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Universidade Federal de Santa Maria
Voluntas, Santa Maria, v. 13, n. 2, e2, 2022
Submissão: 24/01/2022 • Aprovação: 14/06/2022 • Publicação: 31/01/2023
1 A ANIMALIDADE DO HOMEM A PARTIR DE UMA ABORDAGEM NIILISTA
2 O MUNDO COMO REPRESENTAÇÃO E COMO VONTADE
Estudos Schopenhauerianos
A animalidade do homem e sua conexão íntima com a natureza: uma abordagem niilista a partir de Schopenhauer
Man's animality and his intimate connection with nature: a nihilistic approach based on Schopenhauer
I Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
RESUMO
O niilismo é um pressuposto hermenêutico tanto da epistemologia quanto da metafísica da vontade na obra magna de Schopenhauer. Neste artigo, intentamos examinar de que modo o niilismo, que não se reduz à negação da vontade, opera a desmitificação do homem, esclarecendo-o sobre sua condição existencial.
Palavras-chave: Niilismo; Schopenhauer; Animalidade; Ética; Compaixão
ABSTRACT
Keywords: Nihilism; Schopenhauer; Animality; Ethics; Compassion
1 A ANIMALIDADE DO HOMEM A PARTIR DE UMA ABORDAGEM NIILISTA
Os homens se enganarão sempre que abandonarem a experiência por sistemas criados pela imaginação. O homem é obra da natureza, existe na natureza, está submetido às suas leis; ele não pode livrar-se dela, não pode, nem mesmo pelo pensamento, sair dela. (HOLBACH, 2010, p. 31).
No segundo trecho, a que Schopenhauer, muito possivelmente, daria seu assentimento, Holbach assinala, num estilo niilista desmistificador, à moda schopenhaueriana, a insignificância e pequenez humanas, quando lembra que o animal humano é parte de uma totalidade que o transcende e que não foi, de modo algum, criada para ele por um ser divino:
O que é a raça humana comparada com a Terra? O que é esta Terra comparada com o Sol? O que é o nosso sol comparado com esta multidão de sóis que, a imensas distâncias, enchem a abóbada do firmamento, não para regozijar os teus olhares, não para provocar a tua admiração, como tu imaginas, mas para ocupar um lugar que a necessidade consigna? Ó homem, frágil e vão! Ponha-te novamente, pois, no teu lugar, reconheça em toda parte os efeitos da necessidade. Reconheça nos teus bens e nos teus males as diferentes maneiras de agir dos seres dotados de propriedades diversas dos quais a natureza é o conjunto, e não suponha mais em seu pretenso motor uma bondade ou uma malícia incompatíveis, qualidades humanas, ideias e intenções que não existem senão em ti mesmo. (Ibid., p. 495).
Nietzsche, por seu turno, que, em certa altura de sua produção intelectual, se separa de Schopenhauer, a quem julgava ser um grande educador, um homem lúcido que produziu um pensamento superior, pode ser evocado aqui para fazer coro com o pensamento de Holbach, reunindo-se assim num acordo polifonicamente arranjado com Schopenhauer.
Não derivamos mais o homem do “espírito”, da “divindade”, nós o recolocamos entre os animais. Nós o consideramos o mais forte dos animais por que é o mais astuto: uma consequência disso é a sua espiritualidade. Por outro lado, resistimos a uma vaidade que também aqui gostaria de se fazer ouvir: como se o homem tivesse sido o grande propósito oculto da evolução animal. Ele não é de modo algum a coroa da criação; toda criatura, comparada com ele, se encontra em um mesmo nível de perfeição. (NIETZSCHE, 2012, § 14).
Todos os três filósofos aqui mencionados também concordariam com o postulado segundo o qual, ao longo do processo de hominização, o ser humano se tornou um ser alienado de sua animalidade. Sequer temos uma clara compreensão de nossa conexão íntima com o mundo natural. Schopenhauer, aliás, dará uma inestimável contribuição para nos recordar essa conexão íntima com todos os seres existentes, com a totalidade da natureza da qual somos parte. O pressuposto central deste trabalho é que, em vez de nos tornarmos fortes, de vivermos uma vida potencializada, tornamo-nos enfraquecidos, despotencializados, afastamo-nos de nossas origens animais.
Vale ressaltar que, no presente artigo, não pretendemos assumir um compromisso em examinar detidamente a questão do niilismo a partir de Schopenhauer à luz do tema que é objeto de nossa discussão, muito embora o registro do niilismo, seu “espectro”, por assim dizer, não tenha passado despercebido. Não podemos deixar de notar que, em muitas descrições nas quais Schopenhauer insiste na insignificância da existência humana, na indiferença da natureza para com os seres vivos, que nada mais são do que aparências, objetidades da vontade, por exemplo, o dizer schopenhaueriano se mostra, se representa niilista, não porque - ou não necessariamente porque - nadifica a existência, ou reduz todas as coisas, os seres, o mundo ao nada, mas porque visa a desmitificar, a dessacralizar, a desacostumar o homem do seu inveterado hábito de autoengano. Ao tentarmos pensar uma lucidez niilista, assumimos o compromisso em tornar possível e inteligível a experiência do niilismo como condição sine qua non do pensamento, na medida em que o pensamento “corrói” aquilo que tomamos por “evidências”, perturba o mar tranquilo de nossas certezas, questiona e subverte os códigos de comportamento, nadifica as fundações do edifício de valores e significados que conformam e orientam nossa existência. Nossa pesquisa aceita enfrentar o desafio lançado por Volpi e assume seu pressuposto básico: o niilismo começa quando cessa a vontade de nos auto enganar.
Se é verdade que o niilismo começa quando cessa a vontade de nos auto enganar, será possível, então, transformar a experiência dele em lição para nós, num poderoso convite à lucidez de pensamento e ao questionamento radical num tempo em que os altares abandonados passam a ser povoados de demônios? (VOLPI, 1999, p. 141).
Assumir o niilismo como “um convite à lucidez de pensamento e ao questionamento radical” é comprometer-se em “transformar a experiência dele em lição para nós”. O niilismo, como também nota Volpi, não tem uma solução, mas tem uma história e pretendemos inscrever na materialidade histórica dos discursos sobre o niilismo uma outra experiência dele que contraste com as maneiras historicamente sedimentadas de interpretá-lo, de compreendê-lo. A partir de Nietzsche, propomos a hipótese de que o niilismo é um fenômeno polimórfico, multívoco que acena para o caráter de plurivocidade do mundo, ou seja, para a multiplicidade de sentidos que podem ser atribuídos ao mundo. É com Nietzsche e a partir dele que cuidamos ser possível pensar o niilismo como um fenômeno heterogêneo, multívoco, plural, atravessado por uma dinâmica conflitual de forças, de vontades de potência. Essa dinâmica agonística de forças o caracteriza como um fenômeno aberto, permeado de clareiras para a novas possibilidades de criação de valores e sentidos. É no jogo agonístico de forças inscrito no niilismo que se sobrepõem, que se afirmam as vontades de potência “criadoras”. Está claro que essa compreensão do niilismo não esgota a sua complexidade e nem pretende expressar uma experiência comum aos modos de expressão do niilismo na filosofia de Schopenhauer. Dada a sua plurivocidade constitutiva, as formas de expressão e os significados do niilismo não podem ser os mesmos. Não obstante, é possível assumir ser o niilismo um campo hermenêutico (“campo” no sentido de ‘propriedade’, ‘dimensão’) do pensamento. Em outras palavras, como campo hermenêutico do pensamento, o niilismo é o modus operandi do pensamento cuja condição sine qua non é levar à crise, é pôr em crise, em suspeita, é ser subversivo, contestatório e corrosivo das crenças, opiniões, ideias que tendemos a converter em certezas inabaláveis e verdades absolutas. Portanto, rechaçando a redução do niilismo a um pensamento do nada, buscamos pensar de que modo o niilismo instaura uma certa ambiência hermenêutica e epistêmica à luz da qual a realidade social ou o mundo humano, ordenada em instituições, relações e práticas simbólicas, costumes e atividades políticas e culturais pôde passar a ser questionada como uma construção resultante da atividade de agentes humanos situados historicamente. É na esteira do niilismo e graças ao seu poder de negação, de nadificação que se pode combater e recusar as concepções essencialistas com base nas quais se explica a existência do mundo e do homem pela alegação da existência prévia e originária de uma instância transcendente e eterna ou de entes sobrenaturais e criadores. É possível, pois, pensar o niilismo como um modo de ser do pensamento, que se insurge contra o que Michel Maffesoli [1] chama esquema substancialista que marcou o Ocidente, cujas figuras são o Ser, Deus, Estado, Instituição, Indivíduo, Identidade, Bem, entre outras. O niilismo descerra as condições de possibilidade para o compromisso com a crítica radical do que Maffesoli chama “Fantasma do Uno”, ou seja, uma matriz ideológica, imaginária que, reduzindo toda a diversidade e complexidade do real (domínio das infinitas possibilidades, das virtualidades) ao imperativo do Uno que, no plano político, está na origem da fundação dos monoteísmos morais, políticos e dos autoritarismos que culminaram com os piores totalitarismos. O niilismo, a fim de assegurar seu poder bélico, contestatório de todas aquelas variantes do esquema substancialista, pode estrategicamente, como o faz, trazer à luz a insignificância radical da condição humana, o abismo em que assenta a história, a abissal indiferença cósmica para com nossas rixas, rivalidades, lutas e disputas pelo poder de determinar o curso do desenvolvimento histórico que resiste a acomodar-se ao regime de um plano racional. O niilismo pode não ser a consequência de um pensamento, mas uma espécie de método, ‘ambiência’, ‘modalidade’, de caminho; em uma palavra, seu modus operandi. Vemo-lo operar assim em Schopenhauer, conforme tentaremos mostrar. Por isso, não nos parece correto dizer que a filosofia de Schopenhauer não pode ser niilista porque ela aponta um caminho de redenção, como se o niilismo tivesse de ser sempre um trajeto, um caminho sombrio para a ruína, a derrocada, o nada absoluto (um nada que Schopenhauer recusa). Não é escusável lembrar que o cristianismo também promete uma Salvação, uma redenção, embora exiba, quando examinado de perto, traços niilistas em sua trama doutrinária. O fato de que Schopenhauer nunca tenha empregado a palavra “niilismo” ou caracterizado de niilista sua metafísica não nos impede de tomar como justificada a questão em seu pensamento, já que é também um fato inconteste que a filosofia schopenhaueriana tem uma relação com a gênese do niilismo enquanto movimento histórico-filosófico. Escusa lembrar que a filosofia schopenhaueriana nega alguns valores filosóficos, religiosos e políticos considerados absolutos pela tradição. Por exemplo, o niilismo em Schopenhauer assume um caráter desmistificador, dessacralizador, no momento em que é suposto na doutrina metafísica da vontade cega e sem finalidade, e mesmo sombria, como essência íntima do mundo. A vontade depõe o Deus cristão benevolente do lugar de valor superior no ocidente, nega-o como instância suprassensível em relação à qual os homens orientam seu comportamento e graças à qual a vida deles se dota de um sentido metafísico. Em outras palavras, com a vontade, Schopenhauer nega justamente aquele Sumo Bem que, na tradição metafísica precedente, determina, sustenta e justifica o mundo.
Fique claro que não negamos o fato de que a desvalorização de um mundo suprassensível representado por um Deus sumamente bom não implica, em Schopenhauer, a aprovação da existência, do mundo mesmo em que vivemos. Não negamos a orientação profundamente negativa do niilismo em Schopenhauer, mas também não acolhemos a crítica feita pelo Nietzsche maduro ao pensamento do filósofo de Dantzig, crítica esta que parece ter contribuído para essa persistente e comum má vontade para com a filosofia pessimista e niilista de Schopenhauer. A negação da vontade em Schopenhauer não pode ser identificada, de modo reducionista, e até simplista, com uma vontade de nada. Tal interpretação mascara a complexidade e a densidade do niilismo subjacente à doutrina schopenhaueriana. Além de seu aspecto combativo, desmistificador, dessacralizador, o niilismo schopenhaueriano, quando situado no interior de sua moral da compaixão, assume uma orientação soteriológica, que se expressa como exercício de resignação e desprendimento, de libertação da ilusão da individualidade, que só pode ser compreendido se nos despirmos de certos preconceitos de nossa tradição ocidental, para nos agenciarmos com o espírito da sabedoria vedanta. Até que se proponha como caminho para a redenção a libertação da tirania da vontade, o niilismo schopenhaueriano foi mobilizado para nos esclarecer sobre a nossa verdadeira condição existencial de escravidão. Não negando, portanto, a negatividade do niilismo, pretendemos fazer ver que essa negatividade não constitui um impedimento para o descerramento das luzes, dos clarões de sabedoria, dos caminhos que conduzem tanto à libertação do homem de seu inveterado hábito de autoengano quanto à conversão de seu modo de ser, habitualmente cativo de suas ilusões sobre o mundo, sobre si mesmo e sobre seu lugar nesse mundo, em um modo de ser verdadeiramente livre e – por que não – desesperado (entenda-se: livre do jugo da esperança e reconciliado com o real e com o seu ser animal).
Antes de descer a considerações sobre como Schopenhauer e seu niilismo nos esclarece sobre a íntima conexão do homem com a natureza e como buscam reconciliálo com sua condição animal e mortal, assentimos aqui nas seguintes palavras de Schöpke que, de modo perspicaz e em tom de denúncia, caracteriza o homem como o único e verdadeiro tirano da vida:
O homem é o tirano da vida, de toda vida. Ele não pode ver nada livre, forte e belo, em si e no mundo, sem desejar imediatamente conter, aprisionar, diminuir suas forças. Ele não é a criatura divina de nossos sonhos. (SCHÖPKE, ibid., p. 281).
2 o mundo como representação e como vontade
Não se pretende, de modo algum, fazer uma exposição aprofundada sobre o que Schopenhauer entende por “mundo como representação” e “mundo como vontade”, pois, se assim se procedesse, postergar-se-ia demais o tratamento da questão central em relação à qual o presente trabalho encontra sua razão de ser. A despeito disso, será necessário fazer alguns apontamentos que nos ajudem a iluminar previamente alguns elementos da metafísica schopenhaueriana, dispensando-nos, assim, de ter de esclarecê-los ao longo da discussão da questão que realmente nos interessa.
Segundo Schopenhauer, a metafísica é, essencialmente, o conhecimento da coisa-em-si. Ele funda sua metafísica num procedimento que penetra o coração da experiência para alcançar seu núcleo mais íntimo. A metafísica de Schopenhauer busca no mundo mesmo seu fundamento. O papel da metafísica, segundo o filósofo, é compreender o mundo até seu fundamento, sua essência mais íntima. Essa essência íntima, núcleo do mundo, Schopenhauer dá o nome de Vontade. Na metafísica da Vontade, a Vontade, como coisa-em-si, permeia o mundo inteiro, se objetiva em diferentes graus ou nas Ideias platônicas, que são suas objetidades imediatas. Mas façamos aqui um recuo para que fique claro o modo como Schopenhauer define os dois pontos de vista sob os quais o mundo pode ser considerado.
“O mundo é minha representação” é o primeiro enunciado do primeiro livro de O Mundo como vontade e representação. Com esse enunciado, Schopenhauer inicia a exposição de seu idealismo transcendental, o qual se baseia em duas teses: 1) o mundo objetivo existe na dependência da consciência de cada um na qual ele repousa; 2) o mundo tal como o conhecemos, apesar de toda a sua realidade empírica, é simples aparência. Uma consequência metafísica dessa segunda tese, que tem relevância para os desdobramentos da filosofia ética em Schopenhauer, consiste em admitir “que o mundo, pelo menos de um lado, tem de ser reconhecido como aparentado ao sonho e colocado na mesma classe deste”. (Schopenhauer, 2015, p. 6). Mas por que o mundo se assemelharia a um sonho? Porque, se o mundo empírico é minha representação, então o mundo existe na dependência necessária de um sujeito cognoscente que o conhece. “O mundo como representação” significa o mundo tal como aparece no ato perceptivo de um sujeito. O aparecer no ato perceptivo de um sujeito é representação, para Schopenhauer. Por conseguinte, a representação se define como relação indissociável do sujeito percipiente com o objeto percebido. Segundo Schopenhauer, basta que um único sujeito mais um objeto se apresentem para que se constitua o mundo como representação; no entanto – e aqui é evidente o valor epistemológico conferido ao sujeito como substratus do mundo – se o sujeito que percebe desaparecer, também o mundo tal como é percebido desaparece. Tanto o mundo onírico quanto o mundo da vigília têm como base o intelecto ou a função cerebral. Vê-se que sem sujeito, não há mundo como representação. Schopenhauer chega a dizer que o mundo da representação é um fenômeno cerebral. A tese central do idealismo transcendental é polêmica e tem interessantes desdobramentos que não nos ocuparão aqui, como a admissão de que a matéria não existe em si, de modo absoluto. Matéria e intelecto seriam correlatos. A orientação epistemológica de Schopenhauer confere à filosofia o seu fundamento, conforme diz o próprio autor: “apenas a consciência é dada imediatamente, por isso o fundamento da filosofia está limitado aos fatos da CONSCIÊNCIA, isto é, a FILOSOFIA é essencialmente IDEALISTA”. (ibid., p. 7, ênfase no original).
À totalidade do mundo aparente, portanto, do mundo como representação se aplica o princípio de razão, o qual recobre as formas essenciais e universais de todo objeto, a saber, o tempo, o espaço e a causalidade. Tais formas podem ser encontradas partindo-se do sujeito, já que são formas a priori na consciência. Mas o sujeito permanece fora do domínio de validade desse princípio. Portanto, o sujeito que conhece não está no tempo, nem no espaço, nem é afetado pela causalidade: “o sujeito está inteiro e indiviso em cada ser que representa”. (ibid., p. 6). O sujeito, sendo aquele que conhece e nunca é conhecido, não se encontra nas formas do tempo e do espaço.
Importa-nos destacar que, à medida que nos vai esclarecendo as bases epistemológicas de seu idealismo transcendental, Schopenhauer precisa evocar de modo confrontativo, dialógico, outras doutrinas, tais como o realismo, o materialismo e o espiritualismo, que são terminantemente rejeitadas. A imagem do mundo de nossa intuição oferecida por seu idealismo é a de um mundo que carece de densidade ontológica, como se pode depreender do seguinte trecho:
O mundo, do qual sou separado durante a morte, foi de outro lado apenas minha representação. O centro gravitacional da existência recai no sujeito. O que vem a ser demonstrado não é, como no ESPIRITUALISMO, a independência de quem conhece em relação à matéria, mas a dependência de toda matéria em relação a quem conhece. (ibid., p. 17).
O mundo que experienciamos, esse mundo real tão tangível é apenas uma representação de nosso cérebro. Esse mundo carece de densidade ontológica, não existe independentemente daquele que o conhece, o percebe. Por conseguinte, o niilismo se apresenta aqui, em Schopenhauer, como um horizonte epistemológico.
Seu niilismo já está operando no idealismo transcendental, que reduz o mundo da experiência intuitiva a um fenômeno da consciência de um sujeito, que, por sua vez, não é um indivíduo de carne e osso, é um dos supostos da representação, ou uma categoria da representação. O sujeito é o centro que mantém a existência do mundo como representação. Desaparecendo o sujeito, também desaparece esse mundo como representação. No entanto, o desaparecimento do sujeito não implica uma hecatombe total, na qual todo o existente é tragado e aniquilado. Não é isso, aliás, que significa a negação da vontade para Schopenhauer. O nada absoluto, para Schopenhauer, é impensável e não é uma consequência lógica de sua doutrina, porque, mesmo desaparecendo o sujeito e com ele o mundo fenomênico, a Vontade, uma espécie de “inconsciente do mundo e da existência” (FONSECA, 2016, p. 135), que é eterna e imutável, não pode, portanto, extinguir-se. Haverá para todo o sempre algo: a vontade. Antes de passar a considerar o segundo ponto de vista sob o qual o mundo é encarado por Schopenhauer, gostaríamos de referir um trecho do qual se depreende a operação do niilismo no interior da epistemologia idealista de Schopenhauer. Nesse trecho, Schopenhauer nos chama a atenção para a nulidade ou “nadidade” das formas do princípio de razão:
Assim como no tempo cada momento existe na medida em aniquila o momento precedente, seu pai, para por sua vez ser de novo rapidamente aniquilado; assim como o passado e o futuro (independentes das consequências de seu conteúdo) são tão nulos quanto qualquer sonho, o presente, entretanto, é somente o limite sem extensão e contínuo entre ambos – assim também reconheceremos a mesma nulidade em todas as outras formas do princípio de razão, convencendo-nos de que se encontra simultaneamente nele e no tempo, portanto tudo o que resulta de causas e motivos tem apenas existência relativa, existe apenas por e para um outro que se assemelha, isto é, por sua vez também relativo. (Ibid., p. 8-9).
Se este mundo como representação carece de toda substancialidade, como foi possível a sua existência, por que ele existe? A essas perguntas, Schopenhauer responde: “a minha filosofia de modo algum investiga DE ONDE veio o mundo, nem PARA QUE existe; mas apenas O QUE ele é”. (Ibid., p. 97). A existência do mundo é um enigma, segundo Schopenhauer. Schopenhauer não renuncia à possibilidade de atingir a verdade pelo caminho da metafísica, conquanto não aspire, por essa via, a obter um conhecimento absoluto. A metafísica, para ele, não é mera interpretação, mas decifração. O mundo como representação e o mundo como vontade não formam um dualismo baseado na transcendência à moda platônica[2], mas dois pontos de vistas sob os quais se pode, segundo Schopenhauer, considerar o mundo; é o que ele nos ensina no seguinte passo:
(...) este mundo no qual vivemos e existimos é, segundo toda a sua natureza, absolutamente VONTADE e absolutamente REPRESENTAÇÃO; que esta representação, enquanto tal, já pressupõe uma forma, a saber, objeto e sujeito, portanto, é relativa; e que, se perguntarmos o que resta após a supressão dessa forma e de todas as outras a ela subordinadas, expressas pelo princípio de razão, a resposta é: esse algo outro, como toto genere diferente da representação, nada pode ser senão a VONTADE, a qual, neste sentido, é propriamente a COISA EM SI. (ibid., p. 188).[3]
A vontade é a coisa-em-si, a essência íntima do mundo, o fundamento metafísico do mundo. A vontade é a essência íntima de cada ser na natureza. A vontade é o sem fundo que, no entanto, lastreia todo o mundo efetivo; mas não se confunde com ele. Nos Suplementos de seu Mundo como vontade e representação, Schopenhauer se refere à vontade como “vontade de vida”, e dela nos diz que “é a única expressão verdadeira para a essência mais íntima do mundo” (ibid., p. 423). A Vontade é eterna e imutável, não está submetida nem ao princípio de razão (tempo, espaço e causalidade), em conformidade com o qual nada é sem razão de ser, nem ao princípio de individuação (tempo e espaço), graças ao qual toda a pluralidade observada no mundo fenomênico é possível.[4] Porque escapa, portanto, às condições de tempo, espaço e à lei da causalidade, a Vontade é sem fundamento e absolutamente livre. Não obstante ser atemporal e exterior ao princípio de razão, a vontade se objetiva no mundo fenomênico, se expõe por meio das Ideias (que são os seus graus determinados de objetivação) em cada coisa do mundo, desde as forças da física (graus mínimos de objetivação da Vontade) até nas formas mais complexas do reino animal. O mundo inteiro, “com todas as suas aparências, é a objetidade de uma única e indivisa vontade, é a Ideia que se relaciona com todas as outras como a harmonia com as vozes isoladas”. (ibid., p. 183). Estamos de acordo com Bossert, quando nota que “Schopenhauer é um poeta filósofo; ele tem mais experiência que raciocínio, e ainda mais imaginação que experiência” (Bossert, 2011, p. 265). Também concordamos com ele quando acena para a personalidade complexa do filósofo, que é “ao mesmo tempo um pensador, um moralista, um artista e um poeta”. (ibid., p. 273).
Por isso, pensamos que a compreensão do pensamento de Schopenhauer exige muito mais do que acuidade intelectual; o que ele parece nos pedir é uma ressonância afetiva, certo pendor estético para a beleza das imagens, a profundidade dos sentimentos. Segundo Schopenhauer, “tudo tem ímpeto e impulso para a existência, se possível, para a existência orgânica, isto é, para a vida e, com isso, para a maior elevação possível dela”. (ibid., p. 423). No reino animal, acrescenta o filósofo, “salta aos olhos que a vontade de vida é o tom fundamental do seu ser, sua única propriedade imutável e incondicional”. (ibid.). Portanto, a vontade de vida, sendo um princípio inexplicável, “é o fundamento próprio de toda explicação (...) é o núcleo da realidade mesma”. (ibid.).
Como, no entanto, chegamos ao conhecimento da vontade, visto que a vontade é aquilo que é imediatamente conhecido? Cada um de nós a conhece por meio de nosso corpo: o meu corpo é a minha vontade, ou “o corpo inteiro não é nada mais senão a vontade objetivada” (ibid., p. 117). O ato da vontade é ação do meu corpo, não só do corpo humano, mas de todos os corpos, sobretudo de todos os corpos animais. Assim, segundo Schopenhauer, “o ato da vontade e a ação do corpo (...) são uma única e mesma coisa, apenas dada de duas maneiras totalmente diferentes: uma vez imediatamente e outra para a intuição do entendimento”. (ibid., p. 117). Torna-se, assim, possível, por uma transposição analógica, reconhecer que a vontade que eu sou é a mesma vontade que se objetiva no outro:
(...) o duplo conhecimento, dado de dois modos por completo heterogêneos e elevado à nitidez, que temos da essência e fazer efeito de nosso corpo será em seguida usado como chave para a essência de toda aparência na natureza; assim, todos os objetos que não são nosso corpo, portanto, não são dados de modo duplo, mas apenas como representações na consciência, serão julgados exatamente conforme a analogia com aquele corpo; por conseguinte, serão tomados, precisamente como ele, de um lado como representação e, portanto, iguais a ele nesse aspecto, mas de outro, caso se ponha de lado a sua existência como representação do sujeito, o que resta, conforme sua essência íntima, tem de ser o mesmo que aquilo a que denominamos em nós VONTADE”. (ibid., p. 122-123, ênfase no original).
Levar o ser humano a tal forma de conhecimento é o que pretende Schopenhauer, empresa esta cujo objetivo ele mesmo sabe não ser fácil de atingir.
A objetivação da vontade é gradual. Em seus graus mais baixos, a Vontade se manifesta como ímpeto cego, obscuro, estranha a qualquer capacidade de conhecimento. É assim que ela aparece no reino inorgânico.
De grau em grau, a vontade vai objetivando-se com mais nitidez. Esse exteriorizar-se da vontade de grau em grau é regido pelo principium individuationis, ou princípio de individuação, que compreende o tempo e o espaço. É no tempo e espaço e através deles que é possível a pluralidade dos indivíduos. É a esse princípio que se deve remeter o egoísmo inerente às figuras mais desenvolvidas de objetivação da vontade.
Por força do princípio de individuação, a vontade aparece em toda parte na pluralidade dos indivíduos. Contudo, tal pluralidade não concerne à vontade como coisa-em-si, mas tão somente às suas aparências, dado que a vontade se encontra inteira e indivisa em cada aparência, e “em torno de si vê a imagem inúmeras vezes repetida de sua própria essência”. (ibid., p. 385). Schopenhauer chega a dizer que a vontade e apenas ela é de fato real, o que significa dizer que tudo o mais que são objetidades da vontade são figuras, não existem em si, mas na dependência de um sujeito que conhece. O princípio de individuação é o próprio véu de Maya, “de acordo com o qual considera-se um indivíduo absolutamente diferente dos demais seres e deles separados por um amplo abismo”. (ibid., p. 424). Submetido à ilusão de Maya, o indivíduo vive em conformidade com a crença de que goza de alguma distinção e superioridade em relação aos demais seres. Essa crença é conforme ao seu egoísmo e lhe dá sustentação. O grau do princípio de individuação é sensível à escalada da objetivação da Vontade. Assim, objetivada nos animais, a Vontade deixa mais nítido e acentuado um grau de individualidade que falta aos vegetais, ainda que a individualidade nos animais não atinja seu grau mais elevado.
É somente no homem que a individualidade atingirá seu grau mais elevado; nele “vemos aparecer significativamente a individualidade em grande diversidade de caracteres individuais”. (ibid., p. 152). No caso do animal humano, a possibilidade de ilusão e engano, tendo já surgido com o conhecimento intuitivo, se soma às incertezas e ao erro, decorrentes do aparecimento da razão.
Schopenhauer diz que cada um seria capaz de transpassar o princípio de individuação, caso “a sua vontade não se opusesse a ela, vontade que, como tal, devido à sua influência imediata, secreta e despótica sobre o intelecto, na maioria das vezes não tolera esse transpasse (...)”. (ibid., p. 717). Cada indivíduo encontra em sua existência individual, portanto, um obstáculo para que alcance o conhecimento verdadeiro de sua essência. Esse obstáculo é precisamente a individuação, que mantém a Vontade de vida atrelada ao erro a respeito de si mesma.
Pondo termo a esta seção, cuidamos oportuna a lição de Barboza (1997, p. 51), ao observar que “da vontade emanam os reinos mineral, vegetal, animal e os homens; todavia ela mesma não emana de coisa alguma; ela é, por assim dizer, um abismo”.
Milhões de indivíduos eu destruo diariamente como jogo e passatempo: eu os abandono ao mais caprichoso e travesso dos meus filhos, o acaso, que os caça à vontade. Milhões de novos indivíduos eu crio todos os dias, sem diminuição alguma de minha força produtiva, tão pouco quanto a força de um espelho é esgotada pelo número de imagens sucessivas do Sol que ele reflete na parede. O indivíduo não é nada”. (ibid., p. 716).
Esse trecho, que poderia ser reunido a tantos outros, nos dá testemunho da necessidade que tem Schopenhauer de evidenciar a insignificância da existência do indivíduo. A natureza não é, definitivamente, uma mãe acolhedora e cuidadosa com seus filhos. Ela é indiferente à sorte deles. O indivíduo é apenas aparência. Ele nasce e morre, quando visto à luz do intelecto submetido ao princípio de razão e ao princípio de individuação. Consoante sublinha Schopenhauer, “da perspectiva deste conhecimento, o indivíduo ganha sua vida como uma dádiva, surge do nada, e depois sofre a perda dessa dádiva através da morte, voltando ao nada”. (ibid., p. 318). Vemos aí o niilismo schopenhaueriano operar como uma espécie de método educativo, pois que ele não se limita a nadificar a existência individual, a desvelar sua insignificância em face da totalidade da natureza; o niilismo como um método serve como um antídoto contra o egoísmo natural de todo indivíduo. Eis o que pensamos ser a força do niilismo schopenhaueriano: dissuadir o homem de sua megalomania por meio da exposição à luz do dia da insignificância radical da existência individual.
Acresça-se que Schopenhauer enfatiza que no homem o egoísmo assume a sua forma mais elevada, “e o conflito dos indivíduos por ele condicionado entra em cena da forma mais horrível”. (ibid., p. 386). O egoísmo supremo encontra no homem a forma de pura maldade, por força da qual ele causa dor alheia sem qualquer benefício próprio. Schopenhauer prossegue:
Observamos não apenas como cada um procura arrancar do outro o que quer ter, mais inclusive como alguém, em vista de aumentar seu bem-estar, por um acréscimo insignificante, chega ao ponto de destruir toda a felicidade ou vida de outrem. (ibid., p. 386-387).
A insignificância radical da existência de cada indivíduo se mostra também a partir da perspectiva da vontade. Nascimento e morte se prendem às aparências assumidas pela Vontade; são acontecimentos que tocam à vida. A vontade nada tem a ver com eles. Uma das passagens em que essa insignificância se torna patente é a seguinte: “Nascimento e morte pertencem exclusivamente à aparência da vontade, logo, à vida, à qual é essencial exporse em indivíduos que chegam à existência e desaparecem; estes são aparências fugidias”. (ibid., p. 318). Nascimento e morte são acontecimentos integrantes da dinâmica da vida: “equilibram-se em condições recíprocas” (ibid.).
Schopenhauer vem em socorro da validade de nossa interpretação:
Que procriação e morte devam ser consideradas como algo inerente à vida e essencial à aparência da vontade advém do fato de procriação e morte apresentarem-se apenas como expressões altamente potenciadas Daquilo que dá consistência ao restante da vida, que nada mais é, em toda parte, senão uma alteração contínua da matéria em meio à permanência fixa da forma: justamente aí se tendo a transitoriedade dos seres individuais em meio à imortalidade da espécie. (ibid., p. 320).
A imagem da morte (e também da geração, evidentemente) como o próprio movimento constitutivo da dinâmica da vida extirpa toda sombra de dúvida quanto à relação intrínseca da morte com a vida. O conceito de vida, em Schopenhauer, exibe algumas tonalidades, que ganham investimentos semânticos tais como ‘esforço’, ‘dor’, ‘sofrimento’, ‘abundância’, etc. Uma dessas tonalidades encontra registro no enunciado: a vida é um fluxo perpétuo da matéria através de uma forma que permanece invariável. A forma que permanece invariável é a Vontade. A Vontade é eterna e indestrutível. O indivíduo, ao contrário, é a aparência; a espécie, a forma. Esta é imortal; aquele morre necessariamente. Essa definição schopenhaueriana de vida pode ser desmembrada, de modo que possamos nos aperceber da insignificância de tudo que existe. A vida é devir: todas as suas formas fenomênicas estão submetidas ao fluxo incessante cujo modus operandi é o da luta, do conflito, da disputa interminável que arrasta os malogrados para o nada. Por outro lado, a vida é a manifestação da Vontade cega e indiferente à sorte dos fenômenos nos quais ela se produz; por isso, “o indivíduo (...) não tem valor algum para a natureza, nem pode ter, pois o reino da natureza é o tempo infinito, o espaço infinito e, nestes, o número infinito de possíveis indivíduos”. (ibid., p. 319). Por conseguinte,
(...) ela sempre está disposta a deixar o ser individual desaparecer, o qual, portanto, sucumbe não apenas em milhares de maneiras diferentes por meio dos acasos mais insignificantes, mas originariamente já é determinado a isso e levado a desaparecer pela própria natureza desde o instante em que serviu à conservação da espécie. (ibid.).
Relativamente à natureza, portanto, cada indivíduo, só vale como meio para a conservação da espécie. Assim, segundo Schopenhauer, “(...) a existência do indivíduo é indiferente para a natureza, sim, esta até o leva à ruína assim que ele deixa de ser apropriado aos seus fins”. (p. 424). O filósofo admite ser possível compreender para que existe o indivíduo, mas demonstra-se reticente quanto à resposta à questão de para que existe a espécie. É em vão que buscamos uma finalidade para “essa agitação sem trégua, para esse ímpeto violento em vista da existência, para esse cuidado angustiado pela conservação das espécies”. (ibid.). Mas ele, ainda sim, propõe uma hipótese: a natureza parece ter como única preocupação não desperdiçar nenhuma das Ideias (platônicas), ou seja, nenhuma das formas permanentes. E assim arremata este filósofo poeta: “(...) os indivíduos são passageiros como a água no regato, as Ideias, ao contrário, são permanentes como os redemoinhos do regato (...)”.
Todavia, essa visão é, segundo Schopenhauer, enigmática, porquanto vemos a natureza a partir do exterior. A situação é diversa quando mudamos a perspectiva. Quando a natureza é tomada a partir do seu interior, isto é, quando seu interior não é nada mais do que nosso próprio interior, no qual a natureza, atingindo o grau mais elevado que ela poderia atingir, é iluminada pela luz de nosso conhecimento na consciência de si, a Vontade se mostra inteiramente diferente da representação, na qual a natureza existe através de suas Ideias. Nesse momento, diz Schopenhauer, “nos dá, de um só golpe, o esclarecimento que nunca poderíamos encontrar pelo caminho meramente objetivo da representação”. (ibid., 425). Para Schopenhauer, é o nosso interior que nos dá a chave para a interpretação do exterior.
Somos todos, portanto, a mesma Vontade que, no mundo como representação, objetivando-se nas suas aparências, crava os dentes na própria carne. O querer-viver (a vontade) é autofágica e o egoísmo é inerente ao conjunto dos indivíduos. Submetido à ilusão do Véu de Maya, cada indivíduo humano “vê o padecimento, o mau no mundo, mas, longe de reconhecer que ambos não passam de aspectos diferentes da aparência de uma única e mesma vontade de vida, torna-os como diferentes”. (ibid., p. 409). E é incapaz de ver que “o atormentador e o atormentado são um”. (ibid., p. 411).
Nesse ver-se a partir do exterior como nada, opera-se a tentativa do niilismo de nadificar o egoísmo. O niilismo descerra-se como um horizonte de elucidação a serviço da superação do egoísmo, preparando o caminho para a negação da vontade, outro modo de sua expressão, na metafísica de Schopenhauer. Numa passagem em que Schopenhauer, malgrado o fato de confessar uma crença que contradiz explicitamente um dos pressupostos de sua metafísica, a saber, não abandonar a experiência, reconhece que nossa individualidade é um grande obstáculo para o conhecimento verdadeiro de nossa essência, vemos como a adoção tácita de uma perspectiva niilista que evoca a presença do signo da morte pode estar a serviço da libertação da escura caverna de nosso egoísmo costumeiro e diário. Em outras palavras, o niilismo pode reconciliar o homem com sua natureza mortal e torná-lo conscientemente sensível à íntima relação entre a vida e a morte, entre ser e ter de morrer:
(...) a minha existência individual, por mais que semelhante ao Sol, eclipse todas as demais estrelas, aparece no fundo apenas como um obstáculo que se coloca entre mim e o conhecimento do verdadeiro alcance da minha essência. E porque cada indivíduo, em seu conhecimento esbarra nesse obstáculo, é precisamente a individuação que conserva a Vontade de vida no erro sobre sua própria essência: a individuação é a maya do brahmanismo. A morte é uma refutação desse erro e o suprime. Eu acredito que no instante da morte adquirimos a ciência de que uma mera ilusão limitou a nossa existência à nossa pessoa. (ibid., p. 718).
É a partir do conhecimento imediato da identidade metafísica de todos os seres, é a partir de uma virada de olhar para o exterior, uma espécie de conversão da inteligência, que o indivíduo se vê entre tantos outros indivíduos e, contemplando a miserabilidade do outro, as diversas maneiras como todos os indivíduos padecem gratuitamente e perecem, contemplando-os em sua insignificância como se olhasse a si mesmo no espelho, apreende-se como um nada ou quase nada: “em consequência, cada um, mesmo o mais insignificante indivíduo, cada eu, visto de dentro, é tudo; visto do exterior, ao contrário, é nada ou quase nada”. (ibid., p. 717).
A compaixão é o fundamento da moral para Schopenhauer[6]; mas a compaixão é misteriosa, ao passo que o egoísmo e a crueldade são banais. Mais do que o fundamento da moral, a compaixão tem uma dimensão metafísica essencial: ela permite que cada “eu” experimente a unidade fundamental de todos os seres, desde os inanimados até os mais complexos como os seres humanos. Como ação desinteressada, a compaixão é uma espécie de milagre, em manifesta contradição com o egoísmo habitual das ações humanas. Somente a experiência da compaixão nos permite a compreensão (o tomar juntamente, participar conscientemente) da essência íntima e indivisa de todos os seres. A compaixão é a base da justiça e da caridade para Schopenhauer. É o amor puro e verdadeiro, destinado a aliviar o sofrimento alheio, que se compreende imediatamente a partir de nosso próprio sofrimento individual e ao qual ele se equipara. A compaixão se expressa na forma do que ele chama de simpatia, a saber:
(...) a irrupção empírica da identidade metafísica da vontade através da pluralidade das suas aparências, com o que se anuncia uma conexão que é completamente diferente daquela que se dá pelas formas da aparência e que concebemos sob o princípio de razão. (ibid., p. 718).
A compaixão de que fala Schopenhauer não pode ser identificada com a piedade cristã, não pode ser reduzida a ela. Não se trata simplesmente de um compadecer-se “junto de”, mas supõe a percepção daquela que é uma das Nobres Verdade búdicas e que Schopenhauer não se cansa de repetir, a saber, viver é sofrer. Se a identificamos completamente com a compaixão dos Evangelhos, corremos o risco de perdermos de vista as sabedorias a partir das quais esse conceito foi ressignificado por Schopenhauer. Parece-nos inegável que a compaixão de que fala Schopenhauer envolve o sentimento e a compreensão da fórmula do brahmanismo, citada pelo próprio autor, a saber, tat twam asi, que pode ser traduzido por “isso és tu”. Schopenhauer afirma que a doutrina da metempsicose só se distancia da verdade “porque transporta para o futuro o que já se dá agora”. (ibid., p. 717). Consoante entende o filósofo, “a doutrina da metempsicose sustenta que a minha essência íntima em si mesma só existe em outros após a minha morte” (ibid., 717-718), no entanto, “essa essência vive agora em outros, e a morte meramente abole a ilusão devido à qual eu não estou ciente disso”. (ibid.). A compaixão, portanto, pressupõe a compreensão de que, na natureza inteira, em todos os graus de objetivação da vontade, existe necessariamente uma luta contínua entre os indivíduos de todas as espécies, e justamente nisso exprime-se um conflito interno da vontade de vida com ela mesma.
Tat twam asi resume a metafísica e a ética schopenhaueriana. Essa sublime palavra traduz, em linguagem schopenhaueriana, a unidade essencial da Vontade sob o véu ilusório da diversidade fenomênica. Se a Vontade é una, maltratar um animal é atentar contra a essência íntima que reside em todo ser vivo e, portanto, é atentar contra si mesmo. Schopenhauer defendia que ao animal não se deve conceder misericórdia, mas justiça como um direito, essa mesma justiça que lhe era recusada na Europa de sua época e ainda hoje em boa parte do mundo. A Europa de seu tempo, por ser infestada pelo espírito da Bíblia, sentia como um escândalo esta simples verdade: “o animal é, em sua essência, igual ao homem”. Não há nenhuma diferença de natureza entre o homem e o animal, nem entre estes e as plantas. As diferenças que existem são de grau. Por exemplo, a diferença entre os seres humanos e os animais é uma diferença não essencial. O ser humano é dotado de razão, cuja função é produzir conceitos. A razão lhe torna possível o conhecimento abstrato. Mas a razão é tanto um bem quanto um mal. O homem compartilha com os animais o entendimento, que é a faculdade de representação intuitiva. O intelecto de que tanto se orgulha o homem comum já é para Schopenhauer, antes mesmo de Nietzsche, secundário. A vontade é primária; é ela que comanda o intelecto. Como enfatiza Schopenhauer, “o senhor é a vontade; o servo, o intelecto”. (ibid., p. 252). Ele ainda chega a dizer que o intelecto é um parasita, “é um mero acidente do nosso ser, visto que se trata de uma função do cérebro que, junto com os nervos e a medula espinhal a ele anexados é (...) em verdade um parasita do restante do organismo”. (ibid., p. 243).
Para Schopenhauer, tanto o corpo dos humanos quanto o corpo dos animais estão submetidos à lei da causalidade (ao princípio de razão), já que é uma representação, uma aparência no espaço e no tempo. A causalidade tanto no caso dos humanos quanto no dos animais assume a forma da motivação. A única diferença não essencial aí é que, no caso dos seres humanos, as motivações assumem também a forma abstrata, a de conceitos. Mas toda a natureza está submetida à lei de causalidade. Portanto, em todos os seus reinos, há causalidade: no reino mineral, há uma causalidade em sentido estrito[7] ; no reino vegetal, excitação; e no reino animal, motivação. Portanto, a causalidade não muda em parte alguma, apenas assume características diferentes. Schopenhauer mantém que não pode para haver qualquer diferença de natureza entre os homens e os demais seres naturais, porque todos estão submetidos à lei de causalidade.
Convém nos deter, para fins desta exposição, um pouco mais no modo como Schopenhauer busca alertar-nos sobre nossa íntima conexão com os animais. A vontade dos animais é posta em movimento quer por meio de motivação, quer por meio de instinto. O instinto é um impulso decisivo da vontade, que provém do interior. Mas ele não faz efeito totalmente do interior, porque precisa aguardar a ocasião externa necessária para que se exteriorize. Schopenhauer define o instinto como “um caráter unidirecional e rigorosamente determinado”. (ibid., p. 414). Motivos são causalidade intermediada pelo conhecimento. Eles também são definidos como “representações, as quais se originam por ocasião dos estímulos exteriores nos órgãos sensoriais e mediante as funções do cérebro e também são elaborados em conceitos, em seguida em decisões”. (ibid., p. 301). Os motivos encontram no cérebro o seu lugar. Não há distinção rigorosa entre instinto e motivo. Há apenas uma diferença de grau. A motivação é uma disposição íntima do caráter que se conecta a um motivo. Nos instintos, temos pouca participação deliberativa do intelecto, mas muita perfectibilidade. Na motivação, o intelecto exerce influência mais decisiva. O motivo dá apenas a direção em cada caso em particular; o instinto dá o universal, fornece a regra que obriga a ação; o intelecto dá a aplicação, uma vez que direciona o detalhe de execução de um trabalho. Resta ainda definir o que é o caráter. O caráter, para Schopenhauer, é a marca distintiva do indivíduo, é aquilo que o distingue no seio da espécie. As ações procedem do caráter mediante os motivos. Para Schopenhauer, o caráter é sempre imutável. Não se consegue jamais mudá-lo. Nossos atos são determinados. O ato depende do motivo, e o motivo está ligado ao caráter. Em última instância, é sempre o caráter que regula a direção de nossa conduta e atividade.
As ações morais são determinadas por motivos que decorrem do caráter. Schopenhauer até admite que a vontade pode se guiar por alguns motivos, muito embora o ato seja determinado imediatamente pela decisão da vontade. O problema da liberdade, em Schopenhauer, é um tema difícil, cercado de contradições, e constitui, portanto, um terreno espinhoso que não cabe aqui tentar percorrer.
Importa-nos mais enfatizar que é justamente o reconhecimento de que as motivações são comuns a homens e animais, que é justamente o reconhecimento de que elas se aproximam dos instintos animais, que só há uma diferença de grau entre motivações e instintos, e que é justamente a alegação de que a essência íntima do homem é a mesma essência do animal; é justamente tudo isso que permitiu a Schopenhauer postular a defesa dos direitos dos animais e denunciar os maus-tratos que lhes são feitos. Nunca é demais insistir: nós, seres humanos, temos um intelecto que se combina com a razão, mas um caráter originário em conformidade com o qual pensamos. O intelecto apenas ilumina o alvo de nossas ações, mas nossas ações são sempre conformes ao nosso caráter.
Gostaríamos de encerrar insistindo no seguinte. Somente a compaixão, que se liga à sabedoria védica esposada e reinterpretada por Schopenhauer, a qual se assenta no reconhecimento de que a nossa própria essência é a mesma Vontade que se expõe com clareza nos atos compassivos “que iluminam a noite escura das ações egoístas e cruéis de que todos nós somos capazes em nossa condição de seres desejantes” (Fonseca, 2016, p. 145), pode nos conduzir ao conhecimento de que todos os nossos esforços por satisfazer nosso querer, sem qualquer consideração pelo querer dos outros, são não só vãos (já que, de qualquer forma, permanecemos sempre desejantes, portanto, carentes e insatisfeitos) como nocivos, porque nos tornam ainda mais cativos da tirania da Vontade. Nosso intelecto, longe de nos ofertar um lugar privilegiado na escala evolutiva das espécies, é responsável também por grande medida do sofrimento que causamos. Nos seres humanos em particular, o sofrimento se amplia e se torna mais pungente porque a consciência deles, com a ajuda do uso dos símbolos, lhes permite uma existência não fixada. Não vivemos atados ao presente, diferente dos demais animais, que são, por isso, mais serenos, mais potentes, já que se satisfazem com a sua existência; nós, por outro lado, somos atravessados por uma indigência crônica e uma insatisfação permanente.
Pôr-se a meditar seriamente sobre a sabedoria schopenhaueriana, gestada pela confluência do logos grego com a espiritualidade oriental, é, para nós, muito mais que urgente, constitui uma prática necessária que nos permite resistir a todas as formas de opressão e escravidão da vida e dizer um estridente “NÃO”
(...) diante de um mundo tecnológico que despersonaliza e nos conduz à banalização da violência contra os outros seres e, no extremo, pode nos conduzir também à autofagia completa, ou seja, à própria destruição de toda fauna, flora e da humanidade como um todo, através de nossa capacidade universalmente ampliada e pela pregnância de nossa presença sobre o mundo. (ibid., p. 145).
Em face do triste cenário das queimadas que não cessam de consumir a biodiversidade da Amazônia e do Pantanal, causando o sofrimento e a morte de muitos animais, vale referir aqui as seguintes palavras de Schopenhauer, que também sabia apreciar a beleza e exuberância da natureza, que trabalha para expandi-las em cada pedaço de terra, desde que “permaneça liberto das garras do ser humano”, “do punho do grande egoísta”.
Como a natureza é estética! Qualquer pedaço de terra selvagem intocado, isto é, abandonado a si mesmo, por menor que seja e desde que permaneça liberto das garras do ser humano, é por ela adornado com plantas, flores e arbustos, cujo ser espontâneo, graça natural e agrupamento encantador dão o testemunho de que não cresceram sob o punho do grande egoísta, mas aqui a natureza atuou livremente. (ibid., p. 484).
BOSSERT, A. Introdução a Schopenhauer. Tradução de Regina Schopke; Mauro Baladi. Rio de Janeiro: Contraponto, 2011.
FONSECA, E. R. da. “Carência e sofrimento: identidade íntima de todos os seres em Schopenhauer”. In: OLIVEIRA, Jelson (Org.). Filosofia Animal: humano, animal, animalidade. Curitiba: PUCPRESS, 2016. p. 125-147.
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VOLPI, F. Niilismo. Tradução de Aldo Vannucchi. São Paulo: Edições Loyola, 1999.
Contribuição de autoria
1 – Bruno de Andrade Rodrigues
Doutor em Estudos da Linguagem na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil.
Doutorando em Filosofia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil.
https://orcid.org/0000-0002-3017-7670 • brandrade82@outlook.com
Contribuição: Escrita – Primeira Redação
Como citar este artigo
RODRIGUES, B. A. A animalidade do homem e sua conexão íntima com a natureza: uma abordagem niilista a partir de Schopenhauer. Voluntas Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v. 13, n. 2, e2, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179378669091. Acesso em: dia mês abreviado. ano.
[1] MAFFESOLI, Michel. A transfiguração do político: a tribalização do mundo pós-moderno. Porto Alegre: Sulina, 2005.
[2] Decerto, é preciso cuidado ao sugerir um desacordo de Schopenhauer com Platão nesse tocante. Schopenhauer é platônico ao assumir o dualismo do mundo como vontade e do mundo como representação, a respeito do qual diz que “é apenas a imagem copiada de sua essência”, ou seja, o mundo como representação é uma cópia do mundo como vontade. Mas a participação de um mundo noutro, ao contrário do que ocorre em Platão, não se dá num sentido ascensional, das cópias, aparências para as Ideias imutáveis, do mundo sensível para o mundo inteligível ou suprassensível. Em Schopenhauer, o movimento é o da participação da essência na imanência do mundo fenomênico. É a Essência que se objetiva no mundo das aparências, que se imanetiza sob a forma espectral. Assim como Platão, o filósofo poeta Schopenhauer também criou seu mito para expressar o vigor de seu pensamento. Esse mito é o mundo como Vontade. A Vontade, mais do que um conceito, é uma personagem sombria de uma trama que se desenvolve num palco – o mundo como representação -, onde as aparências surgem e desaparecem como atores que entram e saem de cena.
[3] Não são poucas as inconsistências, as imprecisões que se encontram na metafísica da vontade de Schopenhauer, conforme aponta Bossert (2011). Estamos conscientes delas, mas acreditamos que elas não depõem contra a genialidade desse “filósofo poeta” que foi Schopenhauer.
[4] O princípio de razão se estende à totalidade da aparência. Compreendendo o tempo, o espaço e a causalidade, o princípio de razão é “a expressão comum para todas essas formas do objeto das quais estamos conscientes a priori, e que, portando, tudo o que conhecemos a priori nada é senão exatamente o conteúdo do mencionado princípio”. (Schopenhauer, ibid., p. 6). Tempo e espaço são reunidos sob a jurisdição do princípio de razão suficiente, quando o mundo se nos apresenta sob o ponto de vista da representação, agora, do ponto de vista do mundo como Vontade, tempo e espaço constituem o princípio de individuação. Temos, pois, o princípio de individuação suprimindo do princípio de razão a causalidade e conservando o tempo e o espaço.
[5] Utilizamos a expressão “ética da compaixão” e não “moral da compaixão”, porque Schopenhauer não fornece preceitos para orientar a conduta, o comportamento dos homens. Ele mesmo diz que não se muda o caráter de nenhum homem. A virtude não pode ser ensinada, tampouco o gênio. A pretensão de dirigir os homens, de modelar seus caracteres, segundo Schopenhauer, é um hábito e prática ultrapassados. Nossos sistemas morais jamais poderão, segundo ele, tornar os homens virtuosos. O termo “ética” nos parece mais apropriado por remeter a uma sabedoria prática (phrónesis), concepção mais consistente com a sabedoria de vida proposta pelo próprio filósofo.
[6] Nesse tocante, Schopenhauer contradiz abertamente Kant, para quem a moral baseia-se no conceito de dever e no imperativo categórico. Kant mantinha que toda a verdadeira bondade e toda virtude encontravam sua origem na reflexão abstrata; ao contrário, para Schopenhauer, a razão não tem qualquer participação na determinação da conduta moral. Nisso também ele diverge de toda a tradição socrática que identifica virtude à ciência, ou seja, ao conhecimento teórico e abstrato.
[7] O que Schopenhauer entende por causalidade em sentido estrito é recoberto pelo conceito de causa. A causa “é o estado da matéria que, ao produzir outro com necessidade, sofre ele mesmo uma mudança igual à que provoca, o que se expressa na lei “ação e reação são iguais”. (ibid., p. 134). Tais causas fazem efeito em todos os fenômenos mecânicos da química; em suma, nas mudanças dos corpos inorgânicos.