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Universidade Federal de Santa Maria
Voluntas, Santa Maria, v.12, e25, Ed. Especial: Schopenhauer e o pensamento universal, 2021
DOI: 10.5902/2179378668925
Submissão: 04/05/2021 • Aprovação: 27/09/2021 • Publicação: 28/12/2021
Schopenhauer e o pensamento universal
Apresentação do IX Colóquio Internacional Schopenhauer: Schopenhauer e o pensamento universal
I Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
Tenho a honra, representando o ramo brasileiro da Schopenhauer Gesellschaft com sede na Alemanha e presidida pelo prof. Mathias Kossler, de dar início a mais um Colóquio Schopenhauer, o nono, que deveria ter sido realizado presencialmente em Abril de 2020, já tendo sofrido um adiamento a partir de Novembro de 1919. O primeiro adiamento deveu-se à coincidência com a congresso realizado em Frankfurt em comemoração aos 200 anos da obra magna de Schopenhauer, O Mundo como Vontade e Representação. E o segundo adiamento, de Abril de 2020 para Abril de 2021, devido à pandemia. Havia ainda alguma probabilidade de realizar o Colóquio presencialmente, quando no ano passado o programamos para Abril deste ano, mas tivemos, dada a persistência das condições mundiais da doença, se quiséssemos realizá-lo, que aceitar a forma on-line. Estamos conscientes de termos perdido muito do que poderia ter sido oferecido com o contato presencial, muito da nossa espontaneidade, os encontros e discussões no calor da hora, o rever nossos companheiros de pesquisa e escolha filosófica, as comemorações e outros eventos concomitantes. No entanto, ainda assim, muito poderemos ganhar mesmo com esse tipo de formato sem o qual nada poderia acontecer. Teremos apresentações de estudiosos renomados na pesquisa schopenhaueriana e no pensamento schopenhaueriano e filosófico em geral, trazendo as suas reflexões para este meio comunicativo que se tornou indispensável. Quando no final de 2019, participei do Schopenhauer Kongress em Frankfurt, tendo falado sobre a extensão da pesquisa Schopenhauer no Brasil, não tendo ideia dos tempos sombrios que se abateriam sobre nós do ponto de vista da saúde mundial, instei meus colegas pesquisadores, alemães e de outros países a participarem deste Colóquio, lembrando-os do caráter de resistência que ele tomaria em face da crise cultural e de descaso para com a cultura que se traduzia consequentemente no parco financiamento cultural já previsto e já registrado no Brasil, devido à política educacional e cultural do atual governo, pois já se fazia claro que seria difícil obter todos os recursos de financiamento necessários para a vinda de todos. Aproveito aqui para agradecer e lembrar da solidariedade dos convidados que se dispuseram a pagar os custos de sua viagem com recursos por eles mesmos obtidos, num gesto de generosidade para que este nono Colóquio se realizasse. Neste momento contamos com a solidariedade não só dos que já haviam participado dos colóquios anteriores e que tinham fortemente contribuído para o sucesso deles, mas dos que nunca tinham vindo a esses eventos, mas que bem conheciam a situação brasileira, por mim mencionada, mas principalmente amplamente divulgada pela imprensa europeia e mundial. Num sentido muito específico, nos favorece o que Mac Luhan lá pelos anos 60 chamava de aldeia global, onde certos segredos já não podem ficar à disposição de quem tivesse interesse próprio em guardá-los. Infelizmente essas promessas solidárias não puderam se realizar porque a decretação da pandemia do Coronavírus nos levou cancelar o evento e postergá-lo. A mesma manifestação de solidariedade e recepção calorosa já tinha acontecido no Japão em Fevereiro de 2019, quando tivemos o apoio dos pesquisadores japoneses, citando aqui especialmente o prof. Kamata, presente desde o 3º Colóquio em São Paulo, quando foi fundada a Sociedade brasileira, como o prof. Takahashi que aqui nunca tinha estado, mas que, organizava o Congresso no Japão junto com nosso ilustre amigo prof. Kamata. Também uma palavra de agradecimento ao ramo italiano da Sociedade presidida pelo prof. Domenico Fazio que juntamente com o professor Fabio Ciracì foram nossas visitas constantes e que sempre aceitaram no seu núcleo de estudos sobre a Escola de Schopenhauer, nossos professores e estudantes.
Este congresso tratará do universo do pensamento schopenhaeuriano que se expõe nas suas várias vertentes ou perspectivas, unificando-as no seu pensamento único, no seu cerne, a saber, a teoria do conhecimento, a metafísica, a estética e a ética, num jogo de combinações que permitem sua múltipla expressão, buscando com isso esgotar o “mundo como tal”, remetendo-o seja à representação, seja a sua essência, a Vontade, sem que sobre nenhum resto.
Numa outra perspectiva, a do seu idealismo atípico e na de seu desacordo em relação a seus contemporâneos idealistas, como Fichte, Hegel, Schelling, embora sua comum proveniência kantiana, outro foco poderia ser a sua proximidade ao materialismo, mesmo mantendo a postura crítica quanto ao materialismo puramente mecanicista, num viés que o aproxima de da ciência contemporânea e de filósofos tais como Feuerbach e mesmo Engels e Marx, tal como pensam nos dias de hoje Alfred Schmidt e Lüdger Lutkehaus. Isso sem deixar de lado as demais interpretações que veem em Schopenhauer um conservador ou um idealista rigoroso ou até mesmo como o francês M. Guéroult, um idealista manqué diante do idealismo rigoroso Fichte.
Nessa visão perspectivista das várias manifestações do filósofo de Frankfurt incluo a oportunidade de seu pensamento estar presente na realidade atual, vista como uma “cena trágica da metafísica schopenhaueriana da vontade”. A Vontade dilacerada que, na sua luta interna, crava os dentes na sua própria carne, torna-se visível nesta luta da espécie humana e do intelecto que a guia contra o vírus pandêmico, para dominar esse inimigo invisível, que na sua mera vontade de reprodução e de vida, sem desígnios externos, destituído pois de inteligência e guiado pelo impulso, elegeu como abrigo e nutriente o corpo humano. Este inimigo invisível pode ser visto na sua atividade como tentativa de uma das espécies, desconhecida no conhecimento de Schopenhauer, em se apossar da matéria ou seja, no caso de um corpo mais complexo, de uma outra espécie, para roubar-lhe a matéria, destruí-lo e continuar seu caminho de sobrevida, desenvolvendo variantes mais aptas no curso da luta. Se Schopenhauer pensou numa inteligência também parte da vontade capaz de instruir o corpo humano em prol do sucesso da sobrevivência, também prognosticou a luta inserida na essência da vida e que só termina com a morte ou aniquilação de um dos contendores [o que quer dizer no limite a própria negação de si mesma desta vontade]. Previsões do filósofo, que ao querer dar conta da luta entre as espécies traduzidas na luta pela matéria como determinada, a Stoff, parecem tramar algo símile a esse acontecimento, surpreendente e terrível para nossa apreensão, mas nada estranho em relação à luta das espécies. As espécies, como Ideias ou representações que neste âmbito não obedecem a nenhum princípio de razão, descartando uma inteligência ordenadora ou mesmo um vontade divina , tornariam visíveis a vontade na natureza no seu conflito e na sua hierarquia, cada uma das quais se esforçando por manter-se separada das demais na sua configuração e, ao mesmo tempo, revelando seu fundo comum, a Vontade e encenando sua luta intestina. Terminamos com isso a apresentação do teatro da vontade no mundo, como uma figuração de um ponto de vista estético do que Schopenhauer descreve como um na essência, o ev kai pan, se organizando e se desagregando nas suas manifestações.
O pensamento schopenhaueriano se estende pelo Ocidente e pelo Oriente, já por conter em sua origem influências ocidentais em Platão e Kant e orientais nos Livros sagrados dos hindus, os Vedas e Puranas e ainda outras, não claramente expressas. Noutra direção da extensão deste pensamento se confirma sua presença em filósofos e artistas, tais como Dostoievski, Proust, os realistas franceses como Maupassant e ainda Cioran, Leopardi, Machado de Assis, e filósofos como Nietzsche, Hartmann, Freud, Horkheimer, Wittgenstein... exibindo também seu espectro multifacetado no universo de linguagem contemporâneo.
Finalizando, quero expressar meu agradecimento aos três organizadores que me auxiliaram enormemente nessa tarefa, os professores Eduardo Brandão da USP e o prof. Flamariom C. Ramos da UFABC e last but not the least o ilustre prof. Oswaldo Giacóia, especialista em Nietsche e Schopenhauer, cujos méritos são conhecidos pela maioria e que generosamente aceitou nos auxiliar e aconselhar nessa tarefa.
Contribuição de autoria
1 – Maria Lúcia Mello e Oliveira:
Professora e pesquisadora, Doutora em Filosofia
https://orcid.org/0000-0002-0001-5371 • mcacciola@uol.com.br
Contribuição: Escrita – Primeira redação
Como citar este artigo
CACCIOLA, Maria Lúcia Mello e Oliveira. Apresentação do IX Colóquio Internacional Schopenhauer: Schopenhauer e o pensamento universal. Voluntas Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v. 12, e25, 2021. DOI 10.5902/2179378668925. Available at: https://doi.org/10.5902/2179378668925. Accessed on: day month abbreviated. year.