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Universidade Federal de Santa Maria
Voluntas, Santa Maria, v. 13, n. 1, e1, 2022
Submissão: 14/07/2022 • Aprovação: 19/07/2022 • Publicação: 08/08/2022
2 CAPITALISMO DE BEM-ESTAR SOCIAL
3 DEMOCRACIA DOS CIDADÃOS-PROPRIETÁRIOS
Teoria de John Rawls
Rawls, justiça distributiva e regimes socioeconômicos
Rawls, distributive justice and socioeconomic regimes
I Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
RESUMO
Em Uma teoria da justiça, John Rawls desenvolve os principais conceitos de sua concepção de justiça conhecida como “justiça como equidade”. Nosso foco é o aspecto distributivo desta concepção. O presente artigo procura mostrar características definidoras de uma sociedade organizada conforme as demandas de justiça dos dois princípios de justiça rawlsianos. Para tanto, exploramos os principais aspectos de uma democracia dos cidadãos-proprietários e do socialismo liberal, que são os exemplos de modelos de organização socioeconômica citados por Rawls como compatíveis com sua concepção de justiça.
Palavras-chave: Rawls; Democracia dos cidadãos-proprietários; Socialismo liberal
ABSTRACT
Keywords: Rawls; Property-owning democracy; Liberal socialism
Cinco décadas após a publicação de Uma teoria da justiça, a importância da principal obra de John Rawls segue indisputável. Acreditamos que a tendência de aumento da desigualdade no mundo nas últimas décadas[1] pode reforçar o caráter crucial de sua contribuição à filosofia política.
Nosso objetivo neste artigo é ilustrar as características gerais de uma sociedade em consonância com os dois princípios de justiça de Rawls encontrados em Uma teoria da justiça. Para tanto, utilizamos três modelos de organização socioeconômica citados pelo próprio autor – dois deles recomendados pela justiça como equidade e outro que não satisfaz completamente suas exigências de justiça. Servimo-nos também de textos secundários indicados pelo próprio Rawls para elucidar as características destes sistemas.
A primeira seção corresponde ao capitalismo de bem-estar social. Veremos como Rawls considera que este regime não atende à totalidade das exigências de justiça dos seus dois princípios.
Na segunda seção abordamos a democracia dos cidadãos-proprietários, especialmente em comparação ao capitalismo de bem-estar social. O tipo específico de democracia dos cidadãos-proprietários abordado será derivado da teoria do economista inglês James E. Meade, citado por Rawls em Uma teoria da justiça. Ali, encontramos os mecanismos básicos de funcionamento deste regime.
O objeto da terceira seção é o socialismo liberal. Examinamos três tipos de socialismo liberal: dois deles encontrados em livro do economista americano John Roemer, indicado por Rawls em suas aulas em Harvard, e um posterior, sugerido por William Edmundson.
A última seção aborda argumentos de Edmundson com o intuito de estabelecer o socialismo liberal como uma escolha superior à democracia dos cidadãos-proprietários quanto à realização da justiça como equidade na sociedade.
2 CAPITALISMO DE BEM-ESTAR SOCIAL
Começamos pelo capitalismo de bem-estar social. Embora uma longa tradição de autores identifique Uma teoria da justiça como uma obra em defesa do capitalismo de bem-estar social contra uma espécie de capitalismo laissez-faire desenfreado, Rawls em momento algum teve esta intenção específica[2]. Publicada em paralelo ao início do protagonismo do estado de bem-estar social como objeto de discussão na vida pública americana[3], Uma teoria da justiça não contém sequer uma entrada da palavra “capitalismo” e nenhuma das vezes em que o tema “bem-estar” é abordado durante o livro é em relação ao capitalismo[4]. Mesmo assim, no prefácio à edição revista de 1990, cerca de 20 anos após a publicação original de 1971, Rawls reconhece que poderia ter deixado claro que a justiça como equidade não justifica ou defende o capitalismo de bem-estar social: “Outra alteração que eu faria agora seria distinguir com mais nitidez a ideia de democracia dos cidadãos-proprietários da ideia do estado de bem-estar social”[5]. Trataremos da democracia dos cidadãos-proprietários em seguida. Por ora, é importante estabelecer que o capitalismo de bem-estar social é um regime que permite intensa concentração de renda por poucos indivíduos e, por isto, desrespeita o valor equitativo das liberdades políticas.
Este conceito é um atributo do primeiro princípio de justiça de Rawls[6]. O objetivo do valor equitativo das liberdades políticas é garantir que todos os membros de uma sociedade tenham acesso a uma distribuição igualitária das liberdades políticas fundamentais (dentre as quais estão o direito ao voto, o direito de participação política, a liberdade de expressão e o direito à integridade da pessoa, por exemplo). Uma distribuição acentuadamente desigual de propriedade distorce os procedimentos políticos adequados, pois quem detém mais capital tem mais condição de influenciar as decisões políticas, seja por meio de interferência da mídia ou lobby político direto, de modo que o direito à participação política torna-se desigual. O financiamento público de campanha, o meio imediato de fortalecer o valor equitativo das liberdades políticas, não é suficiente para adequar o capitalismo de bem-estar social aos dois princípios de justiça porque o controle da economia permanece nas mãos de poucos grupos com poder de influenciar políticas públicas e econômicas de governos eleitos. Ainda é permitido que uma pequena classe de indivíduos e famílias concentre enormes volumes de riquezas e reúna os meios para que seus direitos políticos sejam mais fortes que os da maioria menos favorecida. Como o valor igualitário da participação política é fundamental para a percepção dos indivíduos como cidadãos iguais, uma sociedade ordenada de acordo com a concepção de justiça de Rawls deve ter uma distribuição suficientemente igualitária para respeitar as exigências do primeiro princípio, mais que do segundo: “it is the First Principle, rather than the Second, which carries the egalitarian punch. It is the First Principle, even more than the Second, which is likely to force strong egalitarianism with regard to primary social goods other than liberty”[7].
O ataque mais severo de Rawls a este sistema econômico vem, porém, de uma de suas cartas endereçada a Van Parijs. Nela, Rawls julga que mesmo o capitalismo de bem-estar social europeu sustenta uma classe econômica detentora de vastas quantias de capital que tem por único objetivo eliminar qualquer obstáculo para obtenção de ainda mais capital:
The large open market including all of Europe is aim of the large banks and the capitalist business class whose main goal is simply larger profit. The idea of economic growth, onwards and upwards, with no specific end in sight, fits this class perfectly. If they speak about distribution, it is [al]most always in terms of trickle down. The long–term result of this — which we already have in the United States — is a civil society awash in a meaningless consumerism of some kind.[8]
A violação do valor equitativo da liberdade política é uma falha aparentemente intrínseca e incontornável do capitalismo de bem-estar social: mesmo na melhor das hipóteses, pareceria que o capitalismo de bem-estar social somente seria capaz de mitigar os problemas de justiça distributiva sem jamais resolvê-los por completo. É preciso estabelecer instituições de fundo com a função de dispersar a riqueza antes mesmo que este acentuado nível de desigualdade se estabeleça. A seção seguinte, que trata da democracia dos cidadãos-proprietários, tornará ainda mais clara a razão pela qual o capitalismo de bem-estar social responde de forma insuficiente às exigências dos dois princípios de justiça em contraste com a democracia dos cidadãos-proprietários.
3 DEMOCRACIA DOS CIDADÃOS-PROPRIETÁRIOS
O primeiro regime mencionado positivamente por Rawls em relação à compatibilidade com os dois princípios de justiça é a democracia dos cidadãos-proprietários. O entendimento que Rawls tem deste sistema advém em larga medida do livro Efficiency, Equality and the Ownership of Property do economista inglês James E. Meade. Quando comparamos os elementos fundamentais entre os textos, concluímos que, à exceção de excêntricas propostas eugenistas da parte de Meade, os textos são em grande parte compatíveis. Levando em consideração que, como observam Martin O’Neill e Thad Williamson[9], Rawls não fornece o design institucional completo e funcional de uma democracia dos cidadãos-proprietários, utilizamos o livro de Meade como referência para este sistema.
O objetivo de Meade é propor mudanças sistêmicas para evitar o agravamento da concentração de propriedade devido à implementação da automação na economia:
Suppose that automation should drastically reduce q [a proporção da renda nacional derivada dos salários]. […] There would be a limited number of exceedingly wealthy property owners; the proportion of the working population required to man the extremely profitable automated industries would be small; wage rates would thus be depressed; there would have to be a large expansion of the production of the labour-intensive goods and services which were in high demand by the few multi-multi-multi-millionaires; we would be back in a super-world of an immiserized proletariat and of butlers, footmen, kitchen maids, and other hangers-on.[10]
A renda do trabalho deixaria de ser distribuída porque o trabalho deixaria de ser realizado por trabalhadores remunerados para, em vez disso, ser substituída por maquinário especializado possuído por grandes investidores. Longe de ser um problema somente teórico ou futuro, a concentração da renda do capital era já uma questão premente no Reino Unido em 1964, quando o livro foi pela primeira vez publicado[11]. No Brasil estima-se que 60% dos postos de trabalho correm risco de serem automatizados nas próximas décadas[12].
Meade, tal como Rawls, conclui que um estado de bem-estar social não possui todos os meios necessários para distribuir a riqueza eficazmente pela sociedade: seu sistema de redistribuição pode dificultar uma elevada disparidade entre a renda do trabalho, mas dificilmente o estado de bem-estar social conseguirá ajustar o capital entre as classes sociais, de modo que a elite proprietária gozará constantemente de mais poder de barganha, mais segurança econômica, mais liberdade pessoal e maior capacidade de influenciar a vida pública[13]. A democracia dos cidadãos-proprietários é pensada, portanto, especificamente com a finalidade de equilibrar os índices de renda do capital e dispersar a riqueza através da sociedade. Com este intuito, ela deve complementar as políticas públicas de um estado de bem-estar em vez de substituí-las completamente[14]. Seu objetivo é que nenhum cidadão possua nem quantidades muito grandes, nem muito pequenas de propriedade, e que a renda do trabalho de cada cidadão possa ser complementada com a renda de sua propriedade. Uma das vantagens desse sistema é a prevenção da escravidão salarial: como o indivíduo está apoiado pela renda de sua parcela do capital, não sofre a pressão da subsistência que o força a aceitar qualquer serviço, mesmo em troca de remuneração diminuta, porque precisa pagar custos básicos e necessários para sobreviver em condições minimamente aceitáveis. Deste modo, os serviços mais indesejáveis deverão ser bem remunerados, pois retiramos da equação a necessidade financeira que forçaria os homens a exercerem os piores serviços em troca de qualquer renda.
Podemos perceber que a principal diferença entre uma democracia dos cidadãos-proprietários e um estado de bem-estar social é que, enquanto o capitalismo de bem-estar social aborda o problema da justiça distributiva de maneira ex post, uma democracia dos cidadãos-proprietários funciona de modo reverso: ex ante. Em um estado de bem-estar social as desigualdades distributivas já estão realizadas e as instituições tentam apenas mitigá-las por meio da redistribuição de renda (geralmente derivada de taxação progressiva) sem atacar as estruturas da desigualdade, especialmente de capital. Em uma democracia dos cidadãos-proprietários, o capital é distribuído ex ante, dissipado a cada geração por meio de pesados impostos sobre herança, de modo a impedir a concentração de capital antes que as desigualdades acentuadas se manifestem:
One major difference is this: the background institutions of property-owning democracy work to disperse the ownership of wealth and capital, and thus to prevent a small part of society from controlling the economy, and indirectly, political life as well. By contrast, welfare-state capitalism permits a small class to have a near monopoly of the means of production.[15]
Os principais meios pelos quais as instituições de fundo de uma democracia dos cidadãos-proprietários previnem a concentração de capital por um pequeno segmento da sociedade são o imposto sobre herança e o imposto sobre transferências financeiras. É através deles que a concentração de capital é desmontada a cada turno geracional e a renda derivada deste processo é distribuída com o intuito de equalizar as taxas de propriedade por toda a sociedade. Como preconiza Rawls: “A herança é permissível, contanto que as desigualdades resultantes tragam vantagens para os menos afortunados e sejam compatíveis com a liberdade e com a igualdade equitativa de oportunidades”[16]. Como consequência, o direito dos mais ricos à herança só é legítimo enquanto melhorar a situação dos menos favorecidos. Se um sistema de transmissão descontrolada de heranças acentua e conserva as injustiças que violam os dois princípios de justiça e o esquema proposto por Meade traz vantagens sistêmicas àqueles que se encontram em pior situação na sociedade, então a forte taxação sobre herança é justificável.
Uma democracia dos cidadãos-proprietários pode também fazer uso de ferramentas clássicas de um estado de bem-estar social, como um imposto progressivo sobre a renda do capital (um elemento ex post de justiça distributiva) para custear o funcionamento do Estado e investir em propriedades públicas[17]. Este imposto progressivo poderia ademais cumprir a função de, quando necessário, financiar políticas básicas de redistribuição de renda de modo a que desigualdades exageradas que manifestem-se na janela de uma geração possam ser amenizadas antes que os impostos sobre herança se apliquem. Este imposto progressivo sobre a renda constitui uma diferença importante entre Meade e Rawls. O filósofo americano, talvez surpreendentemente, não considerava necessário este dispositivo fiscal. Para Rawls, como a distribuição justa dos frutos da cooperação social já foi realizada ex ante por meio dos impostos sobre herança e transferência de renda, os custos de manutenção do Estado devem ser financiados por um imposto fixo sobre o consumo que comporte isenções fiscais para aqueles abaixo de uma determinada faixa de renda: “income taxation might be avoided altogether and a proportional expenditure tax adopted instead, that is, a tax on consumption at a constant marginal rate”[18].
Se plenamente satisfeito em um primeiro momento, a igualdade equitativa de oportunidades é um requerimento de justiça que permite diferenças salariais posteriores: pessoas de talentos semelhantes teriam a mesma chance de obter os cargos que desejam e os salários maiores seriam ferramentas exclusivamente compensatórias (serviriam, por exemplo, para compensar o tempo e os recursos investidos no domínio de um saber) ou como incentivo alocativo para que profissionais trabalhem em regiões onde seu serviço é escasso. Mas Richard Krouse e Michael McPherson, contra Rawls e concordando com Meade, consideram que mesmo que a diferença salarial não represente uma violação de justiça, o princípio de diferença exigiria que esse diferencial positivo de rendas do salário fosse taxado e transferido para os que não tiveram a mesma sorte ou talento e, portanto, têm salários menores:
Thus, if and to the extent that such premiums could, without having an unduly adverse effect on incentives, be transferred to the least advantaged through a scheme of progressive taxation, such a tax and transfer policy would clearly be required by the difference principle.[19]
Rawls concede, contudo, que embora o estado não deva ser financiado por um imposto progressivo de renda, este pode ser instituído caso as desigualdades de renda perturbem os índices toleráveis de desigualdade compatíveis com o valor equitativo da liberdade política:
Portanto, pode ser melhor usar a tributação progressiva apenas quando é necessária para proteger a justiça da estrutura básica no tocante ao primeiro princípio de justiça e à igualdade equitativa de oportunidades e, assim, evitar acúmulos de propriedade e poder que provavelmente solapam as instituições correspondentes.[20]
Para Meade, tão importante quanto regular as taxas de herança é garantir que todos tenham acesso a uma boa educação: “The inheritance of a good education would be just like the inheritance of tangible wealth from rich parents.”[21] Uma democracia dos cidadãos-proprietários não conseguirá equalizar a distribuição de capital sem um plano sério de investimento em educação que permita que todos possam desenvolver seus talentos, de modo que o diferencial salarial torne-se progressivamente menos acentuado: “Future developments of educational policy could have a profound effect upon the distribution of earning power and so indirectly, through the power to accumulate, upon the distribution of property.”[22] Isto também demonstra a conformidade da democracia dos cidadãos-proprietários com a segunda parte do segundo princípio de justiça de Rawls[23], pois o princípio da igualdade equitativa de oportunidades requer não apenas que não haja impedimento legal algum para que qualquer indivíduo ou grupo de indivíduos acesse certas posições (ou um esquema legal que favoreça estruturalmente alguns membros da sociedade em detrimento de outros), mas exige também que todos tenham chances factíveis de concorrer em igualdade de condições pelos mesmos cargos. A igualdade de oportunidades imposta pelo segundo princípio de justiça de Rawls exige que indivíduos de talentos e disposições semelhantes tenham as mesmas chances de ocupar as mesmas posições, independentemente de sua posição social. Ou seja, o sucesso educacional e econômico dos indivíduos não pode estar atrelado à capacidade de investimento financeiro em educação à disposição de suas famílias.
Consideramos, portanto, que uma democracia dos cidadãos-proprietários é efetiva quando a parcela do capital produtivo dispersada atinge um tal grau de equalização de capital que todos tenham uma parcela do capital produtivo suficiente para satisfazer ao menos suas necessidades básicas. Esta desconcentração de capital é uma demanda necessária da concepção de justiça rawlsiana para satisfazer plenamente o primeiro princípio de justiça: “ampla dispersão da propriedade que é, ao que parece, uma condição necessária à manutenção do valor equitativo das liberdades iguais”[24].
Outro regime indicado por Rawls como compatível com sua concepção de justiça é o socialismo liberal. Em suas aulas sobre a história da filosofia política em Harvard, posteriormente compiladas em livro, Rawls define assim as quatro características fundamentais de um regime socialista liberal:
(a) A constitutional democratic political regime, with the fair value of the political liberties.
(b) A system of free competitive markets, ensured by law as necessary.
(c) A scheme of worker-owned business, or, in part, also public-owned through stock shares, and managed by elected or firm-chosen managers.
(d) A property system establishing a widespread and a more or less even distribution of the means of production and natural resources.[25]
Claro está, após a leitura deste texto, que não se trata de partido único ou economia planificada: a concepção de socialismo liberal endossada por Rawls depende de um sistema eleitoral livre e amplo, além de uma estrutura de mercado capaz de assegurar certo grau de eficiência econômica, além de liberdades de atuação econômica aos indivíduos[26]. Após a definição acima, Rawls indica um livro do economista americano John Roemer como referência sobre um sistema socialista liberal.
Diferentemente da estatização total da economia empreendida pelos governos socialistas no século XX com o propósito de abolir a exploração do valor do trabalho dos funcionários pelos patrões, Roemer propõe a dispersão da propriedade produtiva e de sua renda, mas em linhas gerais de modo privado: seu objetivo é uma distribuição igualitária dos meios de produção e não a nacionalização generalizada destes. Para ele, as injustiças do capitalismo derivam da concentração de grande volume de propriedade produtiva em posse de poucos indivíduos[27], de modo que a exploração do trabalho e a dominação de uma classe pela outra são consequências secundárias deste problema central: “the proper Marxian claim, I think, is for equality in the distribution of productive assets, not for the elimination of exploitation”[28]. Roemer acredita que os objetivos socialistas de igualdades de autorrealização, status social e influência política não necessitam da abolição da propriedade privada produtiva e dos mercados. De fato, ele argumenta que entre a sacralidade da propriedade privada e a estatização social existem muitas possibilidades de organização econômica que devem ser examinadas em função de suas capacidades de equalização da propriedade[29].
Politicamente, um regime socialista liberal compreenderá partidos políticos de orientação socialista competindo com partidos políticos de outras ideologias. Mesmo em caso de eventuais derrotas eleitorais, uma sociedade poderia continuar a identificar-se como socialista caso as características principais do sistema não sejam desfeitas. Por exemplo, a fim de preservar a estabilidade do sistema, um regime socialista poderia, por meio de sua constituição, delimitar os níveis permissíveis de acumulação de propriedade em artigos constitucionais que só poderiam ser revistos através de uma larga maioria legislativa contrária:
Nevertheless, a regime of market socialism might well be characterized by its constitution, which might limit the permissible degree of accumulation of private property in productive assets and perhaps explicitly describe other kinds of property that are (constitutionally) protected.[30]
4.1 Firmas autogeridas
A primeira opção elaborada por Roemer envolve empresas geridas pelos próprios trabalhadores. Embora por si só estas empresas já possam adotar medidas de bem-estar e ampliar os direitos dos funcionários, o que realmente importa neste cenário é a alteração da distribuição dos lucros da firma. Sua finalidade é que os lucros após o pagamento dos custos de operação não sejam distribuídos a um proprietário ou poucos acionistas que geralmente não contribuem na produção, mas que a totalidade dos lucros seja distribuída somente entre aqueles diretamente envolvidos com a atividade da empresa (ou seja, trabalhadores e investidores[31]). Por consequência, as rendas do capital produtivo deixarão de ser concentradas em uma elite patrimonial para serem distribuídas mais largamente para um número maior de pessoas.
Para proteger os funcionários das variações do mercado e assegurar que diferenciais de sucesso de empresas não se traduzam em diferenças de distribuição de renda muito acentuadas na população geral, o Estado deve gerir um fundo de contribuições financiado por todas as empresas para distribuir às pessoas uma quantia complementar quando necessário. Assim, o empregado de uma empresa média não receberia muito menos que um empregado de uma grande empresa devido a um pagamento ex post realizado pelo Estado: “The wage should consist of two parts: a fixed part would be paid directly to the worker; and another part, which would vary with the firm’s fortunes, would be invested in the national social security fund”[32]. Destarte, reforça-se também uma espécie de reciprocidade econômica que eleva a situação dos trabalhadores menos favorecidos conforme o sucesso de outros cria mais vantagens.
4.2 Administração tradicional & vouchers
O segundo modelo também tem por objetivo a difusão dos lucros das empresas, mas mantém a estrutura geral de administração das firmas. Em economias capitalistas os donos de empresas contratam administradores que são em grande parte responsáveis pelo sucesso ou pelo fracasso do empreendimento: cuidam de gerenciar, planejar e executar políticas com o intuito de maximizar os lucros que serão posteriormente distribuídos aos donos. No modelo de Roemer, as empresas são geridas por administradores privados com as mesmas funções e incentivos para maximização do lucro de uma empresa privada, mas os lucros são direcionados a um sistema de vouchers que paga dividendos a toda a população, ou divididos exclusivamente entre aqueles diretamente envolvidos com a produção, em vez de transferidos a poucos proprietários e concentrados em uma parcela muito reduzida da população. Embora contratados pelo governo, os administradores não respondem a nenhuma espécie de comitê central de planificação econômica, mas têm sua atividade financiada e monitorada por bancos, que avaliarão sua eficiência administrativa.
Roemer conta ainda com a manutenção parcial de um mercado de ações em que vouchers de fundos de ações destas empresas são distribuídos para todos os adultos, de modo que o lucro dissolva-se na sociedade por meio do pagamento dos dividendos das ações deste fundo. Os vouchers de ações apenas poderiam ser trocados por outros vouchers, mas não são negociáveis por dinheiro – a distribuição igualitária dos vouchers deve ser inegociável para garantir que os dividendos alcançarão sempre o maior número de pessoas. Caso a aquisição de vouchers fosse livre, rapidamente seriam concentrados por aqueles que possuem mais patrimônio e o objetivo de dissipação de renda seria anulado[33].
De modo semelhante à democracia dos cidadãos-proprietários, este arranjo de divisão de lucros tem como consequência a dissolução de uma classe de proprietários que concentra todos os meios de produção e seus lucros: “The entire product is distributed to the cooperative producers: no class exists that claims part of the product but whose members do not participate in production.”[34] Também é fundamental nas duas propostas esboçadas, como em qualquer proposta séria de realizar a justiça como equidade, um forte investimento em educação capaz de equalizar as desigualdades educacionais em uma sociedade:
I think it is incontrovertible that a key reform necessary to achieve the equality of opportunity desired by socialists is massively improved education for the children of the poor and working class. Only through education can the difference in opportunities faced by them and the children of the well-off be eradicated; only when skills become less unequally distributed, because of education, will wage differentials narrow significantly.[35]
4.3 O caso trabalhista britânico
As possibilidades de organização de uma sociedade socialista liberal não se limitam aos modelos propostos por Roemer. William Edmundson, por exemplo, sugere que o governo trabalhista de Clement Attlee (1945-1951) no Reino Unido é um caso real deste tipo de regime[36]. Não analisaremos detalhadamente em que medida este juízo é verdadeiro, mas, ao menos em teoria, a asserção parece correta. Dos quatro princípios da declaração política do Partido Trabalhista em 1949 - visando as eleições de 1950 e intitulada Labour Believes in Britain -, um responde a uma situação particular britânica, enquanto os outros três são completamente compatíveis com a justiça como equidade:
First, we believe that inequality of opportunity and gross inequality of wealth are both morally unjust and economically crippling. We have set out, therefore, to establish equality of opportunity for all and to abolish extremes of wealth and poverty. Second, we believe that the economic destinies of the people should not be dictated by a privileged minority of owners. We have set out, therefore, to place economic power in the hands of the nation. Third, we believe that capitalism has, through inefficiency and unemployment, wasted the capacity to produce that the machine has put in our hands. We have set out, therefore, to enlarge the productive power of the nation, to banish mass unemployment, and so to raise the standard of life of the people. Fourth, we believe that only by creating a flourishing and sensible democracy, as virile in industry as in the council chamber and Parliament, can we enhance human dignity and individual freedom.[37]
Mais importante que a compatibilidade teórica, a administração de Attlee implementou importantes programas de seguridade social (como o financiamento público de um sistema de saúde[38]), efetivou a possibilidade de que crianças de qualquer classe social tivessem acesso a todas as formas e níveis de educação[39], estabeleceu um sistema progressivo de taxação para amenizar as desigualdades de renda[40] e aumentou os impostos sobre a herança para atacar as desigualdades de distribuição de propriedade [41]. Infelizmente não podemos avaliar o sucesso de longo prazo do modelo, nem em que medida conseguiria dissipar o capital através da sociedade, pois o Partido Conservador retornou ao poder em 1951. Ora, os efeitos equalizadores de impostos sobre herança, por exemplo, não se manifestam na breve duração de um mandato.
Quanto ao regime de propriedade produtiva, o governo de Attlee caracterizou-se pela nacionalização de setores-chave da economia, os chamados commanding heights[42]. O Manifesto Trabalhista de 1945, denominado Let Us Face the Future, planejava a nacionalização de alguns setores da economia: as indústrias de energia (carvão, eletricidade), de transporte (terrestre, aéreo e canais) e de metalurgia (ferro e aço). O Banco da Inglaterra também deveria ser nacionalizado. Pequenos negócios ou indústrias secundárias, entretanto, não precisariam ser submetidos a este processo e poderiam seguir em mãos de proprietários privados. Attlee de fato conseguiu efetivar a nacionalização destas indústrias[43], cujo capital deixa de concentrar-se em poucos proprietários e passa para o Estado, que deve empregá-lo da forma mais eficiente para alcançar uma distribuição aparentada às exigências dos dois princípios rawlsianos de justiça.
5 ESCOLHA ENTRE OS REGIMES
Rawls afirma que a justiça como equidade não requer necessariamente a aplicação de um arranjo político e econômico específico para funcionar, de modo que tanto o socialismo liberal quanto a democracia dos cidadãos-proprietários são opções plenamente válidas para organizar uma sociedade conforme as exigências dos dois princípios de justiça[44]. Quando a escolha entre estes dois (ou mais) regimes precisa ser feita, Rawls recomenda um exame do contexto da sociedade em que o regime será implementado:
When a practical decision is to be made between property-owning democracy and a liberal socialist regime, we look to society's historical circumstances, to its traditions of political thought and practice, and much else. Justice as fairness does not decide between these regimes but tries to set out guidelines for how the decision can reasonably be approached.[45]
Contudo, William Edmundson argumenta que o socialismo liberal é sempre a opção que realizará da melhor forma as demandas de justiça da justiça como equidade.
Seus argumentos consistem numa comparação efetuada entre a democracia dos cidadãos-proprietários e o socialismo liberal, de um lado, e a concepção ralwsiana de estabilidade, de outro. Para Rawls, o conceito de estabilidade envolve mais do que somente a ausência de ameaças à integridade do acordo firmado sobre uma concepção de justiça – também é preciso que a concepção de justiça gere nos cidadãos o desejo de manter o acordo firmado e defender os princípios de justiça escolhidos:
Uma característica importante de uma concepção de justiça é que ela deve gerar sua própria sustentação. Seus princípios devem ser tais que, quando integrados à estrutura básica da sociedade, os homens sintam-se inclinados a adquirir o senso de justiça correspondente e passem a ter vontade de agir segundo seus princípios. Nesse caso, a concepção de justiça é estável.[46]
Uma sociedade que gera fortes conflitos entre os segmentos da população, que precisa patrulhar o senso de justiça dos cidadãos, ou que dependa do uso de força para se preservar, não pode ser considerada estável. Edmundson tenta mostrar que a democracia dos cidadãos-proprietários adiciona elementos desestabilizadores na sociedade, enquanto o socialismo liberal gera sua própria sustentação.
O primeiro argumento refere-se ao aspecto reconciliatório derivado do regime de propriedades dos dois sistemas. O socialismo liberal retiraria de uma vez por todas do debate público a questão do status de propriedade de indústrias-chave da economia, uma vez que requereria sua nacionalização. Na democracia dos cidadãos-proprietários, porém, sempre haveria divergência entre aqueles que desejariam a nacionalização destas indústrias e aqueles que quereriam somente dissipar seu capital:
Liberal socialism at least limits the scope of this divisiveness to the distribution of productive assets that are not “major” and thus not already required to be in public hands. Property-owning democracy, as we shall see, keeps this potentially divisive issue always fully alive. The reconciliation requirement appears to favor liberal socialism. [47]
O socialismo liberal seria superior à democracia dos cidadãos-proprietários também quanto ao critério de publicidade da concepção de justiça devido a regras mais claras e bem definidas de regime de propriedade. Em uma democracia dos cidadãos-proprietários muitos aspectos precisam ser monitorados e corrigidos constantemente, mas nem todos serão de conhecimento público de todos os cidadãos. Já em um regime socialista liberal, a nacionalização dos setores-chave da economia é resultado de um acordo baseado em critérios mais simples e de fácil uso no debate público, mesmo para aqueles que se opõem a ela. Para Edmundson, a manutenção dos mecanismos de uma democracia dos cidadãos proprietários exigiria um nível de controle econômico difícil de alcançar[48] e, por isto, ele conclui:
A property-owning democracy thus cannot sustain the claim that “acceptance of the two principles constitutes an understanding to discard as irrelevant as a matter of social justice much of the information and many of the complications of everyday life” (TJ 76). The publicity condition favors liberal socialism.[49]
Por fim, o socialismo liberal responde melhor ao critério de reciprocidade na medida em que indústrias em regime de propriedade pública criariam nos cidadãos um sentimento de pertencimento em que todos se veem como coparticipantes da vida econômica pública, pois os ganhos das empresas nacionalizadas são de todos e para todos: “In liberal socialism, citizens, as co-owners of publicly held means of production, can readily recognize themselves as standing in a permanent relationship of reciprocity.”[50] Por outro lado, argumenta Edmundson, os mecanismos utilizados por uma democracia dos cidadãos-proprietários para equalizar as rendas do capital são desestabilizantes na medida em que acentuam rivalidades entre os cidadãos que serão taxados pelo regime e os que receberão a parcela resultante do capital: “The attempt to perform the redistributions required in a property-owning democracy, and to defend their empirical bases, would be ‘socially divisive’...”.[51]
Edmundson adiciona que a democracia dos cidadãos-proprietários ameaça a estabilidade do respeito ao valor equitativo das liberdades políticas: “Even if private ownership of the capital asset in question were certain to be more efficient, a transfer of ownership of this magnitude has an incalculable effect on the value of political liberty. Property-owning democracy introduces instability.”[52] Porém, esperaríamos de uma democracia dos cidadãos-proprietários bem sucedida - na qual as instituições de fundo conseguem eficientemente prevenir a acumulação de capital por meio de taxação de heranças, transferências e de um imposto de renda progressivo - que o capital esteja tão dissipado a ponto de não oferecer risco ao primeiro princípio de justiça: que ninguém concentre tanto capital a ponto de poder interferir no valor igualitário das liberdades políticas. Ademais, a nacionalização de indústrias-chave, por si só, não parece ser suficiente para a preservação do valor equitativo das liberdades políticas, uma vez que Edmundson considera que nem toda empresa grande constitui uma commanding-height propícia para o processo de nacionalização[53]. Assim, grandes empresas de capital privado ainda poderiam gerar um ambiente fértil para a influência negativa do capital privado no valor equitativo das liberdades políticas. Se este for o caso, outras instituições de fundo deveriam interceder para garantir a preservação do valor equitativo das liberdades políticas.
A rigor, parece-nos mais importante ser caridoso com o maior número possível de sistemas que se disponham a cumprir a concepção de justiça de Rawls, mantendo o rigor das exigências dos seus dois princípios, do que vincular a teoria rawlsiana da justiça a um regime socioeconômico específico.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo procuramos mostrar como que, diante do aumento da desigualdade nas sociedades contemporâneas, os princípios de justiça presentes em Uma teoria da justiça podem inspirar-nos a pensar sociedades mais igualitárias. Rawls formula sua teoria da justiça de modo a não necessitar especificamente de nenhum arranjo institucional socioeconômico peculiar, mas antecipou claramente dois modelos possíveis para realizá-la através do socialismo liberal e da democracia dos cidadãos-proprietários.
O essencial, a nosso juízo, é que as sociedades estejam organizadas de modo a satisfazer as exigências de justiça dos dois princípios de justiça e, portanto, que assegurem os direitos democráticos, uma desconcentração da propriedade produtiva e um sistema educacional permitindo que todos os indivíduos de talentos e disposições semelhantes tenham as mesmas chances de ocupar as mesmas vagas, independentemente de sua renda. Assim sendo, mais importante do que a nossa preferência pessoal entre a democracia dos cidadãos-proprietários, o socialismo liberal, ou porventura outro regime socioeconômico, nossos esforços de realização da justiça como equidade devem estar comprometidos acima de tudo com as liberdades políticas e a dispersão da propriedade produtiva, valores imprescindíveis para Rawls.
Este artigo é baseado em parte de uma dissertação de mestrado intitulada John Rawls e a justiça distributiva, defendida em fevereiro de 2021 no Programa de Pós-graduação em Filosofia da UERJ por Rennan Guerra Pinheiro e orientada por Luiz Bernardo Leite Araujo. Os autores gostariam de expressar seus agradecimentos aos membros da banca examinadora - Denilson Luís Werle (UFSC) e Marcos Henrique Rosa (UERJ) - pelos valiosos comentários.
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Contribuição de autoria
1 – Luiz Bernardo Leite Araujo
Professor de Filosofia da UERJ e Pesquisador do CNPq,
https://orcid.org/0000-0002-4195-1334 • lblaraujo@gmail.com
Contribuição: Escrita – Primeira Redação
2 – Rennan Guerra Pinheiro
Mestre em Filosofia pela UERJ
https://orcid.org/0000-0002-6237-5196 • rennpinheiro@gmail.com
Contribuição: Escrita – Primeira Redação
Como citar este artigo
ARAUJO, L. B. L; PINHEIRO, R. G. Rawls, justiça distributiva e regimes socioeconômicos. Voluntas Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v. 13, n. 1, e1, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179378671021. Acesso em: dia mês abreviado. ano.
[1] PIKETTY, O capital no século XXI, p. 287-8 mostra que os 10% mais ricos da sociedade americana detinham 30-35% da renda total americana na década de 1970 (quando Uma teoria da justiça é originalmente publicada), mas este valor alcançou os 45-50% nos anos 2000 a 2010. No mesmo período, o 1% mais rico da sociedade americana viu sua parcela da renda total mais que dobrar: de 9% em 1970 para 20% nos anos 2000-2010.
[2] KROUSE; McPHERSON, Capitalism, “Property-Owning Democracy,” and the Welfare State, p. 79, fornecem uma lista importante de autores que interpretam a posição de Rawls em Uma teoria da justiça como a de um defensor do capitalismo de bem-estar social.
[3] PUTNAM, A Half Century of Philosophy, Viewed from Within, p. 189: “With the publication of A Theory of Justice, however—which coincided with enormously important debates in American public life about the rightness or wrongness of the welfare state and over the requirements of social justice—ethics became extremely important, and once again large numbers of graduate students began to specialize in it.”
[4] Uma observação corroborada por Arthur DiQuattro: “The word ‘capitalism’ appears not once in A Theory of Justice.” DiQUATTRO, Rawls and Left Criticism, p. 56.
[5] RAWLS, Uma teoria da justiça, p. XL.
[6] “Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema total de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema similar de liberdades para todos.” (RAWLS, Uma teoria da justiça, p. 376). Garantir o valor equitativo das liberdades fundamentais envolve impedir que qualquer agente tenha acesso a mais liberdades políticas que outro. Por exemplo, entre outras coisas, todos devem ter o mesmo nível de acesso à liberdade de expressão, à liberdade de consciência e à liberdade de atuação política. Caso um indivíduo ou grupo tenha mais influência política que o resto da sociedade (por exemplo, por ter os meios para financiar candidatos que defendam seus interesses particulares em uma eleição) ou capture partes do Estado em sua vantagem, então este valor igualitário seria desrespeitado.
[7] DANIELS, Equal Liberty and Unequal Worth of Liberty, p. 280.
[8] RAWLS; VAN PARIJS, Three letters on The Law of Peoples and the European Union, p. 9
[9] “Rawls takes seriously economic rationality, and is not interested in describing an unworkable utopia: he is fully serious in the intention that property-owning democracy can be realized in modern societies. Yet Rawls never followed through on this institutional prospectus by providing a more detailed specification of the architecture of a fully functioning property-owning democracy, or any explanation of how modern capitalist economies might be converted into property-owning democracies, given the stiff resistance serious proposals for wealth redistribution inevitably face in existing capitalist democracies”. O’NEILL; WILLIAMSON, Property-Owning Democracy: Rawls and Beyond, p. 4.
[10] MEADE, Efficiency, Equality and the Ownership of Property, p. 33.
[11] “But the problem is not simply a hypothetical one of the future. Private property is at present greatly inflated by the national debt, and is very unequally distributed. With a real wage rate that acted as an ‘efficient’ price, property income (without any further automation) is already a very important element of total income.” MEADE, Efficiency, Equality and the Ownership of Property, p. 75.
[12] LIMA et al., O Futuro do Emprego no Brasil: Estimando o Impacto da Automação, p. 30.
[13] “The system [Welfare State] could be used to equalize incomes; but it would not directly equalize property ownership. Extreme inequalities in the ownership of property are in my view undesirable quite apart from any inequalities of income which they may imply. A man with much property has great bargaining strength and a great sense of security, independence, and freedom; and he enjoys these things not only vis-à-vis his propertyless fellow citizens but also vis-à-vis the public authorities”. MEADE, Efficiency, Equality and the Ownership of Property, p. 38-9.
[14] “These measures are needed, for the most part, to supplement rather than to replace the existing Welfare-State policies”. MEADE, Efficiency, Equality and the Ownership of Property, p. 75.
[15] RAWLS, Justice as Fairness: a restatement, p. 139.
[16] RAWLS, Uma teoria da justiça, p. 346.
[17] Meade sustenta: “it is probable that an annual tax assessed on capital wealth (whether it be invested in secure or risky forms) will have less adverse effect upon enterprise than one based on unearned income (which is the fruit of risky rather than of secure investments).” MEADE, Efficiency, Equality and the Ownership of Property, p. 54.
[18] RAWLS, Justice as Fairness: a restatement, p. 161.
[19] KROUSE; McPHERSON, Capitalism, “Property-Owning Democracy,” and the Welfare State, p. 97.
[20] RAWLS, Uma teoria da justiça, p. 347.
[21] MEADE, Efficiency, Equality and the Ownership of Property, p. 49.
[22] MEADE, Efficiency, Equality and the Ownership of Property, p. 59.
[23] O segundo princípio de justiça de Rawls diz que “As desigualdades econômicas e sociais devem ser dispostas de modo a que tanto: (a) se estabeleçam para o máximo benefício possível dos menos favorecidos que seja compatível com as restrições do princípio de poupança justa, como (b) estejam vinculadas a cargos e posições abertos a todos em condições de igualdade equitativa de oportunidades.” RAWLS, Uma teoria da justiça, p. 376.
[24] RAWLS, Uma teoria da justiça, p. 346.
[25] RAWLS, Lectures on the History of Political Philosophy, p. 323.
[26] “É mais importante que o sistema competitivo conceda espaço ao princípio da livre associação e da escolha individual de ocupação, num contexto de igualdade equitativa de oportunidades, e que ele permita que as decisões dos consumidores definam os itens a serem produzidos para fins privados.” RAWLS, Uma teoria da justiça, p. 385.
[27] “I believe capitalism is unjust (or ethically exploitative) because of sharply unequal ownership of the means of production.” ROEMER, Should Marxists be Interested in Exploitation?, p. 33.
[28] ROEMER, Should Marxists be Interested in Exploitation?, p. 53.
[29] ROEMER, A future for Socialism, p. 24: “nonprofit firms, limited-liability corporations, partnerships, sole proprietorships, public firms, social-democratic property, labor-managed firms, and other forms of social-republican property”.
[30] ROEMER, A future for Socialism, p. 110.
[31] Além de bancos públicos ou cooperativas de crédito, investidores podem ser também bancos privados administrados pelos funcionários: “LMFs [labor-managed firms] are financed by bank loans, and the banks themselves are LMFs.” ROEMER, A future for Socialism, p. 47.
[32] ROEMER, A future for Socialism, p. 48.
[33] A exposição inicial deste sistema está em ROEMER, A future for Socialism, p. 48-51 e uma exposição mais detalhada encontra-se nas páginas 66-74.
[34] ROEMER, What is Socialism Today? Conceptions of A Cooperative Economy, p. 46.
[35] ROEMER, A future for Socialism, p. 110
[36] EDMUNDSON, John Rawls: Reticent Socialist, p. 131: “Actual liberal democratic socialist regimes have existed: for example, Great Britain under Attlee.”
[37] FRANCIS, Economics and Ethics: The Nature of Labour's Socialism, 1945-1951, p. 225.
[38] “welfare reforms such as the National Health Service, which were non-contributory and predominantly funded by taxation.” FRANCIS, Economics and Ethics: The Nature of Labour's Socialism, 1945-1951, p. 226-7.
[39] “most crucially, Labour’s education policy, at least up to 1949, appeared to uphold the ideas of ‘free secondary education for all’ and ‘equality of educational opportunity’.” FRANCIS, A Socialist Policy for Education? Labour and the Secondary School, 1945‐51, p. 325.
[40] “In 1949-50 the income and surtax structure was much more progressive than it had been in 1938, although income tax concessions between 1945 and 1950 meant it was slightly less progressive than it had been at the end of the war. Labour's Chancellors increased the tax burden on the wealthy to even higher levels than had existed during the war.” FRANCIS, Economics and Ethics: The Nature of Labour's Socialism, 1945-1951, p. 227.
[41] “Some smaller estates were exempted from estate duty, while the rates on those estates between £2,000 and £7,500 were lowered. However, the rate of duty on estates over £12,500 was increased, with the maximum rate on the largest estates rising from 65 to 75 per cent. This attack on inherited wealth continued in subsequent years, and by 1950 the highest rate of duty had been raised to 80 per cent.” FRANCIS, Economics and Ethics: The Nature of Labour's Socialism, 1945-1951, p. 227-8.
[42] Os setores mais fundamentais e centrais de uma economia. Por exemplo, Joseph Schumpeter elaborou uma lista de indústrias que deveriam ser nacionalizadas em uma fase inicial de transição ao socialismo que envolveria a nacionalização do Banco da Inglaterra, do sistema de seguros, dos transportes terrestres, da indústria mineradora, da produção, transmissão e distribuição de energia elétrica, da indústria de ferro e aço, e, por fim, a nacionalização da indústria de construção civil e materiais (SCHUMPETER, Capitalism, Socialism and Democracy, p. 230-31). Naturalmente, uma lista de commanding heights elaborada nos dias de hoje seria diferente e teria de contar provavelmente com setores de tecnologia, por exemplo.
[43] MURPHY, Nationalization of British Industry, p. 146.
[44] Ademais, qualquer outra forma de organização social que passe pelo exame das demandas dos dois princípios de justiça torna-se, logicamente, uma opção igualmente compatível para organizar uma sociedade de acordo com a teoria da justiça de Rawls.
[45] RAWLS, Justice as Fairness: a restatement, p. 139.
[46] RAWLS, Uma teoria da justiça, p. 167.
[47] EDMUNDSON, John Rawls: Reticent Socialist, p. 143.
[48] EDMUNDSON, John Rawls: Reticent Socialist, p. 148: “Maintaining even a rough equality of private holdings in productive capital assets would thus require restricting transfers, whether by sale, trade in-kind, pledge, loan, or gift. Restrictions as extensive as this are inconsistent with the ordinary association of a property right with free alienability. Moreover, they arguably would require a vast bureaucracy that would itself tend to diminish the fair value of political liberty.”
[49] EDMUNDSON, John Rawls: Reticent Socialist, p. 148.
[50] EDMUNDSON, John Rawls: Reticent Socialist, p. 155.
[51] EDMUNDSON, John Rawls: Reticent Socialist, p. 151.
[52] EDMUNDSON, John Rawls: Reticent Socialist, p. 156.
[53] “Extraction industries such as Exxon and Gazprom are obvious candidates. Also obvious, but requiring subtler analysis, are cases like Wal-Mart, Amazon, Google, and Facebook. “Big” does not necessarily mean “a means of production,” so Coca-Cola, MacDonald’s, and big tobacco raise different questions, which might not be questions of justice in Rawls’s sense.” EDMUNDSON, John Rawls: Reticent Socialist, p. 42, n. 9 (grifo nosso). Em outra passagem, ele resume as empresas apropriadas para a propriedade pública do seguinte modo: “The major means are those that everyone, practically speaking, must have access to because they depend on them in leading a full, if ordinary, productive life.” (p. 150).