: Cosac Naify, 2015.

Sztutman, R. No limiar entre ciência e ficção: especulação e imaginação para responder ao Antropoceno. In: Marras, S.; Taddei, R. (Org.). O Antropoceno: sobre modos de compor mundos. Belo Horizonte: Fino Traço, 2022. p. 130-185.

Sztutman, R. Perspectivismo contra o Estado. Uma política do conceito em busca de um novo conceito de política. Revista de Antropologia, v. 63, n. 1, p. 185-213, 2020.

Thacker, E. Cosmic Pessimism. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2016.

Thacker, E. In the Dust of This Planet: Horror of Philosophy vol. 1. Winchester: Zero Books, 2011.

Thacker, E. Infinite Resignation. London: Watkins Media, 2018.

Thacker, E. Starry Speculative Corpse: Horror of Philosophy vol. 2. Winchester: Zero Books, 2015.

Van der Lugt, M. Begetting: What Does It Mean to Create a Child? Princeton: Princeton University Press, 2024.

Van Der Lugt, M. Dark Matters: Pessimism and the Problem of Suffering. Princeton: Princeton University Press, 2021.

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

1 – Fernando Ferraz Olszewski

Mestre em filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

https://orcid.org/0000-0002-5711-2674 • folszewski@gmail.com

Contribuição: Conceituação, recursos - curadoria de dados e administração do projeto. Escrita e primeira redação.

2 – Jorge Tibilletti de Lara

Doutor em História das Ciências e da Saúde pela Casa de Oswaldo Cruz

https://orcid.org/0000-0002-1441-3362 • jorgetibilletti@gmail.com

Contribuição: Conceituação, recursos - curadoria de dados e administração do projeto. Escrita e primeira redação.

3 – Gabriel Lopes

Pesquisador do Departamento de Pesquisa da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz e professor do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde na mesma instituição.

https://orcid.org/0000-0002-4334-5522 • lopes-gabriel@hotmail.com

Contribuição: Conceituação, recursos - curadoria de dados e administração do projeto. Escrita e primeira redação.

COMO CITAR ESTE ARTIGO

Lopes, G.; Olszewski, F. F.; Lara, J. T. Cartografias do desalento: Schopenhauer e a ruína dos mundos futuros. Voluntas: Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria - Florianópolis, v. 16, n. 1, e93470, 2025. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179378693470. Acesso em: dia, mês abreviado, ano.

 

 



[1] A conjuntura pessimista delineada por Mark Schmitt é uma composição de “afetos dominantes de uma conjuntura histórica”. Sua proposta é que se aborde esse pessimismo através de uma análise conjuntural, capaz de articular elementos filosóficos, afetivos, políticos e culturais. Uma conjuntura pessimista se estabelece com a convergência de crises múltiplas (do clima à esfera social, da economia à política e à existência, o que torna o futuro incerto e perigoso. Como consequência, a própria experiência do tempo se torna estranha, e o cerne da ansiedade desloca-se do futuro para o próprio devir temporal. Schmitt, M. Spectres of Pessimism: A Cultural Logic of the Worst, p. 2.

[2] A expressão “pessimismos reprodutivos” designa aqui um espectro de práticas, ideias e movimentos, filosófica ou pragmaticamente fundamentados, que recusam ou problematizam de modo radical a procriação humana.

[3] Ligotti, T. The Conspiracy Against the Human Race: A Contrivance of Horror.

[4] Cabrera, J. A ética e suas negações: não nascer, suicídio e pequenos assassinatos; Cabrera, J. Mal-estar e moralidade: situação humana, ética e procriação responsável.

[5] Thacker, E. In the Dust of This Planet: Horror of Philosophy vol. 1.

[6] Dekeyser, T. Worldless futures: On the allure of 'worlds to come.

[7] Schmitt, M. Spectres of Pessimism: A Cultural Logic of the Worst, p. 1.

[8] Lara, J. T.; Lopes, G. A marcha dos espectros não-nascidos: antinatalismo, assombrologia e futuros históricos.

[9] Thacker, E. Cosmic Pessimism; Van der Lugt, M. Dark Matters: Pessimism and the Problem of Suffering; Olszewski, F. Procissão de dor.

[10] Cabrera, J.; Di Santtis, T. L. Porque te amo não nascerás! = Nascituri te salutant; Heti, S. Maternidade; Van der Lugt, M. Begetting: What Does It Mean to Create a Child?

[11] Oliveira, A. M. G. O antinatalismo benatariano e o pessimismo metafísico de Schopenhauer.

[12] Dienstag, J. F. Pessimism; Dienstag, J. F. Pessimism: Philosophy, ethic, spirit; Van der Lugt, M. Dark Matters: Pessimism and the Problem of Suffering; Thacker, E. Infinite Resignation.

[13] Lopes, M. V. Pessimismo como postura: o elemento afetivo da tese do pior dos mundos possíveis.

[14] Schmitt, M. Spectres of Pessimism: A Cultural Logic of the Worst.

[15] Simon, Z. B.; Tamm, M. The Opening of Historical Futures.

[16] Pádua, J. A.; Saramago, V. O Antropoceno na perspectiva da análise histórica: uma introdução.

[17] Jardim, F. A. A.; Pelegrini, M. A.; Côrtes, M. M. P. Perspectivas apocalípticas e anti-apocalípticas para habitar o presente: re-existir, pensar, experimentar, e viver juntos o fim do mundo.

[18] Dekeyser, T.; Jellis, T. Besides affirmationism? On geography and negativity, p. 318.

[19] Dienstag, J. F. Pessimism: Philosophy, ethic, spirit.

[20] Beiser, F. C. Weltschmerz: Pessimism in German Philosophy, 1860-1900.

[21] Thacker, E. In the Dust of This Planet: Horror of Philosophy vol. 1.; Thacker, E. Starry Speculative Corpse: Horror of Philosophy vol. 2.

[22] Beiser, F. C. Weltschmerz: Pessimism in German Philosophy, 1860-1900, p. 4.

[23] W II, § 176, p. 196.

[24] Beiser, F. C. Weltschmerz: Pessimism in German Philosophy, 1860-1900.

[25] Ligotti, T. The Conspiracy Against the Human Race: A Contrivance of Horror, p. 54.

[26] P II, § 150, p. 292.

[27] W I.

[28] Hegel, G. W. F. A Razão na história: uma introdução geral à filosofia da história.

[29] Janaway, C. Schopenhauer: A Very Short Introduction, p. 36,

[30]  Kant, I. A metafísica dos costumes.; Kant, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes.

[31] E II, § 16, p. 136.

[32] P II, § 156, p. 299-300. 

[33] Cioran, E. Do inconveniente de ter nascido, p. 6.

[34] Cioran, E. Do inconveniente de ter nascido, p. 90.

[35] Benatar, D. Better never to have been: the harm of coming to existence.

[36] Oliveira, A. M. G. O antinatalismo benatariano e o pessimismo metafísico de Schopenhauer.

[37] Cabrera, J. A ética e suas negações: não nascer, suicídio e pequenos assassinatos; Cabrera, J. Mal-estar e moralidade: situação humana, ética e procriação responsável.

[38] Heti, S. Maternidade: um romance, p. 99.

[39] Van der Lugt, M. Begetting: What Does It Mean to Create a Child?

[40] Lara, J. T.; Lopes, G. A marcha dos espectros não-nascidos: antinatalismo, assombrologia e futuros históricos.

[41] Agrillo, C.; Nelini, C. Childfree by choice: a review; Harrington, R. Childfree by Choice.

[42] Houseknecht, S. K. Voluntary childlessness.

[43] Agrillo, C.; Nelini, C. Childfree by choice: a review,

[44] Harrington, R. Childfree by Choice.

[45] HETI, S. Parem de perguntar às mulheres que não têm filhos por que elas não têm.

[46] Iaconelli, V. Manifesto Antimaternalista: Psicanálise e políticas da reprodução.

[47] Harrington, R. Childfree by Choice; Heti, S. Maternidade.

[48] Oliveira, D. P. Movimento de abstinência sexual ganha força após eleição de Trump.

[49] Lee, J.; Jeong, E. The 4B movement: envisioning a feminist future with/in a non-reproductive future in Korea, p. 634.

[50] Abel, C. The effects of COVID-19 on imagined reproductive futures, p. 454.

[51] Ivanova, K.; Balbo, N. Societal pessimism and the transition to parenthood: a future too bleak to have children?

[52] Ivanova, K.; Balbo, N. Societal pessimism and the transition to parenthood: a future too bleak to have children?, p. 325.

[53] Benatar, D. Better never to have been: the harm of coming to existence.

[54] Oliveira, A. M. G. O antinatalismo benatariano e o pessimismo metafísico de Schopenhauer, p. 18.

[55] Alves, J. E. D. Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico.

[56] Ivanova, K.; Balbo, N. Societal pessimism and the transition to parenthood: a future too bleak to have children?

[57] Lara, J. T.; Lopes, G. A marcha dos espectros não-nascidos: antinatalismo, assombrologia e futuros históricos, p. 24.

[58] Anti-natalism. Cambridge Dictionary (online).

[59] Schmitt, M. Spectres of Pessimism: A Cultural Logic of the Worst, p. 68.

[60] Schmitt, M. Spectres of Pessimism: A Cultural Logic of the Worst, p. 78.

[61] Lara, J. T.; Lopes, G. A marcha dos espectros não-nascidos: antinatalismo, assombrologia e futuros históricos, p. 4.

[62] Häyry, M.; Sukenick, A. Antinatalism, Extinction, and the End of Procreative Self-Corruption; Lara, J. T.; Lopes, G. A marcha dos espectros não-nascidos: antinatalismo, assombrologia e futuros históricos.

[63] Dekeyser, T. Worldless futures: On the allure of 'worlds to come'.

[64] Dekeyser, T. Worldless futures: On the allure of 'worlds to come', p. 340.

[65] Grossberg, L.; Behrenshausen, B. G. Cultural studies and Deleuze-Guattari, part 2: From affect to conjunctures, p. 22

[66] Holbraad, M.; Pedersen, M. A. Introduction: the ontological turn in anthropology.

[67] Sztutman, R. No limiar entre ciência e ficção: especulação e imaginação para responder ao Antropoceno, p. 175.

[68] Bessire, L.; Bond, D. Ontological anthropology and the deferral of critique, p. 449.

[69] Chandler, D.; Reid, J. Becoming Indigenous: the “speculative turn” in anthropology and the (re)colonization of indigeneity, p. 2.

[70] Holbraad, M.; Pedersen, M. A. Introduction: the ontological turn in anthropology, p. 55.

[71] Costa, A. C. Cosmopolíticas da Terra: modos de existência e resistência no Antropoceno, p. 271-273.

[72] Sztutman, R. Perspectivismo contra o Estado. Uma política do conceito em busca de um novo conceito de política, p. 185.

[73] Seixlack, A. G. C. Um fazer histórico xamânico: o potencial cosmo-histórico de reconectar territórios no Antropoceno, p. 738.

[74] Domańska, E. The paradigm shift in the contemporary humanities and social sciences, p. 196.

[75] Pettman, D.; Thacker, E. Sad Planets.

[76] Van der Lugt, M. Dark Matters: Pessimism and the Problem of Suffering, p. 2.

[77] Dienstag, J. F. Pessimism: Philosophy, ethic, spirit, p. 33.

[78] Dekeyser, T. Pessimism, futility and extinction: An interview with Eugene Thacker, p. 375.

[79] Lovelock, J. E.; Margulis, L. M. Atmospheric homeostasis by and for the biosphere: The Gaia hypothesis.

[80] Margulis, L. Symbiotic Planet: A New Look at Evolution, p. 106.

[81] Stengers, I. No tempo das catástrofes.

[82] Sagan, D.; Whiteside, J. H. Gradient Reduction Theory: Thermodynamics and the Purpose of Life, p. 177.

[83] Olszewski, F. Tanatosfera.

[84] Pettman, D.; Thacker, E. Sad Planets.

[85] Sztutman, R. No limiar entre ciência e ficção: especulação e imaginação para responder ao Antropoceno, p. 176.

[86] Dekeyser, T. Worldless futures: On the allure of 'worlds to come', p. 339.

[87] Thacker, E. In the Dust of this Planet.

[88] Dekeyser,et al. Negativity: Space, politics and affects, p. 7.

[89] Cabrera, J. Mal-estar e moralidade: situação humana, ética e procriação responsável.

[90] Simon, Z. B.; Tamm, M. The Opening of Historical Futures.

[91] Simon, Z. B.; Tamm, M. The Opening of Historical Futures.

[92] Simon, Z. B.; Tamm, M. The Opening of Historical Futures, p. 309.

[93] Jardim, F. A. A., Pelegrini, M. A.; Côrtes, M. M. P. Perspectivas apocalípticas e anti-apocalípticas para habitar o presente: re-existir, pensar, experimentar, e viver juntos o fim do mundo, p. 19.

[94] Dekeyser, T. Worldless futures: On the allure of 'worlds to come'.

[95] Olszewski, F. F. Interpretações do conceito de história e da ideia de progresso a partir da obra de Emil Cioran. 2020.