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Universidade Federal de Santa Maria
Voluntas, Santa Maria, v. 16, n. 2, e91830, 2025
Submissão: 01/06/2025 • Aprovação: 26/06/2025 • Publicação: 22/09/2025
2 A TESE DA EMOÇÃO COMO JUÍZO VALORATIVO: ASPECTOS PRELIMINARES
3 O JUÍZO EMOCIONAL PARA MARTHA NUSSBAUM
5 ELEMENTOS NÃO-COGNITIVOS NÃO SÃO NECESSÁRIOS
Artigos
A dimensão avaliativa da emoção no judicalismo de Martha Nussbaum
The Evaluative Dimension of Emotion in Martha Nussbaum’s Judgmentalism
Jorge Luiz ViesenteinerI,Estela Altoé FeitozaI
I Universidade Federal do Espirito Santo, Vitória, ES, Brasil
RESUMO
O objetivo consistiu em explorar a dimensão avaliativa da emoção no judicalismo de Martha Nussbaum, buscando compreender o que sustenta seu cognitivismo no modelo de emoções que propõe. A autora defende a tese de que a emoção possui natureza cognitiva e intencional, sendo idêntica a um tipo de juízo avaliativo sobre algo de imenso valor para o florescimento do indivíduo – noção herdada dos antigos estoicos e posteriormente reinterpretada por ela. Para tanto, deflaciona a noção preliminar de juízo de valor, adotando uma compreensão ampla de avaliação cognitiva sem limites precisos, na qual recorre a concepções ampliadas de intencionalidade e de cognição, a fim de tornar possível a atribuição de emoções a crianças e a animais não humanos. Situando sua defesa no debate entre cognitivismo e não-cognitivismo no campo da moral, e buscando salvaguardar a inteligibilidade da emoção, os elementos não cognitivos – como o hábito, o afeto e o sentimento –, embora com potência motivadora na avaliação emocional, são subsumidos como parasitários das crenças e juízos avaliativos, assim como sua concepção de corpo, e, como tais, não são considerados necessários à definição. Por conseguinte, apesar de não ser possível considerar seus processos avaliativos como exclusivamente abstratos, o caráter fenomenológico da emoção, ativo nas avaliações emocionais, não é devidamente considerado.
Palavras-chave: Emoção; Cognição; Judicalismo
ABSTRACT
Keywords: Emotion; Cognition; Judgment
As abordagens filosóficas sobre as emoções são tão antigas quanto a própria filosofia. Ao considerá-las em sentido amplo, destacam-se duas dimensões fundamentais – caso não nos atenhamos a um modelo teórico específico: a dimensão experiencial ou fenomenológica da emoção, que diz respeito ao seu caráter sentido ou vivido; e a dimensão valorativa, que nos conecta a situações salientes do ambiente e nos leva a reagir emocionalmente a determinadas circunstâncias. Esses dois aspectos da emoção, igualmente relevantes e nem sempre facilmente articuláveis, são abordados com maior ou menor ênfase a depender da teoria em questão. Tradicionalmente, no que se refere à dimensão valorativa, sustenta-se que as emoções possuem uma íntima conexão com valores e, portanto, desempenham algum papel avaliativo nas situações em que nos encontramos – sejam elas positivas ou negativas – no âmbito de nossa relação com o mundo e de nossa capacidade de ação. As teorias que enfatizam a dimensão avaliativa das emoções costumam dedicar-se aos aspectos normativos, como a ação humana, a interação social, a agência moral e a defesa da inteligibilidade da emoção. Nesse contexto, as emoções são compreendidas como fontes de informação acerca de valores significativos, permitindo também que captemos aspectos de nossa constituição psicológica, inclusive no plano moral. A ideia central que permeia essas teorias é a de que nossas ações são motivadas por uma valoração mediada, em grande parte, pela emoção. Emoções, assim compreendidas, são classificadas como avaliativas na medida em que, de algum modo, são constitutivas dos valores ou causadas por eles, em vista das possibilidades de ação do sujeito.
As teorias avaliativas das emoções não constituem um projeto teórico unificado. Em linhas gerais, podem ser agrupadas em duas vertentes principais: as filosóficas, propriamente avaliativas, e aquelas de base psicológica, amplamente conhecidas como teorias do tipo appraisal[1]. As primeiras debatem diferentes teses sobre a natureza da emoção, em continuidade com os antigos debates entre cognitivismo e não cognitivismo (ou sentimentalismo) no campo da filosofia moral. Já as abordagens psicológicas se concentram nos mecanismos envolvidos no processo avaliativo como causa da emoção, e não necessariamente em sua natureza. Um dos principais méritos dessas teorias seria a capacidade de distinguir diferentes tipos de emoções a partir de processos cognitivos de reconhecimento de situações desencadeadoras, do ponto de vista do sujeito – o que seria assegurado pelo caráter intencional das emoções, sempre dirigidas a algo ou alguém considerado relevante. Isso significa que, ao menos em certo grau, há racionalidade nos processos emocionais. O elemento avaliativo seria, assim, o responsável por garantir a unidade da emoção como tipo específico, conferindo-lhe identidade e conectando os aspectos subjetivos do sujeito emocional à circunstância em que se encontra.
Entre as teorias avaliativas, uma das tradições mais antigas é o judicalismo, vertente clássica que remonta aos estoicos e concebe as avaliações emocionais como de natureza cognitiva, assumindo a forma de juízos de valor que avaliam objetos ou situações no mundo. Essa tese é defendida como uma prerrogativa comum a todas as emoções. No entanto, abordagens judicalistas têm sido marginalizadas nos debates contemporâneos, sob a alegação de que atribuem às emoções uma natureza excessivamente abstrata e intelectualista. Uma das hipóteses subjacentes a essas críticas é a de que tais teorias estariam comprometidas com um paradigma cognitivista rígido.
O objetivo deste artigo é examinar mais de perto os fundamentos dessa categorização, analisando um modelo teórico judicalista que tem sido alvo recorrente dessas críticas: o modelo proposto por Martha Nussbaum[2], segundo o qual a emoção é idêntica a um tipo de juízo valorativo. Especificamente, buscamos compreender o que, no modelo nussbaumiano, confere às emoções seu caráter avaliativo e avaliar se as críticas de intelectualismo e abstração são efetivamente pertinentes à sua concepção.
2 A TESE DA EMOÇÃO COMO JUÍZO VALORATIVO: ASPECTOS PRELIMINARES
Na tese estoica, todos os juízos avaliativos passam por uma teoria de valor que é bastante restrita, e somente considera como bom o que é passível de ser analisado pelas faculdades racionais daqueles que atingiram a virtude, o único bem genuíno e verdadeiro[3]. Uma teoria estoica dos valores considera o pensamento virtuoso como parte de uma virtude absoluta, de valor intrínseco, não redutível a níveis, não afetada pela contingência externa e suficiente para uma vida humana boa. A alma humana está em conformidade com o cosmos racional estoico que se manifesta pelo pensamento e pode ser expresso discursivamente através da fala (do dizível), da linguagem. De maneira geral, os juízos têm um propósito prático e visam a virtude, o bem-viver.
As emoções como juízos valorativos consistem em assentir algo percebido como favorável (bom) ou desfavorável (ruim). No entanto, as emoções não seriam confiáveis para tal, pois direcionam importância excessiva a coisas externas que, em si mesmas, não têm valor, e tornam o homem passivo diante das circunstâncias. Assim concebidas, as emoções são juízos falsos, não porque são irracionais, no sentido de não terem o envolvimento das faculdades racionais, mas sim porque não condizem com a teoria de valores estoica. Para o estoico Crisipo, que dá origem a esta concepção, a emoção é uma alteração ou afecção da alma racional que, como uma patologia da ordem da razão, precisa ser controlada ou até mesmo extinta[4].
Para diferenciar os tipos de emoções, que têm em comum o caráter avaliativo ao bem externo, os estoicos tomam por referência, desse modo, duas distinções em relação ao evento: a) entre o que é bom e ruim; e b) entre presente, uma atualidade, e futuro, uma possibilidade. Na interpretação de Martha Nussbaum, Crisipo não pretende negar o caráter urgente e visceral da emoção, mas afirmar que todo o estado passional é parte da mesma faculdade da alma que é responsável pelo processo de raciocínio prático[5]. Vai alegar, então, que a emoção é uma função discriminatória da razão[6].
Nussbaum define o juízo estoico como assentimento a uma aparência, termo da tradição clássica que a autora mantém na definição e tem influência aristotélica. O assentimento é o mesmo que julgar que tal e tal é o caso (p). Ao retomarmos o caráter processual desse juízo, é possível descrever o envolvimento de dois estágios: a) o primeiro é o da aparência (que para o estoico é geralmente proposicional), em que o agente vê as coisas de um certo modo; elas aparecem para o agente assim. Ainda no estágio da aparência, o agente pode aceitá-las como verdadeiras, comprometendo-se com elas, assentindo-as, tornando-as, nesse caso, seu juízo (b1). Ou o agente pode refutá-las, e assentir o contraditório. Nesse caso o seu juízo (b2) será o contrário do que aparece (que tal e tal não é o caso). No entanto, o agente pode também suspender o juízo, sem comprometer-se com nenhuma das posições.
Segundo a interpretação de Nussbaum, no estágio perceptual, em que o agente vê algo como sendo de certo modo, “não há nada de errado em conceber que tal atividade receptiva é apresentada às faculdades cognitivas do agente, e que aceitar ou rejeitar essa aparência é um ato desta mesma faculdade”[7]. O ato de selecionar, reconhecer e aceitar uma aparência como verdadeira, comprometendo-se com ela, é uma operação da razão e, de Aristóteles aos estoicos, constitui o critério distintivo entre os seres humanos e os demais animais. Os juízos sobre o que é bom e ruim em relação ao objeto externo são mais gerais e constituídos por uma rede complexa de crenças emaranhadas, que são internalizadas na concepção de valor, o qual forma uma base estável para as ocorrências concretas de emoção. Crenças, quando cristalizadas, tornam-se disposicionais, e deixam o indivíduo mais suscetível às emoções. O juízo emocional, sendo valorativo, é um juízo prático, não instrumental, e visa uma ação possível, em que algo no mundo é avaliado com alto valor, por fazer parte dos projetos e fins do agente, de seus comprometimentos existenciais. O conhecimento envolvido é do tipo saber-como (know-how) e essencialmente prático.
É importante considerar, nesse sentido, que para os estoicos as emoções não têm origem natural, nem são “partes orgânicas de nossa constituição inata”[8]. São juízos valorativos adquiridos através de “persuasão das coisas externas”, ou “persuasão das aparências”, e, portanto, não têm presença em animais e nem em crianças, cuja faculdade da razão não atingiu a maturação.
Por consequência de sua teoria moral, os estoicos defendem que uma ‘mente’ saudável está mais motivada para uma ação correta se guiada pelo pensamento de virtude, do que pelas motivações que vêm das emoções, que são motivos “instáveis e não confiáveis”[9]. Portanto, no sistema estoico as emoções são motivos indesejáveis que fazem parte da faculdade da razão, a qual está intimamente envolvida nas escolhas práticas. No entanto, a razão aqui tem um tipo de natureza que é contínua com a cosmologia estoica: quase “divina”.
Assim, a racionalidade inclui um critério bastante primário de verdade, conectado com as ações na esfera da moral, em que saber a virtude implica também em ser capaz de agir virtuosamente, o que para Crisipo e outros estoicos envolve eliminar as emoções da esfera moral, a partir de uma certa psicologia cognitiva e uso da argumentação racional. Nussbaum vai contestar que a completa extirpação das emoções e a atitude de completa indiferença aos bens externos sejam compatíveis com uma noção de vida boa. Para tanto, vai buscar uma abordagem mais flexível de bem-viver.
3 O JUÍZO EMOCIONAL PARA MARTHA NUSSBAUM
Martha Nussbaum defende a tese de que as emoções são formas de juízos e, como tal, não se opõem à razão. Na verdade, são perturbações do pensamento (upheavals of thought) que têm íntima conexão com o bem-estar das criaturas, e como tais, figuram como respostas inteligentes a valores significativos para nós, modulando nossa vida mental e social: “são formas de juízos avaliativos que inscrevem a certas coisas e pessoas que estão fora do próprio controle do sujeito, grande importância para seu próprio florescimento. Emoções são, por efeito, reconhecimentos de necessidade e falta de autossuficiência”[10]. Vistas desse modo, as emoções são avaliações ou juízos valorativos. Essa noção geral baseia-se em três ideias principais: a) de avaliação cognitiva e intencional; b) de florescimento do agente; c) de saliência do meio e de seus objetos, como elementos importantes para o bem-estar do agente, os quais, no entanto, estão fora de seu controle[11].
Essas ideias são combinadas com informações sobre o mundo. A autora autodenomina sua abordagem como cognitivo-avaliativa, ou simplesmente cognitiva. Por “cognitivo” refere-se a “nada mais do que relativo a receber e processar informações”. E com tal definição de cognição, diz não pretender “sugerir a presença de cálculos elaborados, de computação, ou mesmo de autoconsciência reflexiva”[12]. Assim posto, a emoção nussbaumiana é um tipo de avaliação ou juízo valorativo cuja natureza é cognitiva.
A análise de Nussbaum é filosófica por natureza. No entanto, podemos enumerar três grandes fundamentos de sua teoria das emoções, para além da definição de juízo emocional estoica em Crisipo e da noção de florescimento humano (Eudaimonia)[13] de teorias éticas gregas: a) a psicologia cognitiva – que se baseia em teorias fundadas na ideia do desamparo aprendido, como a de Martin Seligman; e em teorias das emoções do tipo appraisal[14], no que se refere aos mecanismos avaliativos do que pertence ao florescimento de uma certa criatura; b) a antropologia, referente à construção social avaliativa da emoção; c) a psicanálise, mais precisamente teorias das relações objetais na infância e suas dimensões avaliativas.
De modo geral, Nussbaum defende que diferentes emoções – como medo, tristeza, raiva, amor, alegria, esperança, ciúme, inveja, pena, culpa, entre outras –, apesar das peculiaridades que as diferenciam, compartilham uma estrutura cognitiva comum e, por isso, podem ser agrupadas em uma categoria abrangente: a emoção.
A defesa das emoções cognitivas teria ‘adversários’. A visão adversária que a autora procura contestar é aquela que considera as emoções como impulsos desconectados de nossos pensamentos, avaliações ou planos – uma concepção herdada de certas tradições sentimentalistas na filosofia, da psicologia comportamentalista e de abordagens estritamente fisicalistas[15]. Para Nussbaum, a visão adversária compreende emoções como forças cegas, independentes e não inteligentes, desconectadas inclusive da percepção ou pensamento, e que movem a criatura “como as correntes de um oceano”, como “forças da natureza”[16]. Um dos objetivos da tese de Nussbaum é refutar a irracionalidade da emoção. Com sua visão, ela quer contestar a ideia de que a emoção é meramente uma força. Sua defesa gira em torno da noção de avaliação cognitiva e intencional e, para tanto, emoções englobam quatro aspectos: a) o primeiro é que elas são sobre algo, têm um objeto. No luto vivenciado pela autora, todas as emoções elicitadas (pesar, medo, esperança) são sobre sua mãe. A identidade do medo, por exemplo, depende da vida de sua mãe estar em risco; b) o segundo é que este objeto é intencional: ele figura na emoção conforme interpretado pelo sujeito, e não pelo que é em si mesmo. Desse modo, a emoção é sobre o objeto (aboutness)[17] de modo intencional. A aboutness do objeto, que é parte da identidade mesma da emoção, “é mais interna, e incorpora uma maneira de ver”[18], ou seja, vem de modos ativos de ver e interpretar, o que Nussbaum concebe, por vezes, como um tipo de percepção intencional[19]. Essa ‘maneira de ver’ pode consistir em uma visão acurada ou não do objeto e pode ser direcionada tanto para um objeto presente quanto para outro que já não existe: “Desse modo, também, intencionalidade é distinta de um direcionamento mais mecânico”[20] e engloba a função de diferenciar as emoções umas das outras; c) o terceiro é que incorporam também uma rede complexa de crenças sobre o objeto, que não são facilmente distintas do tipo de percepção intencional que envolve ver X como Y. Tais crenças são essenciais para a identidade da emoção, de modo que com a mudança da crença, espera-se que a emoção também mude. As crenças não são simplesmente necessárias como causa externa para a ocorrência da emoção, mas são parte constitutiva da identidade da mesma; d) e, por fim, as crenças e percepções intencionais características das emoções estão investidas de valor, ‘valor significativo’ ao objeto para o qual se direcionam. “O valor percebido no objeto aparece como sendo de um tipo particular. Aparece como referência ao horizonte de florescimento próprio da pessoa. O objeto da emoção é visto como importante por algum papel que desempenha na própria vida da pessoa”[21]. Isso não significa que esses objetos são simplesmente instrumentos para a satisfação do agente, mas que têm, concomitantemente, valor intrínseco.
Nussbaum argumenta que uma parte essencial da identidade de uma emoção, bem como o que a diferencia de outras são seus elementos cognitivos: “[...] sua aboutness, sua intencionalidade, sua base em crenças, sua conexão com avaliação. Tudo isso as fazem parecer muito com pensamentos, afinal”[22]. Nussbaum argumenta que o aspecto cognitivo é que garante ‘identidade’ à emoção, pois tem papel discriminatório, o que a faz semelhante ao pensamento e a base em crenças tem papel essencial. Essa é a preocupação central de Nussbaum, que defende a ‘tese das partes constituintes’ para a emoção, em que “elementos cognitivos são parte constitutiva do que a emoção é”[23].
A crença avaliativa pode ser necessária ou suficiente para a presença dos demais componentes da emoção. Nussbaum sustenta que crenças ou “percepções intencionais” têm papel central na definição da emoção, mas não se identificam com ela. São constituintes, mas não suficientes por si sós. Com isso, a autora sugere endossar uma concepção híbrida de emoção quanto aos elementos cognitivos, distanciando-se do cognitivismo clássico ao relativizar o papel exclusivo da crença. Nesse suposto hibridismo, ela inclui, no funcionamento das emoções, as percepções do tipo “ver X como Y”, que, embora próximas das crenças, não se distinguem claramente delas[24]. O conteúdo cognitivo, aquilo sobre o que a emoção é, é trazido constantemente à definição. Nussbaum argumenta que tal base em crenças não é simplesmente uma causa externa da emoção, mas sim parte do que a ‘constitui’. Na Retórica de Aristóteles, por exemplo, a experiência do medo implica que alguém tem de ‘acreditar’: a) que eventos ruins estão para acontecer (o caráter avaliativo); b) que esses eventos são muito prejudiciais (o caráter eudaimonístico); c) e que ela não tem controle sobre os mesmos (o caráter da vulnerabilidade). A emoção do medo carrega uma informação relacionada às crenças do indivíduo sobre a possibilidade de que algo “ruim” aconteça. Trata-se de um tipo de mudança potencial, marcada pela incerteza e pela ausência de controle. Caso uma das três circunstâncias descritas anteriormente se altere, é esperado que o medo também se modifique ou desapareça – o que evidencia a centralidade da crença para sua constituição.
Outro aspecto parece contestar o argumento da necessidade da crença: trata-se de casos em que certas pessoas mudam a crença sobre a qual uma emoção se baseia, mas continuam a experienciar a mesma emoção. Para Nussbaum, embora a crença avaliativa seja essencial como elemento cognitivo, hábitos e costumes enraizados desde a infância podem gerar crenças contraditórias em relação à emoção. Isso ocorre porque essas crenças são frequentemente usadas como base inferencial para outras crenças – ainda que falsas ou mesmo desconhecidas pelo indivíduo. Nussbaum[25] argumenta que isso ajuda a explicar certas emoções recalcitrantes – como, por exemplo, o medo recorrente de cachorros. A pessoa sabe, pois aprendeu ao longo da vida, que a grande maioria dos cães não é perigosa, salvo em casos específicos. Apesar disso, com base em crenças avaliativas formadas na infância, ela mantém uma crença geral, contraditória e profundamente habituada[26], de que cachorros representam uma ameaça ao seu bem-estar. Assim, sente medo, mesmo julgando que o cão presente na situação atual não oferece perigo. As emoções recalcitrantes constituem uma das objeções levantadas por adversários das teses cognitivas sobre a emoção. Segundo Nussbaum[27], esses críticos consideram tais emoções como componentes não cognitivos – sentimentos sem intencionalidade, associados a prazer, desprazer ou dor –, os quais seriam, para eles, os verdadeiros definidores de uma emoção. Nussbaum, por sua vez, argumenta que as crenças avaliativas formadas na infância são frequentemente construídas em contextos de vínculos afetivos intensos e, por isso, tendem a ser difíceis de tornar claras, conscientes e, sobretudo, de serem desfeitas.
Em suma, é o ‘completo reconhecimento’ de algo como importante e o total ‘assentimento’ a esse algo como ‘verdadeiro’ que serão suficientes para a ocorrência da emoção. Os juízos carregados de componentes avaliativo e eudaimonístico serão idênticos às emoções. Neste ponto da argumentação, Nussbaum retoma a noção de juízo de valor estoica, e defende a tese de que emoções podem ser definidas apenas em termos de juízo avaliativo.
Conforme vimos, os estoicos definem um juízo ‘como um assentimento favorável a uma aparência’. O juízo é ‘processual’ e ocorre em dois estágios: a) o da aparência; b) o do ato de assentir ou aceitar (o que vem a ser o juízo mesmo). No estágio ‘a’ da aparência, algo me atinge e ocorre a mim que tal e tal é o caso, ou as coisas aparentam a mim de um certo modo; eu as vejo assim (look), mas ainda não as aceitei realmente. Essa visão, segundo a interpretação nussbaumiana “não requer qualquer metafísica ou representações internas que alegadamente espelham o mundo: os estoicos estão falando somente do modo como as coisas aparecem às pessoas, e esse modo pode ou não ser transmitido à mente através de mecanismos representacionais”[28]. Abraçar imediatamente uma aparência como verdadeira e agir de acordo com ela é uma capacidade muitas vezes atribuída a crianças. Trata-se da possibilidade em que a aceitação da aparência ocorre de forma direta. Nussbaum[29] retoma o exemplo perceptivo de Aristóteles: “O sol aparenta a mim ter a largura de um pé. (Esse é o modo como ele me aparece, é como eu o vejo)”. No entanto, o conhecimento prévio de astronomia sustenta minha crença de que o tamanho real do sol é enorme, e que, nesse caso, a aparência é enganosa. Assim, eu "repudio a aparência e abraço uma aparência contraditória", baseada na crença, passando à segunda possibilidade[30]. Assentir a uma aparência percebida e reconhecê-la como verdadeira é uma ação das faculdades cognitivas. A aparência se apresenta às faculdades cognitivas, e “a aceitação ou rejeição é atividade dessas faculdades”[31]. A cognição não recebe passivamente as informações, mas se ocupa em fazer distinções. É a razão que se estende à aparência. O ato de assentir possui “propriedades cinéticas”, mediadas pelo pensamento, e essa seria uma maneira de compreender o raciocínio: como uma habilidade por meio da qual nos comprometemos com o modo como as coisas são[32].
No entanto, dois aspectos da tese estoica requerem revisão. O primeiro diz respeito à ênfase excessiva em conteúdos proposicionais linguisticamente formuláveis; o segundo, à concepção de que o ato de assentir é sempre voluntário. Isso implica que a tomada de posição diante de algo percebido – isto é, a capacidade de aceitar ou rejeitar um conteúdo – estaria sempre sob o controle da pessoa, remetendo, na perspectiva estoica, ao poder da razão. Diante da exigente necessidade de automonitoramento para alcançar a virtude, apenas adultos seriam capazes de exercer tal habilidade voluntarista; por conseguinte, os estoicos negavam a existência de emoções em crianças e animais não humanos. São precisamente esses pontos que Nussbaum buscará revisar.
Nussbaum critica e rejeita a vertente voluntarista extrema da psicologia estoica, embora mantenha a noção geral de juízo. Defende que não é necessário aderir à psicologia voluntarista dos estoicos – que pressupõe total controle sobre nossos pensamentos e inclinações virtuosas – para sustentar sua concepção de emoção como juízo. Podemos, segundo ela, adotar uma perspectiva em que o assentimento não é um “ato que sempre deliberadamente performamos”, mas, em muitas ocasiões, algo que nos é “extraído” pelas aparências, pelas circunstâncias ou pelo hábito[33]. Como vimos, para que uma emoção seja considerada um juízo, é necessário haver o reconhecimento de que algo é imprescindível para a existência da pessoa. Nem todo juízo é emocional; para sê-lo, ele deve apresentar duas características fundamentais: ser avaliativo e eudaimonístico. Esse reconhecimento de importância seguido de assentimento pode ocorrer de forma extremamente rápida, como no caso de crianças, que em maior ou menor grau têm dificuldades em reter o julgamento. Hábito, vínculos profundos e a força de determinados eventos também podem “extrair o assentimento” de nós[34]. Em outras situações, o assentimento pode não ser imediato, como nos casos de negação diante de uma situação dolorosa, como o luto[35]. Se compreendermos o assentimento nesse sentido ampliado, Nussbaum sustenta ser possível atribuir emoções a crianças pequenas e a animais não humanos. Sempre que esses sujeitos aceitam o modo como o mundo lhes aparece como sendo o modo como ele é, pode-se considerá-los como possuindo juízo à sua maneira. No entanto, no estágio da aparência, Nussbaum observa – ao se referir à morte de sua mãe: “a aparência, de qualquer modo que a imaginemos, tem conteúdo proposicional, ou pelo menos uma combinação: combina o ‘pensamento’ de importância com o ‘pensamento’ de perda. Como já indicado, esse conteúdo é ao mesmo tempo avaliativo e eudaimonístico”[36]. Há um componente de importância pessoal, ligado aos compromissos existenciais da pessoa. Não se trata de qualquer mãe, mas da sua própria. E o elemento central do conteúdo proposicional, no estágio da aparência, é a imensa importância dessa mãe – tanto intrínseca quanto para o florescimento da autora.
Nussbaum argumenta que, ao receber a notícia do agravamento do estado de saúde de sua mãe – na véspera da morte, estando ela em Edimburgo –, foi imediatamente assombrada por pensamentos e imagens carregados de valoração. Durante todo o voo de retorno aos Estados Unidos, esses pensamentos persistiram. Ela ainda se encontrava no estágio da aparência: impotente diante da situação, não podia ainda aceitar nem rejeitar o estado da mãe. Aceitou, no entanto, o risco de perdê-la, e teve medo[37]. Contudo, nem sempre esses dois estágios (aparência e assentimento) ocorrem de forma dissociada; com frequência, o modo como o mundo nos aparece e a verdade da aparência se impõem conjuntamente. Ela poderia ter rejeitado a aparência caso a notícia fosse desmentida ou recusada como verossímil. No entanto, ao aceitar que a vida da mãe estava em risco, sentiu medo – embora ainda não soubesse se ela havia de fato morrido. Foi apenas no quarto do hospital, ao ver o corpo da mãe já sem vida, que assentiu plenamente ao que via diante de si. Ao aceitar a proposição de que alguém extremamente importante havia partido para sempre, sentiu pesar intenso. Nussbaum observa que o que se aceita, nesse momento, é um conjunto de proposições com conteúdo avaliativo. Ela nota que, no luto, pode haver inclusive a negação do fato da perda, sendo o assentimento temporariamente retido – pois o desamparo da situação pode ser insuportável, e o enlutado, emocionalmente impreparado para a dor. Trata-se, aqui, de um dos raros casos de emoção ‘não-consciente’ que Nussbaum admite, de forma cautelosa, em sua teoria. Tais casos são aceitos quando padrões comportamentais se explicam melhor pela hipótese de uma emoção inconsciente (como medo, raiva ou pesar), ou quando o próprio sujeito reconhece tais padrões em si[38].
Até este ponto, a teoria neo-estoica de Nussbaum sustenta que, para que uma emoção seja identificada com um juízo, é necessário que: a) consista na aceitação de uma proposição avaliativa e eudaimonística; b) essa proposição diga respeito a projetos e metas da pessoa; e, por fim, c) as emoções revelem a vulnerabilidade da pessoa diante de bens externos. Esse último ponto é central: o juízo emocional expressa a dependência de coisas e pessoas sujeitas a mudanças súbitas e fora de nosso controle. A emoção evidencia nossa passividade diante do mundo. Para os estoicos, as emoções seriam ‘falsos juízos’, pois atribuiriam valor exagerado a objetos externos. Na releitura de Nussbaum, emoções como medo, esperança, raiva, inveja, ciúmes ou pesar afirmam cognitivamente que há possibilidade de mudança no estado de coisas – sendo a vulnerabilidade incorporada à própria estrutura da emoção.
Nussbaum sustenta que os juízos aqui descritos não são apenas constitutivos da emoção, mas também suficientes para sua ocorrência. Se não houver emoção, tampouco há juízo do tipo descrito. A suficiência é interna, e as demais “partes” da emoção decorrem disso. A emoção, assim, é função das faculdades cognitivas – “do pensamento em seu sentido mais geral”[39] – e não um impulso irracional causado por um pensamento, como alegariam seus ‘adversários’. O juízo, nesse modelo, é uma faculdade dinâmica. O movimento físico em direção ao hospital, no caso do luto, apenas expressa o movimento do pensamento, abalado pela perda iminente. O reconhecimento e a comoção fazem parte da mesma instância psíquica: aquela que dá sentido ao mundo[40]. A emoção é o assentimento – não seu resultado.
É preciso ainda distinguir entre a sinceridade de uma emoção e a verdade ou falsidade de seu conteúdo, uma vez que “o fato de ter uma emoção depende de quais são as crenças da pessoa, e não se elas são verdadeiras ou falsas”[41]. Assim, pode-se sinceramente sentir pesar pela morte da mãe, mesmo que ela não tenha morrido – nesse caso, o pesar é sincero, mas seu conteúdo é falso. Por isso, chamamos tal emoção de equivocada, não de falsa. Um juízo, por outro lado, pode ser falso se seu componente avaliativo for incorreto – e é nesse sentido que Nussbaum introduz a ideia de correção dos valores. A importância de algo, em sua dimensão valorativa, pode ter dois aspectos: a) é importante para meus fins; b) é importante em si. A concepção de eudaimonia defendida por Nussbaum é flexível, não prescritiva: leva em conta aquilo que o agente considera intrinsecamente valioso para seu projeto de vida. Em geral, a emoção valora do ponto de vista do agente, com base em um esquema de fins que é frequentemente confuso, não deliberado e desordenado. Pensamentos sobre o bem podem exercer menos influência na concepção de importância que uma determinada pessoa atribui a algo do que fatores como o hábito e o tempo.
Assim, Nussbaum recusa uma visão puramente instrumental dos valores. Podemos atribuir mais ou menos importância a algo, inclusive de forma desproporcional. A continuidade da emoção depende, em última instância, da aceitação reiterada de que as coisas são como são – o que também sustenta o caráter de correção dos valores. Emoções, portanto, respondem ao modo como o mundo efetivamente é[42]. A autora reconhece um duplo aspecto no caráter eudaimonístico das emoções: o individual e o geral. O exemplo do desejo de ter um filho mostra isso. Ao amar o seu filho particular, a pessoa reafirma também o valor da ideia geral de ter uma criança. O florescimento, portanto, é essencial e normativo, pois engloba tudo aquilo que o agente reconhece como tendo valor para si – e, por vezes, para os outros.
Dessa forma, o juízo de valor, tal como aqui concebido, é necessário e suficiente para a emoção. A relação entre juízo e emoção é de identidade: se a emoção não está presente, tampouco está o juízo de valor do tipo descrito. O juízo é constitutivo da emoção – não sua causa externa. Considerar a emoção como idêntica ao juízo implica reconhecer que tanto o diagnóstico da situação quanto o valor que lhe atribuímos são parte da mesma perturbação (upheaval), vivida em uma única experiência. Não há, portanto, uma anterioridade causal do juízo em relação à emoção. A emoção é, nos termos de Nussbaum, o próprio juízo.
Em resumo, os juízos emocionais são uma subclasse dos juízos valorativos:
· Existem juízos valorativos que não envolvem emoções;
· Existem juízos sobre bens humanos que não envolvem emoções;
· O juízo emocional envolve um engajamento com algo importante (objeto intencional), que não apenas integra um projeto, mas constitui a própria identidade da pessoa.
As emoções cognitivas, na teoria de Nussbaum, consideram o caráter intencional das crenças e percepções, bem como a atribuição de alto valor a coisas e pessoas. Emoção e cognição não estão separadas. A diferenciação entre tipos de emoções está garantida pela intencionalidade dos atos psicológicos (percepção, crença, desejo). Esta é a tese central da teoria das emoções de Nussbaum, que enfrenta críticas, sobretudo à ideia de que emoções seriam uma função das faculdades cognitivas – ou, mais amplamente, do pensamento – contrapondo-se a concepções alternativas de cognição[43].
5 ELEMENTOS NÃO-COGNITIVOS NÃO SÃO NECESSÁRIOS
Se os juízos são constitutivos, necessários e suficientes para a emoção X, e se possuem conteúdo avaliativo eudaimonístico, então haveria outras partes constitutivas de X que não seriam componentes do próprio juízo? Este é justamente o ponto mais controverso da teoria nussbaumiana: a alegação de que elementos não cognitivos não são necessários para a identidade da emoção. Como ocorre em outras teorias cognitivistas, uma de suas principais preocupações é a identificação do tipo de emoção – distinguindo-a de outras – com base em seu conteúdo cognitivo ou em padrões conceituais que permitam classificá-la como pertencente a uma determinada categoria. No entanto, tal proposta não visa analisar episódios particulares da ocorrência de uma emoção X. No caso do luto, por exemplo, Nussbaum sustenta que “teremos um argumento mais poderoso – e também uma compreensão mais profunda dos fenômenos – se perguntarmos, ao invés, sobre as condições gerais do pesar, e se existem elementos necessários para a dor do luto em geral que não parecem ser elementos de julgamento”[44]. Podemos identificar algumas preocupações fundamentais na definição de emoção que a autora propõe: a) evitar o privilégio das ocorrências episódicas de uma emoção particular; b) priorizar as condições gerais que permitem definir um tipo de emoção; c) distinguir suas partes constitutivas por meio da oposição entre o cognitivo e o não cognitivo. Ao longo da argumentação, Nussbaum reconhece que a questão da necessidade ou não de elementos não cognitivos é particularmente delicada, e declara-se aberta a mudar de posição caso evidências empíricas demonstrem o contrário. Contudo, de forma provisória, sustenta que tais elementos não são necessários para definir uma emoção.
Outra crítica é assumir estados emocionais com base em atividades cerebrais definidas. Trata-se da alegação de que é necessário considerar que há́ uma múltipla variabilidade ‘fisiológica’ corporal, e, mais especificamente, das atividades cerebrais, quando se leva em consideração, por exemplo, a neuroplasticidade do cérebro e a múltipla capacidade de realização dos estados mentais. A busca por identidade entre uma alteração deste tipo e uma determinada emoção não é suficiente para defini-la, segundo as exigências do modelo tipológico de Nussbaum. A questão é se essas manifestações sempre acontecem como um padrão, a fim de que se possa dizer que é constitutivo e essencial para identificar uma emoção. Por ora, Nussbaum pensa que não é necessário inserir o estado corporal particular na definição de um tipo de emoção, visto que é difícil diferenciar quais ‘efeitos fisiológicos’ são consequências ou partes mesmas da experiência emocional. A variabilidade das expressões emocionais, das manifestações corporais e dos sentimentos envolvidos também constitui uma objeção à ideia de tomá-los como necessários à identidade das emoções. No caso do medo e da raiva, por exemplo, há modos particulares de manifestação que variam entre os indivíduos. O que mantém uma constância entre as pessoas não são os sentimentos experienciados, mas os padrões de pensamento subjacentes.
A autora defende que as emoções são processos ‘corporificados’ no sentido de serem realizados materialmente. No entanto, discorda de que existam estados ou processos corporais que estejam permanentemente correlacionados com um determinado tipo de emoção, de maneira a defini-la em termos de descrição ‘fisiológica’. A noção de que o organismo humano é plástico e versátil, especialmente no que diz respeito às funções neurocerebrais, é uma das razões para defender a múltipla realização dos estados mentais[45]. No entanto, seria realmente necessário especificar uma resposta corporal particular e estável – como, por exemplo, uma atividade neural específica – para correlacioná-la a um tipo específico de emoção e, assim, reconhecer a necessidade do corpo nos processos emocionais? Essa exigência de especificidade configuraria, de fato, uma objeção aos elementos não cognitivos, nos termos das exigências de Nussbaum? Autores contemporâneos sustentam que não, e a própria Nussbaum deixa essa questão em aberto, reconhecendo a possibilidade de revisão. Embora admita que as emoções se realizam materialmente – e, nesse sentido, sejam também “formas” materiais –, Nussbaum não adota uma abordagem teoricamente ‘corporificada’ e pode não conferir ao corpo o estatuto apropriado à sua presença nas emoções, tal como estas ocorrem fenomenologicamente. Essa crítica não provém apenas da tradição sentimentalista; outras correntes contemporâneas de cognição corporificada também identificam essa lacuna em modelos constitutivos que priorizam os aspectos cognitivos[46]. Para Colombetti[47], por exemplo, não é adequado fragmentar a avaliação emocional entre estímulos corporais e processos de valoração (appraisal versus arousal), pois ambos participam dinamicamente do processo avaliativo.
Em relação aos elementos de prazer e dor, é comum supor que certas emoções positivas, como a alegria, estejam necessariamente acompanhadas de prazer, enquanto outras negativas, como o pesar, estejam necessariamente acompanhadas de dor. No entanto, tudo depende de como tais elementos são filosoficamente concebidos. Nussbaum inclina-se a adotar a definição aristotélica (e não estoica), segundo a qual o prazer não é um “sentimento”, mas “[...] uma maneira característica de fazer algo, sem impedimento”[48] – o que envolve ‘pensar’ de determinada maneira. Assim concebido, o prazer, na maioria das vezes, acompanha um elemento cognitivo, não sendo algo “não cognitivamente independente”, nem indiferente ao pensamento, ou mesmo que não é identificável com a crença, tal como postula a tradição sentimentalista. Nussbaum tende a aplicar o mesmo tratamento conceitual à dor. No entanto, é possível experimentar dores não intencionais associadas a emoções como luto, medo e pena – dores essas que envolvem sentimentos corporais, mas que se inserem em um horizonte avaliativo mais amplo, relacionado ao que é importante para a pessoa. Embora Nussbaum procure flexibilizar a consideração dos elementos não cognitivos, tal perspectiva não a exime de se situar no debate teórico entre cognitivismo e não-cognitivismo no campo das emoções. Com frequência, ela trata as sensações corporais “fisiológicas” de forma contraposta às avaliações cognitivas.
Como consequência, o escopo do que considera não-cognitivo parece bastante restrito; até mesmo as emoções irrefletidas (ou não conscientes) são tratadas como parasitárias daquelas plenamente acessíveis ao sujeito. No enfrentamento das teses que identificam estados mentais a estados físicos, bem como na rejeição ao dualismo mente-corpo, Nussbaum reconhece uma categoria mais abrangente. Entretanto, as diferentes instanciações envolvidas na emoção – como afetos e sentimentos – acabam sendo ou subsumidas nessa grande categoria ‘cognitiva e intencional’, ou então relegadas à condição de manifestações ‘corporais ou fisiológicas’, desprovidas de intencionalidade.
A teoria neo-estoica propõe alterações na noção original de juízo avaliativo a fim de corrigir aspectos frágeis que geraram críticas desde sua formulação por Crisipo: o foco excessivo na linguagem e na lógica proposicional como critérios para constituição e análise do juízo avaliativo e cognitivo; o voluntarismo psicológico exacerbado; a ausência de uma explicação satisfatória para o desenvolvimento das emoções desde a infância; e uma teoria de valores excessivamente restritiva, que considera negativamente todas as emoções. O racionalismo estoico clássico não admite que crianças e animais não humanos possam ter emoções, dada a alta exigência de controle racional. A teoria de valores é igualmente limitada, ao considerar apenas a virtude como bem genuíno. Esses aspectos são revistos por Nussbaum em sua proposta de reformulação teórica.
A primeira modificação busca incluir os animais não humanos, e, para isso, Nussbaum argumenta ser possível oferecer uma concepção adequada de emoção animal dentro de uma perspectiva ampliada da tradição estoica. Para isso, propõe uma ampliação da noção de cognição avaliativa e de intencionalidade, com menor ênfase em linguagem e proposições linguísticas, e maior atenção à “capacidade geral de ver ‘X como Y’, em que Y envolve uma noção de saliência ou importância para o bem-estar da própria criatura”. Essa habilidade de captar a saliência do ambiente é entendida como uma expressão das capacidades perceptuais. É fato que diversos animais não humanos experienciam emoções. A questão, no entanto, dentro de um modelo como o de Nussbaum, é saber se esses animais são capazes de emitir juízos ou realizar avaliações. Embora a maior parte dos autores negue essa possibilidade[49], Nussbaum defende que esses animais podem realizar avaliações por meio de uma percepção intencional dirigida à saliência do ambiente – com base em um modelo cognitivo deflacionado, menos exigente linguisticamente, e mais receptivo à experiência emocional. Com base nessa defesa, Nussbaum desenvolve sua revisão da teoria apoiando-se em duas abordagens: a psicologia cognitiva, que incorpora aspectos da biologia evolutiva[50] para explicar a capacidade adaptativa da emoção; e um método descritivo-narrativo baseado na observação detalhada da vida de um animal em interação com seu tutor, utilizando como exemplo a obra de George Pitcher[51].
A tese central é que os animais possuem intencionalidade, atenção seletiva ao ambiente e capacidade de avaliá-lo para agir. Por isso, Nussbaum critica o behaviorismo radical na psicologia animal[52], que elimina a emoção ao considerá-la apenas uma reação automática a estímulos – um processo de input e output sem mediação avaliativa. O behaviorismo, ao reduzir a análise a comportamentos observáveis como única fonte legítima de dados, descarta explicações com base em crenças e desejos[53], que Nussbaum busca recuperar. Para isso, defende uma noção estendida de cognição e intencionalidade, segundo a qual é possível atribuir estados de crença e de bem-estar (eudaimonismo) aos animais. A dimensão adaptativa e motivacional das emoções, embora reconhecida por Nussbaum, é pouco explorada em termos da constituição biológica dos animais. Ela reconhece que a biologia influencia a configuração dos objetos de desejo, mas privilegia sua vinculação à capacidade de escolha, mais vinculada ao pensamento do que a tendências automáticas à ação. Como os animais não humanos são fortemente guiados por seus objetivos[54], Nussbaum considera plausível afirmar que suas emoções são sempre eudaimonísticas, na medida em que implicam o reconhecimento de algo como benéfico (bom) ou nocivo (ruim) para o bem-estar, e assim funcionam como vantagens adaptativas.
A segunda modificação teórica diz respeito à influência da sociedade sobre as emoções, a partir de estudos antropológicos. Embora Nussbaum reconheça que emoções como medo, raiva, amor e luto sejam provavelmente universais entre os seres humanos – dada a vulnerabilidade da nossa base biológica e circunstâncias de vida compartilhadas, como a vinculação a objetos e pessoas significativas – isso não significa que tais emoções não sejam moduladas culturalmente. Nussbaum rejeita a teoria das emoções básicas e suas divisões entre emoções primárias e secundárias. Para ela, as emoções humanas compõem um contínuo que se desenvolve ao longo da vida, moldado tanto pela história individual quanto pelas normas sociais, que podem, inclusive, ser contraditórias entre si. Como as crenças sobre o que é importante e valioso têm um papel central na constituição das emoções, essas variações ocorrem em múltiplos níveis: individual e coletivo. Para Nussbaum, o que há de universal no bem-viver é a fragilidade das formas de vida. A morte, por exemplo, é uma condição universal, e o medo que ela provoca diz respeito à nossa vulnerabilidade, à incerteza e à ausência de controle sobre os acontecimentos.
A tese da construção social das emoções é, portanto, apenas parcialmente acolhida por Nussbaum. Ela rejeita a ideia de que as forças culturais sejam determinantes absolutos das possibilidades individuais, pois isso tornaria a história pessoal “etiologicamente não importante”[55]. Ao contrário, defende que tanto a biologia quanto as circunstâncias comuns tornam certos conceitos emocionais genericamente compartilháveis. Os traços evolutivos, embora reconhecidos, são pouco explorados por Nussbaum[56], que busca preservar as emoções do determinismo, seja biológico ou social. Para ela, as emoções não são inteiramente determinadas: possuem conteúdo intencional e podem ser moduladas pela educação.
A terceira modificação consiste na tese de que as emoções têm uma história. Se emoções são juízos avaliativos com conteúdo cognitivo, como explicar que infantes possam experienciá-las? A resposta exige considerar a dimensão temporal e contínua da emoção. Experiências passadas – especialmente na infância – moldam a configuração das emoções presentes. Há, segundo Nussbaum, uma continuidade histórica nas emoções, e fragmentá-las de seu passado, tratando-as como totalmente determinadas por estímulos imediatos, é teoricamente equivocado.
A vida emocional adulta apoia-se em “fundamentos construídos muito mais cedo, nas primeiras experiências de apego, necessidade, contentamento, amor e raiva”[57], que emergem das primeiras interações com o cuidador. Memórias primárias e rudimentares dessas relações influenciam a percepção de objetos na vida adulta, inclusive nas relações interpessoais. Nussbaum inspira-se em teorias psicanalíticas do desenvolvimento e nas relações objetais da infância[58]. Associa a tese do desenvolvimento emocional a uma tese causal, segundo a qual o passado determina parcialmente a personalidade presente. Sustenta que o conteúdo arcaico das primeiras cognições é fundante e explica, inclusive, a persistência de emoções recalcitrantes. O vínculo afetivo é o primeiro comportamento estruturante, inclusive em primatas, refletindo um “anseio primitivo por conforto”, vinculado à confiança e segurança proporcionadas pelo cuidador. Assim, as primeiras emoções não são assentimentos a aparências ou proposições, mas avaliações rudimentares que nascem do reconhecimento da própria vulnerabilidade e da incerteza do bem.
As emoções, nesse quadro, delimitam a fronteira entre o eu e o mundo. “Medo, contentamento, amor e mesmo a raiva demarcam o mundo e, ao mesmo tempo, situam o eu nesse mundo, como avaliações iniciais da criança, incitadas por suas necessidades internas de segurança e bem-estar”[59]. O infante não tem apenas necessidades básicas de sobrevivência, mas também anseio por conforto. A noção de holding[60] designa essa condição de segurança – que inclui nutrição, cuidado sensível e um ambiente facilitador em que as necessidades do bebê são reconhecidas e atendidas. Quando essas necessidades não são satisfeitas e o holding falha, a criança experimenta profundo desamparo, desenvolvendo comportamentos disfuncionais e incapacidade de confiar no ambiente como base para a ação e a cognição. Essa condição propicia o surgimento futuro de ansiedade, incerteza e raiva. É no processo de atendimento dessa necessidade de segurança que se desenvolve o amor. Nussbaum considera a segurança (holding), o amor, a vergonha primitiva, o medo e o contentamento como emoções primárias da infância, enraizadas em um senso de importância inicialmente vago, pois ainda não há distinção clara entre o eu e o outro. Provavelmente, a primeira emoção a surgir seja o medo e a ansiedade diante da ausência de segurança; contentamento, quando ela está presente; e, com o tempo, a esperança da chegada do conforto. Essas primeiras emoções estão profundamente conectadas aos apetites do bebê e à sua necessidade de conforto. A fome, nesse estágio, não se distingue do desconforto.
À medida que o cuidador vai e vem, o mundo é percebido como simultaneamente seguro e perigoso. Essa intermitência é fundamental para a formação de um ser capaz de viver: por meio do medo e da alegria experimentados em um ambiente suficientemente seguro, a criança aprende a se movimentar no mundo. Na fase de interdependência madura, ela renuncia à onipotência e à tentativa de controle e posse, desenvolvendo, na vida adulta, a capacidade de reparação por meio da generosidade e da gratidão, que sustentam a mutualidade nos vínculos. A reparação da ambivalência infantil é uma tarefa contínua: as emoções envolvidas reverberam na vida adulta como cognições pré-verbais, não reflexivas e pouco responsivas à argumentação racional. Nussbaum defende a importância de um ambiente amplo que favoreça o desenvolvimento dessas capacidades reparadoras – um ambiente que remeta à segurança primária do holding, mas que não se limite a ela. A imaginação, expressa na criatividade e no brincar, também é uma capacidade essencial. Esse ambiente facilitador deve transcender o círculo familiar, envolvendo instituições políticas, comunidades ampliadas e sistemas jurídicos. A origem da moralidade, sugere Nussbaum, está enraizada na confiança e na segurança primária.
Ao incluir um elemento de não-reflexividade e de indeterminação nas primeiras relações afetivas, Nussbaum acaba situando a emoção sob uma perspectiva de emergência gradual dos estados mentais. Como as cognições rudimentares nos infantes emergem quase sem conteúdo conceitual claro, sua noção de juízo avaliativo não se sustenta plenamente nesse estágio do desenvolvimento. Nessas fases iniciais, as relações afetivas são pervasivas, indiferenciadas, e o senso de importância é ainda vago – aspectos que continuam a ecoar na vida adulta, muitas vezes sem que o sujeito possa acessar conscientemente esse conteúdo.
Martha Nussbaum argumenta que as emoções devem ser compreendidas como “agitações do pensamento” – uma metáfora que expressa dois papéis desempenhados pelo reconhecimento de um valor: o de envolver urgência e o de mobilizar a capacidade do pensamento. Sustenta que há um desenvolvimento temporal em todas as emoções oriundas do apego, e afirma que as relações afetivas na vida adulta conservam traços do amor e do desamparo vivenciados na infância. Contudo, ao identificar a emoção com a atividade de julgar, a autora não contempla plenamente a dimensão avaliativa presente nas primeiras relações afetivas dos infantes. Ainda que flexibilize as noções de intencionalidade e cognição para garantir a inteligibilidade da emoção, Nussbaum mantém uma concepção vaga de avaliação cognitiva, posicionando-se em uma zona instável do debate filosófico – aquela que envolve, simultaneamente, discussões sobre estados e capacidades mentais, com seus respectivos impasses ontológicos e epistemológicos. Tais questões dizem respeito aos antigos dualismos entre mente e corpo, razão e natureza, cuja complexidade excede o escopo da presente investigação.
Na esteira desse debate, emergem também questões epistemológicas acerca da própria atividade de avaliar: até que ponto é possível conhecer o conteúdo de nossas emoções? Emoções recalcitrantes – como uma ansiedade persistente ou uma tristeza prolongada –, ainda que classificadas mais adequadamente como estados de humor do que como episódios emocionais isolados, trazem à tona o problema do efetivo alcance de conhecimento que possuímos sobre nós mesmos, ao mesmo tempo em que somos confrontados com o limite da nossa agência sobre tais questões. Isso demonstra como o embate entre cognitivismo e não-cognitivismo pode tornar-se contraproducente para a compreensão prática das emoções. O modelo de Nussbaum considera elementos como sentimentos, sensações corporais e desejo (entendido como componente motivacional direto) como não essenciais à definição das emoções. Por essa razão, sua teoria é frequentemente acusada de intelectualismo, por privilegiar a cognição em detrimento de outras dimensões da experiência emocional. Essa é uma lacuna do cognitivismo que os modelos contemporâneos de cognição corporificada procuram superar. Nesse sentido, a fenomenologia da emoção não ocupa um lugar central na teoria de Nussbaum, uma vez que ela considera as manifestações sensíveis como indiferenciadas e, portanto, pouco úteis para a identificação do tipo de emoção. A exigência de uma relação de identidade entre emoção e julgamento, assim, mostra-se problemática.
Ainda assim, é inegável a relação intrínseca entre emoção e valor. O trabalho de Nussbaum oferece contribuições valiosas ao explorar essa conexão, destacando a importância de analisarmos cuidadosamente dois elementos: a intenção e a ação. Nesse contexto, a autora propõe reflexões instigantes sobre a necessidade de repensar e flexibilizar dois conceitos centrais da tradição filosófica: (a) os diversos níveis da intencionalidade, com especial ênfase na intencionalidade pré-reflexiva; e (b) formas alternativas de conceber a cognição – menos exigentes do ponto de vista epistêmico e linguístico – que não separem a emoção da esfera cognitiva. Sob essa perspectiva, a avaliação emocional pode ser abordada por meio de diferentes paradigmas.
Em conclusão, se as emoções informam valores, a melhor maneira de articular emoção, avaliação e valor permanece uma questão em aberto – um campo de investigação que nem a Filosofia, isoladamente, nem a Psicologia, por si só, são capazes de esgotar.
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Contribuição de autoria
1 - Jorge Luiz Viesenteiner
Doutor em filosofia pela Unicamp e Professor do Programa de Pós-graduação em Filosofia da Universidade Federal do Espírito Santo.
https://orcid.org/0000-0003-3727-7890 • jvies@uol.com.br
Contribuição: Escrita - Primeira Redação
2 – Estela Altoé Feitoza
Mestranda em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo
https://orcid.org/0009-0002-7054-8517 • estela@feitoza.com
Contribuição: Escrita - Primeira Redação
Como citar este artigo
A dimensão avaliativa da emoção no judicalismo de Martha Nussbaum. Voluntas: Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria - Florianópolis, v. 16, n. 2, e91830, 2025. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179378691830. Acesso em: dia, mês abreviado, ano.
[1] Scarantino, A. Insights and blindspots of the cognitivist theory of emotions; Scarantino, A.; De Sousa, R. Emotion; Teroni, F. Evaluative theories in psychology and philosophy of emotion.
[2] Nussbaum, M. Upheavals of thought: the intelligence of emotions.
[3] Não temos, neste artigo, o objetivo de discorrer sobre a lógica estoica. Trataremos apenas do conceito de juízo, na medida em que for necessário para compreender a argumentação de Nussbaum. Em termos gerais, a lógica estoica é significativamente mais ampla do que a lógica contemporânea, pois lida não apenas com a verdade e a falsidade das proposições, mas também incorpora uma dimensão temporal. Na filosofia estoica, não há separação entre teoria e prática: o logos é um princípio de verdade na lógica, bem como uma estrutura contínua com o cosmos, e engloba uma dimensão do bem (Ética). É próprio da natureza humana agir conforme a alma racional.
[4] Os estoicos não eram unânimes a uma mesma compreensão, eles diferiam sobre a natureza das paixões e também sobre os processos causais envolvidos. Foi Crisipo (aprox. 280-206 a.C.) que desenvolveu de fato uma compreensão mais sistemática, e que foi levada adiante por Sêneca e Epiteto, a qual Nussbaum identifica como visão cognitiva, e que será o mote de sua teoria neo-estoica.
[5] Nussbaum, M. The therapy of desires, p. 374.
[6] Nussbaum, M. The therapy of desires, p. 379.
[7] Nussbaum, M. The therapy of desires, p. 374.
[8] Nussbaum, M. The therapy of desires, p. 389.
[9] Nussbaum, M. The therapy of desires, p. 392.
[10] Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 22.
[11] Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 4.
[12] Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 23.
[13] Nussbaum prefere traduzir eudaimonia como “florescimento”, em vez de “felicidade”, pois considera que esta última carrega conotações utilitaristas de satisfação subjetiva, incompatíveis com os pressupostos de sua teoria. Para se referir à qualidade do que está relacionado à eudaimonia, a autora emprega o neologismo “eudaimonístico(a)”.
[14] Sobretudo as teorias de Richard Lazarus, Keith Oatley.
[15] Podemos observar o endosso da autora a críticas ao sentimentalismo empirista, sobretudo o humeano, feitas por Anthony Kenny, Pitcher, entre outros. Alguns ‘adversários’, além dos defensores de David Hume, são William James e Carl Lange (vistos por Nussbaum como ‘fisiologistas’), bem como Michael Posner (na neurociência cognitiva), explicitados em Nussbaum (Upheavals of thought: the intelligence of emotions, p. 25), nota 8. Nussbaum trata a visão Jamesiana sobre emoção como ‘fisiológica’. No texto clássico O que é uma Emoção?, de 1884, William James sistematiza o estudo da emoção como problema filosófico baseando-se nas teorias empiristas do século XIX, inserindo o tema no debate naturalista da época. Grosso modo, defendeu a emoção como manifestações corporais percebidas, ou seja, sentidas pela pessoa (James, W. What is an emotion?). A teoria da emoção de William James é geralmente criticada por enfatizar os sentimentos corporais em detrimento dos aspectos cognitivos e intencionais da emoção, assim como o critica Nussbaum e o próprio Damásio (O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano). Essa é uma crítica controversa da teoria de William James, em que o debate contemporâneo tem buscado desmistificar (Ratcliffe, M. William James on emotion and intentionality, p. 179–202).
[16] Nussbaum, M. Upheavals of thought: the intelligence of emotions, p. 26.
[17] O termo aboutness foi mantido no inglês, por não haver uma tradução satisfatória na língua portuguesa. Refere-se à propriedade de estados intencionais de serem sobre algo.
[18] Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 27.
[19]Observamos uma influência aristotélica na concepção liberal de percepção de Martha Nussbaum, que não é claramente explicitada ao longo do texto, mas que, no entanto, incorpora a ideia de ver algo como (ou ver X como Y), ou seja, incorpora uma atividade discriminatória e intencional na percepção que não é somente receptiva de estímulos sensórios, mas é também ativa.
[20] Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 28.
[21] Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 30-31.
[22] Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 33.
[23] Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 34-35.
[24] Nussbaum alega que percepções do tipo ‘ver como’ (argumentos do olhar, looks indexing) não precisam necessariamente ser distinguidas de crenças, o que dependeria de “como se define crença” (Nussbaum, Upheavals of thought, p. 33, nota 29). No entanto, depende também, e, decisivamente, de como se define percepção. Por adotar essa visão ‘liberal’ sobre a percepção (o que torna desafiador defini-la), a autora diverge de uma gama de teóricos, sobretudo os que adotam uma perspectiva mais empirista. Na obra Upheaveals of Thought a autora não define a natureza da crença que endossa, nem a de percepção. Grosso modo, é possível compreender que a autora não pretende fazer distinções precisas entre percepção e crença, e adota uma teoria da aparência clássica, de influência aristotélica, que supostamente não faz tais distinções.
[25] Nussbaum, M. Upheavals of thought.
[26] Nesse ponto Nussbaum parece incorporar a ideia de habituação à noção de crença, no entanto essa articulação (como é o caso das crenças disposicionais de Schwitzgebel, por exemplo) não é explicitamente endossada pela autora.
[27] Nussbaum, M. Upheavals of thought.
[28] Nussbaum demonstra reservas quanto à leitura representacionista das aparências. Uma de suas sugestões para afastar o representacionismo das traduções e interpretações de Aristóteles encontra-se em sua exegese da noção de phantasia na obra De Motu Animalium (Nussbaum, M. Aristotle’s De Motu Animalium, p. 221–269), a qual influencia diretamente sua concepção de aparência. Segundo sua leitura, Aristóteles utiliza o termo “aparência” com base no verbo phainesthai (“aparecer”) e emprega phantasia de modo análogo. Essa noção não corresponde à tradição pré-aristotélica, que associava phantasia à representação imagética; em vez disso, refere-se frequentemente a uma forma muito geral de expressar o interesse aristotélico pelo modo como uma cena se apresenta a um ser vivente – qual é sua consciência ou sensação dela, ou como a percebe. Nussbaum incorpora essa interpretação de aparência como um elemento central em sua própria teoria.
[29] Nussbaum, M. Upheavals of thought.
[30] Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 38.
[31] Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 38.
[32] Nussbaum endossa a ideia aristotélica de que a cognição se ocupa em fazer distinções, e rejeita a tese humeana de que a razão é passiva e nada pode diante das paixões. Cognição tem ‘poder discriminatório’. Nussbaum diz: “Assenting to or embracing a way of seeing something in the world, acknowledging as true, seems to be a job that requires the discriminating power of cognition. Cognition need not be imagined as inert as in the Humean tradition” (Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 38).
[33] Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 38.
[34] Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 38.
[35] Nussbaum dá o exemplo de alguém que perde a mãe e vivencia o luto, mas permanece em negação (Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 41).
[36] Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 39.
[37] Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 39.
[38] Quanto à possibilidade de emoções inconscientes, Nussbaum adota uma postura cautelosa, a fim de não comprometer a coerência de sua argumentação. Ela admite casos bastante específicos – como os de medo, raiva ou luto – em que o padrão de comportamento da pessoa permite uma explicação mais adequada do que aquela fornecida pela consciência explícita (Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 40). Contudo, a autora reconhece que, se houver outros casos além dos já mencionados, trata-se de uma questão empírica que ainda demanda investigação. Importa notar que Nussbaum utiliza os termos “consciência” e “inconsciência” em um sentido restrito e operacional: refere-se apenas à capacidade do sujeito de acessar e nomear o conteúdo da emoção que vivencia, sem recorrer a uma teoria da consciência propriamente dita.
[39] Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 44.
[40] Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 45.
[41] Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 46.
[42] Nussbaum não endossa a ideia comum em filosofia da mente, segundo a qual, em uma emoção, tentamos fazer o mundo se adequar às nossas atitudes mentais (ou de que a direção de adequação da emoção é do “mundo para a mente”). Ela defende que as emoções “tentam se adequar ao mundo” do modo como ele já está, tanto com a finalidade de internalizar acontecimentos e estados de coisas, quanto para “ter uma visão apropriada do que de fato importa” (Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 48).
[43] Millán, G. O. Nussbaum on the cognitive nature of emotions.
[44] Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 57.
[45] Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 58; Nussbaum, M.; Putnam, H. Changing Aristotle’s minds.
[46] Algumas perspectivas da psicologia ecológica, bem como da corrente do enativismo (enactment/em ato), criticam os cognitivistas por relegarem o corpo a um papel secundário nos processos cognitivos. Os enativistas, em particular, defendem a tese geral de que a ação é constitutiva da cognição e procuram reformular a concepção tradicional segundo a qual a cognição envolve conteúdos representacionais. Nussbaum realiza um movimento teórico no sentido de admitir uma noção mais ampliada de cognição; no entanto, não chega a desenvolver essa proposta em profundidade.
[47] Colombetti, G. The Feeling Body: Affective Science Meets the Enactive Mind.
[48] Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 63.
[49] Deigh, J. Cognitivism in the theory of emotions; Deonna, J.; Teroni, F.; Tappolet, C. Emoções.
[50] Podemos incluir aqui alguns cognitivistas do tipo appraisal que citamos anteriormente, como Richard Lazarus, Ortony e Keith Oatley e Martin Seligman, o qual investiga a depressão em humanos e animais, bem como sua conexão com a ‘crença’ de desamparo e controle do ambiente.
[51] Pitcher, G. The Dogs Who Came to Stay. Nussbaum reconhece que o método narrativo de George Pitcher coincide com o seu próprio, especialmente ao analisar a descrição de seu luto diante do falecimento de sua mãe. Ela observa que as descrições sobre animais, embora não possam ser feitas em primeira pessoa, quando realizadas por um narrador empático e atento às capacidades dos animais em questão, podem ser compatíveis com observações científicas. Por esse motivo, Nussbaum incorpora essa perspectiva como uma contribuição relevante à sua abordagem.
[52] Nussbaum chama essas teorias de ‘reducionistas’, incluindo nessa crítica igualmente os ‘fisiologistas’ (Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 92), que por sua vez, teriam também a herança da teoria das emoções de James e Lange, o que corrobora com o contexto de emergência do cognitivismo na teoria das emoções e o embate entre cognitivismo e não-cognitivismo nas filosofias moral, da mente, e também na psicologia. Nussbaum considera também as primeiras teorias psicanalíticas de Freud como um tipo de reducionismo ‘fisiológico’ (Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 96). A crítica ao ‘fisiologismo’ se deve à ausência de correlação entre estados emocionais e estados fisiológicos na emoção e à redução de seu caráter intencional.
[53] Nussbaum reconhece que o behaviorismo radical estímulo-resposta (S-R) foi substituído por modelos mais complexos que consideram a mediação da criatura (S-O-R).
[54] Há teorias, como a psicologia ecológica, que defendem a agência dos diversos animais em termos do modo em que percebem oportunidades disponíveis para ação no ambiente. É notável que a autora se esquiva de utilizar a descrição ‘necessidade de sobrevivência’ ou ‘necessidades biológicas/naturais’ para referir-se às questões adaptativas e motivacionais, evitando a noção de causa. Outro termo controverso que evita é ‘percepção’, talvez pelo mesmo motivo, esquivando-se do endosso ao modelo biológico/científico de explicação dos fenômenos. Para explicar a atividade perceptual dos animais não-humanos, por exemplo, e sua relação com a motivação e adaptação, ela se apoia em Lazarus e afirma que as emoções são “geralmente, mas não necessariamente, acompanhadas de alto nível de atenção sensória focada no objeto” [High degree of focused sensory attention], o que explica “parcialmente” a razão de sua “adaptação” e de sua “motivação” (Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 109).
[55] Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 169.
[56] A parcimônia com que a tese trata os aspectos biológicos pode ser observada na recusa de Nussbaum em atribuir um caráter impulsivo às emoções – recusa essa que se relaciona diretamente com seu projeto normativo, de natureza moral e política. Há, na base de sua posição, a crença de que o behaviorismo está vinculado a uma concepção forte de comportamento do tipo estímulo-resposta “pavloviana”, a qual ela rejeita veementemente.
[57] Nussbaum, M. Precis of upheavals of thought, p. 444.
[58] Alguns dos principais psicanalistas, nos quais a autora se baseia são: Bowlby, J. Attachment and Loss; Fairbairn, W. R. D. Psychoanalytic Studies of the Personality; Stern, D. The Interpersonal World of the Infant; Winnicott, D. W. Holding and Interpretation: Fragment of an Analysis.
[59] Nussbaum, M. Upheavals of thought, p. 206-207.
[60] Conceito desenvolvido por Winnicot em: Winnicott, D. W. Holding and Interpretation: Fragment of an Analysis.