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Universidade Federal de Santa Maria

Voluntas, Santa Maria, v. 13, n. 1, e74246, 2023

DOI: 10.5902/2179378674246

ISSN 2179-3786

Submissão: 18/02/2023 Aprovação: 25/05/2023 Publicação: 07/08/2023

 

REFERÊNCIAS. 32

FONTE. 33

 

Tradução

Schopenhauer e o darwinismo, de David Asher

ASHER, D. Schopenhauer and darwinism[1]

Antonio Alves Pereira JuniorIÍcone

Descrição gerada automaticamente

I Universidade Estadual de Londrina, Londrina, PR, Brasil

RESUMO

Antes de qualquer coisa, o leitor do presente artigo encontrará uma grande preocupação de David Asher em transmitir o pensamento filosófico de Schopenhauer para o leitor britânico da época (1871), isso fica claro, pois esse empreendimento por vezes levou o autor a fazer citações ultra extensas de Schopenhauer (das quais ele mesmo traduzia da língua alemã para o inglês). Nessas longas citações/traduções que o autor faz do filósofo, tratei de copiá-las da tradução brasileira de Jair Barboza d’O mundo como vontade e como representação. Sempre especifico essas cópias em notas, por isso, meu trabalho foi de fazer uma tradução parcial: traduzir o próprio Asher e não o texto de Schopenhauer traduzido por ele. Outro ponto muitíssimo importante a ser levado em consideração é que o presente texto foi comprovadamente lido pelo próprio Charles Darwin, tal como devidamente mostro na nota de rodapé número 16.

Palavras-chave: Schopenhauer; Darwinismo; David Asher

Para os leitores que se lembram daquele notável artigo denominado “Iconoclastia na filosofia alemã” publicado pelo jornal The Westminster Review[2] em abril de 1853, do qual se tratava sobre Arthur Schopenhauer, o sábio de Frankfurt, tal como no artigo ele foi denominado, ou para aqueles que puderam ter a chance de terem lido a série de artigos do presente escritor, sobre esse mesmo assunto, publicado no Parthenon (1862), não será necessário mencionar que Schopenhauer foi um dos pensadores mais originais deste século e não menos notável do que um escritor lúcido. O filho de um banqueiro altamente rico e culto e de uma mãe talentosa, ela mesma uma eminente escritora, que, no período inicial de sua vida de casada pôde desfrutar da amizade e dos conselhos do Dr. Jameson[3], um capelão da colônia inglesa em Danzig; sua educação foi desultória e multifacetada, mas, justamente por causa dessas circunstâncias, Schopenhauer adquiriu um caráter liberal e cosmopolita, bem como prático e objetivo. Pode-se dizer que a educação de Arthur Schopenhauer começou antes do seu nascimento, tal como exige Rousseau[4], pois seu pai levou sua jovem esposa para a Inglaterra enquanto ela ainda estava grávida, desejando e esperando que o jovem cidadão do mundo nascesse em solo inglês e assim adquirisse o direito e primogenitura de um britânico. No entanto, a saúde delicada de sua mãe exigiu que retornassem para Danzig, que era naquele tempo uma cidade livre, onde Arthur Schopenhauer nasceu em fevereiro de 1788. Em março de 1793 seus pais se mudaram para Hamburgo, onde residiram por doze anos. Eles faziam constantes viagens e levavam com eles o seu pequeno filho, cuja educação como cidadão do mundo foi um dos objetos nunca perdidos de vista pelo seu pai. Aos nove anos de idade Schopenhauer ficou em Havre com M. Grégoire, um correspondente de seu pai, onde por dois anos compartilhou as aulas privadas do jovem Grégoire, com um menino da mesma idade. Lá ele passou o período mais feliz de sua infância e se tornou o que seu pai mais queria que fosse, um verdadeiro francês. Ele retornou para Hamburgo na primavera de 1803. Seus pais, principalmente com a intenção de afastá-lo de seu amor pela ciência, partiram com ele na grande viagem. Eles fizeram uma estadia de seis meses na Inglaterra e durante uma excursão dos pais ao norte da ilha, o jovem Arthur foi confiado aos cuidados de um clérigo em Wimbledon, onde lançou as bases da sua futura familiaridade com a língua e literatura inglesa, nação com a qual sua mente possuía parentesco. No ano novo de 1805 foi aprendiz de comerciante do Senador Jenisch em Hamburgo, com quem, apesar de sua intensa aversão à vida comercial, ele continuou por algum tempo após a morte de seu pai em 1805. Felizmente ele foi resgatado dessa posição pelo conselho de Fernow, o editor de Dante e amigo íntimo de sua mãe, que lhe mostrou uma carta do seu filho na qual ele demonstrava toda sua discórdia interior e o desespero que estava em relação a si mesmo[5]. Ele foi então enviado para a Gotha Grammar School, e daí para Weimar, e depois para Götting, ingressando, a princípio, como estudante de medicina, mas logo depois, sob a orientação de G. E. Schulze, autor de Aenesidemus, trocou o estudo da medicina para o da filosofia. Em 1811 ele mudou-se para Berlim atraído pela fama de Fichte. Tendo completado suas obrigações na Universidade, Schopenhauer retirou-se para o encantador Vale de Rudolstadt na Turíngia, onde compôs sua tese inaugural, “Sobre a quadrúplice raiz do princípio de razão suficiente”, com objetivo de obter seu diploma doutoral. Logo depois, o jovem doutor desfrutou da vantagem inestimável de ter uma relação com Goethe, cujo julgamento penetrante pôde facilmente discernir o talento intelectual do jovem Schopenhauer*. Entre outros filósofos, sua tese também chamou mais atenção; certamente até mais do que sua grande obra, publicada em novembro de 1818, O mundo como vontade e concepção[6]. Ele chegou a enviar uma cópia inicial desta última obra para seu amigo Goethe, então sua irmã Adele escreveu-lhe (pois ele já havia saído de Dresden para Nápoles, donde muitas provações o seguiram): “Goethe recebeu seu trabalho com grande deleite, imediatamente cortou o volume em metades e começou a lê-lo. Uma hora depois, ele me enviou um papel com uma mensagem lhe dizendo muito obrigado e que acreditava que o livro era bom. Como ele sempre teve a sorte de ler as melhores passagens dos livros, ele havia lido as páginas do corte e ficado muito satisfeito com elas. Ele pretende muito em breve lhe escrever uma opinião mais detalhada; enquanto isso ele me encarrega de lhe dizer tudo isso. Alguns dias depois, Ottilie (filha de Goethe) me contou que seu pai se debruçava sobre o livro, lendo-o com tal zelo que ela nunca havia testemunhado nele antes. Ele disse a ela que agora tinha alegria para o ano inteiro, pois ele leria o livro do começo ao fim, pois pensou que levaria esse espaço de tempo para completar a leitura. Ele então me disse que regozijou muito por você ainda ser tão apegado a ele depois de terem tido algumas divergências sobre a teoria das cores. O que ele particularmente admirou em seu livro foi a sua lucidez de dicção, embora sua linguagem seja diferente da dos outros e é preciso acostumar-se a chamar as coisas pelos nomes que você deu a elas. Mas uma vez tendo adquirido essa habilidade e sabendo que cavalo não é cavalo, mas cavallo[7], e que Deus talvez seja Dio, ou alguma outra coisa diferente, se poderá então, ler a obra com bastante facilidade. Ele também gostou muito de todo o arranjo, porém o tamanho deselegante não o deixava descansar, e assim ele imaginou que o trabalho consistisse em duas partes. Quando eu for vê-lo novamente, espero ter a oportunidade de falar com ele a sós, e talvez ele possa dizer algo mais satisfatório; pelo menos você é o único autor que Goethe lê dessa maneira e com tal zelo”. Algum tempo depois, Jean Paul disse sobre a obra: “Um trabalho engenhoso, filosófico, multifacetado, cheio de sagacidade e profundidade de pensamento, mas muitas vezes sem conforto e sem fundo – comparável a um lago melancólico da Noruega, sob o qual, devido suas rochas escuras e íngremes, têm um sol que nunca é visto e limita-se apenas a um profundo céu estrelado no qual nem os pássaros nem as ondas passam”. No entanto, embora a obra tenha tido algumas críticas, em sua primeira aparição, foi quase totalmente negligenciada.

Como aqui não é minha intenção escrever a biografia de Schopenhauer, passo por cima de várias de suas migrações, desde sua breve estada em Berlim, onde fez uma tentativa frustrada como professor de filosofia (Privatdocent) para reunir ouvintes na Universidade, estando Hegel, naquele momento, no auge da fama, para finalmente em 1833 se estabelecer em Frankfurt am Main, onde ficou até o dia de sua morte, em 21 de setembro de 1860; ele viveu como o seu biógrafo W. Gwinner diz: “entre comerciantes e fazedores de dinheiro – até mesmo entre os médicos – desta excelente cidade, incógnito e sem ser incomodado”.

Além de sua grande obra, posteriormente ampliada em um segundo volume, publicou também um tratado sobre as Luzes e as cores (da qual uma terceira edição acaba de ser lançada), em que se apoia na teoria das cores de Goethe; um ensaio sobre A vontade na natureza, um tratado sobre a liberdade da vontade humana (que obteve um prêmio da Real Sociedade Norueguesa de Ciências de Trondheim, em 1839), e outro sobre O fundamento da moralidade (do qual ele preparou uma segunda edição para ambos, pouco antes de sua morte); e, por fim, Parerga e paralipomena, que trata de diversos ensaios divididos em dois volumes, dos quais uma segunda edição ampliada foi publicada em 1862, editada pelo Dr. Julius Frauenstaedt, a quem herdou os direitos autorais de todas as obras de Schopenhauer. Se além dessas obras, mencionarmos também que uma tradução de Oracula Manual, y arte de Prudencia de Baltasar Gracián foi encontrada entre seus papéis póstumos, pronta para ser impressa e que foi publicada em 1862, então enumeramos tudo que foi escrito pela sua pena em uma vida de setenta e dois anos. Para alguém cujos bens monetários lhe permitiram viver uma vida independente e totalmente dedicada aos estudos, a quantidade dos seus escritos pode parecer muito pequena, mas a qualidade deles é realmente das mais elevadas. Nesses poucos volumes ele conseguiu comprimir mais pensamentos originais, e, o que tem ainda mais importância, mais verdades do que as que se encontram nas obras mais volumosas de filósofos cujos nomes por um longo período eclipsaram o de Schopenhauer, mas seu dia finalmente chegou, e agora ele é plenamente reconhecido como uma das maiores luzes entre os filósofos de todos os países e de todos os tempos.

Eu acredito que não estou exagerando ao dizer que foi principalmente devido ao artigo da Westminster Review mencionado acima, que o nome de Schopenhauer foi finalmente divulgado, mesmo para o mundo alemão, e que então ele finalmente começou a ser estudado e apreciado, pois o referido artigo foi até mesmo traduzido por Frauenstaedt para a língua alemã, sendo publicado no Voss Zeitung em Berlim, algo que causou bastante impacto na época. Os olhos do público alemão foram abertos por um crítico inglês ao grande pensador que viveu entre eles, mas que por tanto tempo passou despercebido. Foi assim que Frauenstaedt popularizou sua filosofia em uma série chamada Cartas sobre a filosofia de Schopenhauer, das quais o referido artigo serviu como uma introdução; e pode ser gratificante para o autor da Westminster Review saber que Schopenhauer ficou muito satisfeito com a exposição feita do seu sistema filosófico, e que tenha me encaminhado extratos para tomar como modelos de tradução. Ao tentar dar ao leitor que não viu o referido artigo uma ideia sobre o que Schopenhauer ensina, posso simplesmente me referir ao título de sua grande obra e dizer que lá está toda a explicação que você precisa; ou eu posso dizer que seu sistema é um composto de Kant, Platão e o Budismo, e, de fato, suas próprias palavras no prefácio da primeira edição de O mundo talvez possam justificar essa afirmação*. Mas nada do que eu diga fará justiça a Schopenhauer e ao leitor. O título de sua obra principal diz muito, mas não tudo; e as próprias afirmações de Schopenhauer podem sugerir a crença errônea de que seu sistema era uma espécie de ecletismo, sem pretensões de ter originalidade, como se tivesse unido vários quadrantes de pensamentos em um sistema mais ou menos harmonioso para ser apresentado ao público como algo novo. É muito mais próximo da verdade dizer que como Shakespeare, ele se baseou em várias fontes e que foi suficientemente sincero para nomeá-las logo no início do livro e não em um canto ou ao final do volume; mas ele acrescentou tanto de si mesmo e amalgamou as ideias emprestadas em um todo tão maravilhoso que fez parecer a todos uma nova criação, e tem de fato, todos os méritos de uma.

Prosseguindo agora na minha tarefa preliminar de transmitir ao leitor um resumo – embora bastante simples – do sistema filosófico de Schopenhauer; e estou feliz em poder declarar para satisfação do filósofo, que a garantia da veracidade deste meu resumo foi aprovada por ele próprio. Esse esboço foi originalmente publicado como uma introdução a um artigo meu sobre a filosofia da música de Schopenhauer, em Anregungen de Brendel[8]. Em uma ocasião posterior, tendo Schopenhauer me indicado como uma pessoa apta para escrever um artigo sobre seu sistema para a Révue Germanique, ele me aconselhou a colocar este resumo no texto, acrescentando que “não é plagio pegar emprestado de si mesmo[9]”.* O referido resumo, certificado pela mão do mestre, segue exposto logo abaixo.

“O resultado final da filosofia de Kant, expressa em termos concisos, foi a proposição, tão humilhante para a cognição humana, mas ao mesmo tempo, tão fértil em suas consequências, de que nós podemos conhecer apenas aos fenômenos, ou a aparência externa das coisas, mas jamais ao númeno, ou a coisa em si. O Idealismo de Fichte, a Filosofia da Identidade de Schelling e o Absoluto de Hegel, originam-se de modo semelhante dessa proposição; mas enquanto esses vários sistemas estavam lutando sucessiva e simultaneamente pelo domínio e especialmente Hegel teve praticamente todas as homenagens prestadas a ele, Schopenhauer estava pensando de modo despercebido e silencioso na filosofia do grande Kant e enfim levantou o véu que ocultava a coisa em si dos nossos olhos mentais. É notável e característico da imperfeição do intelecto humano, por mais alto que seja o grau que esse tenha alcançado, que Kant, quem tão felizmente e tão corretamente mostrou que apenas em virtude de nossas próprias ideias a priori de tempo, espaço e causalidade sejamos capazes de conhecer apenas a aparência das coisas, sequer suspeitou que carregamos dentro de nós a chave do outro lado do mundo, ou seja, da coisa em si. O fato é que o mundo esteve, desde Descartes, com seu famoso cogito, ergo sum, muito obcecado pela ideia de encontrar tudo no intelecto, até mesmo para que um Kant fosse capaz de emancipar-se da ilusão. Seja como for, Schopenhauer escreveu sua obra imortal, O mundo como vontade e concepção, invertendo a ordem das coisas, dando prioridade à vontade e atribuindo ao intelecto uma classificação secundária, podendo assim, quebrar o feitiço que até então mantinha a mente dos homens presas. ‘Todos os filósofos’ diz Schopenhauer, ‘erraram ao dar ao intelecto a prioridade.’ Segundo ele, é a vontade, a substância vital, real e indestrutível do homem e de todos os seres, e que, no entanto, é inconsciente, e deve ter sua precedência autorizada. A vontade é metafísica, o intelecto é físico, ou seja, uma produção do cérebro. A vontade, que é idêntica em todos os seres, difere do intelecto, que varia amplamente em grau não apenas entre os diferentes seres, mas também entre os homens, é a coisa em si. Ao percebê-la em nós mesmos, percebemos também o mundo como vontade, mas todos os objetos, inclusive nossos próprios corpos, em que a vontade se torna manifesta aos nossos olhos, só dependem ou são produtos de nossa própria concepção, e assim, formam o mundo como concepção. Enquanto a vontade, inconsciente e desconhecida, permanece imutável em todos os seres e coisas, ela se objetiva ou se expressa, gradativamente, de acordo com o princípio de individuação, e assim, o mundo dos fenômenos, ou a cadeia dos seres, desde os grandes corpos celestes até o homem, em que o intelecto, como luz da vontade, atinge seu desenvolvimento mais alto, entra em nossa concepção e nos ilude com a ideia de que eles formam o verdadeiro ser eterno. Então, o véu de Maya (como designam os anciãos hindus) é lançado em nossos olhos e nos esconde a verdadeira essência das coisas. Permanecemos espantados diante dos fenômenos, incapazes de decifrar tanto a eles como também a nossa própria existência. É então que nos voltamos para a arte ou para a filosofia; pois ambas se esforçam para resolver o problema da existência – a primeira, por meio da contemplação, a última, por meio da reflexão. A arte procede das ideias: essas ideias eternas que habitam nas coisas, e que inconscientemente fluem da vontade[10] no processo de sua objetivação ou manifestação, são a verdadeira e única fonte de toda obra de arte genuína; e conforme o próprio artista as contempla, ele se esforça, sem que tenha consciência abstrata do próprio objetivo e finalidade da sua obra, de por meio dela, reproduzir essas ideias”.

Aqui, então, foram expostos em poucas palavras os princípios da metafísica e da estética de Schopenhauer, resta apenas dar ao leitor uma pequena ideia de sua ética. Se a princípio, em relação aos seus pontos de partida, ele se mostrou e se reconheceu como um seguidor de Kant e de Platão; nesse último ponto ele leva sua posição totalmente para o budismo, embora, não sem coincidir ao mesmo tempo com o cristianismo, a religião da tristeza, como muito felizmente foi designada por Thomas Carlyle, em suas visões da vida. Autor esse que foi capaz de expor do modo mais escuro e sombrio as misérias da vida, tal como as cores pintadas por Rembrandt e tão grandioso como os contornos de um Michelangelo, não havendo nada igual em toda a literatura, exceto a primeira parte do Livro de Jó. Schopenhauer é um pessimista declarado*, e nada pode reconciliá-lo com o otimismo do judaísmo, a não ser a história do pecado original. Tendo a vontade, através da luz do intelecto, reconhecido a vida como “sofrimento” e nada mais do que “sofrimento”, deixa de querer a vida, pois a contrariando, deseja negá-la. Esse é o ponto de virada da sua doutrina. No entanto, exceto em casos particulares, ele não recomenda o suicídio, e isso se dá pelo simples fato de que o suicídio do indivíduo nunca poderia pôr fim à existência e a vida em geral. O que temos de fazer por nós mesmos é buscar a extinção dos desejos e o quietismo, tal como os místicos do cristianismo; e ainda mais especialmente tal como o budismo ensinou e pelo qual é por ele chamado de Nirvana em oposição ao Samsara, palavras essas que dificilmente precisarão ser explicadas para os leitores ingleses familiarizados com as obras de Max Müller. Desse modo, Schopenhauer tomou de empréstimo dessas religiões o princípio fundamental de sua ética, a “compaixão”. O homem sofredor, ao olhar a sua volta, reconhece a mesma vontade que constitui o seu próprio princípio vital em todos os outros seres, então diz a cada um deles, tat twam asi (isto és tu); e a compaixão com os outros sofredores, dita a ele a caridade e a bondade. O leitor atento não precisa ser lembrado que Schopenhauer, apenas por ter substituído “amor” por “compaixão” encontrou o mesmo princípio daquele velho e bem conhecido preceito bíblico “ama ao próximo como a ti mesmo”, do qual depende toda lei e doutrina observada pelos sábios judeus. Mas, como dissemos anteriormente, Schopenhauer tinha uma antipatia pelo judaísmo, principalmente devido ao seu caráter otimista, πντα καλα λαν[11], e por isso, precisou recorrer a outras fontes para sustentar sua teoria. O leitor não deve, entretanto, supor que essas três[12] características principais do sistema formem sequer um delineamento adequado e menos ainda que isso seja páreo para transmitir com clareza o pensamento e a linguagem que distingue Schopenhauer de todos seus predecessores alemães. Ler a sua obra é comparável a mergulhar em um banho frio; é tão refrescante e revigorante, independentemente de qualquer que seja sobre nós o efeito do seu preceito final – visando o Nirvana. Como todo sistema completo que procura explicar o mundo, o dele também abrange todas as ramificações conectadas com a vida humana, incluindo direito, política, artes, ciências e assim por diante. É assim que ele também tratou a questão do amor sexual, que escolhemos como tema do presente artigo. Ele dedica um capítulo especial a essa questão no segundo volume de sua grande obra[13], que são suplementares ao primeiro volume, comentando e ampliando as doutrinas deste último. Vou agora colocar diante do leitor o que há de substancial nesse notável capítulo, sendo se tratar de um comentário sobre aquele, no primeiro volume, intitulado “Afirmação e negação da vontade”[14]. O amor sexual claramente brota de uma raiz metafísica, e, tal como Schopenhauer comparou seu sistema com a antiga cidade de Tebas com seus cem portões, cada um dos quais conduzia para o centro da cidade, porque cada parte dela, como o raio de um círculo, emana e converge para o centro, o leitor poderá entrar agora pelo portal que eu estou prestes a abrir. Ele encontrará a resposta para a seguinte pergunta: qual a verdadeira causa do imortal interesse com o qual o amor sexual é investido como se fosse sempre igualmente novo e impressionante? Ele descobrirá que isso se choca com a representação mitológica do Cupido, como um cego, ou pelo menos como um deus enfaixado por ter se machucado na sua tão familiar cegueira de amor. Tudo isso Schopenhauer teve que descartar de seu pensamento como noções preconcebidas de um assunto que nunca antes havia sido completamente tratado, e embora a tradição e a experiência diária parecessem favorecer, teve ele de se lembrar que muitas outras errôneas noções foram mantidas durante séculos, mas que tiveram finalmente de ceder diante da luz da verdade, e que, nesse caso, os símbolos e os ditos sobre o amor, eram todos, meramente figurativos. A conexão que tal assunto tem a ver com o darwinismo será mostrada em breve. Primeiro vamos ouvir Schopenhauer.

“É costume”, ele diz, “vermos os poetas ocupados principalmente com a descrição do amor entre os sexos. Este é, via de regra, o tema capital de todas as obras dramáticas, tanto trágicas quanto cômicas, tanto românticas quanto clássicas, tanto indianas quanto europeias: ele é também, em larga escala, o estofo da maior parte da poesia lírica, bem como da épica; especialmente se quisermos acrescentar a esta o grande número dos romances que, há séculos em todos os países civilizados da Europa são gerados a cada ano tão regularmente como os frutos do solo. Todas essas obras, em seu conteúdo substancial, não passam de descrições multifacetadas, sucintas ou extensas da paixão ora em questão. As mais bem-sucedidas dessas descrições, como por exemplo Romeu e Julieta, a Nova Heloísa, o Werther, alcançaram fama imortal. Se, todavia, La Rochefoucauld é da opinião de que o amor apaixonado é como os fantasmas, dos quais todos falam mas ninguém viu; e de maneira semelhante Lichtenberg, em seu ensaio Über die Macht der Liebe, contesta e nega a realidade e conformidade à natureza dessa paixão; então ambos cometem um grande erro. Pois é impossível que algo alheio à natureza humana e tão contrário a ela, portanto, mero conto da carochinha, pudesse ter sido exposto de modo incansável em todos os tempos pelo gênio poético e acolhido com interesse inalterável pela humanidade; pois, sem verdade, não pode existir belo artístico algum: ‘Rien n’est beau que Le vrai; Le vrai Seul est aimable’ [só o verdadeiro é belo; somente o verdadeiro é amável] (Boil). Ademais, a experiência, embora não a cotidiana, via de regra também confirma que aquilo a aflorar apenas como uma inclinação vivaz, todavia ainda controlável pode sob certas circunstâncias aumentar até uma paixão que excede a qualquer outra em veemência, e então põe de lado todas as considerações, ultrapassa todos os obstáculos com a mais inacreditável força e perseverança e, para sua satisfação, arrisca a vida sem hesitar, sim, se tal satisfação é recusada, a pessoa sacrifica o viver. Os Werthers e Jacopo Ortis não existem só nos romances; mas a cada ano na Europa há para mostrar-se deles pelo menos uma meia dúzia: sed ignotis perierunt mortibus illi [todavia tiveram uma morte ignorada]: pois seus sofrimentos não encontram outro cronista senão os escrivães de protocolos oficiais, ou os repórteres dos jornais. Os leitores dos levantamentos judiciário-policiais em diários ingleses e franceses atestarão a correção das minhas declarações. Mas ainda maior é o número daqueles que a referida paixão conduz ao hospício. Por fim, cada ano há de mostrar um e outro caso de suicídio em comum de um par de amantes transtornado por circunstâncias exteriores; aqui, entretanto, permanece-me inexplicável como pessoas que, certas do amor mútuo, esperando encontrar no deleite destes a mais elevada bem-aventurança, preferem, por diligências exteriores, não enfrentar todas as situações e padecer cada desventura, renunciando, com a vida, a uma felicidade além da qual, para eles, nenhuma outra maior é pensável. – No que diz respeito aos graus inferiores e aos meros acessos dessa paixão, cada um os tem cotidianamente diante dos olhos e, enquanto não é velho, na maioria das vezes também no coração. Portanto, segundo aquilo aqui trazido à recordação, não se pode duvidar da realidade nem da importância da coisa, e dever-se-ia, em vez de admirar que também um filósofo trate desse tema, constante em todos os poetas, admirar antes que um assunto a desempenhar papel tão significativo na vida humana até agora quase não tenha sido tomado em consideração pelos filósofos e coloque-se perante nós com um estofo não trabalhado. Quem mais se ocupou com ele foi Platão, especialmente em O banquete e Fedro: todavia, o que alega se circunscreve ao domínio dos mitos, fábulas e ditos espirituosos, e concerne na maior parte das vezes apenas à pederastia grega. O pouco que Rousseau diz no Discurso sobre a desigualdade sobre nosso tema é falso e insuficiente. A abordagem feita por Kant do objeto, na terceira parte do seu ensaio Sobre o sentimento do belo e do sublime, é bastante superficial e sem conhecimento do assunto, por conseguinte, em parte, também incorreta. Espinosa, devido à sua ingenuidade extremada, merece ser mencionada para regozijo: Amor est titillatio, concomitante Idea causae externae [O amor é prazer acompanhado da ideia de uma causa exterior] (Eth., IV, prop. 44, dem.). Por conseguinte, não tenho predecessores para usar, nem para refutar”[15].

“Todo enamorar-se, por mais etéreo que possa parecer, enraíza-se unicamente no impulso sexual, sim, é absolutamente apenas um impulso sexual mais bem determinado, mais bem especializado, mais bem individualizado. Quando, então, retendo-se firmemente isso, considera-se o papel importante que o impulso sexual desempenha em todas as suas gradações e nuances, não só nas peças de teatro e romances, mas também no mundo real, onde ele, ao lado do amor à vida, dá mostras de si como a mais forte e ativa das molas impulsoras, absorve ininterruptamente a metade das forças e pensamentos da parte mais jovem da humanidade, é a meta final de quase todo esforço humano, exerce influência prejudicial nos mais importantes casos, interrompe a toda hora as mais sérias ocupações, às vezes põe em confusão até mesmo as maiores cabeças, não tem pejo de se intrometer e atrapalhar, com toda sua bagagem, as negociações dos homens de Estado e as investigações dos eruditos, consegue inserir seus bilhetes de amor e suas madeixas até nas pastas ministeriais e nos manuscritos filosóficos, urde diariamente as piores e mais intricadas disputas, rompe as relações mais valiosas, desfaz os laços mais estreitos, às vezes toma por vítima a vida, ou a saúde, às vezes a riqueza, a posição e a felicidade, sim, faz do outrora honesto um inescrupuloso, do até então leal um traidor, por conseguinte, entra em cena em toda parte como um demônio hostil, que a tudo se empenha por subverter, confundir e passar a rasteira; – quando se considera tudo isso, é-se levado a exclamar: Para que o barulho?! Para que o ímpeto, o furor, a angústia e a aflição? Trata-se aqui simplesmente de cada João encontrar sua Maria: por que uma tal ninharia deveria desempenhar um papel tão importante e trazer sem cessar perturbação e confusão para a vida humana bem regrada? – Mas ao investigador sério o espírito da verdade desvela aos poucos a resposta: não se trata aqui de uma ninharia; antes, a importância da coisa é perfeitamente adequada à seriedade e ao ardor das impulsões. O fim último de toda disputa amorosa, seja ela com borzeguim ou coturno, é realmente mais importante que todos os outros fins da vida humana, e, portanto, merece por inteiro a seriedade profunda com a qual cada um o persegue. De fato, o que aí é decidido não é nada menos senão a composição da próxima geração[16]. [Não apenas a existência, mas também a natureza, a constituição e as características externas daqueles que aparecerão no palco depois de nós são determinadas por essas intrigas amorosas aparentemente frívolas[17]]. Essa é a chave do problema: nós a conheceremos melhor, pelo uso, se percorrermos os graus do enamorar-se da mais fugaz inclinação até a mais veemente paixão, quando reconheceremos que a diferença das mesmas origina-se do grau de individualização da escolha.[18] As completas disputas amorosas da geração presente tomadas em conjunto são, pois, para todo o gênero humano, a séria meditatio compositionis generationis futurae[19]. [Isso não é sobre o bem ou o mal de um indivíduo qualquer, mas sobre toda a espécie que está por vir[20]]. [21]Tão inexplicável quanto toda individualidade particular e exclusivamente específica de cada humano é também toda paixão particular e individual entre dois amantes; – sim, no fundamento mais profundo ambas são uma única e mesma coisa: na primeira está explicite o que na última era implicite. Deve-se considerar como o primeiro instante de nascimento de um novo indivíduo e o verdadeiro punctum saliens[22] de sua vida, justamente aquele em que os seus pais começam a se amar – to fancy each other[23], segundo uma muito correta expressão inglesa – e, como dito, no encontro e enlace de seus olhares anelados nasce a primeira semente do novo ser que, todavia, como todas as sementes, murcha na maioria das vezes. Esse novo indivíduo é, de certo modo, uma nova Ideia (platônica): e assim como todas as Ideias esforçam-se com a maior veemência para entrarem na aparência; agarrando com avidez a matéria que a lei de causalidade reparte entre elas; também essa Ideia particular de uma individualidade humana esforça-se com a maior avidez e veemência por sua realização na aparência. Essa avidez e veemência é justamente a paixão de um pelo outro dos futuros pais. Essa paixão tem inumeráveis graus, cujos extremos pode-se designar como ΑΦροδτη πανδημος e αρανα[24]: – todavia, segundo o grau, será tanto mais potente quanto mais individualizada for, isto é, quanto mais o indivíduo amado, em virtude de todas as suas partes e qualidades, é exclusivamente apto a satisfazer o desejo e a necessidade, estabelecidos por sua própria individualidade, do indivíduo que ama. Na sequência o texto ficará mais claro do que se trata aqui”[25].

“Em primeiro lugar, e por essência, a inclinação enamorada é orientada para a saúde, a força e a beleza, conseguintemente, para a juventude; porque a vontade, antes de tudo, reclama o caráter genérico da espécie humana, como a base de toda individualidade: o amor vulgar e cotidiano[26] não vai muito além. A essas, logo em seguida juntam-se exigências mais especiais, que mais adiante investigaremos em detalhe, e com as quais, onde elas veem satisfação diante de si, a paixão aumenta. Os graus mais elevados desta entretanto, originam-se daquela adequação de duas individualidades uma para com a outra, em virtude da qual a vontade, isto é, o caráter do pai e o intelecto da mãe planificam em sua ligação precisamente aquele indivíduo na qual a Vontade de vida em geral, que se expõe em toda a espécie, sente um anelo adequado à sua grandeza, cujos motivos residem fora do âmbito do intelecto individual, e que, por conseguinte, excede a medida de um coração mortal. Essa é, portanto, a alma de uma autêntica e intensa paixão. – Quanto mais perfeita, então, é a adequação mútua de dois indivíduos em cada um dos vários aspectos a serem considerados mais adiante, tanto mais forte será a sua paixão mútua. Como não há dois indivíduos totalmente iguais, tem de a cada homem determinado corresponder de modo o mais perfeito uma mulher determinada, – e isso sempre tendo em vista a criança a ser procriada. Tão raro, quanto o acaso desse encontro, é o autêntico amor apaixonado. Entretanto, como em cada um subsiste a possibilidade de semelhante amor, as exposições do mesmo nas obras poéticas são-nos compreensíveis”[27].

“Passemos agora a uma investigação mais profunda do assunto. – O egoísmo é uma característica tão profundamente enraizada em toda individualidade em geral que, para estimular a atividade de um ser individual, os fins egoísticos são os únicos com os quais se pode contar com segurança. É verdade que a espécie tem sobre o indivíduo um direito anterior, mais rígido e maior que a efêmera individualidade: todavia, quando o indivíduo deve ser ativo e até prestar sacrifício para a conservação e o aprimoramento da espécie, a importância da questão pode não se tornar compreensível para o seu intelecto, calculado enquanto tal apenas para fins individuais e atuando de modo consequentemente com essa finalidade. Por conseguinte, em tal caso, a natureza só pode alcançar o seu fim se implantar no indivíduo uma certa ilusão, em virtude da qual aparece como algo bom para si, o que em verdade é algo bom só para a espécie, de modo que serve a esta, enquanto presume servir a si mesmo; em todo esse processo uma efêmera quimera paira diante dele e se oferece como motivo no lugar de uma realidade. Essa ilusão é o instinto. Na maioria dos casos ele deve ser considerado como o sentido da espécie, que expõe à vontade aquilo que é favorável à espécie. Mas como aqui a vontade tornou-se individual, ela tem de ser iludida de tal maneira que perceba pelo sentido do indivíduo aquilo que o sentido da espécie a ela apresenta; portanto, presume seguir um fim individual, enquanto na verdade persegue apenas um fim geral (tomando-se aqui a palavra na sua acepção própria). A aparência exterior do instinto nós o observamos da melhor maneira nos animais, pois é nestes que o seu papel é mais significativo; mas o seu processo interior, como toda interioridade, nós só o podemos aprender a conhecer em nós mesmos. Opina-se que o ser humano quase não tem instinto, quando muito o do recém-nascido, a fazê-lo procurar e agarrar o seio materno. Mas, em realidade, temos um instinto bem determinado, nítido, complicado sim, a saber, o da escolha tão sutil, séria e obstinada do outro indivíduo para a satisfação sexual. Essa satisfação nela mesma, ou seja, na medida em que é um gozo sensual baseado numa necessidade imperiosa do indivíduo, nada tem a ver com a beleza ou a fealdade do outro indivíduo. Portanto, a zelosa e persistente tomada de consideração das mesmas, ao lado da escolha que daí se origina, manifestamente não se relaciona com quem escolhe, embora ele o presuma, mas com o verdadeiro fim, a criança a ser procriada, na qual o tipo da espécie deve ser conservado do modo o mais puro e íntegro possível. Embora mediante mil acidentes físicos e contrariedades morais nasçam muitas degenerações da figura humana, ainda assim o tipo genuíno da mesma, em todas as suas partes, é sempre de novo restabelecido; graças à orientação do sentido da beleza, que todas as vezes se propõe ao impulso sexual, e sem o qual este decai em uma necessidade repugnante. Em conformidade com isso, cada um, em primeiro lugar, preferirá resolutamente e cobiçará com veemência os indivíduos mais belos, isto é, aqueles nos quais o caráter da espécie é estampado do modo o mais puro; mas depois almejará no outro indivíduo especialmente as perfeições que faltam a si; sim, até acharão belas as imperfeições que são o oposto das suas próprias: assim, por exemplo, homens pequenos procuram mulheres grandes, os louros amam as negras etc. O arrebatamento vertiginoso que assalta o homem pela visão de uma mulher cuja beleza é para ele das mais adequadas, e lhe espelha a união com ela como o sumo bom, é justamente o sentido da espécie, que, reconhecendo a estampa da espécie nitidamente impressa, gostaria de perpetuá-la”[28].

Passando por cima de algumas deduções do instinto dos animais, que aqui se encontrariam explicações e também omitindo algumas observações sobre o engano praticado sobre o indivíduo pelo referido delírio, que são observações que coincidem com uma citação adequada de Platão, que em seu Filebo (p. 309), diz, δονη παντων λαζονεστατον (voluptas omnium maxime vaniloquor[29]), prossigo então para a análise mais detalhada do nosso autor em relação ao princípio de seleção indicado acima.

“A primeira consideração que guia nossa escolha e inclinação”, diz o filósofo, “é a idade[30]. Damos decisiva preferência para o período entre os dezoito e os vinte e oito anos[31]. Fora desses anos, ao contrário, nenhuma mulher pode nos excitar: uma mulher idosa, isto é, que não mais menstrua, desperta nossa repugnância. Juventude sem beleza sempre provoca excitação: beleza sem juventude, não. – Manifestamente, a intenção inconsciente que nos guia aqui é a possibilidade de procriação em geral: por conseguinte, cada indivíduo perde em excitação para o outro sexo à medida em que se distancie do período mais favorável à reprodução ou concepção. – A segunda consideração é a saúde: doenças agudas perturbam apenas passageiramente, já as crônicas, ou caquexias, repugnam – porque podem transmitir à criança. – A terceira consideração é o esqueleto: porque é o fundamento do tipo da espécie. Depois da idade e da doença nada nos repele mais que uma figura deformada: à qual nem mesmo o mais belo rosto pode indenizar; antes até mesmo o mais feio rosto, num corpo bem constituído, será incondicionalmente preferido. E mais: sentimos do modo o mais forte cada desproporção do esqueleto, por exemplo, uma figura mirrada, retorcida, pernas curtas, também o andar coxo quando não é consequência de um acidente exterior. Ao contrário, uma conformação corpórea notadamente bela pode compensar muitas deficiências: ela nos enfeitiça. A essa mesma consideração também pertence o elevado valor que todos atribuem à pequenez dos pés: baseado em que estes são um caráter essencial da espécie, pois nenhum animal possui o conjunto tarso e metatarso tão pequeno quanto o humano, o que se relaciona com o seu andar ereto[32]. Também os dentes nos são importantes; porque são essenciais à alimentação e particularmente hereditários. – A quarta consideração é uma certa abundância de carne, portanto, uma predominância da função vegetativa, da plasticidade; porque promete ao feto rico alimento: por conseguinte, uma magreza extrema nos repele sobremaneira. Peitos femininos bem-dotados exercem sobre o sexo masculino uma atração incomum; ao contrário, mulheres gordas em excesso despertam nossa repulsa: a causa é que essa característica indica atrofia do útero, portanto, esterilidade[33]. Só a última consideração (embora seja a primeira atração[34]) é sobre a beleza do rosto. Também aqui, antes de tudo são levadas em conta as partes ósseas; por conseguinte, é notado principalmente um belo nariz[35]. Uma curvatura pequena do nariz, para baixo ou para cima, já decidiu sobre a felicidade de vida de inumeráveis moças, e com acerto: pois vale o tipo da espécie. Uma boca pequena, com maxilas pequenas, é bastante essencial, como caráter específico do semblante humano, em oposição ao focinho dos animais. Um queixo fugidio, como que amputado, é particularmente repulsivo; porque mentum prominulum [proeminência do mento] é um traço característico e exclusivo da nossa espécie. Por fim se dá a consideração acerca dos belos olhos e da testa: estes relacionam-se com as características psíquicas, sobretudo com as intelectuais, herdadas da mãe”[36].

“As considerações inconscientes que, do outro lado, envolvem a inclinação das mulheres, nós, naturalmente, não podemos fornecê-las de modo tão preciso. Em geral, pode-se afirmar o seguinte. Elas dão preferência à idade dos 30 aos 35 anos, porque o instinto lhes diz que esses são os anos de maior poder gerador do homem[37]. De maneira geral, elas observam pouco a beleza, em especial a do rosto[38]. É sobretudo, cativante para elas a força do homem e a coragem relacionada: pois estas prometem a procriação de crianças fortes e, ao mesmo tempo, um protetor valente. Cada defeito corporal do homem, cada desvio do tipo, pode, tendo em vista a criança, ser suprimido pela mulher no momento da procriação, desde que ela mesma seja irrepreensível nas mesmas partes, ou as exceda em sentido oposto. Excetuam-se apenas as características do homem específicas do seu sexo e que, por conseguinte, a mãe não pode dar à criança; é o caso da estrutura masculina do esqueleto, ombros largos, ancas estreitas, pernas retas, força muscular, coragem, barba, etc. Por isso, mulheres amam com frequência homens feios, mas nunca um homem desprovido de masculinidade, porque elas não podem neutralizar essa carência”[39].

Novamente, passando por cima de uma passagem, precisamente uma que contém a análise das características psíquicas[40] e que forma a segunda classe da consideração do amor sexual, e que, com as físicas, anteriormente enumeradas, constituem a soma das considerações absolutas, referindo-se ao que ocorre em todos os seres humanos, darei a seguir alguns trechos do parágrafo que trata das considerações que se referem apenas aos indivíduos. “Aqui a intenção é corrigir defeitos e levar a um tipo de representação pura[41]. Aqui, pois, cada um ama o que lhe falta. Oriunda da índole individual e direcionada para a índole individual, a escolha baseada em tais considerações relativas é mais determinada, segura e exclusiva que as oriundas apenas das considerações absolutas; por conseguinte, a origem do amor apaixonado propriamente dito, via de regra, será encontrada nestas considerações relativas, e a origem da inclinação ordinária, fácil, será encontrada apenas nas considerações absolutas. Em conformidade com isso, não são exatamente as belezas regulares, perfeitas que costumam acender as grandes paixões. Para que nasça uma tal inclinação efetivamente apaixonada é exigido algo que só se deixa expressar mediante uma metáfora química: ambas as pessoas têm de se neutralizar uma à outra, como ácido e álcali num sal neutro...[42] Há algo de inteiramente peculiar na seriedade profunda, inconsciente com a qual duas pessoas jovens de sexo distinto, que se veem pela primeira vez, se consideram uma à outra; no olhar investigativo e penetrante que se lançam; na inspeção cuidadosa que as feições e partes de ambas têm de sofrer. Essa investigação e exame é a meditação do gênio da espécie sobre o possível indivíduo que ambos poderiam procriar e a combinação de suas características. Do resultado dessa meditação depende o grau de sua satisfação e cobiça mútuas. A cobiça, depois que atingiu um grau significativo, pode subitamente extinguir-se pela descoberta de algo que até então permanecera inobservado. – Dessa forma, o gênio da espécie, em todos os que são capazes de procriação, medita sobre a geração vindoura, cuja constituição é a grande obra com a qual o cupido, sempre ativo, especulando e engenhando, está ocupado. Diante da importância da sua questão, que concerne enquanto tal à espécie e a todas as gerações vindouras, as questões dos indivíduos, em toda a sua completude efêmera, são bastante insignificantes: por isso o gênio da espécie está sempre preparado a sacrificá-los em consideração. Pois se relaciona com eles como um imortal frente aos mortais, e seus interesses estão para os interesses individuais como o infinito para o finito. Portanto, ele trata de administrar na consciência questões de tipo mais elevado que as concernentes apenas ao bem e mal individuais, e isso com sublime imperturbabilidade, em meio ao tumulto da guerra, ou da agitação da vida de negócios, ou na devastação de uma peste, e trata daquelas questões até no isolamento do claustro”[43].

Tendo apresentado um resumo da teoria de Schopenhauer, acredito que meu propósito aqui será cumprido, depois de remeter o leitor para a própria obra do autor, onde se encontrará todas as objeções que podem ter surgido, pois na leitura completa, as dúvidas serão razoavelmente satisfeitas e removidas. Agora, eu prossigo para a segunda parte do meu empreendimento, que é mostrar a conexão entre essa teoria e o darwinismo. Mas nisso posso ser breve. Ou será que essa conexão já se revelou aos meus leitores ao lerem tudo isso que se precedeu? Não terá se tornado manifesto que aqui temos justamente exposta a teoria de Darwin da “origem das espécies pela seleção natural”, aplicada à nossa própria espécie e elevada ao seu máximo? O que Schopenhauer chamou de “metafísica do amor sexual”, poderia, caso ele tivesse tido familiaridade com a teoria de Darwin, ter designado um nome oposto, pois suas próprias especulações provaram ser agora bem fundamentadas e ter uma base completamente física ou bastante natural. Infelizmente, o trabalho de Darwin foi publicado tarde demais para Schopenhauer lê-lo. Pelo menos eu presumo que esse deve ter sido o caso já que a primeira edição [da Origem das espécies] apareceu em 1859 e Schopenhauer morreu em 1860. Embora ele tenha lido todos os trabalhos ligadas à sua filosofia, o livro de Darwin não pode ter chegado a ele antes de sua morte, senão ele certamente teria mencionado o fato em suas cartas para mim, pois o suporte que sua teoria teria obtido através de Darwin não poderia de forma alguma lhe ter escapado, alerta como ele era para os fatos e doutrinas que dessem suporte à sua. Isso é claramente mostrado em sua obra Vontade na natureza, onde ele passa por todas as ciências e registra até mesmo suas últimas descobertas, na medida em que elas se referem ao princípio de seu sistema, conforme expresso no título. Teria o Sr. Darwin lido Schopenhauer? Essa, é claro, trata-se apenas de uma questão que eu sou totalmente incapaz de responder; mas felizmente ele ainda vive entre nós e pode, talvez, se a resposta da pergunta for negativa, ser induzido por este artigo, a examinar as obras de um filósofo que tão maravilhosamente antecipou sua teoria e ensinou dedutivamente o que Darwin provou indutivamente. Eu mesmo estava engajado nos estudos da obra de Darwin quando as notícias da morte de Schopenhauer chegaram até mim, e assim, mesmo tendo então descoberto a analogia entre as duas teorias, toda discussão com Schopenhauer sobre o assunto foi repentina e tristemente interrompida. Mas, para ser honesto, essa analogia só me impressionou recentemente; ela brilhou sobre mim de uma só vez; e uma consideração mais madura do assunto, combinada com uma releitura de ambos os autores, apenas confirmou o que uma inspiração momentânea havia sugerido. É claro que eu posso presumir, ou até mesmo ser ingênuo e achar que todos os meus leitores leram Darwin, no entanto, para refrescar suas memórias, citarei as poucas passagens que mais imediatamente abordam meu tema, embora, na verdade, toda a obra o faça. Em sua especulação, Darwin parece propositalmente parar aquém do homem*[44], mas, certamente, ninguém que o tenha lido com atenção negará por um momento sequer que a sua teoria se aplica também à espécie humana, e que o autor forneceu apenas premissas, por assim dizer, das quais podemos tirar nossas próprias inferências. Nem mesmo se pode dizer que ele tenha feito segredo da real extensão em que teria aplicado seu princípio, visto que expressa a esperança de que possa “dar um novo fundamento à psicologia, a saber, sobre a aquisição gradual do poder e da capacidade mental[45]”. Mas sigo com minhas citações. Que ele apoie Schopenhauer no seu princípio condutor pode ser visto na seguinte passagem: “um tipo de seleção que pode ser chamada de inconsciente e que resulta da tentativa de cada um possuir e criar os melhores animais é o mais importante[46]” (trata-se de uma seleção metódica). Mais uma vez, sob o título de “Seleção Inconsciente” nós lemos: “Por um processo semelhante de seleção e de um treinamento cuidadoso, os cavalos de corrida ingleses ultrapassaram em rapidez e tamanho os seus ancestrais árabes, se bem que estes últimos sejam favorecidos pelo peso que carregam[47]”. E agora vamos ouvir a passagem que ocorre no trabalho sobre Seleção sexual[48], que não apresento aqui como argumento decisivo, pois isso não é necessário, mas simplesmente como sendo a única forma para aproximar mais do que qualquer outra do tópico tratado. “Sendo assim” diz Darwin (p. 100[49]) “como eu acredito, quando machos e fêmeas de qualquer animal têm os mesmos hábitos gerais de vida, mas diferem em estrutura, cor ou ornamentos, essas diferenças são, sobretudo, causadas pela seleção sexual, isto é, pelo fato de que certos machos tiveram, por gerações sucessivas, alguma vantagem pequena sobre outros machos, nas suas armas, meios de defesa ou encantos, que transmitiram somente aos seus descendentes masculinos”. O amor verdadeiro então, no homem e na mulher, é o que Schopenhauer definiu como sendo a lei da seleção natural implantada em nós com o propósito de preservar o tipo da espécie humana[50] em sua maior perfeição; é o instinto da espécie ou o gênero, que nos leva a cobiçar aquela mulher em particular, iludindo-nos com a ideia de que assim satisfaremos nossos próprios desejos individuais, quando, na realidade, estamos a beneficiar apenas a espécie a que pertencemos. As especulações de Darwin, baseadas no método indutivo, agora corroboraram com a teoria dedutiva de Schopenhauer, e deixo para o leitor pensante tirar suas próprias inferências dos ensinamentos tanto do metafísico quanto do filósofo natural. Foi justamente notado que, por mais duvidoso que seja o progresso da moralidade na humanidade, certamente há um progresso inegável em nossa consciência ou conhecimento. A luz lançada sobre o amor sexual por essas especulações é, sem dúvida, uma contribuição para tal progresso; se eles tendem a se tornar prosaicos, o que até agora tem sido o tema básico de toda poesia, eu apenas posso dizer que a Verdade deve estar acima de todas as coisas, e nossas ideias mais queridas devem ser sacrificadas no seu santuário. A verdade é uma deusa ciumenta e não permitirá que outra divindade seja adorada ao seu lado. No entanto, não há motivo para ter medo, pois o amor em geral continuará sendo o que sempre foi; ainda será cantado pelo poeta, tratado pelo romancista e, o que é o mais importante, ainda governará os corações dos jovens e exercitará sua influência mesmo nos de idade mais madura; ele ainda continuará sendo a flor da vida e aquele que estiver sob seu domínio encantador, ainda, com Antony, exclamará,

 

“Derreta Roma no Tibre; e que caia

O arco do império! Este é o meu espaço!

Reinos são barro! O esterco da terra

Homem e bicho alimenta. Nobreza

É assim: quando um par que se ama,

Assim como nós dois, determino

Que o mundo saiba, ou sofra punição,

Que não temos iguais[51]”.

Dr. David Asher

Leipsic, May, 1870.

Nota[52]: desde que escrevi o texto acima, deduzi, de uma revisão do trabalho de F. Galton em Gênio hereditário: uma investigação sobre suas leis e consequências, que o autor também se referiu a Darwin em apoio à sua hipótese. Espero que esta afirmação seja suficiente para me livrar da imputação de plágio. Ao mesmo tempo, fico feliz em descobrir que as deduções da teoria proposta por Schopenhauer e apresentadas neste artigo, foram também desenhadas por uma mão tão hábil.

Referências

BROWNE, Janet. Charles Darwin: o poder do lugar. Trad. Otacílio Nunes. Editora UNESP: São Paulo, 2011.

CARTWRIGHT, David Edgar. Schopenhauer: a biography. USA: Cambridge University Press, 2010.

CARTWRIGHT, David Edgar. Historical Dictionary of Schopenhauer’s Philosophy. Toronto: The Scarecrow Press (Oxford), 2005.

DARWIN, Charles Robert. A origem das espécies: por meio da seleção natural ou preservação das raças favorecidas na luta pela vida. Trad. Carlos Duarte e Anna Duarte. São Paulo: Martin Claret, 2014.

DARWIN, Charles Robert. A origem do homem e a seleção sexual. Trad. Eugênio Amado. Belo Horizonte: Garnier, 2021.

DARWIN, Charles Robert. The descent of man, and selection in relation to sex. London: John Murray, v. 2, 1874. [Confira p. 586, onde Darwin utiliza o presente artigo de Asher para citar Schopenhauer]. Disponível em: http://darwin-online.org.uk/converted/published/1874_Descent_F944/1874_Descent_F944.html.

DARWIN, Charles Robert. Origens: cartas seletas de Charles Darwin (1822-1859). Edição inglesa por Frederick Burkhardt. Prefácio de Stephen Jay Gould. Trad. Vera Ribeiro e Alzira Viera Allegro. Editora UNESP: São Paulo, 2009.

SAFRANSKI, Rüdiger. Schopenhauer e os anos mais selvagens da filosofia. Trad. William Lagos. São Paulo: Geração Editorial, 2011.

SCHOPENHAUER, Arthur. Der handschriftliche Nachlaß. Der Briefwechsel [Gesammelte Briefe] – Correspondências de Schopenhauer. Sämtliche Werke: Berlin, 2008.

SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Trad. de Jair Barboza. Editora UNESP: São Paulo, 2015. t. 2.

SHAKESPEARE, William. Antônio e Cleópatra. Trad. Barbara Heliodora. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2022.

Contribuição de autoria

1 – Antonio Alves Pereira Junior

Doutorando em Filosofia pela Universidade Estadual de Londrina, Brasil.

https://orcid.org/0000-0001-9284-0864 • antonio.alves.pereira@uel.br

Contribuição: Escrita – Primeira Redação

FONTE

ASHER, D. Schopenhauer and Darwinism. The Journal of Anthropology. Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland. v. 1, n. 3, p. 312-332, jan., 1871. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/3024815. Acesso em: 27 de jun. de 2023.

Como citar este artigo

ASHER, A. Schopenhauer e o darwinismo, de David Asher. Tradução Antonio Alves Pereira Junior. Voluntas Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v. 14, n. 1, e74246, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179378674246. Acesso em: dia mês abreviado. ano.



[1] Originalmente publicado em The Journal of Anthropology, v. 1, n. 3; p. 312-332. Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland: Jan/1871. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/3024815. D. Asher (1818-1890), de acordo com Cartwright (2005, p. 9), “foi um estudioso e professor de inglês na escola comercial de Leipzig. Schopenhauer tentou várias vezes, mas sem sucesso, induzi-lo a traduzir seus escritos para o inglês. Asher publicou vários trabalhos sobre Schopenhauer e sua filosofia, sendo o mais notável Schopenhauer: the latest of and on him”.

[2] O referido artigo foi uma das primeiras críticas literárias feitas a Schopenhauer pouco após a publicação de Parerga e Paralipomena em 1851. O artigo foi escrito por John Oxenford, um crítico literário que também já havia traduzido Goethe para o inglês (N.T).

[3] Richard Jameson foi um escocês mentor de Johanna Schopenhauer, mãe de Arthur Schopenhauer. Ele a influenciou principalmente no aprendizado da língua e da cultura inglesa, algo que segundo Johanna era incompreensível para seus amigos e parentes (Cf. CARTHRIGHT, 2010, p. 9) (N. T).

[4] Trata-se de uma referência a obra Emílio e a educação, de Rousseau (N. T).

[5] Schopenhauer seguia indeciso entre seguir a carreira de comerciante ou voltar-se para os estudos. Esse sentimento de indecisão foi expresso em longas correspondências com sua mãe, a quem pediu conselhos ao referido amigo Karl Ludwig Fernow, um erudito especializado em História Antiga. O parecer de Fernow sobre a indecisão do jovem Schopenhauer foi anexado junto de uma das cartas de Johanna. Isso foi tão importante para que o filósofo abandonasse a vida de comerciante que na velhice reconheceu que assim que leu as palavras de Fernow, derramou “uma torrente de lágrimas” (Cf. SAFRANSKI, 2011, p. 158) (N. T).

* Veja a correspondência de Goethe com o Conselho Estadual Schultze, p. 149 (N.A).

[6] Asher sempre usa conception [concepção] ao invés de representation [representação] para traduzir a palavra alemã “Vorstellung” (N. T).

[7] No texto de Asher lê-se: “knowing that horse is not horse, but cavallo” (N. T).

* Devo mencionar que embora Schopenhauer soubesse mais de judaísmo do que aquilo que está contido nos registros mais antigos, ou seja, nas Sagradas Escrituras, se ele tivesse conhecido os comentários dos médicos judeus, se familiarizado com o sistema de Salomão Ibn Gabirol, o filósofo e poeta espanhol do século XI que por tanto tempo esteve escondido sob o nome de Avecebrol, até que o falecido, Salomão Munk, um bibliotecário da Biblioteca Imperial Francesa que sucedeu o descobrimento de que a identidade de Gabirol era a mesma daquele suposto filósofo árabe, então Schopenhauer teria, com justiça, de ter acrescentado que, mais do que em qualquer outro lugar, que o germe, ou melhor, a principal característica de sua doutrina, poderia também ser encontrada entre os filósofos judeus – com a diferença, porém, de que aquilo que os judeus consideram como atributos da divindade, ele consideraria como sendo a própria divindade, caso tal termo tivesse algum lugar em seu sistema (N. A).

[8] Asher se refere a uma coletânea de vários artigos organizada por Franz Brendel, intitulada Anregungen Für Kunst, Leben Und Wissenschaft [Sugestões para arte, vida e ciência], donde se encontra o referido artigo (N. T).

[9] A referida carta foi enviada por Schopenhauer a Asher em 25 de fevereiro de 1858, nela se pode ler o seguinte: “an sich selbst begeht man kein Plagiat” [ninguém comete plágio de si mesmo] (Cf. GBr, 2008, p. 1514) (N. T).

* Ver cartas de Arthur Schopenhauer ao presente escritor no Deutsches Museum, R. Printz, No. 34, 1865, p. 287. (N. A).

[10] Aqui se lê: “float before the will”; ao pé da letra “flutuar antes da vontade”. Pela leitura caritativa do autor e aproximando-se da compreensão mais habitual, optei por “fluir da vontade” – justifico isso para esclarecer que tenho ciência de se tratar de ponto bastante disputado entre os intérpretes de Schopenhauer (N. T).

* Algum tempo atrás, o Saturday Review, numa alusão casual a Schopenhauer, atribuiu a origem do seu pessimismo ao descaso que sofreu por tanto tempo dos leitores, tal opinião é logo refutada por uma referência a primeira edição de sua grande obra, onde se descobrirá que ele nutria visões sombrias sobre a vida desde antes de sofrer com a negligência do público (N. A).

[11] De acordo com a tradução de Jair Barboza: “[E Deus viu tudo que havia feito, e] tudo havia ficado muito bom” (W II, Cap. 48, p. 739) (N. T).

[12] Ou seja, a metafísica, a estética e a ética (N. T).

[13] Trata-se do capítulo 44 do segundo tomo d’O mundo, intitulado Metafísica do amor sexual, em que na sequência do texto Asher fará longas citações/traduções de Schopenhauer (N. T).

[14] Asher refere-se aqui aos parágrafos finais do quarto e último livro do primeiro tomo d’O mundo (N. T).

[15] Confira todo o parágrafo, sem as pequenas supressões de Asher, em: W II, Cap. 44, p. 633-635. Embora no texto original Asher tenha fechado aspas (”) e quebrado o parágrafo, na sequência ele continua citando Schopenhauer, porém, sem fazer a abertura de aspas. Como pode ser visto no início do próximo parágrafo, eu optei por colocar as aspas para tornar a leitura mais clara, portanto, na sequência, nos próximos três parágrafos, quem fala ainda é Schopenhauer (N. T).

[16] O presente trecho deste artigo foi citado e devidamente referenciado por Charles Darwin, precisamente na obra The descent of man, and selection in relation to sex [A origem do homem e a seleção sexual] (Cf. DARWIN, 1874, p. 586). É sumamente importante deixar claro que a citação feita por ele ocorre exclusivamente na segunda edição da referida obra, tendo posteriormente sido suprimida das edições subsequentes (Cf. DARWIN, 2021, p. 517). Dada essa importante informação, os estudiosos interessados na intersecção Schopenhauer – Darwin devem ter o cuidado hermenêutico de pontuar tal particularidade. O exato trecho citado por Darwin vai do trecho “O fim último” até “próxima geração”, além disso, na mesma citação, ele utiliza três pontos “...” (Cf. DARWIN, 1874, p. 586), para fazer um salto no texto (veja nota 20, logo abaixo). Certamente o trecho que temos em tela é o ponto de contato mais próximo que Darwin teve diretamente com os textos de Schopenhauer. No sentido inverso, o contato de Schopenhauer diretamente com os textos e teorias de Darwin foi igualmente breve. Isso podemos confirmar através de cartas que o filósofo trocou com um de seus discípulos, Adam von Doß, poucos meses antes da sua morte. Doß sugeria para Schopenhauer que a teoria de Darwin tinha semelhanças com o § 91 de Parerga e Paralipomena (Cf. GBr, 2008, p. 1580), mas o filósofo, após ter lido uma resenha sobre a Origem das espécies no jornal Times, respondeu para Doß que o pensamento do naturalista inglês não passava de um mero “empirismo raso”, uma “variação da teoria de Lamarck” (GBr, 2008, p. 1587 – trad. minha). É de se enfatizar que a receptividade da Origem das espécies, além de ter sido absolutamente polêmica, foi também muito mal compreendida em seus primeiros anos, por isso, é difícil conceber a dimensão de profundidade que Schopenhauer tenha tomado da teoria de Darwin. Vale ainda considerar que uma pesquisa minuciosa, capaz de fazer um levantamento de todas as resenhas publicadas no jornal Times entre as datas de 24 de novembro de 1859 (publicação da obra Origens das espécies) e 01 de março de 1860 (data da carta de Schopenhauer respondida para Adam von Doß), poderia fornecer uma dimensão segura do que realmente o filósofo leu sobre a teoria do naturalista. Eu segui nesse empreendimento e fiz a assinatura do The Times Archive. Ao pesquisar pelas menções a Darwin desse referido período, pode-se encontrar 14 resultados; 13 deles são apenas minúcias, no entanto, há uma resenha anônima, publicada em 26 de dezembro de 1859, que ocupa 3 colunas e ½ de jornal. O texto fora intitulado “Darwin on the Origin of Species”, e é muito provável que tenha sido esse o texto lido por Schopenhauer. Investigando sobre a autoria do texto, pude descobrir que ele foi escrito pelo naturalista Thomas Henry Huxley, um grande amigo pessoal de Darwin e defensor do darwinismo. Para saber mais sobre isso, veja carta de Darwin para Huxley, em que questiona sobre a autoria do artigo do Times: Cf. DARWIN, 2009, p. 279; e também Janet Browne, mostrando que Huxley admitiu ter sido ele o autor da resenha no Times de 26 de dezembro de 1859: Cf. BROWNE, 2011, p. 142. Nesse sentido, podemos confirmar que Schopenhauer leu um texto escrito por Huxley (N. T).

[17] No texto de Asher, essa parte é um tanto confusa em relação ao texto de Schopenhauer, parece tratar-se de uma adaptação que ele deixa inteiramente em itálico: por exemplo, Asher não faz uso do termo latino dramatis personae, tal como Schopenhauer (Cf. W II, Cap. 44, p. 637). No texto de Asher lê-se: “Not only existence but the nature, constitution and outward features of those who are to appear on the stage after us are determined by these seemingly frivolous love-intrigues” (N. T).

[18] Nesse ponto não há quebra de parágrafo no texto de Asher, embora tenha em Schopenhauer (Cf. W II, Cap. 44, p. 637) (N. T).

[19] “Meditação sobre a composição futura”, de acordo com Barboza. Vale dizer que aqui, Asher não usa todo o termo latino utilizado por Schopenhauer, que seria “meditatio compositionis generationis futurae, e qua iterum pendent innumerae generationes” [meditação sobre a composição futura, da qual dependem, por sua vez, inumeráveis gerações] (Cf. W II, Cap. 44, p. 637) (N. T).

[20] O trecho em questão parece ser uma adaptação do que é dito por Schopenhauer e também da supressão de metade do termo latino anteriormente exposto (veja nota anterior). É também justamente essa parte que Darwin continua em sua citação após usar três pontos “...” (veja nota 16). No texto de Asher, lê-se: “It is not the weal or woe of any one individual but that of the human race to come which is here at stake” (N. T).

[21] A partir daqui, Asher faz um salto nas citações de Schopenhauer, porém, sem indicar nada. A sequência do texto consta-se, portanto, a partir de O mundo II, Cap. 44, p. 639 (N. T).

[22] “Ponto saliente”, segundo Barboza (N. T).

[23] “Entusiasmar-se um pelo outro”, segundo Barboza (N. T).

[24] “Amor vulgar e amor celeste”, segundo Barboza (N. T).

[25] Não há quebra de parágrafo no texto de Schopenhauer (Cf. W II, Cap. 44, p. 640), no entanto, Asher opta por quebrar o parágrafo. Eu mantive a mesma estrutura de Asher, porém com o acréscimo das aspas para indicar que quem fala ainda é Schopenhauer (N. T).

[26] Nesse exato ponto, há uma expressão grega no texto de Schopenhauer, no entanto, ela é suprimida por Asher. Trata-se da expressão 'Αφροδτη πνδημος (Afrodide pandemos) (Cf. W II, Cap. 44, p. 640) (N. T).

[27] Confira todo esse parágrafo em: W II, Cap. 44, p. 640-641 (N. T).

[28] Confira todo esse parágrafo em: W II, Cap. 44, p. 641-643; os grifos são de David Asher (N. T).

[29] De acordo com Barboza: “Não há nada mais impostor que a volúpia” (Cf. W II, Cap. 44, p. 644) (N. T).

[30] Novamente aqui há uma ocorrência estranha do uso das aspas, porque logo na sequência Asher não continua uma citação longa cadenciada, mas parece cortar partes, sem avisar com uso de colchetes e três pontos “[...]”, como é comumente feito em nossos dias (N. T).

[31] Aqui, Asher suprime uma parte do texto, onde se lê “Em geral, isso é válido para os anos em que principia e termina a menstruação, entretanto, damos decisiva preferência...” (W II, Cap. 44, p. 646) (N. T).

[32] Também aqui há um pequeno salto no texto onde Schopenhauer cita Jesus Sirach sobre os pés das mulheres: Cf. W II, Cap. 44, p. 647 (N. T).

[33] Novamente aqui há pequenos saltos, onde se lê que essa referida atração incomum pelos seios fartos é promessa de rico alimento para o recém-nascido, e que aquilo que nega a mulher gorda não é a cabeça, mas o instinto: Cf. W II, Cap. 44, p. 647 (N. T).

[34] O trecho entre parentes é um acréscimo exclusivo de Asher, ou seja, não há parentes no texto de Schopenhauer (N. T).

[35] Novamente, aqui há outro pequeno salto: Cf. W II, Cap. 44, p. 648 (N. T).

[36] Confira todo esse parágrafo em W II, Cap. 44, p. 646-648 (N. T).

[37] Há aqui não só um salto, mas também uma breve adaptação: Cf. W II, Cap. 44, p. 648 (N. T).

[38] Novamente, um pequeno salto: Cf. W II, Cap. 44, p. 648 (N. T).

[39] Confira todo esse parágrafo em W II, Cap. 44, p. 648 (N. T).

[40] Confira a dita consideração psíquica em W II, Cap. 44, p. 648-649 (N. T).

[41] Esse início de citação se trata de uma adaptação de Asher em que Schopenhauer expõe apenas as considerações relativas e individuais em relação ao tema do amor sexual, deixando de lado as considerações absolutas que valem para qualquer um, Cf. W II, Cap. 44, p. 650 (N. T).

[42] Os três pontos não aparecem no texto de Schopenhauer. Em Asher eles indicam um salto na citação. Até aqui, confira W II, Cap. 44, p. 650 (N. T).

[43] Dos três pontos até aqui, confira W II, Cap. 44, p. 653-654 (N. T).

* Uma obra do Sr. Darwin, aplicando sua teoria ao homem, está agora no prelo. — Ed (N. A).

[44] Asher refere-se na nota (*) sobre a obra A origem do homem e a seleção sexual, lançada em fevereiro de 1871 (um mês após a publicação deste texto). Vale repetir que foi justamente na segunda edição desta referida obra (1874), que Darwin citou o presente artigo, e, por conseguinte, um dos trechos das traduções que Asher fez de Schopenhauer, do alemão para o inglês: reveja minhas notas 16 e 20 (N. T).

[45] Confira o referido trecho em: Origem das espécies, Cap. XV, p. 553 (N. T).

[46] Cf. Origem das espécies, Cap. I, p. 62 (N. T).

[47] Cf. idem (N. T).

Origem das espécies, 4ª Ed., p. 37 (N. A).

[48] No trecho, Asher não está se referido à rubrica “seleção sexual” que compõe a segunda parte da obra A origem do homem e a seleção sexual. Como ele mesmo indica pouco acima, esta ainda estava no prelo. A “seleção sexual”, neste caso, trata de uma das seções do capítulo IV da Origem das espécies (N. T).

[49] Confira o trecho a ser destacado por Asher na sequência em: Origem das espécies, Cap. IV, p. 119 (N. T).

[50] No texto de Asher: “type of the human race” (N. T).

[51] Cf. Antônio e Cleopatra, ato I, cena I, tradução de Barbara Heliodora.

[52] Provavelmente essa Nota foi enviada para o The Journal of Anthropology posteriormente ao envio do texto original – entre a data assinada logo acima, ou seja, o mês de maio de 1870 e a publicação em janeiro de 1871 – com acréscimo do pedido de que ela fosse registrada ao final do texto.