Universidade Federal de Santa Maria
Voluntas, Florianópolis - Santa Maria, v. 15, n. 1, e85486, 2024
Submissão: 21/10/2023 • Aprovação: 26/06/2024 • Publicação: 14/08/2024
2 A NECESSIDADE DO CORRELATO REAL PARA O MERAMENTE IDEAL
3 A CONSOLIDAÇÃO DA CORRELAÇÃO
Estudos Schopenhaurianos
Notas sobre o uso técnico de Darstellung por Schopenhauer
Notes on the technical use of Darstellung by Schopenhauer
I Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil
RESUMO
Pretende-se com este artigo demonstrar que a Darstellung, em seu uso técnico, concerne, sobretudo, às objetidades da Vontade, mas também à sua autonegação. No contexto da “metafísica da vontade”, torna-se fundamental ao vocabulário schopenhaueriano estabelecer um correlato necessário da Vorstellung, especialmente quando se consolida a demonstração da complementaridade de Real e Ideal. Em síntese, a Darstellung consiste no termo pelo qual se aponta para a livre apresentação da coisa em si, conteúdo real daquilo que nos aparece determinado pelo intelecto.
Palavras-chave: Darstellung; Vorstellung; Vontade; Objetidade; Corpo próprio
ABSTRACT
The paper aims to demonstrate that Darstellung has a technical use concerning, most of all, the objectities of the Will, including the self-denial of the Will. It becomes fundamental for Schopenhauerian vocabulary to establish a necessary correlate for Vorstellung in the context of the ‘metaphysics of will’, especially once consolidating the demonstration of the complementarity of Real and Ideal. Shortly, Darstellung consists of the word by which is indicated the free presentation of the thing-in-itself, the real content of what appears to us as determined by the intellect.
Keywords: Darstellung; Vorstellung; Will; Objectity; One’s own body
Nas diferentes línguas em que são traduzidas as obras de Schopenhauer, o mais usual é que a palavra Darstellung seja tomada em seu sentido corrente e não filosófico, a saber, no mais das vezes, como “exposição”, evitando-se, por motivos óbvios, “representação”, mais uma entre as traduções possíveis em português. Desse modo, mesmo quando traduzida por “apresentação”, como por vezes ocorre, a palavra é empregada como simples sinônimo de “exposição”, ou seja, sem que propriamente se atente para sua peculiaridade em muitíssimas ocasiões. O próprio Schopenhauer se utiliza do termo nessa acepção, com imensa frequência, como quando se refere à “exposição” de um tema ou teoria ou exemplo, o que, certamente, como que oculta algo decisivo que, a propósito, não escapava a seus contemporâneos. Ocorrem também usos quase ambíguos, como quando se trata de uma “apresentação” artística. No presente trabalho, pretende-se mostrar que a Darstellung deve ser, em passagens cruciais, tomada em sentido técnico, pertinente à terminologia filosófica da doutrina schopenhaueriana e, portanto, elucidativa de alguns pontos obscuros no pensamento do autor: a saber, como correlato da Vorstellung.
O problema de se tomar a Vorstellung como correspondente à repræsentatio é a suposição implícita de que os objetos consistiriam em uma instância ontologicamente secundária, ou seja, existências que supõem uma presença mais originária, relacionando-se com ela como sua re-presentificação. Em princípio, a relação entre o representado e o representante na (relação posta pela) representação ou no representar seria antes epistêmica do que ontológica, pois não se trata de diferentes modos de ser (como representação e como vontade), mas diferentes modos de apreensão do mesmo (objetivamente e subjetivamente, como algo externo e como algo interno) – afinal, trata-se sempre aí do mundo do conhecimento. Tal relação não é a mesma proposta por um dualismo epistemológico ao modo kantiano que, como é sabido, Schopenhauer rejeita veementemente ao negar o híbrido “objeto da representação” (W I, p. 517ss)[1]. De fato, muitos veem Schopenhauer como defensor de um dualismo em que se tem, de um lado, o conhecer, e, de outro, o querer, o que é, por sua vez, diferente de um dualismo que distinga entre o conhecido pelo entendimento e o objeto desse conhecimento (a coisa mesma) dado à intuição. Longe de se pretender contribuir para essas leituras dualísticas, pois não é o caso, a proposta consiste em trazer à tona as evidências de que, a partir de O mundo como vontade e representação, Darstellung assume um consistente significado técnico, fundamental ao vocabulário schopenhaueriano no contexto da metafísica da vontade, à margem de seu emprego não filosófico.
Nesse sentido, mostra-se notabilíssimo que Darstellung não conste como verbete em nenhum léxico consultado, desde o enxutíssimo organizado por Roger até o tão detalhado quanto antigo produzido por Frauenstädt, tampouco nos mais acadêmicos publicados, individualmente, por Cartwright, ou, coletivamente, por Schubbe e Lemanski. Tal fato permite antever o caráter inovador daquilo que se pretende com as presentes “Notas”.
2 A NECESSIDADE DO CORRELATO REAL PARA O MERAMENTE IDEAL
É necessário salientar que o problema em questão não reside em se traduzir Darstellung como “apresentação” ou “exposição”, mas em como a compreendemos, pois, na medida em que se tome a Darstellung como correlato necessário da Vorstellung, cabe exprimi-lo em palavras: A-presentação e Re-presentação, Ex-posição e Ante-posição, ou seja, a livre abertura da coisa em si, de um lado, e, de outro, sua determinação a priori no conhecimento como algo diante de um sujeito, um ob-jeto.
Similarmente ao que ocorre com a tradução de Vorstellung por “re(-)presentação”, temos na tradução de Erscheinung um problema que persiste, seja na tradução majoritária por “fenômeno”, seja na mais apropriada, “aparição/aparência”. Aparição supõe o que aparece, algo em si mesmo distinto da aparência como tal, similarmente ao que se pretendia dizer com o “objeto transcendental” kantiano – transcendental, precisamente, como algo que tem de ser pressuposto. Mas o que aparece na aparição não é um objeto, diferente do que sugeria Kant com seu caráter inteligível. Não é o “objeto da representação”[2] que é pressuposto no objeto representado, mas o sujeito e suas formas de conhecimento. Para Schopenhauer, o que “aparece” na aparição é, por assim dizer e com as devidas ressalvas, o incondicionado ato positivo da Vontade, que somente se torna objeto quando submetido às formas do conhecimento, puro ou empírico. Para ilustrar essa diferença que produz tamanha confusão: um ato positivo da vontade que “aparece” como movimento corporal ou mudança material no tempo e no espaço é uma aparição condicionada por um fundamento, uma causa em geral – eis o âmbito do conhecimento, cujo objeto pressupõe o sujeito –; essa modificação no corpo, por sua vez, dá a ver algo que não se reduz ao fundamento e não está sob sua jurisdição, pois tal fundamento é causa de mudança segundo características intrínsecas àquilo que sofre a mudança, que reage à circunstância, e esse é o elemento incondicionado que nessa ocasião se apresenta, se ex-põe ante um sujeito – eis o âmbito do querer como em-si.
Por aí se vê que o verbo “aparecer”, mesmo entre aspas, sugere uma equivocidade. Se o que aparece não se mostra como tal, mas apenas já submetido às formas do conhecimento, que lhe servem como um “filtro”, con-formando-o, ele não pode ter o caráter de “objeto”, apenas o de “vir-a-ser-objeto”, uma disposição essencial, uma potentia, enquanto elemento concorrente da aparição: esse quê é chamado objetidade. A objetidade é, portanto, diferente do objeto empírico (ou mesmo dos objetos da intuição pura a priori), imediata, ou seja, não mediada pelo entendimento como “algo posto aí fora”. Aquilo que não é mediado pelo entendimento, que não envolve causalidade, nem espacialidade, nem quantidade, não é uma aparição (Erscheinung) propriamente dita (objetiva apenas por ser condicionada subjetivamente a priori), mesmo quando ainda se trata de uma “representação”, como a Ideia, que difere daquela aparição na medida em que é objetiva por não ser subjetivamente condicionada, mas determinada como “objetidade adequada” da coisa em si. Se representação e objeto são termos intercambiáveis – o que, em alemão, faz perfeito sentido –, o mesmo não vale, portanto, para dizer que todo objeto seja “aparição” em sentido próprio, surgindo a objetidade no lugar da Erscheinung.
Ocorre que, aparentemente, Schopenhauer precisava dar conta mais profundamente do que se revela na experiência em geral, estabelecendo, assim, a conexão entre o conhecer e o querer, ou melhor, sua complementaridade. Se a coisa em si é o complemento da aparência quanto ao modo de ser, qual será o complemento do representar quanto ao modo de conhecer? Dito de outro modo: tanto a objetidade adequada (a Ideia) quanto a aparição pertencem ambas à esfera do conhecimento possível e, portanto, nenhuma delas pode dar conta da esfera do querer em geral, irredutível à faculdade de representação. É muito compreensível que o problema não se colocasse a Schopenhauer na época da dissertação de 1813, de maneira que, pretendendo atribuir uma função específica do princípio de fundamento para cada classe de objetos cognoscíveis (§ 16), timidamente teve de encontrar um precário lugar para a “Ideia platônica” em meio aos objetos regidos pelo princípio de fundamento do ser (§ 40) – tal lacuna permaneceu sem qualquer solução na edição de 1847 (§ 39).
Nem tudo o que se experimenta, ademais, é passível de fundamentação, restando um lugar para o mistério, mas esse mistério nos fala acerca do quê. O fato de a Ideia (platônica) escapar à jurisdição do princípio de fundamento não basta para que ela permaneça fora do âmbito dos objetos cognoscíveis e que, como um deles, seu ser-representado, portanto, não requeira algo de que “se siga”, ainda que não por necessidade natural, lógica, matemática ou moral. Há diferentes modos de conhecer, de representar, de ter algo diante de si, não apenas coisas sensíveis no espaço... Nem todo conhecer, portanto, tem conteúdo material (Stoff), mas todo conhecimento propriamente dito tem um conteúdo (Inhalt) que lhe confere realidade, não apenas a da Wirklichkeit empírica, mas também a da Realität essencial. Exemplo disso é o caso da unidade de puro sujeito e puro objeto na apreensão da Ideia, denominada “objetidade”, que contrasta com as relações de conhecimento mediatizado, em que se tem o objeto anteposto ao sujeito como objeto particular no espaço segundo determinações a priori. A peculiaridade do Ideal seria algo como a de “seguir-se livremente” como aquilo mesmo que a Vontade quer efetivar, querer ao mesmo tempo hipotético, pois depende de condições específicas para se efetivar, e predeterminado, pois não pode deixar de se efetivar uma vez que se reúnam tais condições, seja uma circunstância externa, seja a atividade intelectual do gênio, seja o encontro de ambas. Recolocando, então, em outros termos, a questão: Como responder pelo quê para além do ato de representar? Como o quê é posto para nós se não pelo mero representar, mas a partir da vontade mesma? Uma vez que todo condicionamento pode ser tomado como algo “negativo”, “passivo”, já que determinado por algo extrínseco, uma causa em geral, e, portanto, dependente enquanto mero efeito (E, p. 19 [Deussen: III, 489]; trad. br.: 2021a, p. 42; 2021b, p. 70), como encontrar a positividade daquilo que em cada aparência é descoberto como vontade afirmada, ativa, que, ao reagir, revela algo de seu ser?
Uma ilustração que considero corroborante da necessidade de se superar o âmbito das representações para dar-lhes sentido positivo é encontrável no caso do corpo próprio, comparando-se o modo como ele é compreendido na dissertação de 1813 e como ele vem a ser tratado na obra capital. Na dissertação, o corpo próprio é exposto como objeto imediato e seu caráter é tematizado no § 21, ocupando a posição mediadora entre o sujeito do conhecimento e os objetos conhecidos mediatamente. Essa tese pretendia, ao que parece, preencher uma lacuna decorrente do fato de a causalidade somente se aplicar a relações entre objetos, ou seja, a afecção do sujeito por objetos não poderia ser explicada senão pela consciência imediata de que um objeto externo atua sobre o corpo, algo também “material”, não sobre o sujeito. Seria ainda (ou já) um modo de contornar o problema kantiano da afecção, ou seja, a resposta inicial de Schopenhauer à antiga polêmica contra Kant concernente à relação entre a coisa em si e os objetos da sensibilidade. Alguns fatores inerentes ao próprio desenvolvimento da metafísica schopenhaueriana levariam à revisão desse pensamento. Em primeiro lugar, a formulação da metafísica da vontade, que a coloca como completamente distinta da representação e, portanto, irredutível ao mundo como representação. Em segundo lugar, o aprofundamento da doutrina da causalidade, que implica substanciais mudanças e longos acréscimos ao capítulo IV da dissertação, “empurrando” para adiante o tema do objeto imediato, expressão recusada no § 22 da edição de 1847, e, de resto, expurgada, levando consigo tanto o uso de “sentido interno” quanto teses importantes relativas aos temas da fantasia, dos sonhos etc. Por fim, a formulação da doutrina da diferença entre o Real e o Ideal, desenvolvida após a publicação da primeira edição da obra capital, a que se alude no escrito sobre a liberdade da vontade após tímida aparição na primeira edição de Sobre a vontade na natureza.
A atenta consideração da radical mudança terminológica que termina por abolir a designação “objeto imediato” revela o caráter equívoco ou mesmo evasivo dessa expressão na obra capital em sua primeira edição, particularmente no § 18. Embora a radicalidade possa passar despercebida na medida em que o objeto imediato é mantido com status inalterado no § 4 (W I, p. 13), uma vez reconhecida, chama a atenção a cautela com que a terminologia é empregada logo a seguir em O mundo como vontade e representação. Por exemplo, no § 6 já podemos ler “que o corpo é conhecido imediatamente, é objeto imediato. Todavia, aqui não se deve tomar o conceito de objeto no sentido estrito do termo, pois [...] é mera sensação dos sentidos” (W I, p. 23) – nisso diferindo da Ideia –, de maneira que, nessas condições, sem mediação do entendimento, não se encontra posto no espaço. Ora, para Schopenhauer, como para Kant, tampouco “mera sensação dos sentidos” constitui conhecimento. Uma vez que o corpo próprio, como tal, não se encontra jamais anteposto ao sujeito como sua representação, sequer pode ser dito propriamente uma representação – que “objeto” seria esse que não é objeto de conhecimento, que não é “representação”?... Daí se segue o exemplo do cego, desenvolvido na segunda edição, concluindo-se o trecho com a ressalva: “É com essa restrição, portanto, que se deve entendê-lo quando o denominamos [o corpo] objeto imediato” – o acréscimo da segunda edição diz: “apenas na representação [Vorstellung], isto é, no cérebro, também o próprio corpo apresenta-se primordialmente [stellt auch der eigene Leib allererst sich dar] como algo extenso, [...] orgânico” (W I, p. 24; tradução minha), ou seja, quando ele é percebido por um dos cinco sentidos. Note-se que o que se apresenta ainda não é representação e que, decididamente, passamos a ter o corpo próprio, enquanto organismo, determinado como objetidade da vontade, como pura e incansável atividade da vontade, não como aparência, objeto do entendimento. O grande significado dessa mudança logo deverá tornar-se evidente, mas já aqui temos o “apresentar-se primordialmente” como condição da intuição empírica sem confundir-se com ela, nem com a intuição, nem com a condição material dessa intuição, pois estas se encontram em geral “apenas... no cérebro”. A atividade da vontade é “condição” em seu modo de ser.
Já no contexto da metafísica da vontade, § 18, o assim chamado “objeto imediato” faz sua última aparição, não sendo a expressão retomada nas edições posteriores, estando, portanto, completamente ausente no segundo volume da obra capital. Desta vez, feita a linha de corte entre o mundo como representação e o mundo como vontade, Schopenhauer afirma que a expressão foi até então utilizada “conforme o ponto de vista unilateral [einseitig Standpunkt] (da representação) ali [no livro I] intencionalmente adotado, [mas] aqui [no livro II], de outro ponto de vista, [o corpo próprio] é denominado objetidade da vontade” (W I, p. 120). Aliás, são muito instrutivas as anotações de Schopenhauer acrescentadas nesse contexto ao seu exemplar da primeira edição, no sentido de testemunharem o processo de refinamento da relação entre o ato de vontade e o movimento corpóreo (W 1, Z. 5 e 14, p. 83-85).
Até 1820, conforme atestam as revisões feitas para as preleções, Schopenhauer já oscilava entre “objetidade” e “objetivação”, até que a segunda palavra ganha um sentido especial e exclusivo para designar os graus em que a coisa em si se autodetermina. Isso é fácil de compreender, pois a objetivação é uma efetividade, algo manifesto na Natureza, diferente da objetidade, que carrega a noção de “caráter-de-ser-objeto”, um potencial, algo de atemporal: o corpo próprio é o modo de a coisa em si apresentar-se em geral como organismo. Do mesmo modo, a diferença entre “aparecer como representação” e “apresentar-se” já era visível, e isso se torna mais claro mediante as revisões para a segunda edição da obra capital. Nesse ínterim, a Darstellung, em seu uso técnico, concerne, sobretudo, às objetidades da Vontade, mas também à sua autonegação, muito embora, na primeira edição, o termo apareça predominantemente em sua função verbal. Um bom exemplo disso é a abertura do § 26: “As forças mais universais da natureza apresentam-se [stellen sich... dar] como o mais baixo grau de objetivação da vontade; em parte, elas se manifestam [erscheinen] sem exceção em toda matéria, como gravidade, impenetrabilidade e, em parte, elas se repartem [...] na matéria existente em geral, de modo que umas dominam esta matéria, outras [aquela,] justamente por isso especificamente diferente [...]” (W I, p. 154; tradução de Eduardo Brandão modificada, p. 33). Aqui se deve atentar para o fato que a “força que se apresenta” é uma objetidade, ou seja, um potencial para aparecer (erscheinen), em geral, mas apenas aparece de fato como objeto em circunstâncias próprias a que estejam submetidos os corpos já objetivados no nível mais baixo da escala dos entes.
Outros exemplos do uso verbal podem ser encontrados nas páginas 175 (aqui, ao lado da forma substantiva), 176, 199, 260, 265, 311, 339-341, 350, isso para não sermos exaustivos e nos atermos apenas ao texto de 1818. Aproveito a ocasião para justificar que me furte à inconveniente e enfadonha tarefa de citar cada uma das ocorrências tão distribuídas por toda a obra, restringindo-me a indicar sua leitura e destacar o que se verifica de mais notável. Feito esse parêntese, na página 324 (§ 54), há um significativo uso substantivo de Darstellung ao se dizer que o mundo aparente, como objetidade da Vontade, é a apresentação, para a representação, do querer a vida. Isso também ocorre de modo ainda mais enfático na página 385 (§ 60), onde se lê que o querer individual é um “modo de apresentação (Darstellungsweise) da mesma coisa em si cuja aparição o corpo também já é” (tradução minha) – vê-se, claramente, aqui, o corpo como Vorstellung. Em síntese, a Darstellung consiste no modo pelo qual se aponta para a livre apresentação da coisa em si por si mesma, reagindo segundo seu caráter dado àquilo que se lhe oferece em circunstâncias concretas, sem o que não nos seria possível representar suas aparências sempre antepostas (vorgestellt) ao sujeito do conhecimento, pelo contrário, como ligadas entre si por relações necessárias entre corpos individuais. Dito de outro modo, à Darstellung devem ser remetidos os conteúdos reais das relações intelectualmente determinadas segundo o princípio de fundamento, sendo essas últimas o conteúdo ideal (i.e. representacional).
Ainda no que diz respeito ao corpo próprio, tomado aqui como ponto de partida, torna-se crucial a tese de que o organismo consiste na visibilidade da Vontade, ou seja, o ser-intuível, o ser-objeto-possível para o conhecimento, no qual, mediante a operação do entendimento, faz-se intuído como objeto dado no espaço, representado como corpo material submetido às relações necessárias impostas segundo o princípio de fundamento do devir. Nesse sentido, chama a atenção uma reformulação que, à luz do que vem de ser dito, torna-se muito significativa. No § 28, ao abordar o tema da finalidade interna, originalmente Schopenhauer dizia que o organismo era para ser visto, considerado (anzusehen) como a meta (Zweck) da ordenação de suas partes, mas, na segunda edição, exprime-se dizendo que essa meta da ordenação assim se apresenta (W I, p. 184), como organismo. Ou seja, o organismo é a apresentação da unidade característica dos fins que, aparecendo para nós, é representada como um todo cujas partes encontram-se inexoravelmente relacionadas segundo as leis da natureza. Também na segunda edição, § 27, após a afirmação de que o conhecimento é representado (repräsentirt) pelo cérebro “precisamente como qualquer outro esforço ou determinação [Bestimmung] da vontade que se objetiva é representado por um órgão”, é acrescentada a seguinte elucidação: “quer dizer, apresenta-se para a representação como um órgão” (W I, p. 179; tradução minha) – für die Vorstellung sich als ein Organ darstellt: aqui, a correlação é patente, não podendo ser tomada como mero “modo de dizer”, e provém inalteradamente do Zusatz 1 ao exemplar pessoal do autor (W 1, p. 117). Todo empenho da Vontade, uma vez corporificado no mundo, apresenta-se como objeto na representação por um sujeito do conhecimento. Nesse acréscimo se pode reconhecer com extrema clareza a distinção entre representação, como função subjetiva, e a objetivação, como autoapresentação da Vontade, isto é, a diferença no nível terminológico entre o ponto de vista puramente objetivo e o subjetivo, bem como entre o ponto de vista do conhecimento e o do ser em si. A primeira edição já trazia a expressão Darstellung des Willens na abertura do § 62 para se referir aos atos da Vontade no tempo, sendo o corpo, na segunda edição, não apenas, como antes, sua mera “expressão”, mas aquilo que a apresenta no espaço. Logo a seguir, não mais é dito, como na primeira edição, que a negação da vontade “aparece”, mas que “já se apresenta como” uma contradição da Vontade contra sua aparência (W I, p. 393-394). Se a representação espacial é mera aparência, também é significativa a mesma substituição, na segunda edição, do verbo erscheinen por sich darstellen no primeiro parágrafo do § 43 (W I, p. 252), quando se trata de dizer qual a relação da Ideia com a matéria enquanto qualidade que esta tem de tornar apreensível, mas o original já abria com a seguinte declaração: “A matéria, como tal, não pode ser a apresentação de uma Ideia” (p. 251; tradução minha). Isso deixa ainda mais claro que, mesmo na primeira edição, Darstellung só se aplicava propriamente às objetidades e, naquilo que corpo e órgãos expõem, trata-se do característico essencial, não do fenomenal – e mais: apresentação é apresentação da Vontade, não de uma representação, ainda que tal representação seja (de) sua “objetidade adequada”, pois, enquanto representação, já pertence ao conhecimento genial como objeto puro perante um sujeito puro.
Não me é, todavia, permissível deixar de levar em consideração um possível contraexemplo, encontrável no § 55 (W I, p. 341). Ali, Schopenhauer exprime-se de maneira a cometer uma aparente inversão entre aparecer e apresentar-se, pois seria o caráter inteligível a aparecer no indivíduo, ao passo que o caráter empírico seria a aparência mesma tal como se apresenta de maneira espaço-temporal. Uma hipótese a ser levantada é a de que, a exemplo de “objetidade” e “objetivação”, a fina e sutil (ainda que de altíssima relevância) distinção entre esses verbos não era ainda tão determinada, embora entre darstellen e vorstellen já parecesse sê-lo. Assim como ainda é possível encontrar alguns trechos em que a equivocidade de “objetidade” e “objetivação” não foi eliminada, parece termos aqui um exemplo de falha semelhante. Para que isso não soe como uma solução ad hoc, há para corroborá-la a seguinte evidência de que, nas reiteradas revisões, não foi dada tanta atenção ao trecho em questão. Nele podemos encontrar, na sentença seguinte, um resíduo da versão original em que Schopenhauer se refere à sua dissertação como einleitenden Abhandlung, designação em toda parte substituída na terceira edição, quando não mais é chamada de “introdutória” – a propósito, de fato deixa de sê-lo, pois, de início, Schopenhauer remetia ao expurgado § 46 em que se tratava do caráter inteligível e do empírico. Em reforço a isso, na dissertação de 1813 chegava mesmo a ser dito que o que aparece seria a aparência do que Kant chamava “caráter inteligível”, o que Schopenhauer já considerava “ininteligível”: “todos os atos que ocorrem no tempo são apenas o surgir, a aparência [de um ato universal e atemporal] que Kant denominou como caráter inteligível (que talvez fosse mais corretamente chamado de ininteligível)” (alle in der Zeit vorkommenden Akte nur das Heraustreten, die Erscheinung sind. Kant hat dieses den intelligiblen Karakter genannt (vielleicht hieße es richtiger der inintelligible)), já que nada podemos pensar de atemporal (Diss, p. 119 [Deussen: III, 80]; tradução minha). Uma revisão deveria dizer que o caráter empírico é a aparência daquilo que o caráter inteligível apresenta de si mesmo em tempo e lugar dados.
Por aí se pode reconhecer o quão crucial é a determinação adequada da diferença entre objetidade e objetivação, pois é nesta que se efetiva a disposição atemporal, presentifica propriamente o caráter da coisa individual e assim permite que se apresente para nós o que, fora isso, não poderia ser representado, exceto pelo gênio, capaz que é, segundo Schopenhauer, de vislumbrar e mesmo re(a)presentar de forma artística o Ideal, objetidade ainda não efetivada.
Em uma de suas notas ao texto de Schopenhauer, relativamente ao capítulo 30 do segundo volume do MVR, Eduardo Fonseca aborda o emprego do verbo darstellen e sua correlação com o verbo vorstellen, dizendo que o primeiro geralmente não abrange “o sentido de representação interna, de imagem mental, de produto da intuição intelectual” (Fonseca, 2014, II, p. 398-399, n. 17), pois o trecho que recebe a nota refere-se, precisamente, ao caráter puramente objetivo do que é apresentado (W II, p. 425). Se vorstellen é o ato cognitivo pelo qual o entendimento coloca perante si mesmo uma aparência (objeto particular sensível), darstellen é o ato da Vontade pelo qual ela mesma coloca perante outro, o sujeito cognoscente, uma Ideia (objeto universal inteligível), bem como beleza, caráter, organismo, força, natureza, autonegação do caráter.
3 A CONSOLIDAÇÃO DA CORRELAÇÃO
Se, na publicação de 1844, as formulações constantes na obra magna já em sua versão original são reforçadas e alinhadas, é de se esperar que o segundo volume traga os trechos mais decisivos para a nossa consideração. No capítulo 29, por exemplo, é dito que a apreensão da Ideia consiste no conhecimento “der vollständige Ausdruck des sich der Anschauung als Objekt darstellenden Wesens” (W II, p. 414), ou seja, da expressão completa da essência que se apresenta como objeto da intuição (ou sua visibilidade), cuja referida apreensão sensível não é senão parcial, ou melhor, unilateral, subjetivamente (do ponto de vista das formas do conhecimento) ou objetivamente (do ponto de vista de sua efetividade empírico-material). Desse modo, a Darstellung significa o livre ato originário e atemporal pelo qual a Vontade faz-se objeto possível de uma apreensão por um sujeito, afirmando-se no mundo como algo passível de estar presente/perante (gegenwartigen) a um sujeito, um sujeito cognoscente que, como tal, possa tê-lo posto diante de si, como subjacente a ele. Logo, por esse ato, a Vontade se torna uma espécie de condição transcendental para todo e qualquer conhecimento, seja de objetos particulares efetivos do mundo empírico-sensorial, seja de objetos universais e ainda mais reais, as Ideias, que não consistem em representações condicionadas pela forma do espaço nem, portanto, pela causalidade. As Ideias são as representações de que é capaz o gênio ao apreender a essência tal como se lhe apresenta por si mesma, embora já não em si mesma, apenas como Ideia. Dito de outro modo, a Vorstellung diz respeito ao conhecimento determinado subjetiva e objetivamente e a Darstellung consiste em sua possibilidade transcendental mais imediata, incondicionada, já que consiste no fazer-se visível, intuível (anschaubar) da “coisa” que, em si mesma, permanece alheia à possibilidade de experiência:
Entendo por objetivação o Apresentar-se no mundo corpóreo real [das Sichdarstellen in der realen Körperwelt]. Entretanto, esse mesmo mundo [...] é inteiramente condicionado pelo sujeito cognoscente, logo, pelo intelecto, de maneira que é absolutamente impensável como tal [grifo meu] à parte esse seu conhecimento: pois ele é, antes de tudo, apenas Representação intuitiva e, como tal [grifo meu], fenômeno cerebral [Gehirnphänomen]. A partir de sua superação [Aufhebung], restaria a coisa em si. (W II, 20, p. 277; tradução minha)
Vale destacar que, no contexto do segundo volume, o Real diz respeito à Vontade, inapreensível como tal, não ao que é empiricamente efetivo no espaço-tempo (o Ideal), tratando-se aqui, portanto, de “mundo corpóreo” como objetidade da Vontade.
Destacamos, a seguir, mais algumas dessas passagens decisivas encontráveis no segundo volume: “[...] o que na autoconsciência, logo, subjetivamente, a vontade é, na consciência de outras coisas, logo, objetivamente, apresenta-se como o organismo como um todo.” (W II, p. 277; grifo do autor, tradução minha). Assim, o organismo “é a Vontade mesma que se apresenta como corpo” (als Leib sich darstellende Wille selbst ist) (W II, 41, p. 533; tradução minha), Vontade que, antes mesmo dessa corporificação, em seu ímpeto para a existência, já é “o que se apresenta na aparência” (was sich in der Erscheinung darstellt) como amor apaixonado (W II, 44, p. 629; tradução minha), tendo em vista corrigir os indivíduos e desse modo reconduzir a nova geração “à pura apresentação do tipo” da espécie (zur reinen Darstellung des Typus [der Gattung]) (W II, 44, p. 623; tradução minha). Em última análise, o que se apresenta como Natureza em geral é a essência íntima indestrutível (innern Wesen, welches als die Natur sich darstellt) (W II, 41, p. 546).
Em meio a um longo acréscimo da terceira edição, escreve Schopenhuaer: “Minha doutrina diz que todo o corpo [Leib] é a vontade mesma, que se apresenta na intuição do cérebro, entrando, por conseguinte, em suas formas de conhecimento”, tornando-se aparência (W II, 20, 283; tradução minha). Temos ainda: “[...] sob essas condições, ela [a Vontade] logo se apresenta como corpo [Körper], isto é, como matéria [Materie] coberta de forma e qualidade” (W II, 24, p. 351; tradução minha); “Pois só apreendemos o mundo de maneira puramente objetiva quando não mais sabemos que pertencemos a ele; e todas as coisas apresentam-se tanto mais belas quanto mais estamos conscientes meramente delas e tanto menos de nós mesmos.” (W II, 30, p. 418-419). Outras páginas a destacar: 221, 497, 510, 582, 649, além do trecho mais significativo que, iniciando na página 719, com acréscimos publicados na terceira edição, trata Adão como apresentação simbólica da afirmação da vontade e, Jesus, como seu contraditório, questão por si só digna de um trabalho à parte.
Diante disso, temos que a Darstlellung não consiste em um conhecimento de objetos, mas naquilo mesmo que ativa a produção de representações pelo entendimento. Se, de um lado, a Vontade é o correlato da Representação em um nível ontológico, o correlato da Representação, no nível epistêmico, é a Apresentação, objetidade imediata da Vontade. A lacuna assim preenchida daria conta de que a Darstellung consiste em um complemento epistêmico que não é ele mesmo dependente do conhecer, mas sua condição transcendental puramente objetiva, não subjetiva, como é o caso das formas do conhecimento, devendo ser considerada como independente até mesmo da inteligência genial. Trata-se do elemento propriamente atemporal e universal daquilo que é e só pode ser apreendido já segundo alguma determinidade quando se objetiva nas Forças, nas Ideias, nos Caráteres.
Nesse sentido, a presente exposição responde indiretamente ao que é dito no Vocabulário de Schopenhauer, de Roger (p. 33-34), que contesta, no verbete “Ideia”: “A teoria schopenhaueriana das Ideias é duplamente problemática. Pode-se em primeiro lugar questionar a faculdade cognitiva capaz de apreender as Ideias, já que não se trata nem do entendimento nem da razão.”. Quanto a isso, que, a propósito, não concerne ao nosso presente tema, a resposta é a faculdade de fantasia, relativa à força judicativa, que, a partir do particular, extrapola para o universal. Mas ele prossegue, citando Ribot: “Como explicar, então, que ela [a Vontade, estranha à pluralidade] se pluralize em objetidades imediatas [...]?”. A resposta seria que toda apresentação da Vontade em suas objetidades já depende da “tradução” de suas respectivas determinidades pela faculdade representacional, ou seja, sua possível adequação ao princípio do fundamento sem o qual nossa experiência não é possível e nada é distintamente representável, pois nada há de distinto no entendimento ao qual não se deva atribuir um fundamento suficiente. A isso já se pode antecipar a seguinte objeção: “Mas a Ideia não é objeto do entendimento”. Em resposta, eu diria: De fato, não a Ideia; e quanto à possibilidade de sua inteligibilidade por nós? Toda a nossa representação envolve ordem, e ordem não pertence ao querer, apenas ao conhecer, de maneira que nosso intelecto, por sua própria constituição, vê-se obrigado a distribuir ao longo de uma série o que, em si mesmo, é inteiro, sem começo nem fim – nisso consiste o caráter apriorístico do princípio de fundamento. No que diz respeito às Ideias, nossa faculdade de fantasia depende daquilo que se lhe apresenta do ser em si no mundo das aparências. Uma vez representada a Ideia, ela logo passa a ser pensada como multiplicidade de Ideias sucessivas. Conforme dito acima, Schopenhauer jamais avançou no esclarecimento do lugar desse objeto extraordinário em meio às aplicações do princípio de fundamento – resta sugerir que, talvez, não a Ideia, mas sua compreensibilidade pelo entendimento só poderia mesmo ocorrer à luz do princípio de fundamento do ser: contudo, no contexto da Aritmética, não no da Geometria.
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Contribuição de autoria
1 – Dax Moraes
Doutor em Filosofia e professor adjunto no departamento de filosofia da UFRN
http://orcid.org/0000-0002-7634-3611 • dax.moraes@ufrn.br
Contribuição: Escrita e primeira redação
Como citar este artigo
Moraes, Dax. Notas sobre o uso técnico de Darstellung por Schopenhauer. Voluntas Revista Internacional de Filosofia, Florianópolis- Santa Maria, v. 15, n. 1, e85486, 2024. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179378685486. Acesso em: dia mês abreviado. ano.
[1] A paginação é referida conforme a edição Deussen, adotada na edição Im Kontext, bem como na tradução de O mundo como vontade e representação pela editora Unesp. As traduções são de Jair Barboza, exceto quando indicado.
[2] Na terminologia de Schopenhauer, isso soa tautologicamente como “o objeto do objeto” ou “objeto objetivo”, no sentido de estar isento das determinações subjetivas da faculdade de conhecimento, como queria Kant. Tal coisa não seria de modo algum objeto, nisso consistindo a diferença radical entre conhecer e querer. Não obstante, Schopenhauer usa expressões que poderiam ser traduzidas como “objeto objetivo” (objektiv Gegenstand), mas isso em outro sentido: um objeto dos sentidos externos, situado no espaço como algo sensível, material, não algo conhecido apenas a partir de dentro (subjektiv).