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Universidade Federal de Santa Maria
Voluntas, Santa Maria, v. 15, esp. 1, e88528, 2024
Submissão: 07/08/2024 • Aprovação: 17/12/2024 • Publicação: 18/12/2024
2 PAUL HACKER E A CRIAÇÃO DO “NEO-HINDUÍSMO”.
3 A POLÊMICA E A DESCONSTRUÇÃO DO “NEO-HINDUÍSMO”
4 LIMITES DA MENSURAÇÃO DA INFLUÊNCIA DE SCHOPENHAUER EM VIVEKANANDA
Schopenhauer: Sociedade e Cultura
A influência de Schopenhauer em Vivekananda e a polêmica do “neo-hinduísmo”
The influence of Schopenhauer on Vivekananda and the controversy of “neo-Hinduism”
IPontifícia Universidade Católica do Paraná , Curitiba, PR, Brasil
RESUMO
A influência de Arthur Schopenhauer na doutrina moral de Swami Vivekananda tem sido um tema polêmico e de debate acadêmico. Paul Hacker argumentou que Vivekananda foi influenciado pela interpretação "equivocada" de Schopenhauer da fórmula sânscrita tat tvam asi (isso és tu), originalmente desprovida, segundo ele, de conotação moral. Hacker sustentou que a ética tat tvam asi tornou-se um elemento crucial no pensamento "neo-hindu", mobilizando a Índia a introduzir um engajamento moral que até então não existia na tradição. Neste artigo, investigaremos a controvérsia sobre a influência de Schopenhauer no surgimento do "neo-hinduísmo" e como essa influência permanece ainda sujeita a análises contínuas, sem haver um parecer exato sobre o impacto de Schopenhauer nos preceitos morais de Vivekananda.
Palavras-chave: Schopenhauer; Vivekananda; Neo-hinduísmo; Tat tvam asi
ABSTRACT
Keywords: Schopenhauer; Vivekananda; Neo-Hinduism; Tat tvam asi
A intersecção entre filosofias ocidentais e saberes de outras matrizes culturais tem sido um campo fértil para a investigação de influências intelectuais ao longo da história. Um desses casos é a influência de Arthur Schopenhauer sobre a doutrina moral de Swami Vivekananda, um dos principais pensadores da Índia moderna. Esta influência foi primeiramente apontada por Paul Hacker, um proeminente indólogo do séc. XX. Hacker faz uso da filologia comparativa para provar que os preceitos morais de Vivekananda foram influenciados pela interpretação schopenhaueriana da fórmula sânscrita tat tvam asi (isso és tu), a qual em seu sentido originário não teria qualquer significado moral. Os estudos de Hacker apontam que a ética tat tvam asi é uma criação ocidentalizada do pensamento “neo-hindu”. Apesar de esta fórmula não possuir um significado ético no hinduísmo tradicional, ela se tornaria o foco da moralidade hindu contemporânea e a base do programa político nacionalista da Índia moderna. Segundo Hacker, os pensadores “neo-hindus” conseguiram mobilizar a Índia com a afirmação de que o “hinduísmo, essa preciosa herança nacional, foi erroneamente interpretado como quietismo”[1] (Hacker, 1995, p. 298). E, em vistas disto, eles se comprometeram a apresentar um hinduísmo com comprometimento social e a ética tat tvam asi teria sido a peça fundamental neste processo. No entanto, a pesquisa de Hacker tem sido questionada por pesquisadores contemporâneos que visam combater a ideia de “neo-hinduismo” e valorizar o pensamento moral de Vivekananda. Neste artigo, demonstraremos como a influência de Schopenhauer parece ser fundamental para compreender a defesa ou a recusa do “neo-hinduísmo”, mas que ainda não é possível determinar com exatidão o grau e o impacto desta influência. Para isso, analisaremos como Hacker desenvolve sua tese de "neo-hinduísmo". Em seguida, apresentaremos o debate e a controvérsia fomentados por essa interpretação na indologia contemporânea para, por fim, compreendermos os limites da mensuração da influência de Schopenhauer sobre Vivekananda.
2 PAUL HACKER E A CRIAÇÃO DO “NEO-HINDUÍSMO”
A defesa do “neo-hinduísmo” foi desenvolvida por Hacker em três artigos: Aspects of Neo-Hinduism as Contrasted with Surviving Traditional Hinduism, Schopenhauer and Hindu Ethics e Vivekananda's religious nationalism. Hacker introduz o conceito de “neo-hinduísmo”, chamado por ele também de “neo-Vedānta”, ou, até mesmo, de “pseudo-Vedānta, em contraposição a um suposto hinduísmo tradicional. Para ele, os novos ideais hindus não podem ser considerados expressões autênticas da tradição indiana, mas criações híbridas do encontro da Índia com o ocidente (Hacker, 1995, p. 230).
Em Aspects of Neo-Hinduism as Contrasted with Surviving Traditional Hinduism, Hacker alega que o “neo-hinduísmo” teve seu início no século XIX, momento no qual alguns pensadores indianos - como Vivekananda (1863-1902), Aurobindo Ghose (1872-1950) e Gandhi (1869-1948) - inseriram valores ocidentais na religião hindu. Tais valores foram associados a termos da tradição, cujo significado originário foi retirado para colocar um conteúdo propriamente europeu. Essa reinterpretação do hinduísmo teria sido motivada mais por pretensões políticas do que religiosas. O caráter quietista do hinduísmo teria sido repensado em prol da mobilização do povo hindu e da construção e fortalecimento da Índia moderna. E Vivekananda teria sido um dos primeiros a querer sanar as deficiências morais da tradição e a propor um hinduísmo com comprometimento social. Para isso, o líder espiritual indiano apresentou uma conotação moral à fórmula sânscrita tat tvam asi (isso és tu), sem, segundo Hacker, qualquer correspondência com a tradição hindu ou com qualquer legitimidade científica.
Com o objetivo de demonstrar as falhas da interpretação de Vivekananda, Hacker, em Schopenhauer and Hindu Ethics, demonstra como 1) após o contato de Vivekananda com Paul Deussen e, consequentemente, com a filosofia de Schopenhauer o pensador indiano criou a ética de tat tvam asi e que 2) não há qualquer significado moral em tat tvam asi em Chāndogyopaniṣad, texto no qual a fórmula sânscrita é mencionada. Segundo Hacker, não há traços históricos no hinduísmo de um uso ético desta fórmula, teria sido Schopenhauer o primeiro a utilizar a expressão tat tvam asi como fundamento da moral, relacionando-a com a compaixão[2]. A compaixão, no entanto, seria “vista pelos Vedāntas de todas as escolas como um desvio para o caminho da salvação. O um universal não é alcançado pela identificação ética, mas pela abstração intelectual” (Hacker, 1995, p. 277).
Em sua pesquisa, Hacker realiza uma investigação cronológica das reflexões de Vivekananda sobre a moralidade. Ele argumenta que antes da visita de Vivekananda a Deussen, grande orientalista alemão e discípulo de Schopenhauer, em setembro de 1896, os escritos e discursos do líder espiritual indiano estavam mais alinhados com o monismo hindu tradicional, como ocorre na obra Karma-Yoga, de 1985. Nessa obra, os ensinamentos de Vivekananda estavam em conformidade com o monismo Vedānta, no qual o comportamento ético é considerado um meio de preparação para a realização espiritual, sendo este o único caminho para a salvação. Nesse contexto, o comportamento moral é visto como um exercício em direção à perfeição espiritual, característica própria do relativismo ético do Vedānta.
Hacker oferece uma descrição detalhada da viagem de Vivekananda à Europa, enfatizando o encontro com Deussen em Kiel, Alemanha, na companhia de Madame Sevier e seu marido, Capitão Sevier, e sua subsequente jornada à Inglaterra. As impressões de Vivekananda sobre esse encontro são registradas em suas cartas, nas quais ele expressa profunda admiração por Deussen, considerando-o o maior filósofo alemão de seu tempo e um grande defensor do Advaita. Vivekananda chega a escrever um artigo elogiando Deussen e sua compreensão da metafísica de Upaniṣads[3]. No entanto, as impressões de Deussen sobre o encontro parecem não ser tão favoráveis, como relatado em sua autobiografia, na qual ele não faz menções significativas sobre suas discussões com Vivekananda sobre o Vedānta (Hacker, 1995, p. 295). É pelo testemunho de Madame Sevier[4] que Hacker obtém as evidências que sustentam o encontro de Vivekananda com a ética tat tvam asi. De acordo com Hacker, é razoável supor que tanto Vivekananda quanto Madame Sevier possuíam uma cópia da palestra proferida por Deussen na Índia em 1893, na qual, sob a influência de Schopenhauer, ele aponta tat tvam asi como o fundamento da moralidade. Inspirado por essa palestra e possivelmente motivado pela presença de Deussen, Vivekananda proferiu, alguns dias depois, uma palestra em Wimbledon, intitulada Vedanta as a Factor in Civilization. Nesta, Vivekananda teria apresentado pela primeira vez a ética tat tvam asi, assumindo o monismo Vedānta como a explicação autêntica de toda moralidade e atribuindo aos filósofos do Vedānta a descoberta da base ética.
Segundo Hacker, Vivekananda apropriou-se da interpretação de Schopenhauer e criou uma ética baseada em tat tvam asi com o objetivo de forjar no hinduísmo a existência de um engajamento social. Hacker questiona a legitimidade interpretativa da teoria de Vivekananda, como também menospreza a capacidade criativa do autor, por este não acrescentar qualquer conteúdo original, pelo menos, em termos filosóficos[5]. Para o indólogo, o pensamento “neo-hindu” não deu “a impressão de ter começado ainda qualquer projeto potencialmente frutífero, ou de ter produzido qualquer conquista que valha a pena discutir, seja na ética ou em qualquer outro campo” (1995, p. 307). E ainda alega que:
É de se esperar que o pensamento indiano sobreviva à memória do período colonial e que a ferida profunda que foi deixada na mente indiana recupere uma maior tranquilidade e compostura, para que assim possa tentar peneirar as diferentes forças e impulsos que ainda estão colidindo no mundo do pensamento indiano hoje e que de uma forma mais desapaixonada e perspicaz encontre uma nova orientação (1995, p. 308-309).
3 A POLÊMICA E A DESCONSTRUÇÃO DO “NEO-HINDUÍSMO”
A categoria de "neo-hinduísmo," proposta por Hacker, começou a enfrentar críticas no final do século XX e início do século XXI, principalmente por parte de pesquisadores que adotaram perspectivas não coloniais, influenciadas pela obra Orientalismo: O Oriente como Invenção do Ocidente, de Edward Said. Nessa obra, o autor promove uma crítica aos estudos ocidentais sobre a Ásia, argumentando que esses estudos tentam despojar o “Oriente” de sua própria identidade e soberania, e que há uma agenda política subjacente nos estudos acadêmicos sobre a tradição asiática. A crítica de Said aos estudos "orientais" desencadeou uma reavaliação significativa da indologia clássica e Hacker emergiu como um exemplo notável do que Said procurava evidenciar. Durante essa reavaliação, tanto o conceito de "neo-hinduísmo" quanto a influência de Schopenhauer no pensamento de Vivekananda tornaram-se alvos de investigação acadêmica. O principal discípulo de Hacker, o indólogo Wilhelm Halbfass[6], e outros pesquisadores, incluindo Rajiv Malhotra, Thomas Green e Ayon Maharaj, começaram a desafiar os principais argumentos de Hacker sobre o "neo-hinduísmo" e sobre a legitimidade do pensamento de Vivekananda, demonstrando dificuldades em comprovar a real influência da filosofia de Schopenhauer no pensamento do líder indiano.
É interessante notar o curioso e gradual afastamento de Halbfass em relação à teoria de Hacker. Em sua primeira obra, India and Europe, publicada em inglês em 1988, Halbfass aceita o termo "neo-hinduísmo," embora faça algumas ressalvas e ponderações. Entretanto, alguns anos depois, na introdução de Philology and Confrontation: Paul Hacker on Traditional and Modern Vedānta, de 1995, é possível perceber um distanciamento mais marcante em relação à posição de Hacker. Esse distanciamento pode ser atribuído, em parte, à influência da obra de Said e também da obra de Inden, intitulada Imagining India, publicada em 1990, na qual o autor condena a indologia por 1) fabricar uma visão “essencializada” da Índia, presa a uma eterna tradição e por 2) incitar a criação de metodologias “não ocidentais” embasadas em uma “teoria anti-essencialista que permite que as pessoas possam fazer história da mesma forma que a história faz as pessoas” (1990, p.2).
Em Beyond Orientalism: The Work of Wilhelm Halbfass and its Impact on Indian and Cross-Cultural Studies, de 1997, Halbfass posiciona-se frente às críticas de Said e admite ser legítima a reflexão de como a “exploração europeia e a conceitualização do assim chamado oriente é apresentado como uma projeção de um poder epistêmico e conceitual que reflete e reforça as demandas da política atual e do poder econômico” (1997, p. 14). No entanto, ele também levanta questionamentos sobre até que ponto essa "orientalização" é exclusivamente um fenômeno europeu ou ocidental, uma vez que, na história do Islã, intelectuais também adotaram uma postura de "essencialização" em relação à Índia, muitas vezes visando à dominação. Halbfass argumenta que é necessário reagir diante da autoridade absoluta do eurocentrismo e evitar cair em falsas essencializações e reificações. No entanto, ele considera que seria precipitado deslegitimar e descartar completamente as generalizações que fazem parte do próprio processo de entendimento, o qual, ao seu ver, ainda não se tornou obsoleto.
Frente às exigências pós-coloniais por novas metodologias de pesquisa, Halbfass suaviza seu posicionamento crítico frente aos pensadores hindus contemporâneos, rotulados até então, por ele e por Hacker, de “neo-hindus”. E, ainda, sugere que os indólogos deveriam “escutar os documentos antigos assim como os representantes modernos da tradição; [o que significaria] encontrá-los, conversar com eles num lugar no qual existam significados e questões compartilhadas” (1997, p. 14). Além de incluir o diálogo com os pensadores hindus contemporâneos na indologia, que em sua origem era uma área específica da filologia e ocupava-se em estudar as literaturas e línguas clássicas da Índia, em especial o sânscrito, Halbfass admite um certo distanciamento em relação à interpretação de Hacker. No entanto, Halbfass não parece considerar necessário questionar a coerência interpretativa do termo "neo-hinduísmo" ou ponderar se essa categoria tem o potencial de depreciar o hinduísmo e deslegitimar as conquistas políticas dos pensadores hindus contemporâneos, como defendem alguns pesquisadores indianos, incluindo Malhotra e Maharaj.
A publicação de Indra's Net: Defending Hinduism's Philosophical Unity, de 2014, apresenta uma crítica incisiva à intepretação de Hacker e considera o “neo-hinduísmo” um grande mito que precisa ser desconstruído. Malhotra defende que o “neo-hinduísmo” é uma invenção acadêmica que deslegitima as grandes conquistas políticas e sociais da Índia moderna. A necessidade de escrever tal obra surgiu ao confrontar-se com os estudos de intelectuais e perceber que aquilo que ele sempre “conheceu como hinduísmo tem sido renomeado de “neo-hinduísmo”, uma falsa ideologia” (Malhotra, 2014, p. 102). Diferente do que Hacker afirma, Vivekananda seria, para Malhotra e para a maior parte dos hindus, “um grande líder que influenciou tantos outros e tem inspirado a prática do hinduísmo desde o século passado” (2014, p. 74) e seu legado não deveria ser questionado e deslegitimado.
Malhotra demonstra não somente os limites metodológicos da interpretação de Hacker (uso de fontes específicas em detrimento de outras) como os interesses de sua pesquisa, que estariam aquém de um estudo objetivo e imparcial (defesa da autoridade do cristianismo)[7]. Em defesa de sua religião, Malhotra recolhe argumentos que enfraquecem a ideia de “neo-hinduísmo”, e, principalmente, de que Vivekananda teria sido o grande precursor desta “nova religião” por ter proposto, por um lado, a universalização do hinduísmo e, por outro, a consciência e o engajamento social. Para ele, o ideal de universalização e o engajamento social já faziam parte do hinduísmo pré-colonial, não existindo uma ruptura ou descontinuidade com a tradição, mas uma adaptação benéfica e saudável para as exigências sociais e políticas de seu tempo.
Malhotra questiona a metodologia adotada por Hacker e as preferências em relação a fontes específicas em detrimento de outras. Tanto Hacker quanto outros indólogos[8] que sustentam a ideia do "neo-hinduísmo" basearam-se, segundo Malhotra, principalmente nas obras de Śaṅkara para criticar o pensamento de Vivekananda. Embora reconheça a importância intelectual de Śaṅkara, Malhotra destaca que “ele não é o único pensador hindu legítimo” e que “qualquer desvio de seu pensamento não pode ser considerado inautêntico” (2014, p. 202), pois o hinduísmo não é uma religião abraâmica que possui um Messias, cuja verdade não pode ser questionada ou desafiada.
Malhotra alega ainda que os indólogos ocidentais “fossilizaram” o pensamento indiano em escolas independentes para melhor digeri-las e consequentemente controlá-las. No entanto, “o projeto de digerir o hinduísmo pelo universalismo ocidental fez do hinduísmo uma coleção incoerente de fragmentos e contradições” (2014, 300). Dessa mesma divisão, que transformou o hinduísmo em escolas rivais e binárias, surgiu a interpretação equivocada de que Vivekananda seria uma ruptura com o passado e não uma ponte contínua da tradição.
Seguindo os passos de outros líderes hindus, Vivekananda, aos olhos de Malhotra, faz parte de uma tradição que é capaz de adaptar a ética hindu de acordo com as necessidades do tempo e de ler as escrituras tradicionais a partir do contexto social, econômico e histórico e não “como uma ideologia fossilizada” (2014, 305). A ética de Vivekananda, segundo ele, não só nasce da tradição como está em consonância com ela, independentemente da apropriação de leituras ocidentais, como a de Schopenhauer e de Deussen. Sobre a influência deles no pensamento ético de Vivekananda, Malhotra pondera que:
Mesmo se Vivekananda tomou esta ideia de Deussen, não mudaria o fato de que essa ideia se encontra em um texto hindu; afinal, Schopenhauer e Deussen explicitamente referem-se a textos hindus (...) se os hindus contemporâneos tomam essa ideia por si mesmo ou se isso foi desencadeado por Deussen, a conclusão permanece a mesma, ou seja, que a ideia reside nos textos Vedantas (2014, p. 155).
Malhotra sustenta que a conotação moral da fórmula sânscrita não é validada pela interpretação de quem a faz, mas sim pelo que está sendo interpretado. Para ele, o fato de um europeu ter destacado o caráter moral da fórmula sânscrita não enfraquece a autenticidade dessa interpretação, uma vez que essa interpretação está alinhada com a tradição hindu. Afinal, segundo ele,” ao sabermos que nós somos inseparáveis de Brahman, nós devemos espontaneamente amar e cuidar dos outros” (2014, p. 151). A teoria ética de Vivekananda é, sob esta perspectiva, uma aplicação criativa da tradição para circunstâncias modernas. Vivekananda “interpreta o famoso mahāvākya (grande ditado) de Upaniṣads tat tvam asi como uma conexão universal, enaltecendo que em todo coração existe Brahman” (2014, 346). Essa perspectiva surge para atender às demandas do contexto social da Índia moderna, dentre elas, aliviar a miséria e a pobreza de um país colonizado.
Outro crítico de Hacker que rejeita categoricamente o uso do termo "neo-hinduísmo" é o pesquisador Maharaj. Ele argumenta que essa categoria desvaloriza e prejudica o hinduísmo contemporâneo e necessita ser abolida da literatura acadêmica. Maharaj destaca a diferença nas bases epistêmicas entre o pensamento hindu e o pensamento ocidental, especialmente enfatizando que, na sabedoria hindu, o fundamento da verdade não reside apenas no texto escrito e no pensamento abstrato. Segundo Maharaj, a ética defendida por Vivekananda não é influenciada por valores ocidentais nem tem sua base na filosofia schopenhaueriana. Pelo contrário, ele argumenta que o amor e o serviço social preconizados por Vivekananda são fundamentados no próprio Vedānta, cuja fonte é a experiência mística.
A interpretação de "neo-hinduísmo" proposta por Hacker seria incorreta por não reconhecer e negligenciar o método de aprendizagem de Vivekananda. Esse método envolve a presença de um mestre que ensina por meio de sua própria experiência, permitindo ao discípulo vivenciar os ensinamentos por meio de uma experiência extática pessoal. É dessa vivência que se constrói o embasamento teórico, não sendo baseado em mera compreensão lógica ou em teorias apreendidas de maneira abstrata. Nessa perspectiva, as conclusões éticas de Vivekananda se distanciam da tradição do Advaita Vedānta e de Śaṅkara não por influência do pensamento ocidental ou da filosofia de Schopenhauer, mas sim porque Vivekananda teve uma experiência extática distinta, a mesma experiência compartilhada com seu mestre, Ramakrishna.
Em Śivajñāne jīver sevā: Reexamining Swami Vivekananda’s Practical Vedānta in the Light of Sri Ramakrishna, Maharaj demonstra que diferentemente da tradição Advaita, Ramakrishna ensinou a Vivekananda uma visão afirmativa do mundo, baseada em sua própria “experiência espiritual de vijñāna, a realização extática de que Deus se tornou tudo no universo” (2019, p. 176). Segundo o autor, essa concepção de mundo panenteísta, na qual Deus está ao mesmo tempo presente e separado do universo, desenvolvida por Ramakrishna, é a base ontológica do śivajñāne jīver sevā, “a prática espiritual de servir os seres humanos como reais manifestações de Deus” (2019, p. 177).
Vivekananda narra que os ensinamentos de Ramakrishna não foram comunicados por meio de argumentos intelectuais, mas sim através de uma transmissão espiritual direta. Depois de passar vários dias em um estado extático induzido pelo toque de seu mestre, Vivekananda afirma:
O toque mágico do Mestre naquele dia imediatamente trouxe uma mudança maravilhosa em minha mente. Fiquei perplexo ao descobrir que realmente não havia nada no universo, mas Deus! [...] e tudo o que vi parecia ser Brahman. Sentei-me para tomar minha refeição, mas descobri que tudo - a comida, o prato, a pessoa que servia e até a mim mesmo - não passava de “TAT” Aquilo [...] Quando o estado acima mudou um pouco, o mundo começou a parecer um sonho [...]. Esse estado de coisas continuou por alguns dias. Quando voltei à normalidade, percebi que devia ter vislumbrado o estado de Advaita. Então me ocorreu que as palavras das escrituras não eram falsas. Daí em diante não pude negar as conclusões da filosofia Advaita (Vivekananda apud Maharaj, 2019, p. 178).
A experiência espiritual de Vivekananda abrange dois estados extáticos distintos: vijñāna e jñāna. O primeiro estado, no qual ele percebe que tudo é Brahman, está relacionado à compreensão panenteísta de vijñāna. O outro estado, no qual ele percebe o mundo como um "sonho", corresponde ao estado de jñāna, no qual a percepção do mundo é considerada irreal, como propõe o Advaita de Śaṅkara. Embora Vivekananda reconheça e tenha experimentado ambos os estados, foi o vijñāna que moldou sua perspectiva espiritual. O programa de Vedānta prático de Vivekananda encontra base no vijñāna, uma vez que esse estado reconhece o mundo como real em oposição à visão ilusória. Ramakrishna compreendia que o vijñāna era um estado mais elevado do que o jñāna, pois este último poderia resultar em uma atitude de isolamento espiritual, ou seja, uma busca egoísta pela salvação. Ao conceber o mundo como Brahman e não como uma ilusão, o valor ético do outro ser humano se torna evidente, e a missão da existência passa a ser servir a todos como se fossem Deus. De acordo com Maharaj, a experiência extática e os ensinamentos de Ramakrishna foram fundamentais para que Vivekananda reconhecesse o valor moral de tat tvam asi, e não foi a filosofia de Schopenhauer que desempenhou esse papel. Conforme Maharaj (2019, p. 180), "a prática espiritual de servir a 'todos os seres como Deus' é justificada não na metafísica que nega o mundo (Advaita Vedānta tradicional), mas na metafísica panenteísta de Vijñāna Vedānta".
Ao demonstrar como os ensinamentos de Ramakrishna e a experiência extática tiveram um papel fundamental na formulação do Vedānta prático de Vivekananda, Maharaj introduz novos elementos para contestar a tese de Hacker e refutar o "neo-hinduísmo". Um desses elementos é o reconhecimento do método de aprendizado seguido pelo pensador indiano, um aspecto que Hacker havia negligenciado em sua pesquisa. A abordagem de Hacker não apenas desconsidera a base da sabedoria indiana, mas cria uma visão distorcida do hinduísmo contemporâneo. De acordo com Maharaj, a refutação da categoria "neo-hinduísmo" se torna essencial para afirmar e valorizar diferentes formas de conhecimento que foram depreciadas pelo pensamento eurocêntrico e pelos efeitos do colonialismo.
A indiferença em relação às bases epistêmicas da sabedoria indiana não é o único deslize metodológico da pesquisa de Hacker. Na obra Religion for a Secular Age: Max Müller, Swami Vivekananda and Vedānta, publicada em 2016, Thomas Green apresenta novos argumentos para sustentar a ideia de que Vivekananda desenvolveu sua filosofia moral a partir do próprio contexto do Vedānta e não sob a influência de Deussen. Um desses argumentos refere-se à incoerência cronológica na interpretação de Hacker, que afirmava que não havia uso ético da expressão tat tvam asi nos discursos e textos de Vivekananda antes de setembro de 1896. Ao examinar o trabalho de Marie Louise Burke, que fez um levantamento detalhado das palestras de Vivekananda nos Estados Unidos e na Europa, Green identificou uma palestra realizada em Boston em 28 de março de 1896, na qual o líder indiano faz uso da expressão tat tvam asi. Embora a edição das obras completas de Vivekananda inclua essa palestra, ela não estava datada; apenas o local estava registrado. Hacker, em seus estudos, admitiu que nem todos os escritos e discursos de Vivekananda estavam datados, e possivelmente ele não tinha conhecimento de que a palestra intitulada The Spirit and Influence of Vedanta foi proferida cinco meses antes do encontro com Deussen. Esse equívoco levou Hacker a fazer uma afirmação incorreta, possivelmente devido à falta de material e à cronologia detalhada fornecida por Burke.
Porém, podemos indagar: a aparição do termo tat tvam asi na palestra The Spirit And Influence Of Vedanta invalida a tese de Hacker e a influência de Schopenhauer no pensamento de Vivekananda? Em algumas partes, sim, e em outras, não. Na visão de Green, isso “prova que Vivekananda não teve conhecimento da ética tat tvam asi da forma como é descrita por Hacker” (2016, p. 87). Mas o pesquisador reconhece a falta de evidências históricas capazes de demonstrar com nitidez como Vivekananda chega à aplicabilidade ética de tat tvam asi. Uma possível fonte seria Brajendranath Seal, grande amigo do líder indiano, que tomava o princípio de individuação como a causa do egoísmo e da imoralidade, porém este não faz menção a tat tvam asi. Segundo Green, havia “uma tendência presente no pensamento bengalês que tomava o Vedānta como a fonte para a ética da unidade e compaixão em oposição ao individualismo” (2016, p. 90). E, aos passos desse movimento, Vivekananda esforçou-se em criar as bases metafísicas e religiosas para a moralidade e ajustou “o foco do Advaita Vedānta para fazer dela uma religião mais eticamente engajada” (2016, p. 83).
Conforme apresentado por Green, a visão de Vivekananda foi desenvolvida entre 1893 e 1896, durante sua estadia nos Estados Unidos e na Inglaterra, e não houve uma mudança significativa em suas reflexões após seu encontro com Deussen. Green argumenta que mesmo em Karma-Yoga, Vivekananda já estava se distanciando do monismo espiritual do Advaita Vedānta tradicional, que considerava o comportamento moral como a única condição para a realização espiritual. Green sugere que Vivekananda construiu uma ontologia imanentista que concebe Deus como imanente ao mundo, ou seja, Deus está presente em tudo. Essa concepção serviria como a base para a moralidade de Vivekananda, que é evidente tanto em Karma-Yoga quanto em seus discursos posteriores, inclusive aqueles que fazem uso do termo tat tvam asi. A principal diferença entre a interpretação de Green e a de Hacker parece ser a época em que Vivekananda reformulou a moralidade hindu. Green argumenta que essa reformulação ocorreu antes do encontro com Deussen, enquanto Hacker sugere que ela aconteceu após o encontro com Deussen. Para Green, é mais provável que Vivekananda “tenha desenvolvido sua visão antes independentemente de Deussen e talvez usado Deussen para embasar a sua doutrina” (2016, p. 87).
Apesar de estar mais inclinado a defender a independência do pensamento moral de Vivekananda, Green não nega a influência de Schopenhauer. Muito pelo contrário. Segundo ele, a ética que “ele desenvolveu foi obviamente informada pelo seu engajamento crítico com a filosofia moral contemporânea e metafísicas idealistas e manifesta a influência do monismo volitivo de Schopenhauer” (2016, p. 90). O pesquisador faz questão de reiterar, no entanto, que existem “fortes evidências que sugerem que a sua ética tat tvam asi foi produto de pensamento independente, e não de uma assimilação passiva sem crítica” (2016, p. 90).
4 LIMITES DA MENSURAÇÃO DA INFLUÊNCIA DE SCHOPENHAUER EM VIVEKANANDA
De fato, é difícil verificar quando Vivekananda se debruçou ou ficou sabendo da filosofia de Schopenhauer[9] e o grau de influência desse encontro. Green não faz questão de elucidar que Vivekananda já conhecia a filosofia de Schopenhauer antes da palestra The Spirit And Influence Of Vedanta. Dentre os documentos datados de Vivekananda, destaca-se o artigo Reincarnation, publicado na Metaphysical Magazine em março de 1895. Neste artigo, Vivekananda disserta sobre a imortalidade da alma e recorre à obra de Schopenhauer, o Tomo II de O mundo como vontade e representação, para dissertar sobre a palingenesia, citando o capítulo 41 da mesma:
Schopenhauer, em seu livro, Die Welt als Wille und Vorstellung, falando sobre palingenesia, diz: "O que o sono é para o indivíduo, a morte é para a 'vontade'. Não suportaria continuar as mesmas ações e sofrimentos por uma eternidade sem verdadeiro ganho, se a memória e a individualidade lhe restassem. Ele as arremessa, e isso é Lethe, e através desse sono da morte, ele reaparece equipado com outro intelecto como um novo ser; um novo dia tenta novas margens. Estes novos nascimentos constantes, então, constituem a sucessão dos sonhos da vida de uma vontade que por si só é indestrutível, até ser instruído e aprimorado por tantos e tantos conhecimentos sucessivos de uma forma constantemente nova, ele se abole e revoga [....]. Não deve ser negligenciado que mesmo fundamentos empíricos apoiam uma palingenesia desse tipo (Vivekananda, 2012a, p. 312-313).
No mesmo ano, sem uma data específica, Vivekananda escreve algumas cartas a E.T. Strudy, seu principal guia e hospedeiro em seu tour pela Inglaterra, em 1895, e nelas faz menção a Schopenhauer e a Deussen, assim como critica o conceito de vontade que Schopenhauer teria emprestado dos budistas:
Em primeiro lugar a alma não é essencialmente um ser cognoscível. Sachchidânanda é somente uma definição aproximada, e neti neti é a definição essencial. Schopenhauer pegou esta ideia de vontade dos budistas. Nós também a temos em Vâsanâ or Trishnâ, Pali tanhâ. Nós também admitimos que esta é a causa de todas as manifestações que são, nestes termos, seus efeitos. Mas, sendo a causa, deve haver uma combinação do Absoluto com Maya. Mesmo o conhecimento, sendo um composto, não pode ser o Absoluto em si mesmo, mas é a abordagem mais próxima para isso, e mais elevada do que Vasana, consciente ou inconsciente. O absoluto se torna primeiramente uma mistura com o conhecimento, e então, em um grau secundário, a vontade. Se for dito que as plantas não têm consciência, que elas são somente vontades inconscientes, a resposta é que mesmo a vontade inconsciente da planta já é uma manifestação da consciência, não da planta, mas do cosmos, o Mahat da filosofia Sankhya. A análise budista de que tudo é vontade é imperfeita, primeiramente, porque a vontade é ela mesma um composto e, posteriormente, porque consciência ou conhecimento que são compostos do primeiro grau, precede a ela. Primeiro, ação, então reação. Quando a mente percebe, então, como reação, ela quer. A vontade está na mente. Então é um absurdo dizer que a vontade é a última análise. Deussen está jogando com as mãos dos darwinistas (Vivekananda, 2012b, p. 362).
Ambos os documentos confirmam que Vivekananda estava familiarizado com a filosofia de Schopenhauer e de Deussen antes de usar o termo tat tvam asi em sua palestra The Spirit And Influence Of Vedanta. No entanto, é importante notar que o foco principal desses documentos não é a moralidade hindu, e Vivekananda não faz referência à doutrina ética de Schopenhauer em nenhum deles. Isso nos leva a duas possíveis interpretações: uma delas é que Vivekananda pode não ter conhecido as reflexões éticas específicas do filósofo alemão; a outra é que ele não estava preocupado em refutar ou colocar em evidência tais reflexões. A última hipótese é mais fácil de ser defendida. Pois parece improvável que Vivekananda não tinha conhecimento das reflexões éticas de Schopenhauer, uma vez que há evidências de que Vivekananda teve contato com a obra do filósofo alemão e fez críticas pontuais à sua concepção de vontade. Seria curioso supor que ele tivesse lido apenas as partes sobre a transmigração das almas e sobre a metafísica da vontade, sem ter se deparado com as ideias éticas de Schopenhauer, especialmente, concebendo tat tvam asi como o fundamento moral, da mesma forma que o filósofo alemão. No entanto, como mencionado, seria curioso, mas não impossível. Afinal, não há como determinar com precisão o caminho exato pelo qual Vivekananda chegou à aplicabilidade moral de tat tvam asi.
Sabe-se até o momento que: em primeiro lugar, não foram identificadas referências a essa interpretação de tat tvam asi antes de Schopenhauer; em segundo lugar, Deussen desempenhou um papel significativo na disseminação dessa interpretação, tanto na Índia quanto na Europa. Seria imprudente sugerir que a interpretação de Schopenhauer não teve nenhum impacto no pensamento de Vivekananda, uma vez que ambos incorporaram tat tvam asi em suas reflexões morais. No entanto, também seria inadequado atribuir exclusivamente a Schopenhauer a transformação da moralidade hindu, pois outros pensadores hindus, como Ramakrishna, também estavam envolvidos no debate sobre ética e moralidade dentro do contexto do hinduísmo. Mas mais inadequado e imprudente seria fazer dessa influência a prova do surgimento do “neo-hinduísmo”, questionando a autenticidade e a legitimidade do pensamento de Vivekananda que, como qualquer outro, dialoga e se apropria de princípios de outros pensadores.
Os trabalhos de Malhotra, Maharaj e Green – ecoando as contribuições de Said e Inden - têm um papel fundamental ao questionar a categoria de "neo-hinduísmo" e evidenciar como essa categorização depreciou os pensadores hindus contemporâneos, muitas vezes em favor do pensamento ocidental. De fato, Hacker fez uso da influência de Schopenhauer para minar a legitimidade dos preceitos morais de Vivekananda, desconsiderando não somente outras influências como também a própria base da sabedoria indiana. Porém, é possível afirmar que essa influência não existiu? Hacker pode ter errado ao afirmar que somente após o encontro de Vivekananda com Deussen, em setembro de 1896, o líder indiano revisou suas considerações sobre a moralidade hindu. Afinal, Vivekananda já havia utilizado essa expressão alguns meses antes desse encontro, em março de 1896. Porém, como demonstramos neste artigo, Vivekananda não somente conhecia a filosofia de Schopenhauer como a confrontava desde 1895, principalmente em relação ao conceito de vontade.
Provar que Vivekananda não foi influenciado por Schopenhauer é tão desafiador quanto sustentar o seu oposto. É um fato inegável que Vivekananda entrou em contato com a filosofia de Schopenhauer. Difícil é presumir que os preceitos morais de Vivekananda estavam isolados de influências externas, especialmente das figuras que ele frequentemente debatia. Porém, não há como defender que Vivekananda adotou cegamente e reproduziu as postulações morais de Schopenhauer sem qualquer contribuição de outros pensadores hindus, como de seu mestre Ramakrishna. Conforme sugerido por Maharaj, essa influência não se limitava apenas ao âmbito filosófico, mas também se estendia às experiências místicas que exerceram um papel decisivo na formação do pensamento de Vivekananda.
Portanto, é crucial ponderar se as metodologias ocidentais, como a filologia comparativa, a análise hermenêutica e a pesquisa de evidências históricas e registros antigos são suficientes para avaliar o alcance de uma influência sobre um conhecimento de outra matriz cultural, cujas bases não se encontram exclusivamente na palavra escrita ou no pensamento abstrato. Além disso, é fundamental reconhecer a dominação ocidental no campo do conhecimento dessas outras formas de saber. Hacker é um exemplo do que Said denuncia. Utilizando uma metodologia ocidental, ele desvaloriza o pensamento de Vivekananda com a crença de que compreende melhor a tradição hindu do que os próprios pensadores hindus contemporâneos. Refutar o "neo-hinduísmo" de Hacker representa uma maneira de destacar e valorizar formas de conhecimento que foram depreciadas, ignoradas ou rejeitadas pelo pensamento eurocêntrico e colonial. Isso se aplica não apenas à Índia, mas também a outros países considerados "periféricos", que historicamente estiveram à margem da intelectualidade europeia. É preciso reconhecer abordagens de pensamento para além das metodologias e epistemologias ocidentais e coloniais, contribuindo para uma compreensão mais ampla e inclusiva no campo do conhecimento.
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Contribuição de autoria
1 – Diana Chao Decock
Doutoranda em Filosofia pela Universidade de São Paulo.
https://orcid.org/0000-0002-5743-0541 • decock.diana@gmail.com
Contribuição: Escrita – Primeira Redação
Como citar este artigo
DECOCK, D. C. A influência de Schopenhauer em Vivekananda e a polêmica do “neo-hinduísmo”. Voluntas: Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria - Florianópolis, v. 15, esp. 1, e88528, p. 01-21, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179378688528. Acesso em: dia mês abreviado. ano.
[1] Todas as traduções deste artigo são nossas.
[2] Segundo Hacker, o próprio Paul Deussen, considerado por ele, um dos maiores especialistas do pensamento de Śaṅkara e do Vedānta, reconhece em Allgemeine Geschichte der Philosophie que não é possível encontrar no Vedānta o uso ético de tat tvam asi (Hacker, 1995, p. 278).
[3] Vivekananda escreve um artigo, em 1896, denominado On Dr. Paul Deussen e demonstra uma grande admiração e gratidão aos estudos de Deussen e de Max Müller. Vivekananda destaca a "liberdade" de pensamento de Deussen em trazer uma nova perspectiva para a tradição indiana.
[4] Segundo Sevier: ”Depois de algumas perguntas sobre as viagens e planos de Swamiji, eu notei o professor direcionando seus olhos para alguns volumes abertos em sua mesa...ele logo começou a conversar sobre os livros...Ele considera o sistema Vedānta, fundado pelos Upaniṣads e Sutras Vedāntas, com os comentários de Shankaracharya, uma das estruturas mais majestosas e produtos mais valiosos do gênio humano em busca da verdade, e que a moralidade mais pura e elevada é consequência imediata do Vedānta. Ele cita uma palestra que ele apresentou perante a filial de Bombay da Royal Asiatic Society em 25 de fevereiro 1893, na qual concluiu dizendo “Então o Vedānta, em sua forma não falseada, é o maior suporte da moralidade pura, é a grande consolação para o sofrimento da vida e morte. Indianos, atenham-se a isso” (Sevier. IN. Hacker, p.295).
[5] O tom depreciativo em relação ao pensamento de Vivekananda é, de certa forma, atenuado no artigo Vivekananda's Religious Nationalism. Neste artigo, Hacker considera e até elogia algumas das realizações do líder espiritual indiano. No entanto, ele faz questão de destacar que Vivekananda transformou o Advaita Vedanta, que é essencialmente uma doutrina abstrata e metafísica, em uma filosofia de aplicação prática.
[6] O principal propagador das ideias de Hacker é Halbfass. Inclusive, ele é o responsável por organizar a obra Philology and Confrontation: Paul Hacker on traditional and Modern Vedānta, reunindo e disponibilizando para língua inglesa os principais textos do indólogo alemão.
[7] J. Bagchee and V. P. Adluri, em The passion of Paul Hacker: Indology, orientalism, and evangelism, compartilham da mesma visão que Malhotra. Segundo eles, tais textos denunciam o engajamento de Hacker com o cristianismo e com a cultura europeia
[8] Segundo Malhotra, Rambachan é um dos indólogos mais importantes da atualidade. Influenciado por Hacker, ele toma Vivekananda como o arquiteto de um “neo-hinduísmo” que foi produzido, manufaturado, por influências ocidentais. Em sua obra Limits of Scriptures: Vivekananda’s Reinterpretation of the Vedas, Rambachan demonstra que existe uma quebra entre a tradição Vedānta de Śaṅkara e de Vivekananda e que esses pensadores se contradizem de tal forma que são irreconciliáveis.
[9] Segundo Ayon Maharaj, é provável que Vivekananda tenha estudado Schopenhauer no Colégio que frequentou, em Calcutá, de 1881 a 1884.