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Universidade Federal de Santa Maria

Voluntas, Santa Maria, v. 13, n. 1, e11, 2022

DOI: 10.5902/2179378667907

ISSN 2179-3786

Submissão: 30/09/2021 Aprovação: 10/04/2023 Publicação: 12/07/2023

1 INTRODUÇÃO.. 2

2 EDUCAÇÃO MORAL DIRECIONADA À AUTONOMIA. 5

3 EDUCAÇÃO CÍVICA: UMA CONCEPÇÃO POLÍTICA DE EDUCAÇÃO.. 15

4 A EDUCAÇÃO PARA UMA CONCEPÇÃO POLÍTICA PÚBLICA.. 19

5 UM LUGAR MARGINAL PARA A EDUCAÇÃO.. 23

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 31

REFERÊNCIAS. 33

 

Teoria de John Rawls

A educação na justiça como equidade de Rawls: uma posição de centralidade ou de marginalidade?

Education in Rawls' justice as fairness: a position of centrality or marginality?

Everton Mendes FrancelinoIÍcone

Descrição gerada automaticamente

IUniversidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

RESUMO

Este artigo tem por objetivo investigar a posição que a educação ocupa na teoria da justiça como equidade de John Rawls. Para tanto, analisar-se-ão os principais aspectos referentes ao tema presentes nas seguintes obras do autor: Uma Teoria da Justiça, O Liberalismo Político e Justiça como equidade: uma reformulação. O papel desempenhado pela educação sofre alterações consideráveis ao longo do desenvolvimento dessas obras. Primeiro, percebe-se uma preocupação de Rawls com uma forma de educação mais direcionada à formação moral e a sua relação com o conceito de autonomia e a constituição de um senso de justiça. Em seguida, nota-se que o lugar ocupado pela educação é redirecionado para uma forma política e cívica, focada no exercício da cidadania frente ao pluralismo e à diversidade característicos das sociedades democráticas atuais. Neste texto, o intuito principal é ressaltar que a educação ocupou um papel secundário e marginal em todas as obras analisadas, salientando que, muito embora o papel da educação seja fundamental na promoção de sociedades justas, ele não é reconhecido em plenitude pelo autor em questão. Ao fim, uma alternativa será apresentada: devido à centralidade da educação para a constituição de sociedades democráticas justas, ela deve estar situada no cerne da estrutura básica, como uma instituição social e uma exigência própria da justiça.

Palavras-chave: Educação; Justiça; John Rawls

ABSTRACT

This article aims to investigate the position that education occupies in John Rawls' theory of justice as equity. For this purpose, the main aspects related to the theme present in the following books by the author will be analyzed: A Theory of Justice, Political Liberalism and Justice as Fairness: A Restatement. The role played by education undergoes considerable changes throughout the development of these books. Firstly, Rawls is concerned with an education aimed at moral formation and its relationship with the concept of autonomy and the constitution of a sense of justice. Then, it is noted that the place occupied by education is redirected to a political and civic form, focused on the exercise of citizenship in the face of the pluralism and diversity characteristic of today's democratic societies. In this text, the main intention is to emphasize that education occupied a secondary and marginal role in all analyzed books, emphasizing that although the role of education is fundamental in promoting just societies, it is not fully recognized by the author in question. Finally, an alternative will be presented: due to the centrality of education in the constitution of just democratic societies, it must be situated at the heart of the basic structure as a social institution and as a proper requirement of justice.

Keywords: Education; Justice; John Rawls

1 INTRODUÇÃO

Compreendida como um fator essencial para o desenvolvimento pleno da pessoa e da sociedade como um todo, a educação é incessantemente considerada como uma ação política e democrática que, além de preparar o indivíduo para o exercício da cidadania, também o qualifica para o trabalho, sendo um elemento preponderante para o desenvolvimento social e econômico da pessoa e de sua coletividade, contribuindo diretamente para a formação da subjetividade e para a construção de relações de alteridade. Quando difundida de forma igualitária e com qualidade, a educação torna-se um dos instrumentos mais eficazes para a promoção de oportunidades nos mais diversos setores da sociedade.

No entanto, a desigualdade de acesso à educação é, nos seus mais diversos níveis, uma das formas mais eficazes de perpetuação de desigualdades socioeconômicas em nossa sociedade. Apesar dos avanços ocorridos nas últimas décadas – como o crescimento do acesso à educação infantil, a diminuição do índice de analfabetismo, a universalização do acesso ao ensino fundamental e a elevação do número de vagas disponíveis no ensino superior, por exemplo –, essa forma de desigualdade ainda atinge grande parte da população brasileira, principalmente os habitantes das regiões norte e nordeste e a população mais pobre e negra, detentores dos índices mais altos de analfabetismo e dos níveis mais baixos de ingresso ao ensino médio e superior.

O tema educação é recorrente quando nos referimos às teorias de justiça, principalmente as contemporâneas. John Rawls é um dos principais expoentes desta vertente filosófica que, com a publicação de A Theory of Justice, em 1971, ingressa ao rol dos grandes nomes da filosofia política do século XX, reaquecendo o debate em torno da justiça em uma nova forma de contratualismo social.

Devido à centralidade da educação para a constituição de sociedades democráticas justas e em função da importância de Rawls para o debate em torno das teorias de justiça, este artigo tem por objetivo investigar a posição que a educação ocupa na teoria da justiça como equidade rawlsiana, analisando as seguintes obras: Uma Teoria da Justiça, O Liberalismo Político e Justiça como equidade: uma reformulação. Nos tópicos a seguir, veremos que o papel desempenhado pela educação sofre alterações consideráveis ao longo do desenvolvimento dessas obras.

Primeiro, em Uma Teoria da Justiça, mais especificamente na terceira parte da obra, notaremos uma preocupação de Rawls com uma forma de educação mais direcionada à formação moral que, constituída de etapas, possui como finalidade principal o desenvolvimento do senso de justiça, elemento importante para a estabilidade social. Tal educação moral é a educação para autonomia, uma vez que, após o pleno desenvolvimento do aprendizado moral ao decorrer da vida, as pessoas não são facilmente influenciadas por questões alheias aos princípios de justiça, mantendo-se uma posição mais autônoma e independente.

Posteriormente, em O Liberalismo Político, veremos como que o lugar ocupado pela educação é redirecionado para uma forma de educação política e cívica, focada no exercício da cidadania frente ao pluralismo e à diversidade característicos das sociedades democráticas atuais. Nessa nova forma de educação, a nova finalidade educacional passa a ser a de proporcionar aos cidadãos o conhecimento de seus direitos e liberdades básicos, estimulando assim, o desenvolvimento das virtudes políticas essenciais à cooperação social.

Em um terceiro momento, já em Justiça como equidade: uma reformulação, notaremos como que, para Rawls, as instituições básicas devem educar os cidadãos para que eles reconheçam uns aos outros como livres e iguais, expondo e estimulando publicamente esse ideal de justiça política. Assim, o papel da educação é educar os cidadãos para que eles se familiarizem com a cultura pública a que pertencem, participando dela como livres e iguais.

Nosso intuito, ao final dessas exposições, será o de ressaltar que a educação ocupou um papel secundário e marginal (no sentido periférico) na teoria de justiça de Rawls. No entanto, ressaltaremos que essa posição de marginalidade na qual a educação se encontra na teoria rawlsiana poderia ser retificada se a situarmos no cerne da estrutura básica, como uma instituição social e uma exigência própria da justiça. Assim, a educação poderia ser considerada como um sistema público de normas e condutas cuja finalidade seria a de proporcionar a todo e qualquer cidadão o conhecimento moral e cívico de todos os seus direitos e deveres, propiciando as mais diversas oportunidades de formação profissional e intelectual, garantindo o acesso equitativo de todas classes e segmentos sociais aos diferentes estágios da educação formal, a ponto de todas manifestações culturais serem garantidas a todas as gerações, sem discriminação e preconceito, visando o desenvolvimento das capacidades individuais e da sociedade como um todo.

2 EDUCAÇÃO MORAL DIRECIONADA À AUTONOMIA

Na terceira e última parte de Uma Teoria da Justiça, Rawls se dedica a analisar os fins de sua teoria da justiça como equidade, visando preparar o caminho para resolver as questões da estabilidade e da congruência de uma sociedade bem ordenada, o que o leva a especificar melhor questões de psicologia moral e da aquisição de um sentimento de justiça. Entre outros vários aspectos que tornam essa parte de Teoria interessante, está a exposição e análise da concepção de autonomia, que se relaciona diretamente com o que Rawls denomina de educação moral. Trataremos desses conceitos mais adiante, após uma breve discussão em torno das questões da estabilidade e do senso de justiça.

Rawls constantemente afirma que a sua teoria da justiça como equidade é mais estável que outras teorias alternativas tradicionais – como a utilitarista, por exemplo –, uma vez que ela gera seu próprio apoio e está mais alinhada aos princípios da psicologia moral. Considerar que uma teoria de justiça é estável significa avaliar que, mesmo com as modificações que as principais instituições sociais venham a sofrer ao longo tempo, elas ainda permanecerão justas, muito em função dos ajustes que são realizados pelas forças internas do sistema de uma a sociedade bem ordenada para conter e corrigir os desvios inevitáveis de justiça que possa vir a ocorrer.

Dentre tais forças internas que agem para manter a estabilidade da concepção de justiça proposta por Rawls, destaca-se o senso de justiça. Assim, estabilidade e senso de justiça são concepções intrinsecamente relacionais.

Uma concepção de justiça é mais estável que outra se o senso de justiça que tende a gerar for mais forte e tiver mais probabilidade de anular inclinações desestabilizadoras e se as instituições que permite gerarem impulsos e tentações mais fracos a agir de maneira injusta. A estabilidade da concepção depende de um equilíbrio de motivações: o senso de justiça que cultiva e os objetivos que incentiva devem normalmente ter preponderância sobre as propensões à injustiça. Para avaliar a estabilidade de uma concepção de justiça (e da sociedade bem ordenada que define), deve-se examinar a força relativa dessas tendências opostas.[1]

O senso de justiça pode ser considerado como uma capacidade (ou um desejo[2]) normalmente efetiva de compreender, aplicar e agir de acordo com os princípios de justiça, segundo os termos equitativos de cooperação social estabelecidos entre os membros ativos de uma sociedade bem ordenada. Tal senso pode se manifestar das seguintes formas: (I) levando-nos a aceitar as instituições justas que se aplicam a nós e das quais nos beneficiamos, fazendo com que trabalhemos para a sua preservação em função da aceitação dos princípios públicos de justiça; e (II) propiciando-nos a disposição de trabalhar pela criação e reformulação de instituições justas, promovendo-as de acordo com o bem da comunidade e os princípios de justiça.[3] Desse modo, ter um senso de justiça é uma condição inerente à sociabilidade humana, principalmente se levarmos em conta a questão da reciprocidade que, para Rawls, seria como a criação de “laços com pessoas e instituições de acordo com a percepção que temos sobre como nosso bem é por elas afetado” [4].

Para garantir a estabilidade dos arranjos institucionais é preciso que as pessoas tenham um senso de justiça ou se preocupem com os que estariam em desvantagem com sua ausência. À medida que tal senso é fortalecido ao ponto de anular qualquer tentação de transgredir as normas sociais, os sistemas justos podem ser considerados estáveis. Em tal cenário, as pessoas passam a considerar que cumprir seu dever e suas obrigações é uma reação natural e correta diante das ações dos outros.

A capacidade mínima para o senso de justiça garante que todos tenham direitos iguais. As reivindicações de todos devem ser julgadas segundo os princípios de justiça. A igualdade tem o apoio de fatos gerais da natureza, e não apenas de uma norma procedimental sem força substantiva. A igualdade também não pressupõe a avaliação do valor intrínseco das pessoas, nem a avaliação comparativa de suas concepções do bem. Deve-se justiça àqueles que são capazes de dar justiça. [5]

De forma bastante sucinta, podemos considerar que é por meio do senso de justiça que as pessoas se dispõem a regular suas condutas segundo os preceitos morais estabelecidos pelos princípios de justiça. Tal forma de viver pressupõe a igualdade de direitos, uma vez que os cidadãos compreendem e aceitam que todos seguirão os mesmos princípios, sendo uma forma de desenvolvimento moral que acompanha o indivíduo durante toda a sua vida social, desde a infância até o momento em que possa agir conforme os princípios acordados, tomando decisões moralmente resolutivas.

Há uma ordem de estágios para a aquisição do senso de justiça, que Rawls denomina de “sequência do desenvolvimento moral”[6]. Trata-se de três estágios de desenvolvimento da moralidade, a saber: moralidade de autoridade, moralidade de associação e moralidade de princípios.

A partir da premissa de que o senso de justiça é adquirido gradativamente pelos membros mais jovens da sociedade, ou seja, pelas crianças, durante o seu crescimento e amadurecimento pessoal, o primeiro estágio do desenvolvimento moral, a moralidade da autoridade, consiste exatamente em as crianças também estarem dispostas a agir conforme os preceitos estabelecidos pelos princípios dos direitos e da justiça ao se submeterem à autoridade representada pelos seus pais e pela sua família em geral.

Por faltar às crianças o conceito de justificação, elas não possuem o entendimento necessário para avaliar e refutar com propriedade as ordens dadas por seus pais, o que não resulta em graves problemas, já que estamos pensando em uma sociedade bem ordenada, onde os deveres familiares estão bem delimitados pelos princípios de justiça.

Então, de acordo com Rawls, dentro da moralidade de autoridade, a relação entre pais e filhos é a seguinte: “os pais, podemos supor, amam o filho e, com o tempo, o filho passa a amar os pais e confiar neles”; contudo, “a criança só passa a amar os pais se primeiro eles a amam de forma manifesta”[7]. Além disso, o desenvolvimento moral não ocorre se a criança receber ordens injustificadas e ríspidas, impostas por meio de castigos físicos e morais de seus pais. Assim, a moralidade da autoridade na criança baseia-se na sua disposição em acatar e seguir as ordens e proibições impostas pelas pessoas que têm seu amor e confiança, sem conhecer ao certo as razões de tais atos e imposições, apenas confiando nas pessoas que possuem o dever de conduzir a formação de seu comportamento moral. De tal modo, o aprendizado moral da criança ocorre da seguinte maneira:

Em primeiro lugar, os pais devem amar o filho e ser objetos dignos da admiração dele. Dessa maneira, despertam nele a noção de seu próprio valor e o desejo de tornar-se o tipo de pessoa que eles são. Em segundo lugar, devem enunciar regras claras e inteligíveis (e, naturalmente, justificáveis) adaptadas ao nível de compreensão da criança. Além disso, devem expor os motivos dessas ordens, na medida em que são passíveis de compreensão, e também seguir esses preceitos quando também se aplicarem a eles próprios. Os pais devem dar o exemplo da moralidade que exigem, e tornar explícitos seus princípios fundamentais com o passar do tempo. [8]

Novamente, podemos notar uma forte consideração de Rawls pela noção de reciprocidade, uma vez que, nesse caso, é por meio do ato da criança ser amada e bem orientada por sua família que possibilitará que ela construa, mais adiante em sua vida, os vínculos sociais essenciais à sua participação na vida de sua comunidade, principalmente por meio de livre associação a instituições e grupos sociais, o que nos leva diretamente à próxima etapa de desenvolvimento da moralidade.

O segundo estágio do desenvolvimento moral descrito por Rawls é a moralidade de associação. Trata-se de um tipo de moralidade definida a partir dos padrões morais que os indivíduos devem ter diante das diferentes associações que pertencem. À medida que a pessoa vai crescendo e se associando a determinados grupos, instituições, organizações e/ou outras formas de cooperação (tais como a escola, associações de moradores de rua ou de bairro, grupos religiosos, etc.), ela vai avançando os estágios da moralidade, passando da moralidade de autoridade para a moralidade de associação, o que requer uma participação mais ativa enquanto membro da sociedade. Enquanto associados, as pessoas assumem cargos e funções que envolvem responsabilidades diretas na tomada de decisões, o que gera consequências que afetam diretamente o grupo de pessoas que estão envolvidas na associação.

Os laços de reciprocidade adquiridos ainda no primeiro estágio de desenvolvimento moral são decisivos para o estabelecimento dos vínculos sociais (como amizade e confiança) no segundo estágio da moralidade de associação.

A participação efetiva dos indivíduos na associação ocorre na medida em que todos os membros se beneficiam do esquema de cooperação social. A conduta de cada membro associativo em fazer a sua parte é tida como vantajosa não somente para ele, mas para todos os outros membros. A simples intenção de honrar as obrigações e os deveres que lhe sujeitos gera sentimentos recíprocos de amizade e confiança, o que fortalece e equilibra a associação. Assim,

podemos supor que existe uma moralidade de associação na qual os membros da sociedade se veem como iguais, amigos e associados, juntos em um sistema de cooperação que se sabe destinar-se ao benefício de todos e regido por uma concepção de justiça em comum. O conteúdo dessa moralidade é caracterizado pelas virtudes cooperativas: as da justiça e da equidade, da fidelidade e da confiança, da integridade e da imparcialidade.[9]

Para Rawls, uma pessoa que consegue atingir a moralidade da associação em suas formas mais complexas possui um entendimento satisfatório dos princípios de justiça, uma vez que, a partir dos vínculos sociais que criou e conseguiu manter nesse estágio, está disposto a seguir os padrões sociais que a eles se aplicam, interessando-se em conquistar aceitação e respeito por seus objetivos e sua conduta ética.

E assim chegamos ao terceiro estágio do desenvolvimento moral: a moralidade de princípio. Trata-se do último percurso para a aquisição do senso de justiça pelos membros de uma sociedade bem ordenada. De acordo com Rawls, o senso de justiça é engendrado em nós “quando as atitudes de amor e confiança e de amizade e confiança mútua são geradas de acordo com as duas leis psicológicas anteriores”, proporcionando assim, o “reconhecimento de que nós e aqueles com quem nos preocupamos somos beneficiários de uma instituição consagrada e duradoura”[10]. Surge, então, o desejo de aplicar e de agir de acordo com os princípios de justiça, a partir de como as principais instituições sociais promovem o bem para aqueles que participam do esquema de cooperação social.

Os estágios de desenvolvimento moral apresentados aqui reforçam a ideia de que o senso de justiça é uma disposição individual de se querer agir conforme os princípios morais de justiça social, em prol do bem comum. Tais estágios convergem para leis psicológicas, que são enunciadas da seguinte forma:

Primeira Lei: dado que os pais expressam seu amor preocupando-se com o bem da criança, esta, por sua vez, reconhecendo o amor patente que eles têm por ela, vem a amá-los.

Segunda Lei: dado que a capacidade de solidariedade da pessoa se constitui por meio de vínculos adquiridos de acordo com a primeira lei, e dado que o arranjo social justo e publicamente conhecido por todos como justo, então essa pessoa cria laços amistosos e de confiança com outros membros da associação quando estes, com intenção evidente, cumprem com seus deveres e obrigações, e vivem segundo os ideais de sua posição.

Terceira Lei: dado que a capacidade de solidariedade da pessoa foi constituída por meio da criação de laços em conformidade com as duas primeiras leis, e já que as instituições da sociedade são justas e publicamente conhecidas por todos como justas, então essa pessoa adquire o senso de justiça correspondente ao reconhecer que ela e aquelas com quem se preocupa são beneficiárias desses arranjos.[11]

Mas, para os objetivos deste artigo, qual seria a relação entre tais leis psicológicas e a forma de educação moral proposta por Rawls até então, em TJ[12]? Ademais, onde o conceito de autonomia entraria nessa relação? Primeiramente, é preciso enfatizar que, para Rawls, o aprendizado moral segue uma sequência de evolução progressiva, conforme os estágios e as leis descritas acima. Tal sequência indica as etapas pelas quais uma pessoa poderia adquirir um entendimento sobre os princípios de justiça e a eles aderir, socializando-se com outras pessoas de seu convívio social. Assim, são os princípios de justiça que regem a educação moral das pessoas e das instituições sociais às quais elas integram e se socializam.

Em segundo lugar, é preciso ressaltar que o papel da educação moral destacado por Rawls em TJ perpassa, essencialmente, por duas vertentes: (I) pelas escolhas realizadas como pessoas racionais, livres e iguais a partir da situação inicial de igualdade moral; e (II) pela autonomia individual de agir conforme os princípios de justiça aceitos na condição de seres racionais, livres e iguais.

Ao agirem com base nesses princípios, as pessoas agem de maneira autônoma: elas agem com base nos princípios que reconheceriam nas condições que melhor expressam sua natureza de seres racionais iguais e livres. Na verdade, essas condições também expressam a situação dos indivíduos no mundo e o fato de estarem sujeitos às circunstâncias da justiça. Mas isso significa simplesmente que a concepção de autonomia é aquela que é adequada a seres humanos; a noção apropriada a naturezas superiores ou inferiores é, muito provavelmente, diferente. Assim, a educação moral é educação para a autonomia.[13]

Resta-nos terminar a exposição deste primeiro capítulo enfatizando a conclusão realizada por Rawls: a educação moral é educação para a autonomia. Isso implica em dizer que, devido aos princípios de justiça escolhidos na situação inicial de igualdade e, com o pleno desenvolvimento do aprendizado moral ao decorrer da vida, as pessoas não são facilmente influenciadas pela tradição, pela autoridade e pelas opiniões alheias, o que resulta em afirmar uma concepção do justo a partir de fundamentos que são estabelecidos de forma independente.

Nesse ínterim, autonomia e objetividade são ideias compatíveis, principalmente se as considerarmos como sinônimos de liberdade e razão, respectivamente. Agir com autonomia é agir conforme os princípios de justiça que concordamos seguir na condição de pessoas racionais, livres e iguais. São princípios objetivos de justiça que, por meio do desenvolvimento do senso de justiça via educação moral, são aceitos e endossados pelos cidadãos autônomos de uma sociedade bem ordenada[14].

3 EDUCAÇÃO CÍVICA: UMA CONCEPÇÃO POLÍTICA DE EDUCAÇÃO

Investigamos, neste artigo, o lugar que a educação ocupa na teoria da justiça como equidade de John Rawls. Nosso objetivo é demonstrar que ela ocupa uma posição secundária na teoria em questão. Para tanto, estamos detalhando e analisando como que o conceito de educação é tratado nas principais obras rawlsianas.

Vimos que, em Uma Teoria da Justiça, a educação era vista como um aprendizado moral constituído de etapas para o desenvolvimento do senso de justiça e para a ação autônoma, como forma de afirmação e endossamento dos princípios de justiça. Então, a partir de agora, iremos nos debruçar sobre a forma que a educação aparece em O Liberalismo Político, enfatizando os principais aspectos assumidos pelo tema em questão.

A primeira constatação relevante que se apresenta é que a educação moral – amplamente difundida em TJ – ­é substituída por uma forma de educação política e cívica; isto é, os aspectos morais que determinavam o formato de educação que deveria ser difundida via instituições sociais são agora substituídos por aspectos políticos e cívicos. Isso fica claro quando Rawls afirma que o liberalismo político recomenda, entre outras coisas, que

a educação das crianças inclua quesitos tais como o conhecimento de seus direitos constitucionais e cívicos, de maneira que, por exemplo, elas estejam cientes de que a liberdade de consciência existe em sua sociedade e de que a apostasia não é um crime, tudo isso para assegurar que sua adesão contínua como membros de sua seita, ao se tornarem adultas, não se baseia simplesmente no desconhecimento de seus direitos fundamentais ou no medo de sofrer punições por delitos que não existem. Além disso, sua educação também deve prepará-las para se tornarem membros plenamente cooperadores da sociedade, capacitando-as a ganhar a vida, e ainda encorajar as virtudes políticas, de maneira que se disponham a cumprir os termos equitativos da cooperação social em suas relações com o restante da sociedade.[15]

Podemos perceber que, diante dessa guinada política, a teoria da justiça como equidade deixa de ser uma concepção moral para se tornar uma concepção política de justiça, e Rawls adotará esse termo para definir sua teoria a partir de então. Sendo uma concepção pública, a justiça como equidade é considerada por Rawls como uma modalidade de liberalismo político, tendo a incumbência de proporcionar uma base comum de orientação para as discussões políticas que envolvem os cidadãos que pertencentes a uma sociedade democrática, professam concepções conflitantes entre si.

O liberalismo político parte do pressuposto de que a cultura política de um regime constitucional democrático é, inevitavelmente, caracterizada por uma pluralidade de doutrinas (convicções) morais, filosóficas e religiosas abrangentes que, além de conflitantes, são também irreconciliáveis entre si. Assim, Rawls afirma que tal diversidade de doutrinas é puramente normal, sendo inclusive, “o produto inevitável e de longo prazo do uso das faculdades da razão humana sob instituições livres duradouras”[16].

Desse modo, nos deparamos com o problema central que delimita os propósitos do liberalismo político: “como é possível que exista uma sociedade justa e estável, cujos cidadãos, livres e iguais, estejam profundamente divididos por doutrinas religiosas, filosóficas e morais conflitantes e até incomensuráveis?”[17]. Para Rawls, é perfeitamente possível existir uma sociedade justa que assegure uma estabilidade social por meio de instituições democrático-representativas que, diante das grandes divergências existentes na sociedade, possam realizar os valores de liberdade e de igualdade.

A forma de liberalismo político representada por Rawls supõe que, em um regime constitucional democrático, a existência de uma multiplicidade de doutrinas religiosas, filosóficas e morais abrangentes é um traço característico permanente com o qual ele tem que lidar. A essa pluralidade, Rawls dá o nome de “pluralismo razoável”. É pluralismo porque há uma diversidade de doutrinas abrangentes professadas pelos cidadãos; e razoável porque há uma disposição desses mesmos cidadãos em propor e cumprir os termos equitativos de cooperação social.

Álvaro de Vita define da seguinte forma o fato do pluralismo razoável:

As comunidades políticas modernas caracterizam-se não só por um pluralismo de interesses e de grupos e organizações como também por um pluralismo muito mais intratável de “concepções do bem”. Nisso se incluem as concepções que os indivíduos têm sobre o que é melhor para suas próprias vidas e, sobretudo, as concepções sobre o que é mais valioso para a vida de todos nós, membros de uma mesma comunidade política. Nós divergimos sobre o que consiste nosso bem (individual e coletivo) porque divergimos a respeito de doutrinas morais, religiosas, filosóficas ou políticas que consideramos – às vezes de ponta a ponta, mais frequentemente de uma forma menos englobante e estruturada – como verdadeiras.[18]

A feição igualitária que determina o modelo de liberalismo que Rawls representa influencia diretamente o papel da educação no cerne de sua teoria da justiça. É nesse aspecto que o princípio da igualdade equitativa de oportunidades estipula que haja igualdade de oportunidades educacionais, visando práticas sociais que possibilitem a qualificação de pessoas para posições ocupacionais e de livre competição, de acordo com o princípio de diferença[19].

Rawls considera que o Estado tem o direito de fazer cumprir certas diretrizes educacionais visando a garantia de aspectos políticos fundamentais a cada cidadão. Estamos falando aqui dos limites da concepção política que delineia a sua justiça como equidade. A preocupação com o futuro dos cidadãos que serão educados, tal como acerca do conhecimento de seus direitos constitucionais e cívicos e de suas liberdades fundamentais, são aspectos primordiais nesse contexto.

Dentro do âmbito social de pluralidade e diversidade que caracteriza as sociedades contemporâneas, a educação deve exercer um papel de fortalecimento e desenvolvimento da cidadania, enfatizando o valor da responsabilidade e das virtudes políticas, essenciais para a estabilidade dos regimes democráticos existentes em nossa época.

Além disso, a educação cívica e política das crianças pertencentes a uma sociedade democrática não deve ser alicerçada sobre nenhuma forma de doutrina abrangente, mas sim sobre a concepção política de justiça construída a partir dos princípios de justiça edificados na situação inicial de igualdade. Desse modo, a preocupação da sociedade com a educação das crianças

decorre do papel que desempenharão como futuros cidadãos e, por conseguinte, fixa-se em capacidades tão essenciais como compreender a cultura pública e participar de suas instituições, tornar-se economicamente independente e membro da sociedade capaz de tomar conta de si próprio ao longo de toda a vida e desenvolver as virtudes políticas, tudo isso visto de uma perspectiva exclusivamente política.[20]

Desse modo, fica claro que, em O Liberalismo Político, a educação ocupa um lugar bem diferente e exerce um papel muito distinto daqueles apresentados em TJ. Se na primeira obra a educação moral está voltada diretamente para a aquisição do senso de justiça e para a constituição de uma autonomia moral, na segunda há um deslocamento e a educação sofre uma guinada política, cuja finalidade passa a ser a de  proporcionar aos cidadãos o conhecimento de seus direitos e liberdades básicos, estimulando assim, o desenvolvimento das virtudes políticas essenciais à cooperação social.

4 A EDUCAÇÃO PARA UMA CONCEPÇÃO POLÍTICA PÚBLICA

A obra Justiça como equidade: uma reformulação tem, como um de seus principais propósitos, retificar algumas falhas teóricas existentes em Teoria. Nessa nova obra de reformulação, Rawls ressalta, de forma veemente, que a sua teoria da justiça como equidade é, enfim, uma concepção política de justiça, não podendo ser tomada como uma doutrina moral abrangente[21]. Esse ponto é essencial para entendermos o lugar que a educação vai ocupar na teoria em questão.

Nessa última obra referente à nossa análise, Rawls adota uma visão mais política institucional para situar o lugar ocupado pela educação em uma sociedade bem-ordenada, a saber: as instituições básicas devem educar os cidadãos para que eles reconheçam uns aos outros como livres e iguais, expondo e estimulando publicamente esse ideal de justiça política. Trata-se de educar os cidadãos a se familiarizarem com a cultura pública e a participarem dela como livres e iguais, uma vez que, dentro de uma sociedade bem-ordenada, os cidadãos formulam grande parte da concepção de si mesmos e dos outros baseados na cultura pública e nas concepções de pessoa e de sociedade que são inerentes a ela.

Considerando essa função educativa da concepção política e, supondo que os membros da sociedade se consideram como cidadãos livres e iguais, envolvidos em um sistema de cooperação vantajoso para todos, todas as partes acreditam que a sociedade, enquanto sistema cooperativo, concebem uma ideia de vantagem mútua, com base na reciprocidade existente entre os cidadãos e entre as principais instituições da estrutura básica.

Na obra em questão, Rawls reafirma que o objetivo do liberalismo político é exigir que a educação das crianças inclua o conhecimento de seus direitos constitucionais e cívicos, além de ser uma forma de prepara-las para serem membros cooperativos da sociedade, estimulando suas virtudes políticas e permitindo que provejam seu próprio sustento. Além disso, também ressalta, como em TJ, a função essencial da família em educar seus filhos para a cultura mais ampla, que seria uma forma de educação voltada para o desenvolvimento do senso de justiça e das virtudes políticas que sustentam as instituições sociais e políticas justas[22].

Todavia, um aspecto interessante em relação ao lugar ocupado pela educação em tal livro é o valor que Rawls concede às mulheres pela tarefa de cuidar e educar os filhos, considerados como futuros cidadãos da sociedade. Para Rawls, as mulheres sofrem de “uma injustiça longa e histórica”, pelo fato de “terem suportado, e continuarem a suportar, uma repartição desproporcional da tarefa de criar e cuidar dos filhos”[23]. Tal injustiça gera inúmeras desvantagens para as mulheres, como por exemplo, a dificuldade de se realizarem profissionalmente e financeiramente, o que as torna mais vulneráveis em relação aos homens. Ademais, essas injustiças não pesam somente nos ombros das mulheres, mas também de seus filhos, que crescem sobre o risco de não desenvolverem as capacidades e as virtudes políticas necessárias para serem cidadãos de uma sociedade democrática.

Ora, se a educação moral, cívica e política necessárias ao desenvolvimento do cidadão começa na infância com os pais exercendo as instruções e os ensinamentos necessários para o exercício dos direitos e deveres inerentes à concepção política justa vigente, como tal forma de educação poderá dar certo se a relação entre os pais já se demonstra injusta? Para essa questão, Rawls afirma que os princípios de justiça que regulam a estrutura básica também devem colocar restrições à família, uma vez que ela é tomada como uma instituição social específica da estrutura básica. Assim, os membros adultos pertencentes a cada família são considerados como cidadãos iguais e, desse modo, a educação de seus filhos também deve ser amparada por essa igualdade, principalmente em termos de função, direitos e deveres entre homens e mulheres.

Outro ponto interessante que se deve ressaltar é que, nessa obra e de acordo com o princípio da igualdade equitativa de oportunidades, é preciso que a sociedade estabeleça, entre outras coisas, “oportunidades iguais de educação para todos independentemente da renda familiar”[24]. O que o princípio da igualdade equitativa de oportunidades impõe é que tais barreiras provenientes das classes sociais sejam diluídas, de modo que as oportunidades de adquirir cultura e qualificação profissional por meio do acesso à educação de qualidade não sejam unicamente definidas pela classe social de origem, devendo a oportunidade de educação, inclusive, servir como ferramenta para se derrubar os obstáculos que impedem e dificultam a ascensão social dos cidadãos provenientes de classes sociais mais desprivilegiadas. Assim, a educação (e o acesso equitativo a ela) exerceria um papel fundamental na promoção e no desenvolvimento da população menos favorecida da sociedade ao proporcionar a possibilidade de os cidadãos ascenderem socialmente.

5 UM LUGAR MARGINAL PARA A EDUCAÇÃO

Após uma exposição sucinta e objetiva do lugar ocupado e do papel desempenhado pela educação nas obras rawlsianas analisadas, cabe-nos, agora, apresentar as razões e os argumentos que nos levam a afirmar que, na teoria da justiça como equidade, a educação ocupa um lugar marginal (no sentido periférico e meramente auxiliar) e exerce um papel secundário em tal teoria. Para tanto, começaremos pela primeira obra analisada, a saber, Uma Teoria da Justiça.

Primeiramente, vimos que, em TJ, a educação está diretamente vinculada à ideia de autonomia moral. De acordo como o que foi exposto, a educação moral está associada ao processo de desenvolvimento moral que visa a constituição do senso de justiça nos cidadãos e a estabilidade da concepção de justiça proposta. Assim, educação moral é uma forma de educação para autonomia. Não é pouco o que isso representa. Significa que tal forma de educação moral proporciona aos cidadãos a oportunidade de livre associação e cooperação social, visando a escolha, o entendimento e a corroboração dos princípios de justiça para a estrutura básica, a partir do desejo em ser uma pessoa justa e aplicar os princípios de justiça, agindo de acordo com eles em forma de cooperação social.

Obviamente, ter uma educação familiar digna, que capacite a pessoa a se associar e participar ativamente de sua comunidade, de forma autônoma e independente é algo imprescindível para a formação de qualquer indivíduo. No entanto, Rawls não destaca como fundamentais outras formas de educação, principalmente aquelas que são eficazes para a redução de graves desigualdades sociais, como as que envolvem a garantia de acesso de grupos minoritários e discriminados à educação formal. Questões referentes, por exemplo, às desigualdades de acesso ao ensino regular, à alfabetização e ao ensino superior de segmentos sociais desfavorecidos ao longo da história são menosprezadas. Assim, ele esquiva-se de questões latentes de sua época, como por exemplo, o surgimento das ações afirmativas nos EUA, na década de 60, após intensos movimentos sociais (como por exemplo, o movimento pelos direitos civis, os protestos contra guerra no Vietnam e o movimento feminista) que impulsionaram várias discussões teóricas acerca de questões sociopolíticas.[25]

Rawls até cita que a educação é essencial para o desenvolvimento do autorrespeito[26], ao afirmar que tão ou mais importante que aferir o valor da educação em termos de eficiência econômica e bem estar social “é o papel da educação de capacitar uma pessoa a desfrutar da cultura de sua sociedade e participar de suas atividades, e desse modo de proporcionar a cada indivíduo um sentido seguro do seu próprio valor”[27], mas não vai muito além disso.

Levando-se em consideração a época na qual Rawls começou a
publicar os seus escritos e em que as ações afirmativas foram concebidas – apesar da publicação de TJ ter ocorrido em 1971, Rawls já vinha publicando artigos avulsos durante a década de 60 e, por sua vez, apesar das ações afirmativas existirem desde meados da década de 60, elas começaram a receber holofotes com um julgamento da Corte Suprema dos EUA em 1978, mundialmente conhecido como o caso Bakke[28]  –, podemos considerar que Rawls presenciou toda a problemática que envolveu os primeiros modelos de ação afirmativa implementados nos EUA, mas não inseriu a problemática em sua obra, deixando, até então, a educação moral para o desenvolvimento do senso de justiça e da autonomia como os principais e únicas atribuições da educação.

Logo, em O Liberalismo Político, por meio de uma guinada política considerável, Rawls reconhece que a educação possui mais uma função política e cívica do que moral. Isso implica na ideia de que as crianças deveriam ter uma educação mais direcionada ao conhecimento de seus direitos constitucionais e cívicos, preparando-as para serem membros cooperativos da sociedade, como cidadãos livres e iguais. Ao realizar esse giro político, a educação fica direcionada ao exercício da cidadania para o contexto de uma sociedade democrática. A questão que surge é como proporcionar essa forma de educação para todos os cidadãos, incluindo pessoas com deficiências físicas e mentais. Sobre tais pessoas, Martha Nussbaum, em Fronteiras da Justiça, afirma que

essas pessoas são pessoas, mas não foram até agora incluídas como cidadãs em uma base de igualdade com relação aos outros cidadãos, nas sociedades existentes. O problema de estender educação, assistência médica, direitos e liberdades políticos bem como cidadania equânime de maneira mais ampla a tais pessoas parece um problema de justiça, e um problema urgente.[29]

Apesar de sabermos que a principal preocupação de Rawls é a elaboração de uma teoria ideal que seja capaz de descrever a sociedade bem-ordenada, e que as únicas questões que dizem respeito à teoria não ideal citadas em seus escritos são a desobediência civil e a objeção de consciência a lutar em uma guerra injusta[30], a problemática que envolve o acesso à educação política e cívica voltada para os ideais democráticos para a população com deficiência fica em aberto.

Nussbaum atribui, como um de seus princípios elementares para a promoção das capacidades humanas, aquele que afirma que “todas as instituições e indivíduos têm a responsabilidade de apoiar a educação como chave para a autonomia de pessoas atualmente desfavorecidas”[31]. Trata-se de considerar a educação como a peça-chave para o desenvolvimento de todas as capacidades humanas. A seu ver, a “educação deveria ser concebida não meramente como fornecedora de habilidade técnicas úteis, mas também, e mais centralmente, como um meio de enriquecimento geral da pessoa através da informação, do pensamento crítico e da imaginação”[32].

Desse modo, apesar do modelo político e cívico de educação estipulado por Rawls fazer uma consideração forte à questão da autonomia, ele não consegue alcançar todas as pessoas pertencentes a uma sociedade democrática, uma vez que pessoas com deficiência apresentam maiores dificuldades para converter essa educação política e cívica em capacidades para o exercício pleno da cidadania, fundamental para a democracia.

Então, como garantir que as principais instituições sociais proporcionem oportunidades iguais de educação para todos sem considerar o critério da capacidade? Garantir que todos tenham as mesmas oportunidades de educação desconsideraria questões elementares da vida de cada um, como por exemplo, as dificuldades encontradas por pessoas com deficiência física e mental, por pessoas que residem em lugares mais distantes e afastados da escola ou da universidade, de alunos que não possuem internet, etc. Tais fatores com certeza influenciam no aproveitamento da oportunidade de educação que é oferecida. Proporcionar a todos uma mesma oportunidade de educação não garante que todas as pessoas tenham a mesma capacidade de transformar tal oportunidade em realização pessoal.[33]

Poderíamos pensar que uma alternativa natural para o problema das capacidades seria considerar a educação como um bem primário[34] que deve ser distribuído entre os cidadãos, de forma equitativa, de acordo com o princípio de diferença, considerando a prioridade léxica existente os princípios de justiça. De tal forma, a premissa de preservação dos direitos e liberdades fundamentais e a igualdade equitativa de oportunidades garantiriam que todos tivessem acesso à educação de qualidade, principalmente em relação aos menos favorecidos da sociedade.

Contudo, mesmo assim, haveria problemas substanciais, tal como os apontados por Amartya Sen, em A Ideia de Justiça, quando afirma que o índice de bens sociais primários de Rawls são “meios para os fins valorizados da vida humana”, sendo tratados como “meios para outras coisas”, em especial, para “questões centrais para julgar a equidade distributiva”[35] e para a liberdade. Na visão de Sen, o afastamento dessas “orientações para os meios” é fundamental para a “oportunidade de satisfazer os fins e a liberdade substantiva para realizar esses fins arrazoados”[36], pois os meios necessários para termos uma vida satisfatória não são, em si mesmos, os fins da boa vida.

A métrica de bens primários apresentada por Rawls seria inflexível porque “ignora variações interindividuais significativas que fazem com que seja mais difícil para uns do que para outros converter bens primários em capacidades básicas”[37]. Em termos gerais, tal crítica considera que o fato de distribuir um quinhão equitativo de bens primários a todos não garante, por si só, que todos serão capazes e estarão aptos a utilizar tais recursos em prol do desenvolvimento de seus objetivos de vida e dos fins que decidiram valorizar em favor de seu bem-estar.

Assim, a crítica de Sen ao rol de bens primários rawlsiano se baseia em duas objeções principais: (I) a métrica de bens primários é inflexível e incompatível com o tipo de teoria distributiva que propõe; e (II) o espaço destinado à avaliação das desigualdades de resultados e realizações é incorreto.

Os bens primários são meios úteis para muitas finalidades, como a renda e a riqueza, os poderes e prerrogativas associados a cargos, as bases sociais da autoestima, e assim por diante. Eles não são valiosos em si mesmos, mas podem, em diferentes graus, nos ajudar na busca daquilo que realmente valorizamos. No entanto, apesar de os bens primários serem, na melhor das hipóteses, os meios para os fins valiosos da vida humana, eles próprios são vistos como o principal indicador para julgar a equidade distributiva segundo os princípios rawlsianos de justiça. Através do reconhecimento explícito de que os meios para a vida humana satisfatória não são eles mesmos os fins da boa vida (o ponto principal do argumento aristotélico), a abordagem das capacidades ajuda a produzir uma significativa ampliação do alcance do exercício avaliativo.[38]

A proposta de Sen em relação à abordagem das capacidades leva em consideração as mais variadas funcionalidades da vida humana e não apenas alguns objetos de utilidade e lucro. Estando diretamente vinculada às oportunidades reais ela não se preocupa em definir como a sociedade deve ser organizada e muito menos em estabelecer uma fórmula específica para as decisões sobre políticas, mas sim busca indicar “a relevância central da desigualdade de capacidades na avaliação das disparidades sociais”[39], contribuindo com informações pertinentes à avaliação das sociedades e suas respectivas instituições sociais. Seria, assim, uma abordagem que melhor levaria em consideração a questão das capacidades individuais em relação ao índice de bens primários rawlsiano.

Assim, inserir a educação no rol de bens primários não resolve o problema das capacidades, principalmente em relação a como os cidadãos transformariam as oportunidades educacionais em fins razoáveis para suas vidas. Rawls considera os bens primários como “coisas de que os cidadãos precisam como pessoas livres e iguais numa vida plena.”[40] Obviamente, educação é uma dessas coisas que os cidadãos precisam para uma vida digna e plena. Mas não é só isso. Ainda mais se considerarmos a concepção de educação como aquele instrumento que tem a função de realizar a formação moral da pessoa desde a infância até a maturidade, como aquele mecanismo político de formação cívica, de aprendizagem dos direitos e liberdades básicos, que prepara a pessoa para o exercício da cidadania e, além disso, se a tomarmos como ferramenta de transformação social, de formação profissional e intelectual, de manifestação cultural e artística, de desenvolvimento do autorrespeito, de senso crítico, entre outras atribuições.

Desse modo, a educação é essencial para a constituição de sociedades democráticas justas, de modo que deveria ocupar um lugar de centralidade na teoria da justiça como equidade de Rawls. Para tanto, precisaria ser considerada como uma exigência própria da justiça, como uma instituição social, estando inserida na estrutura básica da sociedade, como um dos objetos primários da justiça. Vale recordar que, por instituição, Rawls entende

um sistema público de normas que define cargos e funções com seus direitos e deveres, poderes e imunidades, etc. Essas normas especificam que certas formas de ação são permissíveis e outras, proibidas; e estipulam certas penalidades e defesas, e assim por diante, quando ocorrem transgressões. Como exemplos de instituições ou, de forma mais geral, de práticas sociais, podemos citar jogos e ritos, julgamentos e parlamentos, mercados e sistemas de propriedades. Podemos considerar as instituições de duas maneiras: em primeiro lugar, como um objeto abstrato, ou seja, como uma forma possível de conduta expressa por um sistema de normas, e, em segundo lugar, como a efetivação dos atos especificados por essas leis no pensamento e na conduta de certas pessoas em determinado momento e lugar.[41]

Por desempenharem um papel instrumental fundamental na busca pela justiça, as instituições sociais, políticas e econômicas devem regular a sociedade em busca da melhoraria da justiça, pois, tal como afirma Sen, as instituições “podem contribuir diretamente para a vida que as pessoas são capazes de levar de acordo com o que têm razão para valorizar”, uma vez que elas facilitam “nossa capacidade de examinar minuciosamente os valores e as prioridades que podemos considerar, sobretudo por meio de oportunidades para o debate público”[42].

Considerar a educação como uma instituição social colocaria o tema em um lugar de mais evidência na teoria da justiça de Rawls. Assim, o acesso equitativo à educação seria uma prática social que proporcionaria a cada cidadão as mais variadas realizações, tanto em termos de aprendizado moral, político e cívico, quanto em relação à formação técnica, intelectual e pessoal, como forma de enriquecimento cultural e desenvolvimento do sentimento de autoestima. A educação, assim, exerceria um papel de centralidade na teoria da justiça em questão, devido à sua importância para o desenvolvimento da sociedade como um todo.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação ocupa um lugar marginal e um papel secundário na teoria da justiça como equidade de Rawls. Essa constatação é possível após analisarmos alguns dos aspectos fundamentais que envolvem o tema nas três principais obras rawlsianas, a saber, Uma Teoria da Justiça, O Liberalismo Político e Justiça como equidade: uma reformulação. Vimos, ao longo deste artigo, que o lugar e o papel desempenhado pela educação sobre mudanças consideráveis ao decorrer dessas três obras: de uma formação moral voltada para a constituição de um senso de justiça e para a autonomia, a educação é redirecionada para o conhecimento dos direitos e liberdades básicos, cuja função é estimular as virtudes políticas necessárias para a convivência social em forma de cooperação. Nesse ponto, as instituições básicas devem educar os cidadãos para que eles reconheçam uns aos outros como livres e iguais, expondo e estimulando publicamente esse ideal de justiça política.

No entanto, mesmo com as mudanças ocorridas em relação à função que a educação deve ocupar, ela permanece ocupando um lugar secundário em tal teoria. Mesmo quando Rawls enfatiza que a educação deve servir como instrumento para se derrubar certas barreiras que impedem a ascensão social de cidadãos menos favorecidos, de classes mais desprivilegiadas, ele não esclarece como resolver questões importantes, como as que envolvem a desigualdade de acesso à educação de negros às universidades, a educação de pessoas com deficiência e sua participação como membros ativos da sociedade e o desenvolvimento das capacidades individuais, por exemplo.

Essa posição de marginalidade na qual inserimos a educação em relação à teoria de Rawls poderia ser retificada se considerássemos a educação como uma instituição social, tratando-a como uma peça fundamental da estrutura básica da sociedade. Assim, a educação poderia ser considerada como um sistema público de normas e condutas cuja finalidade seria proporcionar a todo e qualquer cidadão o conhecimento moral e cívico de todos os seus direitos e deveres, propiciando as mais diversas oportunidades de formação profissional e intelectual, garantindo o acesso equitativo de todas classes e segmentos sociais aos diferentes estágios da educação formal, a ponto de todas manifestações culturais serem garantidas a todas as gerações, sem discriminação e preconceito, visando o desenvolvimento das capacidades individuais e da sociedade como um todo. Além, é claro, de outros tantos benefícios que não couberam neste artigo.

REFERÊNCIAS

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VITA, Á. de. O Liberalismo Igualitário: Sociedade democrática e justiça internacional. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

Contribuição de autoria

1 – Everton Mendes Francelino

Doutor em Filosofia, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

https://orcid.org/0000-0002-8435-3983 • evertonsamersan@yahoo.com.br

Contribuição: Escrita – Primeira Redação

Como citar este artigo

FRANCELINO, E. M. A educação na justiça como equidade de Rawls: uma posição de centralidade ou de marginalidade? Voluntas Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v. 13, n. 1, e11, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179378667907. Acesso em: dia mês abreviado. ano.



[1] RAWLS, 1997, p. 561.

[2] De acordo com Rawls, 1997, p. 623.

[3] RAWLS, 1997, p. 585.

[4] Idem, p. 610.

[5] Ibidem, p. 629.

[6] Ibidem, p. 571.

[7] Ibidem, p. 572.

[8] Ibidem, p. 575.

[9] Ibidem, p. 583.

[10] Ibidem, p. 584.

[11] Ibidem, p. 605.

[12] TJ é a abreviação do nome da obra Uma Teoria da Justiça.

[13] RAWLS, 1997, p. 636.

[14] Os princípios de justiça são: (a) cada pessoa tem o mesmo direito irrevogável a um esquema plenamente adequado e liberdades básicas iguais que seja compatível com o mesmo esquema de liberdades para todos; e (b) as desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas condições: primeiro, devem estar vinculadas a cargos e posições acessíveis a todos em condições de igualdade equitativa de oportunidades; e, em segundo lugar, têm de beneficiar ao máximo os membros menos favorecidos da sociedade (RAWLS, 2003, p. 60).

[15] RAWLS, 2011, p. 235.

[16] Idem, p. 3.

[17] Ibidem, p. 4.

[18] VITA, 2000, p. 181.

[19] Essa questão ficará mais clara no próximo tópico deste artigo, quando abordaremos os aspectos educacionais presentes na obra Justiça como equidade: uma reformulação.

[20] RAWLS, 2011, p. 236.

[21] Essa ênfase em conceber sua teoria de justiça como uma concepção política teve seus primeiros desdobramentos em O Liberalismo Político, mas consolidou-se, de forma mais contundente, na obra Justiça como equidade: uma reformulação.

[22] Interessante notar que, nesse aspecto, Rawls afirma que a função da família é gerar “filhos em número adequado para a manutenção de uma sociedade durável” (RAWLS, 2003, p. 231), sendo “base da produção e reprodução ordenadas da sociedade e de sua cultura de uma geração para outra” (RAWLS, 2003, p. 230). Para tanto, ele não realiza nenhuma forma de determinação acerca de como deveria ser a estrutura familiar para a realização desses fins. Segundo ele, “nenhuma forma particular de família (monogâmica, heterossexual ou outra) é exigida por uma concepção de justiça desde que seu arranjo permita a realização efetiva dessas tarefas e não entre em conflito com outros valores políticos” (RAWLS, 2003, p. 231). Trata-se de um adendo que tem por propósito definir a maneira como a justiça como equidade entende as questões referentes aos direitos LGBT (e demais siglas), relativos à constituição familiar dessas comunidades. Nesse aspecto, a única exigência seria que a educação das crianças seja coerente com os direitos e deveres estipulados pela concepção de justiça em questão e seus respectivos princípios.

[23] RAWLS, 2003, p. 235.

[24] Idem, p. 62.

[25] Tais movimentos culminaram em sólidas bases jurídicas que estabeleciam a promoção da igualdade e o combate à discriminação – como por exemplo, a Lei dos Direitos Civis de 1964, que pôs fim aos inúmeros sistemas estaduais de segregação racial existentes nos EUA –, além de oferecer aos afroamericanos as devidas chances de participar do processo de mobilidade social crescente.

[26] Considerado por Rawls como o bem primário mais importante, exatamente por ser entendido como “aqueles aspectos das instituições básicas normalmente essenciais para que os cidadãos possam ter um senso vívido de seu valor enquanto pessoas e serem capazes de levar adiante seus objetivos com autoconfiança” (RAWLS, 2003, p. 83).

[27] RAWLS, 1997, p. 121.

[28] Trata-se de uma decisão da Suprema Corte dos EUA amplamente divulgada pelo mundo por ter sido a primeira análise minuciosa acerca da constitucionalidade das ações afirmativas e por ter se tornado um roteiro para as ações governamentais acerca dos direitos de minorias. Sobre isso, ver GOMES, 2001, p. 104.

[29] NUSSBAUM, 2013, p. 2.

[30] Cf. RAWLS, 2003, p. 93.

[31] NUSSBAUM, 2013, p. 396.

[32] Idem, p. 396-397.

[33] Outro exemplo apresentado por Vita expõe que proporcionar a todos “uma mesma disponibilidade de renda não garante que uma pessoa que necessite de cuidados médicos especiais, por exemplo, porque seus rins não funcionam, e uma pessoa saudável tenham uma capacidade igual de alcançar bem-estar” (VITA, 2000, p. 107).

[34] Os bens sociais primários são: direitos e liberdades básicos, as liberdades de movimento e de livre escolha de ocupação, poderes e prerrogativas de cargos e posições sociais, renda e riqueza e as bases sociais do autorrespeito. Ver RAWLS, 2003, p. 83.

[35] SEN, 2011, p. 268.

[36] Idem.

[37] VITA, 2008, p. 107.

[38] SEN, 2011, p. 288.

[39] Idem.

[40] RAWLS, 2003, p. 81.

[41] RAWLS, 1997, p. 66.

[42] SEN, 2011, p. 14-15.