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Universidade Federal de Santa Maria

Voluntas, Santa Maria, v. 16, n. 1, e91890, 2025

DOI: 10.5902/2179378691890

ISSN 2179-3786

Submissão: 05/05/2025 Aprovação: 02/06/2025 Publicação: 14/08/2025

1 INTRODUÇÃO.. 2

REFERÊNCIAS. 6

 

Resenhas

Resenha de Textos essenciais de Schopenhauer, de Gleisy Picoli

Review of Textos essenciais de Schopenhauer, by Gleisy Picoli

Pedro Damasceno UchôasIÍcone

Descrição gerada automaticamente

IUniversidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil

 

Resenha de Schopenhauer, Arthur. Textos essenciais de Schopenhauer. Seleção e comentários de Gleisy Picoli. Petrópolis: Editora Vozes, 2024.

1 INTRODUÇÃO

A obra filosófica de Arthur Schopenhauer é extensa e complexa, fruto de um trabalho produtivo de muitos anos que versa sobre uma grande diversidade de temas. Figura, porém, no centro de seu pensamento, a discussão que o consagrou e o tornou profundamente influente nos séculos que se seguiram: o tema da vontade como essência e coisa em si do mundo conhecido mediatamente apenas como representação. Por essa razão, o epíteto de “o filósofo da vontade” permanece como forma de referência comum a Schopenhauer. Todavia, mais do que compreender a argumentação geral que o leva à tese da vontade como ser em si do mundo, entender a filosofia do autor inclui ter acesso e saber transitar por uma ampla gama de outras teses e hipóteses que são desenvolvidas ao longo das suas obras mais conhecidas e importantes para a integralidade de sua filosofia.

O livro aqui resenhado, Textos essenciais de Schopenhauer (2024), de Gleisy Picoli, é construído com o intuito de ser uma introdução à obra do autor a partir de temas seletos que compõem os tópicos mais relevantes e, até mesmo, basilares da obra de Schopenhauer. O livro é parte da coleção da editora Vozes intitulada Textos Essenciais, que tem como objetivo geral a publicação de livros que sirvam como introduções sólidas e textualmente fundamentadas de diversos pensadores através de breves comentários e citações de fragmentos escolhidos e organizados pelos autores. A organização dos fragmentos da obra schopenhaueriana segue uma ordem pensada previamente por Picoli que leva ao fácil acompanhamento da sequência de discussões elaboradas pelo autor. Assim, por exemplo, o início propriamente dito dos comentários é o problema geral do conhecimento, do qual se ocupa Schopenhauer na abertura de O mundo como vontade e representação, ponto de partida já assumido antes pelo autor como cerne de sua obra, que exige do leitor conhecimentos prévios das obras de Kant e de Platão, como também da discussão corrente no período sobre o problema da relação entre aparência e realidade[1].

            A estrutura do livro segue um padrão temático que facilita a realização do propósito da autora: “indicar, a quem se interessar por determinada temática, alguns textos nos quais o assunto foi exposto de modo detalhado pelo filósofo”[2]. Todavia, a autora assevera que esses temas não devem ser lidos sem uma sequência definida, visto que muitos deles dependem uns dos outros para que possam ser compreendidos. Esse posicionamento reflete, de modo geral, uma postura própria diante do problema acerca do melhor percurso de introdução à obra de Schopenhauer, através, defende a autora, da leitura de temas e teses que refletem o padrão argumentativo de Schopenhauer, excetuando-se a metafísica da arte que, nesse caso, se articula mais diretamente com o tema da negação da vontade de vida[3]. A filosofia do conhecimento é tomada como ponto de partida e, na sequência, sucedem-se a abordagem da unilateralidade do conhecimento por meio do princípio de razão suficiente, o acesso privilegiado aos caracteres dos seres por meio da arte e a introdução de temas referentes às consequências dessas discussões prévias (e que, ao longo da obra, se mostram temas difíceis e repletos de nuances).

Por essa razão, a divisão dos tópicos se orienta pela sequência a seguir: origem do conhecimento, o limite da expressão, materialismo e idealismo, afirmação da vontade, negação da vontade, compaixão, o pior dos mundos possíveis, suicídio, o gênio, belo e sublime, mística, silêncio, o artista racional, religião, caracteres, livre-arbítrio, asseidade, sabedoria de vida, idades da vida, fatalismo e palingenesia[4].

            A critério de introdução, Picoli comenta e menciona algumas das mais importantes influências da obra de Schopenhauer, tais como os pensamentos filosóficos de Kant e de Platão e os primeiros contatos que o autor estabelece com o pensamento védico dos Upanishads[5]. Esse trecho de abertura tem grande importância e alerta aquele que, pela primeira vez, toma contato com o autor para a necessidade de se entender o contexto maior no qual Schopenhauer se insere e as relações teóricas e filosóficas que estabelece com pensadores a ele contemporâneos, como Fichte, Schelling e Hegel. Tais relações são indiretamente perceptíveis apenas para quem já conhece a discussão do período[6] e sabe, de antemão, como Fichte e Schelling discutem entre si acerca da fundamentação do conhecimento filosófico e da sistemática que define o conhecimento como saber de rigor, deixando em aberto, em realidade, quais os pontos de contato e de distanciamento entre Schopenhauer e os demais autores. Todavia, é evidente – e Picoli torna isso claro – que esse livro não se trata de uma circunscrição de problemas e de influências, mas de uma introdução apenas a Schopenhauer e suas produções de relevância.

            A coletânea de textos essenciais acerca do tema do conhecimento é precisa e abrangente, englobando os parágrafos iniciais de O mundo como vontade e representação Tomo I (citados de uma nova tradução em prelo), a propósito do conhecimento empírico do mundo e da idealidade da representação, bem como os parágrafos subsequentes (§ 8 ss.) em que são discutidos problemas relativos à filosofia do conhecimento abstrato ou dos conceitos e juízos. Na sequência, como naturalmente também se poderia esperar por ocasião da argumentação própria à obra schopenhaueriana, Picoli inclui trechos que discutem o argumento analógico e a afirmação da vontade como abordagem complementar ao mundo intuído, reforçando a vinculação de Schopenhauer ao pensamento kantiano, apesar de suas diferenças em relação a ele[7]. Em seguida, os fragmentos dizem respeito, respectivamente, à negação da vontade de vida (tema tardio, porém fundamental e muitas vezes destacado como central), ao tema da compaixão e a uma variedade de temas ligados à metafísica da arte e à filosofia moral. Desse modo, apesar dos rápidos comentários, os trechos seletos compreendem bem abordagens do autor, em mais de uma obra, que fluem naturalmente e se conectam, criando, assim, aquela trama esperada desde a introdução do livro.

            Alguns dos temas comentados por Picoli conduzem o leitor ao contato com passagens e fragmentos que não seriam encontrados facilmente, como nos casos da citação dos Primeiros manuscritos, ainda não traduzidos para o português, e das remissões a textos que não são geralmente indicados como introdução à obra de Schopenhauer (Aforismos para a sabedoria de vida e Sobre a liberdade da vontade, por exemplo). Apesar de a grande maioria dos fragmentos ser oriunda dos textos, em geral, mais conhecidos (o que é facilmente compreensível), a inserção de partes de outras obras agrega positivamente ao propósito do livro. Munido dele, o leitor pode, então, trafegar com mais facilidade pela diversidade da produção de Schopenhauer e saber-se conhecedor de pelo menos alguns dos títulos centrais a serem obrigatoriamente referidos em uma pesquisa que se pretenda séria. Pelas razões mencionadas, o livro funciona muito bem como introdução aos temas gerais, contendo algumas indicações de problemas centrais ao redor dos quais gravitam as abordagens schopenhauerianas, ainda que a eles não dedique especial atenção.

Referências

Picoli, G. Schopenhauer entre teoria e prática. In: Schopenhauer, A. Textos essenciais de Schopenhauer. Seleção e comentários de Gleisy Picoli. 1ª Edição. Petrópolis: Editora Vozes, 2024, p. 9-17.

Picoli, G. Materialismo e idealismo. In: Schopenhauer, A. Textos essenciais de Schopenhauer. Seleção e comentários de Gleisy Picoli. 1ª Edição. Petrópolis: Editora Vozes, 2024, p. 41-53.

Schopenhauer, A. Textos essenciais de Schopenhauer. Seleção e comentários de Gleisy Picoli. 1ª Edição. Petrópolis: Editora Vozes, 2024.

CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA

1 – Pedro Damasceno Uchôas

Professor da Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso do Sul e professor temporário na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul).

https://orcid.org/0000-0001-9055-651X • pedruchoas@gmail.com

Contribuição: Escrita – primeira redação

COMO CITAR ESTE ARTIGO

Uchôas, P. D. Resenha de Textos essenciais de Schopenhauer, de Gleisy Picoli. Voluntas Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria - Florianópolis, v. 16, n. 1, e91890, p. 01-05, 2025. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179378691890. Acesso em: dia mês abreviado. ano.

 

 



[1] Picoli, G. Schopenhauer entre teoria e prática, p. 17.

[2] Picoli, G. Schopenhauer entre teoria e prática, p. 9.

[3] “É importante seguir a ordem dos temas, conforme eles são apresentados no livro, pois, muitas vezes, eles pressupõem a assimilação de conceitos trabalhados anteriormente” (Picoli, G. Schopenhauer entre teoria e prática, p. 9).

[4] Picoli, G. Schopenhauer entre teoria e prática, p. 5-8.

[5] Picoli, G. Schopenhauer entre teoria e prática, p. 12.

[6] Uma exceção bem-vinda é o comentário de Picoli a Fichte no terceiro capítulo, intitulado Materialismo e idealismo, em que a filosofia fichteana aparece como um extremo da antinomia de conhecimento, o idealismo absoluto (Picoli, G. Materialismo e idealismo, p. 43).

[7] Picoli, G. Materialismo e idealismo, p. 43.