Universidade Federal de Santa Maria
Voluntas, Santa Maria, v. 15, n. 1, e88742, 2024
Submissão: 26/08/2024 • Aprovação: 05/12/2024 • Publicação: 18/12/2024
2 A IMATERIALIDADE DA ARTE ABSTRATA
Estudos Schopenauerianos
Sobre a interseção entre artes abstratas e figurativas na metafísica do belo de Schopenhauer
On the intersection between abstract and figurative arts in Schopenhauer’s aesthetic metaphysics
Renata Covali Cairolli AchleiI
I Universidade Fedeal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
RESUMO
As considerações de Schopenhauer acerca das diversas expressões artísticas afirmam a superioridade da música instrumental. Conforme a arte abstrata ganha destaque na cena contemporânea, alguns intérpretes do filósofo propuseram a relação entre a pintura abstrata e a música, uma vez que ambas operam de forma não-figurativa. Este artigo procura encontrar uma interseção entre a música instrumental (e, consequentemente, segundo esses intérpretes, também a pintura abstrata) e outras formas de arte, com a inclusão do figurativismo, segundo a própria metafísica do belo e a teoria de Thomas Weiskel acerca do conceito de sublime.
Palavras-chave: Schopenhauer; Arte abstrata; Música; Sublime
ABSTRACT
Keywords: Schopenhauer; Abstract arts; Music; Sublime
A contemplação estética na filosofia de Schopenhauer pode funcionar como uma ponte que conecta a vontade e a representação. A arte - tanto sua confecção quanto sua apreciação - ou qualquer objeto cuja contemplação seja puramente estética podem ser interpretados de forma híbrida na filosofia de Schopenhauer: são apreendidos através dos sentidos, estão no mundo, mas “não podem ser classificados nem espacialmente nem temporalmente, nem estão submetidos às regras de associação quadruplamente diferenciadas” (Zöller, 2010, p. 61). É esperado da apreciação do objeto belo e da experiência do sublime, por exemplo, que eu resolva, mesmo que temporariamente, o conflito do constante querer inerente à minha existência como corpo e, ainda, que eu consiga acessar as Ideias[1]. Na arte a vontade se objetiva em Ideia através de um “corpo objeto” (de uma pintura, uma canção, uma estatueta, ou um pedaço de papel com palavras rabiscadas) e de um “corpo sujeito” que apreende sua objetificação, com seus sentidos e sentimentos. Em outras palavras, uma das formas de conhecer a coisa em si schopenhaueriana se dá através da relação entre sujeito e objeto, que é o modus operandi do fenômeno. Essa relação é símbolo da ambivalência entre os dois polos centrais da metafísica de Schopenhauer: a vontade e a representação.
É através de sua “descoberta” do que seja a coisa em si (a vontade) que podemos expandir o movimento de contemplação estética das filosofias anteriores para um nível metafísico pois ela será um dos veículos possíveis para que possamos nos libertar, na medida do possível, do mundo sensível. A partir desse movimento também nos é possível superar a noção platônica de arte como cópia da natureza e colocá-la, ao lado da última, como uma forma tão eficiente quanto, ou mais, de acessar o que há para fora do princípio de razão.
Schopenhauer afirma que a arte do gênio nos serve de forma mais adequada do que a natureza quando o objetivo é, através da contemplação estética, conhecer a Ideia. Começo, portanto, com uma citação que ilustra o ponto de vista do filósofo acerca da noção de que a arte imita a natureza: “onde deverá o artista reconhecer sua obra excelsa e imitá-la, e assim separá-la do que há de malsucedido, a não ser que antecipe o belo ANTES DA EXPERIÊNCIA?” (MVR I, 2005, p. 293). Se o artista deve ter discernimento para escolher, dentre o que a natureza oferece, o que há de mais belo em detrimento de outros objetos, então não é possível que o conhecimento estético se dê a posteriori, o que coloca o homem, como conhecedor do que é belo a priori, um passo à frente da natureza em sua capacidade de expressar e conhecer a Ideia de beleza.
O fato de todos reconhecermos a beleza, caso a vejamos, sendo que no caso do artista autêntico isso ocorre com uma tal clareza que ele a mostra como nunca se vira e, por conseguinte, supera a natureza com sua exposição, tudo isso é apenas possível devido ao fato de que a Vontade – cuja objetivação adequada em seu grau mais elevado deve ser aqui descoberta e julgada – SOMOS NÓS MESMOS. (MVR I, 2005, p. 297).
A metafísica da vontade, portanto, trata de um modo de ver o mundo típico da espécie humana e anterior à experimentação da natureza. Tomando de empréstimo as palavras de Luan Corrêa da Silva, “a Besonnenheit[2] do gênio [é] compreendida enquanto uma intuição imediata e irrefletida da realidade, um total desapego às relações fenomênicas do mundo” (Silva, 2018, p. 5, grifo nosso). Ora, a própria existência de tal desapego pode ser interpretada como a presença de um conhecimento anterior que nos possibilite o desprendimento, uma vez que não necessitamos do fenômeno para a obtenção da informação. A partir desse acesso privilegiado é possível que se comunique esse conhecimento imediato e diferenciado na obra de arte. É importante que nos dispamos, portanto, do pensamento platônico de que o fenômeno é cópia da Ideia para embarcarmos na noção schopenhaueriana de que o fenômeno, na obra de arte, é um portal para a Ideia. Devemos essa mudança de ponto de vista ao fato de que representação e vontade são uma a manifestação da outra e não uma a cópia da outra (tampouco uma a criação da outra), havendo, portanto, uma identidade entre elas.
A partir de uma ampla gama dessas manifestações da vontade o filósofo propõe uma hierarquia, tanto das artes quanto do mundo empírico, segundo seus graus de objetivação: no mundo o homem é grau mais alto, logo, deduz-se que ele possui acesso privilegiado à sua objetivação mais adequada, a Ideia, por estar, em grau, mais próximo a ela do que o restante da natureza. Conforme baixamos os graus de objetidade da vontade temos uma visão cada vez mais nublada da vontade em-si e de sua objetivação primeira. Segue-se daí que uma interpretação pictórica de montanha, por exemplo, pode nos aproximar ainda mais de sua essência (Ideia) do que contemplá-la diretamente na natureza, pois o filtro utilizado pelo homem que a pintou é mais fino e transparente uma vez que ele está acima, em grau, da montanha, que se mantém prisioneira do múltiplo e particular, ao passo que o homem busca, através da reprodução da imagem, um universal. Encontramos, sobre a habilidade do homem de transmitir “algo a mais” na obra de arte, um pensamento semelhante no §49 da terceira crítica kantiana, na noção de ideia estética (2016, p. 212):
a imaginação como faculdade produtiva de conhecimento é, com efeito, muito poderosa na criação de uma outra natureza, por assim dizer, a partir do conteúdo que a verdadeira lhe dá [...]; isso faz com que nos sintamos livres da lei de associação (que é inerente ao uso empírico da imaginação), uma lei segundo a qual, de fato, o material da natureza pode ser-nos emprestado, mas com a possibilidade de o transformarmos em algo inteiramente diverso, a saber, aquilo que ultrapassa a natureza.
A despeito da passagem de Kant, devemos reconhecer que há uma inversão na filosofia de Schopenhauer, onde a anterioridade na interpretação que o homem dá sobre o que vê na natureza garante o compartilhar de um conhecimento pré-contemplativo, uma vez que se trata de uma habilidade presente em nosso aparelho cognitivo. Já a concepção kantiana de que transformamos um material que nos é emprestado da natureza em arte, indica um parentesco entre homem e natureza em alguns graus mais distante, onde o homem é observador e intérprete, ou seja, sua ideia estética se apresenta posteriormente. De qualquer maneira fica evidente a leitura que Schopenhauer fez dessa concepção: enquanto Kant separa ideia estética de ideia da razão, Schopenhauer as une em uma noção única de Ideia. No entanto volta a propor uma separação entre a estética e razão que se dá de forma diversa: a ideia da razão, tão somente o conhecimento de um universal conceitual, sucede o conhecimento verdadeiro e imediato da ideia (ideia estética). Nessa inversão fica clara a crítica do filósofo às cadeias de pensamento dedutivo como ferramenta principal de conhecimento. Ainda assim, já em Kant encontra-se a noção de que, na arte, o homem é capaz de expressar tanto a natureza e os objetos palpáveis quanto as abstrações da razão de forma mais perfeita e diferenciada do que são apresentados pelo mundo mesmo. É curioso que tal noção se encontre, justamente, no segundo livro da primeira parte da terceira crítica, intitulada Analítica do sublime, pois é justamente aí que o filósofo rompe com a arte, afirmando que uma experiência sublime se dá exclusivamente através da contemplação de uma grandeza natural[3].
O poeta ousa tornar sensíveis as ideias da razão de seres invisíveis, o reino dos bem-aventurados, o reino do inferno, a eternidade, a criação etc.; ou também aquilo que, embora encontrando exemplos na experiência, como a morte, a inveja e todos os vícios, bem como o amor, a glória etc., ele torna sensível – através de uma imaginação que rivaliza com os precedentes da razão no atingimento de um máximo – para além dos limites da experiência, em um grau de perfeição que não encontra exemplo na natureza (KU, 2016, p. 212).
Pois bem, se para Schopenhauer não somos meras cópias de uma coisa-em-si, mas somos a própria coisa-em-si, ou seja, “nós mesmos seríamos a mesma vontade que quer conhecer a sua objetidade no grau mais alto” (Kamata, 2017, p. 153), então a arte é posicionada no extremo oposto ao da filosofia de Platão. Podemos interpretar a obra do artista, nesse sentido, como a democratização de uma informação privilegiada, pois a arte é aparência, fenômeno, um objeto para um sujeito e, no entanto, busca expressar algo anterior à essa relação.
Vale ressaltar o ponto de vista expresso por Cacciola (2012, p. 33) quando do seguinte questionamento:
Não se poderia entender a metafísica do belo não no sentido da deturpação da filosofia transcendental kantiana, mas como dando as condições de possibilidade de explicar o sentimento do belo, tanto na bela natureza quanto na obra de arte, por uma via intuitiva, desarmando-se de vez do arcabouço da lógica e da abstração?
Quando pensamos sobre a obra de arte dentro da metafísica schopenhaueriana devemos considerar, portanto, dois pontos fundamentais: em primeiro lugar que, enquanto tentamos sair do princípio de razão suficiente para conhecer a coisa em si de forma imediata, há na arte um meio de comunicação do que foi visto através da fresta dessa porta que parece ser estreita demais para que a razão consiga passar. Em segundo lugar, é possível contar com uma gama muito mais ampla de formas de arte, uma vez que para o lado de lá dessa porta não há um compromisso com o mundo empírico e que não se pretende executar uma cópia dele, mas sim interpretar e traduzir uma conflituosa essência. As artes abstratas, a música e toda a forma de expressão que escapa das cenas figurativas, da verossimilhança e do pensamento conceitual ganham um papel fundamental: se há uma travessia entre dois mundos, sendo que um deles está atrelado ao princípio de razão e o outro livre dele, quanto maior o afastamento da representação de objetos empíricos tanto maior a liberdade do artista para se aproximar do que pode estar além. Essa forma de pensar levou Schopenhauer a considerar a música instrumental como o mais elevado grau de objetivação da coisa em si, não apenas devido à sua intangibilidade, mas também pela inegável e marcante impressão deixada por suas melodias em nosso sentir. Com o passar dos séculos e as mudanças que ocorreram nas artes desde então, essa escolha de Schopenhauer pela música instrumental necessita de alguns questionamentos uma vez que, como fruto de sua época, o filósofo não considerou outras expressões artísticas em sua forma abstrata[4].
A análise do papel das artes não figurativas possui trilhos assentados por autores como Wassily Kandinsky e Wilhelm Worringer, que buscam refletir sobre o abstracionismo. Esses trilhos foram utilizados também por intérpretes de Schopenhauer: no Brasil, em 2023, Eduardo Ribeiro da Fonseca e Gabriel do Carmo Aguiar publicaram o artigo Kandinsky e a relação entre música e pintura na metafísica do belo em Schopenhauer, que trata da validação da pintura abstrata, modalidade que ganhou em popularidade no início do séulo XX e hoje é consagrada, no pensamento do filósofo. Antes disso, em 2021, Rosa Gabriella Gonçalves (em Abstração e empatia: Schopenhauer e a fundamentação da arte abstrata) e, em 2014, Maria Lucia Cacciola (em A contemplação estética: Schopenhauer e Mondrian) já haviam publicado suas reflexões sobre as artes abstratas na metafísica do belo. Esses textos são alguns exemplos que nos mostram que a conexão entre arte abstrata e a metafísica desse pensador é uma importante atualização e reinterpretação de sua filosofia. Dada a relevância da estética de Schopenhauer na história da arte, torna-se também relevante reavaliar o papel de cada expressão artística no universo do Mundo como vontade e representação. É por essa via que segue o presente texto, que argumenta acerca da ponte que leva para fora da representação e pela qual trafegamos tendo a arte abstrata como um dos veículos possíveis e, para além disso, apresenta suas diferenças e semelhanças fundamentais com a arte figurativa[5].
2 A IMATERIALIDADE DA ARTE ABSTRATA
A supremacia da música é questionada por Kandinsky, que menciona a imediatez de impressões da arte pictórica, enquanto a música está inexoravelmente atrelada ao tempo, o que, especialmente na filosofia de Schopenhauer, merece ao menos uma menção, uma vez que o tempo é uma das formas do princípio de razão que pode prejudicar a “imediatez” com que conheço a Ideia pela intuição.
O que o emprego das formas musicais permite à música é vedado à pintura. A música, em contrapartida, é em numerosos pontos inferior às artes plásticas. A música, por exemplo, dispõe de duração. Mas a pintura oferece ao espectador – vantagem que a música não possui – o efeito maciço e instantâneo do conteúdo de uma obra (Kandinsky, 1990, p. 56).
Quanto à possível equivalência entre a arte abstrata e a música, parece haver concordância entre os intérpretes citados. É válido chamar a atenção, no entanto, para o conceito de Ideia na filosofia de Schopenhauer, onde pode haver uma interpretação alternativa do que seja a obra de arte não-figurativa na metafísica do belo:
A afirmação de Schopenhauer de que a música instrumental ultrapassa as outras formas de arte no que diz respeito à saída do mundo como representação tem como principal argumento tratar-se do fato de que “o ponto de comparação da música com o mundo, a maneira pela qual a primeira está para este como cópia ou repetição, encontra-se profundamente oculto” (MVR I, 2005, p. 337). Em outras palavras, segundo o filósofo, a única maneira de compreendê-la é intuitivamente, o que indica que a música representa de forma direta a vontade em si em uma forma tão pura que nunca poderá ser trazida para a representação. “O verdadeiro valor da música, pensava ele, é encontrado em sua habilidade de tocar nossas respostas emocionais sem utilizar-se de objetos reais como recurso, comunicando, na verdade, dor ou prazer diretamente” (Xhignesse, 2023, p. 135, tradução nossa).
Avaliemos a premissa da imaterialidade da música instrumental mais de perto: segundo Schopenhauer essa específica expressão artística, diferentemente das outras, não expressa uma Ideia e não mimetiza nada que há no mundo representacional, mas sim nos mostra a vontade em si diretamente e, inclusive, “poderia em certa medida existir ainda que não houvesse mundo” (MVR I, 2005, p. 338). Podemos apontar três dos possíveis problemas que podem surgir desse pensamento: em primeiro lugar me utilizo do corpo para apreender a música, mais especificamente os ouvidos que, assim como o tato, o paladar, o olfato e a visão, só podem existir no mundo como representação. Em segundo lugar, os sons, bem como as cores, os odores, texturas e sabores, são parte integrante da natureza, ou seja, são parte de minha experiência cotidiana. Portanto, mesmo que a música não represente uma imagem ou um conceito, ela representa algo cujo paralelo posso encontrar no mundo empírico como o canto de um pássaro, o uivo do vento, o rugir de uma fera ou o estrondo de um trovão, que possuem um conceito posterior para interpretá-los. Na maior parte das vezes a música não os imita de forma exata, mas os interpreta, assim como o faz cada expressão artística que se distancia, para mais ou para menos, do realismo. Por fim, as emoções e sentimentos provocados pela música, por conta de sua multiplicidade, se relacionam ao númeno apenas através da representação. Ademais, se a música desperta, de forma direta e imediata, sentimentos dos mais diversos, desvia-se do propósito de “quietivo” e, por fim, pode-se dizer que se trata da representação de uma Ideia que diga respeito às emoções humanas. Algumas dessas Ideias possuem equivalente conceitual, como a Ideia de amor, a Ideia de paz, de medo, de respeito etc. No entanto muito ainda permanece, no coração do homem, como um significante sem seu significado, que pode ser despertado de forma espontânea e intuitiva através da apreciação estética. A absoluta impossibilidade de compreendermos a música instrumental utilizando a mediação da razão faz com que tenhamos essa sensação de imaterialidade, porém, uma vez que Schopenhauer afirma a imediatez com a qual apreendemos a Ideia e a inabilidade do conhecimento conceitual em dar conta dela (o que configura seu afastamento de Platão), afirmar que a música não representa uma Ideia porque é irreconhecível pela razão seria um retorno à própria noção platônica de Ideia da qual o filósofo procurava se afastar.
O proposto aqui, portanto, é que se interprete as artes segundo a noção de que a Ideia na filosofia de Schopenhauer pode ser, para a razão, tão imaterial quanto a música ou a arte abstrata. De acordo com os apontamentos de Günter Zöller, “(...)as Ideias em Schopenhauer não são conceitos discursivos, mas objetos de tipo superior, conservados de maneira imediata, puras visões de uma realidade superior e não-sensível” (p. 62), o que permite que as interpretemos como um conhecimento inacessível à razão (dadas as particularidades e limitações da razão dentro da filosofia de Schopenhauer). Não se poderia, então, interpretar essas formas de arte, a despeito de sua intangibilidade, como expressão de uma Ideia? Desse modo haveria um encontro entre as artes abstratas e as figurativas, que são interpretadas por Schopenhauer, justamente, como a expressão da Ideia. Sob esse ponto de vista, qualquer que seja a expressão artística, qualquer sentido que seja estimulado (o olfato na arte da perfumaria que também será sempre não-figurativo, por exemplo; ou o trio paladar-olfato-visão na arte da gastronomia, contanto que não se esteja faminto; a visão nas artes plásticas; e a dupla visão-audição na dança, no teatro e no cinema), desde que desinteressado, pode representar uma Ideia, mesmo que nossa abstração em conceitos não consiga dar conta de compreendê-la.
A supremacia da música por sobre as outras formas de arte a coloca como um “idioma” falado pela coisa-em-si em algumas passagens do livro III d’O Mundo. O argumento tem como uma de suas premissas a afirmação de que a música é “mais poderosa e penetrante que as outras artes” (MVR I, 2005, p. 339). Através dessa noção subjetiva o filósofo busca produzir um pensamento objetivo que propõe, além de uma hierarquia entre as mais diversas formas de arte, um afastamento, que este artigo coloca em questão, entre a música instrumental e Ideia.
No artigo de Cacciola, A contemplação estética: Schopenhauer e Mondrian, encontramos duas passagens que mostram dois posicionamentos possíveis acerca do problema da representação da Ideia, tanto na música quanto na arte abstrata, e que ilustram esse questionamento (2014, p. 99, grifo nosso):
Ao expormos a concepção que Schopenhauer tem da música, como a arte por excelência, totalmente liberta da representação, pode-se arriscar dizer que a arte plástica abstrata não infirma a estética schopenhaueriana, mas apenas subverte sua hierarquia, fazendo com que as artes plásticas alcancem o mesmo patamar que a música.
Nesse excerto a autora reafirma a liberdade que a música (e a arte abstrata, por consequência) tem da representação, assim como argumentava Schopenhauer. No mesmo artigo, no entanto, ela nos diz (ibidem, p. 95) que a arte abstrata:
compactua com a Metafísica do Belo de Schopenhauer, pois nela a arte não é cópia, nem muito menos simulacro do real como em Platão. A abstração para Mondrian é expressão do universal, tal como a Ideia em Schopenhauer, um universal ‘ante rem’, e não o simplesmente deixar de lado alguma particularidade da coisa.
É justamente na expressão ante rem, utilizada aqui, que identificamos a possibilidade de haver a comunicação de uma Ideia na arte abstrata e, consequentemente, na música instrumental (pois não encontramos o equivalente a elas post rem). A Ideia é a manifestação da vontade na representação, a objetidade mais adequada, o que me permite afirmar que existe no mundo como representação e que opera segundo a relação entre sujeito e objeto. Posso chamar de representação, portanto, toda manifestação que seja um objeto para um sujeito, seja ela mais ou menos adequada. Uma vez que a música instrumental se insere na relação sujeito-objeto e é considerada uma objetidade da vontade, não haveria motivos para considerá-la qualitativamente diversa da Ideia ou das outras expressões artísticas. Por esse motivo “é importante que fique claro a concepção de Ideia para Schopenhauer, pois, é partir dela que ele fundamentou a hierarquia das artes” (Fonseca e Aguiar, 2023, p. 6). O que devemos perceber com essa citação é que, mesmo se não se encontra equivalente figurativo para a música, seria imprudente afirmar que ela, necessariamente, não representa uma Ideia.
Uma outra possibilidade que nos permitiria um meio termo entre “poder existir até mesmo fora da representação” e ser apenas “o expressar de uma Ideia”, como as artes demonstrativas, seria interpretar a música como se fosse ela mesma uma Ideia e não uma representação dela, o que seria o equivalente a chamá-la de “uma objetivação da vontade”, o que condiz com os escritos do filósofo. Isso só poderia ocorrer no caso de não encontrarmos semelhança alguma entre os sons de uma determinada música e os sons da natureza, dessa forma seria possível afirmar sua proximidade com a vontade em si através da ausência de um equivalente na representação, resgatando a hierarquia das artes proposta por Schopenhauer.
De fato, a música é uma tão IMEDIATA objetivação e cópia de toda a VONTADE, como o mundo mesmo o é, sim, como as Ideias o são, cuja aparição multifacetada constitui o mundo das coisas particulares. A música, portanto, de modo algum é semelhante às outras artes, ou seja, cópias de Ideias, mas CÓPIA DA VONTADE MESMA, cuja objetidade também são as Ideias (MVR I, 2005, p. 338).
Essa pequena digressão acerca do conceito de Ideia e da afirmação de que a imaterialidade da música instrumental pode ser uma amostra dela nos permite a inserção de diversas expressões artísticas não figurativas e de vanguarda como fizeram Fonseca, Cacciola e Rosa G. Gonçalves com as artes plásticas. As reflexões acerca do abstracionismo nas artes reforçam as afirmações de Schopenhauer sobre as limitações do entendimento e trazem novos desafios para o campo discursivo da filosofia. Porém, com relação ao figurativismo alguns fatores podem ser também interpretados sob uma luz um pouco diversa, apresentados especialmente na obra O sublime romântico, de Thomas Weiskel, que podem lhes devolver algum prestígio e quiçá aproximá-lo da música instrumental, conforme propõe a sessão a seguir.
3 ARTE FIGURATIVA
O artista deve ter esse objetivo unificador em mente, e quanto aos espectadores é necessário que sejam “dotados dessa capacidade, embora num grau menor e diferenciado, que permite a receptividade para o belo e o sublime” (Cacciola, 2012, p. 33).
Entretanto, para além do objetivo de representar o universal de um particular dado, ou seja, para além de ser a representação de uma Ideia (que seria uma função hierarquicamente inferior à da música, para Schopenhauer), a arte figurativa por vezes rompe nossa relação habitual com o significante que representa. Esse rompimento é conscientemente provocado pelo artista, buscando uma reação do contemplador que gere uma ressignificação do objeto representado. Um clássico exemplo é quando um pescador observa o mar: seu ponto de vista mais comum é, simplesmente, a morada dos peixes que são seu sustento. Se, no entanto, ele passa vê-lo sob um ponto de vista estético, desinteressado, o mar ganha novos significados como o mistério e o poder divino. Uma vez que a perda de um sentido comum causa uma ruptura no discurso, vivenciamos o belo e o sublime através de uma substituição metafórica do discurso perdido. Movimentos figurativistas que procuram distanciar-se do hiper-realismo, como o impressionismo e o simbolismo, favorecem a ruptura e a substituição uma vez que a interpretação de mundo proposta pelo artista se faz mais evidente. Mas mesmo as obras mais fiéis ao mundo empírico ainda podem transmitir o je ne sais se quoi que produzirá no contemplador a desejada ruptura.
Semelhantemente ao que nos diz Weiskel em sua obra acima citada, também são nítidos na obra de Kandinsky apontamentos acerca da perda do significado (ou do significante no caso das formas abstratas, das extensões monótonas e músicas instrumentais) como meio para que a expressão artística encontre sua destinação: uma vez que, para o russo, as formas utilizadas na pintura devem revelar um sentido (ou conteúdo) interior, sua delimitação exterior deve ser capaz de expressá-lo. Considerando os dois tipos possíveis de delimitação exterior nas formas pictóricas – 1) as formas que delimitam quaisquer objetos cujo significante nos é claro e 2) as formas abstratas – não é necessariamente importante que o artista se apegue em demasia aos detalhes, técnicas virtuosas e recursos de expressão; muitas vezes uma imagem vaga ou obscura, simples ou direta, já exigirá a contento do espectador um mergulho para além de suas relações habituais com o significante, ou seja, já teremos na delimitação exterior desse objeto a expressão de seu sentido interior. Nesse caso a obra abstrata pode, sim, apresentar uma vantagem: “a forma abstrata é sentida como uma forma nítida, precisa, bem definida, empregada com exclusão de toda e qualquer outra. “A aparente pobreza converte-se em enriquecimento interior” (Kandinsky, 1990, p. 73). A diferença que poderia haver, portanto, entre o abstracionismo e o figurativismo em termos de efeito seria a facilidade e imediatez com que poderíamos apreender a Ideia no primeiro, uma vez que não possuo, como no segundo, múltiplos exemplares daquela figura mesma, que possa me dificultar a imediatez de sua ressignificação. Essa citação do artista nos compele a interpretar o “enriquecimento interior”, portanto, algo como a experiência sublime na filosofia de Schopenhauer: um rompimento do véu das relações que são próprias do mundo como representação. No figurativismo esse movimento é feito através da troca de significados, do externo e aparente para o interno e espiritual. Devemos trazer à memória, portanto, a anterioridade com que o ser humano conhece aquela Ideia e a independência que um artista tem do que a natureza possa ou não lhe transmitir.
Cada forma também possui um conteúdo interior. A forma é a manifestação exterior desse conteúdo. [...] É evidente, portanto, que a harmonia das formas deve basear-se no princípio do contato eficaz da alma humana. Esse princípio recebeu aqui o nome de Princípio da Necessidade Interior (Kandinsky, 1990, p. 71).
Se o sublime kantiano é interpretado como a tomada de consciência de nossa incapacidade de representar um objeto devido sua grandeza, posso adicionar, então, a essa experiência natural, as mais diversas expressões artísticas, contanto que se caracterizem por um objeto cuja tentativa de interpretá-lo, compreendê-lo ou representá-lo faz com que encaremos nossa incapacidade de percebê-lo por completo ou com clareza e coesão e, por isso, sintamos a necessidade de atribuir-lhe um novo significado – dessa vez um significado que muito pouco se relaciona com a aparência sensível desse objeto, mas que busca um misterioso “transcender”. Fazemo-lo instintiva e cotidianamente, como quando atribuímos características místicas ao céu, misteriosas ao mar e mágicas ao fogo, em absoluto relacionadas ao estado líquido ou gasoso, às moléculas de água ou oxigênio e ao seu uso comum. Tal significado possuirá uma relação não-representacional com o objeto. Ora, esse movimento da mente humana diante da contemplação estética executa uma ressignificação da imagem que desclassifica seu sentido no mundo empírico e, por conta disso, aproxima o figurativismo do abstracionismo. Ao olhar um retrato, por exemplo, deixo de enxergar írises e pupilas e passo a ver “olhos da alma”.
O elemento, em uma peça de arte, que efetivamente nos possibilita essa travessia (do representacional para um significado metafórico e interior) deve destacar-se, segundo Kandinsky, de outros atributos que dependem do que é próprio do artista, seu estilo e personalidade, e do que é próprio de sua época. Há, segundo o pintor, um elemento puro que conservará o valor do objeto, seu sentido interior, quando tais atributos já estiverem perdidos no tempo. A sobrevivência e relevância de uma obra de arte dependeria, portanto, da presença maior ou menor desse elemento atemporal e impessoal, arquetípico. Quanto maior a presença desse elemento, deduz-se, maior a eficácia do objeto como instrumento de conhecimento da Ideia. “Os dois primeiros elementos (a personalidade do artista e a época) contêm em si o tempo e o espaço, uma espécie de invólucro relativamente opaco” (Kandinsky, 1990, p. 79). São elementos que, embora contribuam para a confecção da obra, entravam-na por conta de sua natureza exterior e subjetiva: “O elemento de arte puro e eterno, em contrapartida, é o elemento objetivo que se torna compreensível com a ajuda do subjetivo” (ibid.).
Da mesma maneira que na arte abstrata pictórica, na literatura também podemos sofrer um excesso ou confusão no significado[6]. Trata-se de uma palavra, frase ou expressão cujo sentido dado pelo autor não corresponde com o que costumamos compreender dela, ou seja, somos incapazes de encontrar seu significante correspondente. Nesse caso, o problema da ausência de significante também acaba por se resolver em metáfora, onde o significado comum da palavra é descartado para que alcemos outros voos. Tanto a poesia quanto a prosa estão repletas de momentos cujos significantes ordinários apresentam novos e misteriosos significados como na primeira citação abaixo; por outras vezes, como no excerto seguinte, o próprio vocábulo usado não possui um significante claro, falando mais à sensação imediata do leitor:
Por que
você deixou uma porta
escancarada
aberta entre as minhas pernas
ficou com preguiça
perdeu a hora
ou de propósito me deixou incompleta [7]
No começo era o mito. Assim como Deus Altíssimo, em sua busca por expressão, trouxe poesia à alma de hindus, gregos e germânicos, também Ele continuou, dia após dia, trazendo poesia à alma de todas as crianças[8].
Essa forma de ressignificação em metáfora é também comum na filosofia (como a própria palavra vontade, na filosofia de Schopenhauer, ou a palavra Ideia, na filosofia de Platão) que, evidentemente, lida com uma marcante escassez de significantes devido à abstração e intangibilidade de seus objetos de estudo.
as filhas do Sol se apressavam por levar-me para a luz, depois de abandonarem a morada da Noite e de com suas mãos terem retirado os véus das cabeças. [...] Convém que tudo aprendas, tanto o ânimo inabalável da rotunda verdade, como as opiniões dos mortais, em que não há verdadeira confiança[9].
Grande, no homem, é ser ele uma ponte e não um objetivo: o que pode ser amado, no homem, é ser ele uma passagem e um declínio[10].
A busca por um significante perdido (ou até mesmo a criação de um, como uma imagem abstrata, por exemplo) carrega o mistério necessário para a obscura experiência de passagem da representação à objetidade mais adequada da vontade na pintura, na música, na escrita (incluindo a filosofia): “esta é, mais ou menos, a situação do leitor confrontado pelo mistério teológico, pelos obscuros conceitos da alegoria, ou por qualquer texto cujo significado último resida no fato mesmo de que não pode ser apreendido” (Weiskel, 1994, p. 51).
A filosofia requer, pois, uma dose de genialidade e quanto a sua própria filosofia, Schopenhauer a considera, ao mesmo tempo, ciência e arte. Ciência, enquanto linguagem que se vale de abstrações, e arte enquanto intuição criadora (Cacciola, 2012, p. 38).
A filosofia, como arte, auxilia na retenção do fugaz momento de suspensão da vontade que me presenteia a contemplação estética. Me volto então à razão que fora previamente descartada pois ela “remonta em abstrato a universalidade da Ideia que foi ‘esfacelada’ na pluralidade dos fenômenos” (Damasceno, 2021, p. 22) no retorno à roda de Íxion. Sendo a razão a faculdade da alma que pode trabalhar exclusivamente com material conceitual, devemos ter em mente o uso que se faz de sua habilidade no caso do conhecimento das Ideias, como bem colocado por Schopenhauer:
Os conceitos são sem dúvida o material da filosofia, mas apenas como o mármore é o material do escultor: ela não deve trabalhar A PARTIR deles, mas trabalhar NELES, isto é, depositar neles o seu resultado, em vez de partir deles como algo dado. (MVR II, 2015, p. 99).
Embora as artes expressem “a essência mais íntima de toda a vida e existência” (MVR II, 2015, p. 487), trata-se de “um fragmento, uma satisfação provisória” (ibidem). A união entre tal espécie de conhecimento e a filosofia deve ser capaz de produzir uma resposta mais permanente em sua mediação entre a arte e a Ideia uma vez que o véu seja imediatamente erguido pela contemplação estética. A linha divisória entre arte e filosofia pode ser, portanto, tênue. Encontrar um vocábulo para o que seria a essência do universo, no caso de Schopenhauer “vontade”, é tão limitado quanto o conhecimento que podemos ter dela, uma descrição inexata mais bem descrita como substituição ou recurso de linguagem, uma arte. Na prosa e na poesia tal substituição não necessita de justificativas, o artista deseja que o leitor participe, interprete, percorra uma parte do caminho sozinho. A maioria dos filósofos, ao contrário, quer garantir a exatidão do que expressa. Mas, para ambos, certos recursos são fundamentais. “Uma metáfora é um compromisso assumido entre o velho e o novo, entre a esmagadora autoridade da linguagem e a irreprimível anarquia da inteligência” (Weiskel, 1994, p. 18).
A intuição criadora da filosofia metafórica de Schopenhauer, a necessidade interior expressa pela arte abstrata em Kandinsky e a ressignificação de um objeto pela contemplação estética em Weiskel nos permitem identificar alguns pontos de encontro entre as artes figurativas e as abstratas dentro da metafísica da vontade, abrindo um debate sobre a hierarquia que o filósofo propõe para cada expressão artística isoladamente segundo a noção de Ideia como objetidade mais adequada da vontade. Se, por um lado, a música, no ponto mais alto dessa hierarquia, tem um grande poder de afetar o homem imediatamente, sem a mediação da razão, a literatura, o teatro e a pintura figurativa também possuem acesso aos afetos tanto de forma literal quanto metafórica e ressignificada, sendo a segunda forma aquela que se assemelharia ao efeito das artes abstratas, expressando Ideias cuja ausência de paralelos possíveis para o pensamento conceitual se fazem notar. A intensidade da afecção da arte sobre o homem pode mudar conforme variam não somente os objetos, mas também diferentes sujeitos, cada qual inserido em sua coletividade, sua história, seu conjunto de valores e gosto pessoal. A importância da arte para a filosofia desse pensador se faz muito clara, portanto, quando a imanência de sua metafísica é proposta e quando há, para ele, uma possibilidade sui generis de conhecimento que poderia ir para além da representação, do fenômeno. Uma vez que há identidade entre a coisa-em-si e a representação, não estamos a tratar de cópias das coisas quando falamos em arte, mas na coisa mesmas em suas diversas formas representacionais. Música, pintura, dança ou poesia tem por objetivo, entre outros, comunicar, de uma forma ou de outra, uma “necessidade mística que constitui o elemento essencial de uma obra” (Kandinsky, 1990, p. 81) e é através desse objetivo em particular que, nas belas artes, pode-se, quem sabe, rasgar uma fresta no véu de Maia.
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Contribuição de autoria
1 – Renata Covali Cairolli Achlei
Mestrado em Estética pela Universidade Federal do Paraná
https://orcid.org/0000-0001-9933-1616 • achleirenata@gmail.com
Contribuição: Escrita – Primeira Redação
Como citar este artigo
ACHLEI, R. C. C. Sobre a interseção entre artes abstratas e figurativas na metafísica do belo de Schopenhauer. Voluntas: Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria - Florianópolis, v. 15, n. 1, e88742, p. 01-21, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179378688742. Acesso em: dia mês abreviado. ano.
[1] É importante lembrar duas características próprias da noção schopenhaueriana de Ideia que o afastarão de seus predecessores: em primeiro lugar que ela não é um produto, como as Ideias kantianas, da razão pura especulativa. Em segundo lugar, que elas tampouco existem autonomamente em si e por si, de forma transcendente, como as Ideias platônicas, ao contrário, “em Schopenhauer as Ideias estão ligadas ao sujeito de maneira constitutiva, e perduram somente em correlação com ele” (GZ, 63, grifo nosso). Em outras palavras, não se trata de criação humana ou “divina”, mas sim da mais adequada objetidade daquilo que tudo constitui: a vontade. As Ideias, ao mesmo tempo que metafísicas, são imanentes.
[2] Besonnenheit, que pode ser traduzido por “discernimento”, “prudência” ou “clareza de visão” origina-se no verbo besonnen, “refletir”, e é um conceito complexo na filosofia de Schopenhauer bem como a ideia de que se possa refletir ou conhecer sem o uso da razão e para além do principium individuationis. Esse conceito é explicado por Luan C. da Silva no artigo A unidade ética em ‘O mundo como vontade e representação’ de Schopenhauer.
[3] Trato dessa questão no artigo O lugar da obra de arte na filosofia do sublime do século XVIII, Revista Griot, v. 20, n. 3, p. 257-273.
[4] É importante diferenciarmos o significado da palavra abstração na filosofia de Schopenhauer e o abstrato referente às artes. A abstração na filosofia de Schopenhauer se refere à universalização de conceitos e se dá exclusivamente pela razão. A abstração nas artes, segundo o que quero mostrar nessa seção, se dá pelo descompromisso com o figurativo, pela alternativa artística que não nos remete a um objeto que se nos apresenta no mundo como representação.
[5] A quem interessar a leitura de dois estudos que podem acrescentar nas considerações acerca das artes não-figurativas na filosofia de Schopenhauer: de Michel-Antoine Shignesse o capítuo Schopenhauer’s Aesthetic Ideology (2023) e de Marc Rufus Brealey a tese “The triunph of the will”: The german expressionism body c. 1905-1945 and the philosophy of Arthur Schopenhauer (2018). Ademais temos a respeitada obra de Wilhelm Worringer, Abstração e empatia, de 1907.
[6] Retomo o que foi dito anteriormente para melhor compreensão dessa afirmação: no caso das artes figurativas, há uma mudança na relação do sujeito com o significante, provocando a confecção de um novo significado. Aqui, bem como na arte abstrata, falamos de uma dificuldade de apreensão do próprio significado, pois o significante que se apresenta não possui correlato na representação.
[7] KAUR, Rupi. O que o sol faz com as flores. São Paulo, Planeta, 2018, pg. 65.
[8] HESSE, Herman. Peter Camenzind. São Paulo, Todavia, 2022, pg. 7.
[9] Poema em hexâmetros de Parmênides In: KIRK, G. S.; RAVEN, J. E., ; SCHOFIELD, M. Os filósofos pré-socráticos. Lisboa, Fundação Calouste Gulbekian, 1994, pg. 253.
[10] NIETZSCHE, F. Assim falou Zaratustra. São Paulo, Companhia das Letras, 2011.