|
|
Universidade Federal de Santa Maria
Voluntas, Santa Maria, v. 13, n. 1, e5, 2022
DOI: 10.5902/2179378667881
ISSN 2179-3786
Recebido: 29/09/2021 • Aceito: 17/12/2021 • Publicado: 14/09/2022
1. A CRÍTICA DO PARADIGMA DISTRIBUTIVO-ALOCADO DE IRIS YOUNG
2 DESVENTURAS DOS DEBATES DISTRIBUTIVOS EM TEORIAS DA JUSTIÇA
3 IMAGENS DA JUSTIÇA: DISTRIBUTIVA-ALOCATIVA E RELACIONAL
4. O CARÁTER RELACIONAL DAS IDEIAS FUNDAMENTAIS
Teoria de John Rawls
Para além da imagem distributiva-alocativa: uma interpretação relacional da teoria da justiça de John Rawls
Beyond the distributive-alocative image: a relational interpretation of John Rawls’ theorie of justice
I Research Fellow, Department of Political and Social Science, University of Catania (Unict), Italy
RESUMO
O artigo desafia certa interpretação da teoria da justiça rawlsiana que a concebe como um paradigma distributivo-alocativo concentrado na “distribuição de coisas” para pessoas entendidas como “portadoras de coisas”, como objeta Iris Young na sua obra magna. Dada a influência da objeção da filósofa nos debates em teorias da justiça, na primeira seção é reconstruída sua crítica do paradigma distributivo-alocativo dos trabalhos de Rawls. Na segunda seção, com base no artigo divisor de águas de Elisabeth Anderson, é argumentado em que sentido a intuição original de Young acerta no diagnóstico das desventuras dos debates distributivos da época, momento no qual se disputava o sentido do “igualitarismo social” da justiça rawlsiana. Em congruência com o diagnóstico descrito pelas autoras, Rainer Forst condensa suas intuições na célebre distinção das duas “imagens da justiça”: a distributiva-alocativa e a relacional. Ao passo que Forst concorda que no cenário contemporâneo concorre uma imagem da justiça – e do igualitarismo rawlsiano – como uma teoria distributiva-alocativa focada estritamente em distribuir recursos e bens pelas instituições; todavia, Forst argumenta que a justiça rawlsiana melhor se encaixa com a imagem relacional. Para mostrar seus aspectos relacionais, na quarta seção, são reconstruídas três ideias fundamentais de “justiça como equidade”: sociedade, pessoa e sociedade bem-ordenada.
Palavras-chave: Teorias da justiça; Justiça relacional; John Rawls; Iris Young; Elisabeth Anderson; Rainer Forst
ABSTRACT
Keywords: Theories of Justice; Relational justice; John Rawls; Iris Young; Elisabeth Anderson; Rainer Forst
Ronda em torno da justiça distributiva rawlsiana um espectro: de forma pura e simples, o horizonte normativo de uma justa distribuição de recursos e bens estaria reduzido à mera distribuição quantitativa e eficiente de “coisas” para pessoas entendidas como “portadoras de coisas”, como acreditava a teórica crítica Iris Young em sua publicação magna dos anos noventa[1]. Por sua vez, essa imagem pouco generosa da sua abordagem geralmente é acompanhada de um conjunto de concepções pouco relacionais de “sociedade”, “pessoa” e “sociedade justa” que simplifica a complexidade da teoria distributiva rawlsiana ao reino da distribuição-alocação de coisas. Como será visto ao longo desse artigo, a crítica do paradigma distributivo-alocativo da filósofa Iris Young compartilha dessa interpretação pouco generosa – e porque não caricatural – de “justiça como equidade”[2]. Por um lado, na medida em que Young acerta na sua crítica às teorias distributivas-alocativas, e isso deve ser largamente destacado. Por outro lado, a teórica crítica erra na classificação dos trabalhos de John Rawls como paradigma dessa vertente. Com isso, não somente Young teria interpretado a justiça rawlsiana de forma indevida, como também teria desconsiderado que a própria concepção de “justiça como equidade” é também uma grande crítica das teorias distributivas-alocativas. Nesse sentido, John Rawls estaria alinhado com boa parte das preocupações de Iris Young, e não apartado delas. Contudo, essas distorções interpretativas da sua teoria da justiça distributiva impediriam um entendimento mais complexo dos trabalhos de John Rawls, em especial, das suas concepções de sociedade, de pessoa e de sociedade bem-ordenada.
Com base na crítica do paradigma distributivo-alocativo de Iris Young, que será trabalhado na primeira seção deste artigo, mostra-se como “justiça como equidade” está mais próxima de uma concepção relacional da justiça ao contrário do que acreditava a teórica crítica[3]. Na segunda seção, com base no artigo divisor de águas de Elisabeth Anderson – “What Is the Point of Equality?” – é argumentado em que sentido a intuição original de Young acerta no diagnóstico das desventuras dos debates distributivos da época, momento no qual é disputado o sentido do “igualitarismo social” da justiça rawlsiana. Em continuação com o debate descrito, na terceira sessão, é apresentada a descrição das duas “imagens da justiça” descritas por Rainer Forst[4]. Ao passo que a primeira imagem seria aquela identificada por Iris Young (como insuficiente e parcial), ou seja, a imagem distributiva-alocativa da justiça; por outro lado, a segunda imagem da justiça - ao qual Young sustenta normativamente - seria aquela de tipo relacional. Com base nas constatações de Forst, o artigo argumenta como “justiça como equidade” melhor se encaixa com a segunda imagem da justiça – a relacional – em comparação com a primeira. Sua compatibilidade com uma imagem relacional de justiça seria revelada ao reconstruir as concepções fundamentais que compõe seu projeto teórico. E, por isso, na quarta seção, é desenvolvido de forma breve três ideias fundamentais que estruturam “justiça como equidade”, começando com aquela que Rawls acredita ser a concepção mais fundamental de todas: de sociedade. Para ressaltar seus elementos relacionais, a concepção de sociedade é reconstruída em paralelo com a ideia de reciprocidade. Haja vista que a concepção de sociedade acompanha e pressupõe uma concepção de pessoa capacitada para o engajamento nas relações de cooperação social, então, cabe reconstruir brevemente essa segunda concepção. Na interpretação relacional, a concepção de pessoa é desenvolvida em conjunto com uma imagem intersubjetiva de autonomia (e de personalidade moral). Por último, é normativamente reconstruída a concepção de sociedade bem-ordenada. Ela não somente representa uma sociedade efetivamente regulada por princípios de justiça, como também unida por uma concepção política de justiça, ao longo de gerações
Feito esse percurso, o presente artigo tem como objetivo defender que a concepção de justiça distributiva do filósofo de Harvard muito melhor se encaixa com uma imagem relacional de justiça em comparação à distributiva-alocativa. Ao fazer isso, é possível responder à crítica do paradigma distributivo-alocativo de Iris Young, mostrando como muitas das preocupações teóricas da autora também são compartilhadas por John Rawls.
1. A CRÍTICA DO PARADIGMA DISTRIBUTIVO-ALOCADO DE IRIS YOUNG
Em sua obra magna, a teórica crítica Iris Young estabelece as bases para as objeções ao modelo dominante em teorias da justiça, qual seja: o modelo de justiça distributiva de John Rawls, vindo a influenciar uma longa geração de críticas ferrenhas ao autor nos anos noventa[5]. A filósofa norte-americana não somente critica o paradigma rawlsiano, como também avança sua própria proposta metodológica que presumidamente seria menos “universalista” e “abstrata” e, por sua vez, menos “cega” às várias dinâmicas de opressão social realmente existentes nas sociedades contemporâneas[6]. Com isso, Young acredita que estaria reposicionando as discussões de justiça social para as questões corretas. Longe de efetuar uma teorização deveras abstrata sobre a escolha de “princípios de justiça” para orientar o desenho da “estrutura básica da sociedade”, como faz Rawls, Young acredita estar movendo as investigações de justiça social para lidar concretamente com os mais diversos contextos sociais de dominação e opressão, ou melhor, as “estruturas sociais de poder” que interferem pervasivamente na maneira como a própria estrutura básica da sociedade é concretamente organizada. Nesse sentido, na visão da teórica norte-americana, se o objeto de uma teoria da justiça for a “estrutura básica da sociedade”, ou seja, a orientação normativa do conjunto de suas principais instituições sociais, econômicas, políticas e arranjos familiares que compõe a estrutura de uma sociedade justa entre livres e iguais, como acredita Rawls, então, os processos de tomada de decisão política sobre sua estruturação devem ser encarados muito mais seriamente pelas teorias normativas. Isso significa, portanto, aprofundar a análise das relações e estruturas de “poder” que perpassam a orientação dessas instituições[7].
Em contraposição direta ao paradigma de “justiça como equidade” de John Rawls que, em seu entendimento, deveria ser posicionado (corretamente) como o modelo dominante no cenário anglo-americano de teorias da justiça, a teórica crítica avança dois contrapontos. A primeira crítica se refere ao presumido reducionismo redistributivo da teoria da justiça rawlsiana. Mais especificamente, a filósofa se refere a uma espécie de obsessão da justiça social de Rawls acerca da distribuição de “coisas” – ou melhor, recursos e bens – a serem alocados de forma justa para pessoas interpretadas como “portadoras de coisas”[8]. O que conduz, por sua vez, a uma consequente negligencia da investigação das estruturas institucionais e das relações de poder que determinam essa distribuição de recursos e bens para as pessoas. No entendimento da autora, o aspecto distributivo da justiça social rawlsiana em questão deveria ser interpretado como um processo de “alocação de bens materiais”[9]. Ao definir a justiça rawlsiana em termos da distribuição-alocação de coisas, essa abordagem teria direcionado seu horizonte normativo para uma justa distribuição-alocação de bens e de recursos que, por sua vez, retira de foco uma análise das reais estruturas sociais e dos contextos institucionais de poder que estruturam o “processo de tomada de decisão” (decision-making) política da divisão de recursos. Por conta disso, Young acredita que uma investigação mais apropriada de justiça social, cujo objeto da teoria (ainda) fosse a estrutura básica, deveria levar mais seriamente em conta uma investigação paralela das estruturas de poder afetam a estrutura básica.
A segunda crítica de Young reside no fato que os paradigmas distributivos dominantes de justiça social, mesmo quando endereçam recursos “não-materiais” como o autorrespeito rawlsiano, acabam por encontrar entraves internos para desenvolver apropriadamente esses elementos[10]. Mesmo que essas abordagens concordem que elementos não-materiais também devem ser distribuídos equitativamente pelas principais instituições, ainda assim, o modo como mobilizam e distribuem tais elementos é limitante. E, pior, a teoria rawlsiana representaria esses elementos de forma inapropriada (misrepresent)[11]. Isso porque trata esses elementos como “coisas estáticas” que poderiam ser “individualizadas” e “portadas separadamente” por indivíduos, ao invés de elementos constituintes das “relações sociais” que os envolvem. Como afirma Iris Young: “[…] the concept of distribution represents them as though they were static things, instead of a function of social relations and processes.”[12]
Em referência direta ao modo como a justiça rawlsiana teria trabalhado o bem-primário do autorrespeito (ou melhor, das bases sociais do autorrespeito), ao tentar dar um passo “para além dos bens materiais” (beyond material goods), o filósofo de Harvard esbarraria em sua própria lógica distributiva-alocativa que interpreta todos os bens e recursos não-materiais de uma forma bastante simplificada. Ou seja, para Young, Rawls teria presumidamente reduzido esses bens não-materiais à condição de “coisas” (things) ou “pacote de coisas” (bundles) que podem ser distribuídos-alocados com base num padrão estático[13]. Ou seja, trata-se de algo que poderia ser distribuído-alocado de forma separada para cada um dos indivíduos através de um esquema institucional justo. Nesse sentido, é ausente em Rawls uma formulação consistente de como funcionam as relações sociais e como o autorrespeito é desenvolvido dentro delas.
Boa parte das mencionadas críticas de Iris Young ao teórico de Harvard ocorre por conta da simpatia da autora, nos anos noventa, para com um conjunto de interpretações comunitaristas que denunciavam o suposto “atomismo social” da teoria distributiva rawlsiana[14]. Ao acompanhar as mencionadas teses comunitaristas, Young interpreta “justiça como equidade” como contendo uma concepção “estática” de sociedade e “coisificadora” de pessoa as quais suas relações sociais girariam meramente em torno da distribuição-alocação de bens e recursos para beneficiários desses recursos[15]. Essa presumida imagem da sociedade e da pessoa escamotearia elementos qualitativos importantes que também estruturam as relações sociais como, por exemplo, os valores e a cultura. Ao ignorar a dimensão qualitativa, Rawls teria supostamente optado por uma imagem simplificadora das relações sociais que fosse fácil de ser encaixada na sua concepção distributiva-alocativa.
2 DESVENTURAS DOS DEBATES DISTRIBUTIVOS EM TEORIAS DA JUSTIÇA
Da publicação de Uma teoria de justiça, obra magna de John Rawls emergida nos anos setenta, segue-se uma profusão de disputas teóricas sobre a melhor forma de interpretar o caráter distributivo das teorias da justiça. Por um lado, é disputada a própria interpretação dos pressupostos normativos de “justiça como equidade”. Por outro lado, de forma independente da TJ, é disputada a interpretação do horizonto normativo das teorias distributivas. No que se refere ao projeto rawlsiano, um efervescente cenário de contendas aparece com o intuito de investigar o que o filósofo norte-americano quis dizer, quando apresentou sua teoria distributiva como uma forma de “igualitarismo” social na TJ[16]. Afinal, qual a natureza da igualdade? Onde reside seu valor? Quais formas de desigualdades devem ser consideras moralmente arbitrárias? E com base nisso, como esse conjunto de arbitrariedades deve ser remediado institucionalmente?
Nesse cenário de contendas, duas correntes teóricas se destacam e, ao mesmo tempo, se consolidam como propostas concorrentes. Em “What is the Point of Equality?”, a filósofa Elisabeth Anderson condensa magistralmente essa disputa, apresentando duas vertentes de justiça distributiva bastante distintas entre si. Por um lado, tem-se a corrente teórica que Anderson apresenta como o “igualitarismo de fortuna” (Luck Egalitarianism) cuja concepção de justiça distributiva concentra-se na investigação normativa dos tipos de arbitrariedades devem ser remediadas[17]. Com base na discussão da ideia de arbitrariedade moral aberta por Rawls na TJ, os igualitaristas de fortuna aprofundam a investigação dos tipos de circunstâncias e infortúnios que devem ser considerados arbitrários ou não merecidos pelos indivíduos, extraindo disso critérios normativos para avaliação do quanto justa é a interferência institucional para remediar tais infortúnios. Caso a arbitrariedade não possa ser considerada individualmente merecida, sob o ponto de vista normativo, seja por razão da má sorte, loteria natural ou por qualquer outro fator que não responsabilize os indivíduos pela sua situação, então, as instituições da estrutura básica estariam moralmente legitimidades para o auxílio desses indivíduos. No entendimento de Anderson, por exemplo, os trabalhos dos filósofos Ronald Dworkin, G. A. Cohen e, mais recentemente, Lippert-Rasmussen poderiam ser incluídos como representantes desse paradigma[18].
Por outro lado, concorre outra concepção de justiça distributiva que interpreta a própria justiça como uma virtude relacional. Essa concepção acredita que a mencionada jornada de especialização dos debates distributivos teria se descolado do real horizonte normativo da justiça. Com base nisso, Elisabeth Anderson provoca e questiona: “What has gone wrong here? I shall argue that these problems stem from a flawed understanding of the point of equality.”[19] Ao contrário do encaminhamento feito pelos igualitaristas de fortuna, Anderson defende que o horizonte normativo da justiça social deveria ser o fim das relações de opressão (numa formulação negativa), e do uso do poder institucional para promover relações sociais de igualdade, em especial, a paridade das relações políticas (numa formulação positiva)[20]. Portanto, o horizonte normativo da justiça distributiva, e do uso do poder das instituições que compõe a estrutura básica da sociedade, deve voltar-se para a paridade das relações sociais (novamente, com destaque às políticas), e não para a remediação de arbitrariedades e infortúnios de fortuna como fim em si mesmo. Ao ter se afastado da concepção distributiva de justiça tal como encaminhada pelos igualitaristas de fortuna, Anderson na esteira de Iris Young, resgata a conexão da justiça distributiva com as relações sociais - em especial, as relações políticas - uma vez que são essas relações que interferem diretamente nos processos de tomada de decisão dos assuntos distributivos.
Nesse debate entorno da ideia de igualdade, um grupo de igualitaristas como Rainer Forst, Martin O’Neill, Thomas Scanlon buscam em Rawls a base para sua reformulação, uma vez que acreditam que “justiça como equidade” possuiria instrumentos teóricos adequados para lidar com esses assuntos, ou seja, como uma concepção de justiça sensível para lidar com as relações sociais.[21] Contudo, outro grupo de igualitaristas sociais defendem que o debate sobre a qualidade das relações sociais possui certa independência normativa em relação às questões de justiça, mas seu posicionamento não será desenvolvido nesse artigo[22]. Para os propósitos mais limitados do presente artigo, serão utilizados os trabalhos de Rainer Forst para defender a obra rawlsiana como uma concepção relacional de justiça, e não distributiva-alocativa como acreditava Iris Young.
3 IMAGENS DA JUSTIÇA: DISTRIBUTIVA-ALOCATIVA E RELACIONAL
De modo próximo ao cenário descrito por Elisabeth Anderson, Rainer Forst apresenta duas “imagens da justiça” que disputam hegemonia no cenário contemporâneo em teorias da justiça[23]. Por um lado, concorre uma imagem da justiça como distributiva-alocativa. Ou seja, uma concepção normativa orientada fundamentalmente para a distribuição de recursos e bens para pessoas entendidas como beneficiárias de instituições justas, o que Forst designa como “a purely recipiente oriented approach”[24]. Esse seria o caso do já mencionado igualitarismo de fortuna e da sua correspondente interpretação das obras de John Rawls.
Rainer Forst acredita que a intuição original de Iris Young é correta quando aponta que: (a) uma concepção normativa de justiça unilateralmente centrada na linguagem distributiva-alocativa de recursos e bens não conseguiria captar apropriadamente as questões de poder – e até mesmo a dimensão do direito – uma vez que essa linguagem escapa o vocabulário distributivo-alocativo[25]. Young estava certa, portanto, ao notar que o poder e o direito não podem ser reduzidos à condição de coisas a serem distribuídas pelas instituições; (b) a autora também acerta ao defender que no coração dos debates da justiça social não deve estar a pergunta sobre como esses bens e recursos devem ser distribuídos. Por mais importante que essa pergunta seja relevante, ela é somente uma parte de outro conjunto de perguntas fundamentais: como esse conjunto de bens e de recursos vem à existência? Quem pode participar dos processos de tomada de decisão? E quem tem efetivamente o poder decidir quais recursos e bens podem ser considerados fundamentais (ou não) a serem distribuídos pela estrutura básica? Young não somente consegue mostrar que a existência de uma lacuna sobre o poder nas teorias de justiça, como também resgata a importância de se pensar de modo mais robusto a conexão entre a estrutura básica da sociedade e o poder político dos cidadãos.
Se, por um lado, a filósofa acerta na sua crítica às teorias distributivas-alocativas, por outro lado, Forst acredita que a teórica crítica erra na classificação da justiça rawlsiana como uma teoria conectada com essa vertente[26]. Não somente Young teria interpretado a justiça distributiva de John Rawls de forma muito caricatural, como também desconsidera que “justiça como equidade” é também uma grande crítica das teorias distributivas-alocativas. Nesse sentido, haveria um alinhamento entre Young e Rawls.
Cabe lembrar que no parágrafo §14 de Justice as Fairness, o próprio teórico de Harvard rejeita a associação de sua concepção de justiça como “alocativa”[27]. Isso porque essa imagem seria incompatível com seu conjunto de concepções normativas fundamentais, como de: sociedade, pessoa e sociedade bem-ordenada
14.2. We reject the idea of allocative justice as incompatible with the fundamental idea by which justice as fairness is organized: the idea of society as a fair system of social cooperation over time. Citizens are seen as cooperating to produce the social resources on which their claims are made. In a well-ordered society, in which both the equal basic liberties (with their fair value) and fair equality of opportunity are secured, the distribution of income and wealth illustrates what we may call pure background procedural justice. The basic structure is arranged so that when everyone follows the publicly recognized rules of cooperation, and honors the claims the rules specify, the particular distributions of goods that result are acceptable as just (or at least as not unjust) whatever these distributions turn out to be.[28]
No entendimento de Forst, ao caracterizar a justiça rawlsiana como distributiva-alocativa, Iris Young teria perdido de vista principalmente uma concepção mais complexa de pessoa na obra do filósofo não como mero “receptor” de coisas (recursos e bens) a serem distribuídos para todos os concernidos de forma “passiva”; sobretudo, Forst argumenta que a teórica crítica teria desconsiderado o poderoso “poder de veto” e a postura “ativa” que os próprios cidadãos em “justiça como equidade” possuem para reivindicar das instituições que desigualdades que desrespeitem os princípios de justiça sejam condenadas[29].
Outrossim, há bons motivos para inferir que o filósofo de Harvard também concordaria com Young que o direito não é mera coisa a ser distribuída pelas instituições. Por um lado, não é possível desconsiderar que as sociedades democráticas modernas são marcadas por um amplo conjunto de direitos e liberdades fundamentais que devem ser distribuídos igualmente pelas instituições para todos seus cidadãos. Nesse sentido, os direitos poderiam ser interpretados como elementos “distribuídos” pela estrutura básica da sociedade. Contudo, uma leitura generosa da obra rawlsiana certamente não reduziria os direitos e as liberdades fundamentais como “coisas” a serem distribuídas para “portadores de coisas” passivos. Isso porque os cidadãos não são meros receptores do conjunto extensivo de direitos e liberdades fundamentais; sobretudo John Rawls enxerga no direito uma realização intersubjetiva da autonomia política dos cidadãos. Como comenta Habermas, tanto a sua obra como a de John Rawls compartilham “semelhanças de família” quanto a uma interpretação intersubjetiva da autonomia[30]. Isso porque em ambos os cidadãos são tratados como “coatores” da estrutura básica da sociedade e do sistema público de regras que orientam suas instâncias de socialização.
Contrariamente à imagem distributiva-alocativa da justiça (em termos gerais) e da justiça rawlsiana (de modo específico), concorre uma imagem da justiça como relacional. No entendimento de Forst, “justiça como equidade” melhor se encaixa com esse tipo de interpretação em comparação à anterior:
Nevertheless, Rawls does not share the first but rather the second paradigm of justice, the one that accords priority to social structures and relations and the social status of the individual within such a scheme of cooperation. The main reason for this is the Kantian character of his theory, based on the idea that persons are equal normative authorities when it comes to the construction of principles for a basic structure of society.[31]
No que concerne uma interpretação relacional das obras de John Rawls, é necessário destacar que “justiça como equidade” não poderia ser caracterizada como meramente recurssista, haja vista que a pergunta da justiça distributiva é considerada mais profunda do que a pergunta específica sobre quais bens e recursos deveriam ser distribuídos pelas instituições da estrutura básica.
No parágrafo §14 de Justice as Fairness, o filósofo de Harvard argumenta que a pergunta da justiça distributiva não concerne fundamentalmente a pergunta sobre a redistribuição de recursos e de bens para beneficiários desses recursos; sobretudo, a pergunta da justiça distributiva é sobre como orientar a estrutura básica da sociedade de modo a se tornar moralmente justa:
How are the institutions of the basic structure to be regulated as one unified scheme of institutions so that a fair, efficient, and productive system of social cooperation can be maintained over time, from one generation to the next?[32]
Portanto, a pergunta da justiça distributiva é de cunho político/moral. Sua finalidade não é a distribuição dos recursos em si mesmo – muita embora, isso seja uma parte grandemente importante – contudo a finalidade da justiça distributiva é a orientação das principais instituições da estrutura básica segundo um sistema público de regras e de princípios que poderiam ser aceitos por todos os cidadãos democráticos na condição de livres e iguais.
Ao destacar esse ponto, é possível resgatar o entrelaçamento das instituições da estrutura básica com os cidadãos no contexto das sociedades democráticas liberais. Isso porque eles (os cidadãos) não seriam interpretados como meros beneficiários de instituições que distribuem coisas; sobretudo, como “coautores” dessa mesma estrutura básica da sociedade. Mais especificamente, retoma-se aquilo que Young estava preocupada em resgatar nos debates contemporâneos de teorias da justiça, qual seja: o aprofundamento dos vínculos entre os cidadãos e a estrutura básica de sociedades democráticas liberais[33]. Não se trata em hipótese alguma de descartar os debates distributivistas, mas sim de regatar sua investigação em paralelo com os processos políticos de tomada de decisão desses assuntos com base numa imagem dos cidadãos como participantes desse processo. Como argumenta Vita a rejeição do viés distributivista de “justiça como equidade” representaria um grande desserviço para as teorias democráticas liberais contemporâneas[34]. Isso porque, ao desconsiderar esses assuntos, joga-se fora uma leitura generosa do avanço das teorias democráticas liberais nas últimas décadas, em especial, da concepção distributiva rawlsiana no que se refere à construção de um projeto normativo voltado para uma complexa análise das condições institucionais para o exercício efetivo das liberdades, com destaque às políticas (o chamado “valor equitativo das liberdades políticas”). Nesse sentido, como endossa Vita, uma interpretação generosa da obra rawlsiana deveria reconstruir o modo como o filósofo de Harvard se desprende da imagem meramente negativa da liberdade, apontando para uma dimensão da “liberdade efetiva” que está diretamente preocupada com o real usufruto dos cidadãos de seu conjunto fundamental de direitos e liberdades, em especial dos direitos e das liberdades políticas[35].
4. O CARÁTER RELACIONAL DAS IDEIAS FUNDAMENTAIS
Com base nas constatações anteriores elaboradas por Rainer Forst, foi argumentado anteriormente que a teoria rawlsiana melhor se encaixa com uma imagem relacional da justiça em comparação com a distributiva-alocativa. Sua compatibilidade com uma imagem relacional da justiça seria revelada principalmente ao ser reconstruída as concepções normativas fundamentais que compõe “justiça como equidade”, mais especificamente: (a) a concepção de “sociedade” como um sistema de reciprocidade, (b) de “pessoa” como portadora de autonomia intersubjetiva e, por fim, (c) de “sociedade bem-ordenada” como aquela efetivamente regulada e unida por uma concepção política de justiça. Nos parágrafos seguintes desta seção, cada uma das três mencionadas concepções são reconstruídas brevemente tomando como base a letra dos textos de John Rawls.
(a) Sociedade: cooperação social como um sistema de reciprocidade
Na interpretação relacional de Rainer Forst, a concepção de “sociedade” da teoria rawlsiana não representa meramente um sistema de cooperação social, sobretudo, ela consiste em um “sistema de reciprocidade” ao longo do tempo:
With this we arrive at the most important concept as regards the Kantian character of the theory, namely that of social cooperation as a system of reciprocity. As we saw in the context of the discussion of the principle of redress, Rawls’s conception of “procedural justice” is geared to social relations and structures. It leads to a system of social cooperation that expresses the “sociability of human beings” in such a way that they complement each other in productive ways and participate in a context of cooperation that includes all as politically and socially autonomous members— think of the picture of the orchestra employed by Rawls as an ideal of social cooperation.[36]
Decerto, desde os parágrafos iniciais de Uma teoria de justiça, John Rawls apresenta a ideia fundamental de sociedade na qualidade de um “sistema de cooperação social” cuja participação nessas relações não somente traz benefícios sociais para seus concernidos, bem como exige deles o cumprimento de encargos de compromisso em contrapartida. Em “justiça como equidade”, a sociedade é marcada por uma identidade de interesses, como também por profundos conflitos de interesses. Isso ocorre, na TJ, pois os membros cooperadores são pessoas autointeressadas em formular, revisar e avançar suas respectivas concepções de bem (e planos de vida). E, por isso, os indivíduos não estão dispostos a abrir mão tão facilmente de seus próprios projetos.
Contudo seria errôneo assumir que na concepção de justiça de Rawls o fundamento das relações de cooperação social seria meramente estratégico e individualista.[37] Ao contrário, e com o intuito de afastar uma leitura meramente instrumental e individualista das relações de cooperação social, a justiça rawlsiana destaca que as relações de cooperação social devem ser interpretadas como “relações de reciprocidade” entre seus membros, segundo Macleod. Com isso, nosso autor não nega que as relações de cooperação social devem ser capazes de prover “benefícios” para os membros envolvidos; não obstante, seria enganoso concluir que as relações de cooperação social estariam limitadas à lógica da racionalidade stricto sensu.[38] Por isso, Rawls aprofunda a ideia de que sociedade deve ser interpretada fundamentalmente como um sistema de cooperação social estruturado por relações de “reciprocidade”[39]. Ou seja, por relações cujos seus membros estão igualmente dispostos à dinâmica de oferecer e de aceitar razões as quais a validade poderia ser reciprocamente compartilhada por todos os concernidos.
O aspecto da reciprocidade representa um elemento da psicologia moral presente desde a publicação de sua obra magna, mas trabalhado de modo mais robusto em Justice as Fairness. Na TJ, o filósofo apresenta a reciprocidade como um “fato psicológico profundo” que representa a tendência da sociabilidade humana para responder na mesma medida, ou melhor, de forma recíproca. Essa tendência para a reciprocidade contida na descrição da psicologia humana da Parte III fornece os pressupostos para acreditar que as pessoas não somente são capazes, como também são motivadas psicologicamente, para participar de um sistema de cooperação social justo ao longo do tempo. Ou seja, seu interesse não é somente racional num sentido estratégico, como também moral: um interesse na justiça.
Em seus escritos de justiça política, Rawls avança o argumento da reciprocidade passando a conectá-la como uma tendência não somete da psicologia humana das pessoas, mas também como uma tendência do desenvolvimento sociopolítico das próprias sociedades democráticas liberais modernas, ao longo do tempo[40]. Agora, a ideia de reciprocidade representa: (a) ainda aquela tendência da psicologia moral razoável dos cidadãos (que explica o senso de justiça tal como TJ), como também (b) representa aquilo que passa ser chamado de “critério da reciprocidade”. Trata-se de uma espécie de critério de justiça política resultante de um longo processo de desenvolvimento social e histórico das sociedades democráticas liberais. Na condição de critério, uma das marcas estruturantes dessas sociedades modernas é que os cidadãos razoáveis exigem que o uso do poder institucional seja justificado para pessoas livres e iguais em comparação aos modelos de autoridade anteriores. De agora em diante, o uso do poder institucional demanda a justificação pública de sua validade, i.e., sua justificação deve ser capaz de ser reciprocamente aceita por todos os concernidos na condição de pessoas livres e iguais:
Como visto, na condição de um critério de justiça política, a reciprocidade passa a ser uma condição indispensável do uso do poder político nas modernas sociedades democráticas liberais. Ele (o uso do poder político) deve ser justificado de forma pública e recíproca para todos os cidadãos na condição de pessoas livres e iguais. Isso é possível, por sua vez, haja vista que as próprias ideias implícitas na cultura política pública apresentam as “pessoas” como agentes que desejam referir a si mesmos – e reciprocamente também aos outros – como livres e iguais. Portanto, essa passagem para as relações de reciprocidade no sistema de cooperação social – como algo cujo conjunto vinculante de regras da estrutura básica que deve ser justificado e capaz de ser racionalmente aceito não somente para si, como também para todos os outros – perpassa a justiça rawlsiana como um todo. Dado que a concepção de sociedade presume e depende uma concepção de pessoa, deste modo, a próxima seção é dedicada para reconstruir a mencionada ideia
(b) Pessoa: uma concepção intersubjetiva de autonomia
Para a interpretação relacional da justiça rawlsiana, a concepção normativa de pessoa é apresentada não somente como “não-metafísica” e “política” como o próprio John Rawls sugere nos seus escritos de justiça política, como também seus elementos intersubjetivos não podem ser descartados[41]. Isso porque o exercício da “personalidade moral” e da “autonomia”, que acompanha sua concepção de pessoa, não se fundamenta numa imagem da razão prática exercida monologicamente pelos cidadãos, mas sim o uso de uma capacidade complexa exercida em conjunto nas relações de justificação.
A partir deste ponto de vista, Forst acredita que o próprio exercício da pergunta pela justiça é necessariamente algo de natureza intersubjetiva, e não uma atividade isolada[42]. O próprio sistema de cooperação social para funcionar não somente de forma justa, como também estável ao longo do tempo, necessita da disposição das pessoas para a intersubjetividade. Isso porque os cidadãos devem estar dispostos a oferecer e aceitar razões que poderiam ser aceitas não somente para si, como também para todos os outros concernidos com base nos critérios da universidade e generalidade. Trata-se, portanto, de um exercício intersubjetivo de reflexão e de justificação sobre os assuntos essenciais que concernem a todos. Uma pergunta nunca completamente esgotada, mas sempre em aberto. Isso porque sua própria autoridade emana justamente desse exercício público e recíproco de justificação, ao longo do tempo.
Em contextos de sociedades democráticas liberais, a autoridade da justiça política emana dos próprios cidadãos: uma tese que de longa data já foi formulada por Rousseau, mas agora reapropriada por Rawls, Habermas e Forst. Isso significa que o uso do poder político deve ser justificado de forma pública e recíproca para todos os cidadãos na condição de pessoas livres e iguais. Seu caráter de publicidade advém do fato que a formulação dos termos de justiça política não devem ser frutos de um ato secreto e de conhecimento restrito a alguns poucos indivíduos; sobretudo, em sociedades democráticas liberais, os termos de justiça política devem ser acessíveis publicamente para todos seus concernidos. Seu carácter de reciprocidade, por sua vez, advém do fato que a validade dos argumentos para o uso do poder político deve ser capaz de ser aceita não somente para si, mas também para todos os outros.
Dessa forma podemos rejeitar a interpretação da concepção de “pessoa” da justiça rawlsiana como “atomista” e desvinculada da complexidade das relações sociais práticas, uma interpretação que por muito tempo moldou o debate em Uma Teoria da Justiça. Por exemplo, das diversas críticas comunitaristas à justiça rawlsiana, encontra-se a acusação de estar fundamentada numa abordagem socialmente “desvinculada de self”[43], que seria metafísica sob o ponto de vista da fundamentação de pessoa, e “egoísta” sob o ponto de vista da sociedade[44].
Contra a tese do atomismo, é possível argumentar que a concepção de pessoa da TJ é abstrata, porém não-metafísica. Sobretudo, nos seus escritos de justiça política Rawls passa a enraizá-la numa ideia política dos cidadãos como pessoas livres e iguais capazes de deliberarem e influenciarem o desenho da estrutura básica da sociedade. Embora os comunitaristas estejam corretos quando argumentam que a concepção de pessoa rawlsiana estaria fundamentada numa abordagem normativa-abstrata, contudo, eles erram ao interpretar o uso de ideias abstratas como algo “fora” do mundo e da sociedade. O próprio teórico de Harvard teria deixado claro no Liberalismo Político – e depois reafirmado em Justice as Fairness – que sua concepção de justiça tem como pano de fundo ideias fundamentais já institucionalizadas nas modernas sociedades democráticas.
Se, por um lado, a concepção de pessoa rawlsiana não é metafísica, por outro lado, Rawls também é cuidadoso em afirmar que sua concepção não representa uma descrição empírica das pessoas. Trata-se de uma interpretação “normativa, não-psicológica”[45]. Ao se desprender de uma leitura psicológica-empírica em direção à normativa, a justiça rawlsiana não quer se comprometer com o modo como as pessoas realmente concebem a si mesmos na realidade concreta. De forma mais modesta, o papel da concepção de pessoa em teorias de justiça é mais limitado. Seu propósito é revelar os elementos estruturantes que constituem essa ideia para o contexto de sociedades democráticas liberais.
Agora, cabe apresentar o modo como as ideias de pessoa e de sociedade são conectadas. Ao passo que a sociedade fora interpretada como um sistema recíproco de relações de cooperação social, por conseguinte, essa mesma interpretação demanda uma caracterização dos cidadãos como membros cooperadores capazes de refletir e orientar-se reciprocamente de acordo com os termos justos de cooperação social. Deste modo, sob o ponto de vista normativo, cabe pressupor que as pessoas sejam “pessoas morais” (moral persons), ou melhor, ambas portadoras de uma “personalidade moral” (moral personality) que as torne capazes para o engajamento em relações recíprocas de cooperação social e de honrar entre si esses termos de forma duradoura. Essa personalidade moral seria composta por duas “faculdades morais” (moral powers)[46]. A primeira é a faculdade para um “senso de justiça”, isto é, a faculdade de entender, aplicar e de agir de acordo com os princípios de justiça política, ao longo do tempo. A segunda é a faculdade para uma “concepção de bem”, ou seja, a faculdade de formular, revisar e perseguir um esquema mais ou menos ordenado de fins, que orientam de forma qualitativa o que as pessoas consideram valoroso e bom na vida humana[47].
Afinal, “Em que sentido as pessoas podem ser caracterizadas como iguais?”[48]. Em sua resposta, a justiça rawlsiana argumenta que o que torna os cidadãos iguais em relação uns aos outros, sob o ponto de vista normativo, é sua capacidade para exercer as faculdades morais no mínimo grau possível, capacitando-os para o engajamento nas relações de cooperação social, ao longo de uma vida. Rawls não está se comprometendo com uma interpretação psicológica-empírica de pessoa, mas normativa. Isso significa que não se compromete com uma análise empírica se as pessoas desenvolvem (ou não) essas faculdades, ao longo da vida. O que a justiça rawlsiana quer mostrar é que, sob o ponto de vista normativo, todas as pessoas normalmente possuem a mesma capacidade para desenvolver suas faculdades morais quando encontram condições institucionais favoráveis para isso. Mais ainda, o desenvolvimento mínimo dessas faculdades não somente torna possível as relações de cooperação, como também torna estável o sistema de cooperação ao longo de gerações.
Pergunta-se: “Em que sentido os cidadãos são livres?”[49]. A resposta para essa pergunta é mais longa em comparação à pergunta anterior. Sob o ponto de vista normativo, a justiça rawlsiana elenca duas maneiras com as quais as pessoas podem ser consideradas livres no contexto de democracias liberais. A primeira delas se refere a sua liberdade para formular, revisar e perseguir uma concepção de bem. A liberdade da pessoa é interpretada aqui como a “independência” das pessoas em relação às concepções abrangentes de bem. Com base nessa primeira caracterização da liberdade como independência, para Freeman, “justiça como equidade” se coloca em contraponto com algumas das teses comunitaristas[50]. Mais especificamente, ela contrapõe a ideia de que os indivíduos se encontram inevitavelmente presos ao conjunto de valores sociais e lealdades que os formaram nas suas comunidades. Contra os comunitaristas, Rawls resgata a importância das instituições garantirem as condições de possibilidade para que as pessoas possam efetivamente refletir, criticar e, até mesmo se for o caso, desvencilhar-se de um conjunto de valores e modos de vida que por muito tempo moldaram suas vidas. Com base na interpretação da liberdade como independência, Rawls não está afirmando que as pessoas estão concretamente desenraizadas do conjunto de valores aos quais já nascem e aprendem a se socializar; ao contrário, por já estarem enraizadas nesses contextos valorativos, o aspecto da liberdade como independência é importante em ser resgatado. Isso porque ele garante a possibilidade efetiva que elas possam modificar e alterar suas concepções, se assim almejarem, ao longo de suas vidas. Com isso, uma sociedade justa é aquela que garante possibilidades efetivas para que as pessoas possam desenvolver sua faculdade de refletir, revisar e se afastar de um esquema abrangente de fins que por muito tempo moldou substantivamente suas vidas e suas identidades, se assim o desejar.
A segunda maneira de interpretar o significado normativo da liberdade, que especialmente nos interessa, é com base na caracterização das pessoas como “fontes originárias de reivindicações legítimas” (self-authenticating sources of valid claims)[51]. Da mesma maneira que as instituições políticas reivindicam dos cidadãos o cumprimento de um conjunto de deveres e obrigações de justiça política, em contrapartida, isso implica relacionalmente que os cidadãos também podem reivindicar reciprocamente delas (das instituições da estrutura básica) a devida consideração de seus interesses mais fundamentais, quais sejam: o interesse em desenvolver e exercer as duas faculdades morais[52].
No entendimento de Freeman e Darwall, essa forma de formular a liberdade das pessoas pode ser interpretada como expressão da autoridade dos cidadãos em efetuar reivindicações das instituições que compõe a estrutura básica da sociedade[53]. Por um lado, reivindica-se autoridade normativa para perseguir seus interesses mais fundamentais (as faculdades morais). Por outro lado, reivindica-se a autoridade normativa para que o uso do poder político seja justificado de forma válida para todos na condição de livre e iguais[54]. Essa forma de entender a liberdade das pessoas aponta para uma relação de vinculação entre estrutura básica da sociedade e o poder dos cidadãos (como queria Young, por exemplo). Portanto, a relação das instituições para com os cidadãos vai além da mera relação de autoridade por coerção. Aqui, a autoridade do poder institucional emana dos cidadãos em espírito rousseauniano. Isso porque as próprias instituições políticas, no contexto de sociedade democráticas liberais, concebem os cidadãos como suas fontes originárias de autoridade normativa.
(c) Sociedade bem-ordenada: uma sociedade efetivamente regulada e unida por uma concepção política de justiça
Na interpretação relacional, uma “sociedade bem-ordenada” se refere ao ideal normativo de uma sociedade cuja estrutura básica é efetivamente regulada por princípios de justiça cujos cidadãos aceitam, e sabem que os demais também tendem a aceitá-la, ao longo de gerações. Na sociedade bem-ordenada seus membros não somente aceitam racionalmente a validade da sua justificação, como também estão motivados para agir de forma justa. Isso porque eles normalmente acreditam que nessa sociedade poderiam encontrar condições de possibilidade institucionais para realizar tanto seus interesses mais fundamentais (no desenvolvimento das faculdades morais citadas anteriormente), como também avançar conjuntamente uma concepção política de bem. Nesse sentido, uma sociedade bem-ordenada é aquela efetivamente regulada e unida por uma concepção política de justiça.
Em seus escritos de justiça política, a formulação mais geral da concepção de sociedade bem-ordenada é apresentada de forma tripartite: (a) trata-se de uma sociedade onde todos os cidadãos aceitam, e sabem que os outros também aceitam, os mesmos princípios de justiça política; (b) cuja efetiva regulação da estrutura básica da sociedade, ou seja, seu principal conjunto de instituições que orientam as relações de cooperação social, podem ser publicamente conhecidos, e aceitos por todos, quando os cidadãos acreditam que elas (as instituições) se orientam pelos princípios mencionados; por fim, mas não menos importante, (c) trata-se de uma sociedade cujos cidadãos são normalmente portadores de uma psicologia moral razoável, tendendo a desenvolver e exercer suas faculdades morais em contextos favoráveis para seu florescimento. Com base nesses pressupostos, há uma larga tendência para que os cidadãos “cumpram” (comply) com seus deveres e obrigações quando vivem em contextos institucionais justos.
Do mesmo modo que as outras duas ideias fundamentais apresentadas anteriormente, a concepção de sociedade bem-ordenada também representa de um ideal normativo formulado para sociedades democráticas liberais. Uma sociedade bem-ordenada apresentada nesses termos não tem como objetivo descrever sociedades realmente existentes; ao contrário, de forma mais limitada, seu papel é fornecer um padrão de avaliação normativo que seja independente das sociedades concretas para avaliar em que medida uma sociedade democrática liberal existente pode ser dita (ou não) como efetivamente regulada e unida por uma concepção política de justiça.
O último aspecto normativo da sociedade bem-ordenada merece especial atenção. Isso porque a concordância de cidadãos razoáveis para com o cumprimento dos seus deveres e obrigações de justiça ao longo de uma vida, deve ser coerente tanto com os fatos mais gerais da psicologia humana, quanto com os fatos mais gerais da sociabilidade humana – sem com isso cair numa leitura trivial das relações sociais. A concepção de sociedade bem-ordenada certamente carrega um forte elemento motivacional que Rawls acredita não poder ser tão facilmente suprimido das teorias de justiça. Sem esse elemento motivacional, uma concepção de justiça política deixaria em aberto a pergunta sobre como uma sociedade justa seria possível de ser endossada e mantida por cidadãos livres e iguais, ao longo de gerações. Todavia, dadas algumas insatisfações com o modo como teria explicado a motivação moral na sua obra magna dos anos setenta, nos escritos políticos coube reformular o argumento para mostrar em que medida cidadãos democráticos profundamente cindidos por doutrinas abrangentes, ainda assim, encontrariam boas razões para estarem motivados para cumprir com instituições justas, colaborando para manter e aprimorá-las ao longo do tempo.
No entendimento do “Public Basis View” de Paul Weithman, mesmo no contexto de sociedades profundamente cindidas (como narra Rawls), ainda seria possível uma concordância moralmente motivada em torna da concepção política de justiça[55]. Duas razões para essa motivação poderiam ser levantadas. Primeiro, com base nos pressupostos da psicologia moral razoável, os cidadãos encontrariam condições de possibilidade institucionais para o avanço de seus interesses mais fundamentais na sociedade bem-ordenada. Segundo, os cidadãos encontrariam condições institucionais para realizar não somente seu bem individual (seu plano de vida), como também para realizar uma concepção política de bem. Com base nessa última razão, a sociedade bem-ordenada se encontraria unida por uma concepção política de justiça na condição de um fim coletivo perseguido por cidadãos democráticos livres e iguais.
O mencionado aspecto da integração da sociedade bem-ordenada em torno de uma concepção política de bem se torna evidente, segundo Rainer Forst, quando se adentra no debate da “legitimidade” da teoria de justiça (ou também da chamada questão da “estabilidade”)[56]. Ao distanciar “justiça como equidade” da integração social meramente estratégica como no caso do modus vivendi de Larmore[57], e de uma sociedade eticamente integrada ensejam os comunitaristas[58].
Rawls teria fundamentado o modelo de integração e união social de uma sociedade democrática bem-ordenada em torno de uma concepção política de justiça. Isso significa que, em contextos de sociedades democráticas liberais, o tipo de integração social ainda possível se encontra em um meio-termo. Por um lado, sua unificação social não ocorre por conta do compartilhamento de doutrinas abrangentes impostas pelo poder institucional. Nesse sentido, como argumenta Forst, não se trata de modo algum de uma união social de tipo “ética”[59]. Por outro lado, sua integração social não ocorre por conta da racionalidade meramente racional-estratégica das pessoas voltada pura e simplesmente em torno da realização de seus fins individuais. Assim, ao passo que a integração social não deve ser apresentada como uma unicidade orgânica comunitária, por outro lado, ela também não deve ser interpretada como uma associação com propósitos meramente estratégicos para obter meramente vantagens individuais. Para Forst, não se trata de mera união social instrumental, mas sim do compartilhamento dos fins de uma sociedade política[60]. Sua ideia política de bem não é formulada de forma independente dos outros elementos normativos da teoria, sobretudo, essa ideia política de bem emana de dentro das concepções normativas de sociedade, pessoa implícitas na cultura política democrática. Do fato que a sociedade política não se encontra integrada por uma doutrina abrangente não se segue que caia no seu extremo oposto, ou seja, reduzida à imagem da associação meramente individualista de pessoas preocupadas com fins estritamente econômicos, como no caso da “sociedade privada” tipicamente associada com o liberalismo.
Desde a publicação de sua obra magna, o filósofo de Harvard afasta sua teoria de justiça dessa interpretação caricatural da união social. Isso porque uma “sociedade privada” seria composta por duas características que não são compatíveis com a ideia normativa da sociedade bem-ordenada[61]. A primeira característica é que a sociedade privada negligencia o fato que os fins dos cidadãos são normalmente complementares em um sistema de cooperação social, ao passo que a sociedade bem-ordenada não. Para essa forma instrumental de entender a união social, as pessoas são tratadas como meras portadoras de “fins privados” que referem continuamente a si próprias como independentes entre si. Sobretudo, a sociedade privada é marcada fundamentalmente pela lógica de competição entre pessoas portadoras de fins privados distintos, ao passo que na sociedade a competição é permitida, contudo, esse não constitui sua lógica fundamental. A segunda característica é que a sociedade privada ignora o fato que a cooperação social não somente onera os cidadãos, como também traz distintos benefícios individuais e coletivos. Ao contrário da sociedade bem-ordenada, o engajamento e a sustentação das instituições da estrutura básica na sociedade privada são interpretados como puramente onerosos. Ou melhor, um peso ao qual as pessoas somente aceitam por calcular estrategicamente seus interesses.
Dessa forma, uma sociedade democrática bem-ordenada carrega boas razões para ser considerada racionalmente boa não somente para si próprio (o desenvolvimento e exercício efetivo dos interesses mais fundamentais), como também coletivamente (avançando uma ima política de bem). Em relação à dimensão individual, uma sociedade bem-ordenada seria boa por duas razões. Primeiro, com base nas premissas da psicologia moral razoável, na sociedade justa as pessoas encontrariam condições de possibilidade institucionais para desenvolver e exercer suas faculdades morais. Segundo, com base na importância do senso “vivo” do valor de si (o autorrespeito), segue-se que na sociedade justa as pessoas encontrariam condições institucionais de suporte mais robustas no que nos modelos adversários para desenvolver o senso do valor de si, as chamadas bases sociais do autorrespeito[62].
No que se refere ao bem político, a sociedade bem-ordenada pode ser considerada “boa”, haja vista que nela os cidadãos democráticos encontrariam condições institucionais para endossar, manter e reformar gradualmente instituições justas, ao longo de gerações[63]. Trata-se de uma marca própria dos cidadãos democráticos. Uma sociedade democrática bem-ordenada somente poderia ser realizada em conjunto por cidadãos democráticos motivados e engajados em relações de cooperação social recíprocas, ao longo de gerações.
Somadas as três concepções desenvolvidas, é possível notar como a justiça distributiva rawlsiana é melhor representada por uma imagem relacional de justiça em comparação à imagem distributiva-alocativa. Ao contrário do que acreditava a crítica do paradigma distributivo-alocativo de Iris Young, foi mostrado que o próprio John Rawls também teria propositadamente afastado sua teoria distributiva da leitura distributiva-alocativa por ser crítico a ela. O capítulo defende também que suas concepções normativas fundamentais podem ser melhor compreendidas quando interpretadas com base na leitura relacional de: sociedade, pessoa e sociedade bem-ordenada.
De forma modesta, com base nos trabalhos do teórico crítico Rainer Forst, o presente artigo procurou argumentar que a concepção de “justiça como equidade” muito melhor é representada por uma imagem relacional da justiça do que uma imagem distributiva-alocativa. Ao contrário do que acreditava a crítica do paradigma distributivo-alocativo da também teórica crítica Iris Young, a própria teoria rawlsiana se posiciona explicitamente de forma oposta a um conjunto de interpretações que a caracterizam como uma teoria da justiça preocupada com a distribuição de “coisas” para pessoas entendidas como “portadoras de coisas”. Como argumenta Forst, ao ser reconstruídas as ideias principais, que compõe “justiça como equidade, é possível revelar o carácter relacional da teoria do filósofo de Harvard. Por exemplo, a “sociedade” não somente é normativamente caracterizada como um sistema de cooperação social ao longo do tempo, sobretudo, como um sistema de reciprocidade formado por relações de cooperação social entre pessoas livres e iguais. Outrossim, as “pessoas” não são normativamente caracterizadas como indivíduos atomizados e meramente autointeressados em obter vantagens racionais para si (como acreditavam alguns comunitaristas), sobretudo, as pessoas são caracterizadas normativamente como portadoras de uma personalidade moral cujo exercício intersubjetivo da autonomia os faz ser capazes de se engajar (e desejar) participar da dinâmica de dar e receber razões que justifiquem suas mais diversas formas de interação em sociedade, em especial àquelas que tocam as questões essenciais de justiça política. Por fim, como também visto, a caracterização normativa de uma sociedade justa, ou melhor, de uma sociedade bem-ordenada não somente é aquela que se orienta por princípios de justiça aos quais pessoas livres e iguais poderiam racionalmente aceitar, e também esperar que os outros cidadãos também fizessem o mesmo, sobretudo, trata-se também de uma sociedade capaz de ser unida por uma concepção política de justiça. Nesse sentido, a ideia de sociedade bem-ordenada revela uma imagem de integração social politicamente praticável, e não de uma comunidade orgânica como acreditavam alguns comunitaristas.
ALÌ, N. Economic Inequality and Proportionality. How rich should the 1% be? 2018. Tese (Doutorado em Filosofia) – CFH/UFSC, Santa Catarina, 2018.
ANDERSON, E. What Is the Point of Equality? Ethics, v. 109, n. 2, p. 287-337, 1999.
BARRY, B. Culture and Equality: An Egalitarian Critique of Multiculturalism. NJ: Cambridge Press, 2001.
COHEN, G. A. On the Currency of Egalitarian Justice. Ethics, v. 99, n. 4, 1989, p. 906-944.
COHEN, J. Rousseau. A Free Community of Equals. Oxford: University Press, 2010.
COHEN, J. For a Democratic Society. In: FREEMAN, Samuel (ed.). The Cambridge Companion to Rawls. Cambridge: Cambridge Press, 2003.
DARWALL, S. The Second-Person Standpoint: Morality, Respect and Accountability. Cambridge Mass.: Harvard Press, 2006.
DWORKIN, R. Sovereign Virtue: The Theory and Practice of Equality. Cambridge: Harvard University Press, 2000.
FORST, R. The Point of Justice: On the Paradigmatic Incompatibility between Rawlsian “Justice as Fairness” and Luck Egalitarianism. In: MANDLE, John; ROBERTS-CADY, Sarah. (ed.). John Rawls: Debating the Major Questions. Oxford: Oxford Press, 2020.
FORST, R. Political Liberalism: A Kantian View. Ethics, v. 128, Oct., p. 123–144, 2017.
FORST, R. The Right to Justification. Trad. by Jeffrey Flynn. NY: Columbia Press, 2011.
FORST, R. Radical Justice: On Iris Marion Young’s Critique of the “Distributive Paradigm”. Constellations, v. 14, n. 2, p. 260-265, 2007.
FORST, R. Contexts of Justice. Political Philosophy beyond Liberalism and Communitarianism. California: California Press, 2002.
FOURIE, C. SCHUPPERT, F. & WALLIMANN-HELMER, I. (2015) Social Equality: On What it Means to Be Equals. Oxford: Oxford Press.
FREEMAN, S. Rawls. NY: Routledge, 2007.
HABERMAS, J. Reconciliação pelo uso público da razão. In: HABERMAS, J. A inclusão do outro: Estudos de teoria política. Trad. de Denilson Werle. SP: UNESP, 2018.
LARMORE, C. Patterns of Moral Complexity. NY: Columbia Press, 1987.
LIPPERT-RASMUSSEN, K. Luck Egalitarianism. London: Bloomsbury, 2015.
LUKES, Steven. The Meanings of "Individualism". Journal of the History of Ideas, v. 32, n. 1, Jan.-Mar., 1971, p. 45-66.
MACINTYRE, A. After Virtue: A Study in Moral Theory. Notre Dame: Notre Dame Press, 2007.
MANDLE, J.; ROBERTS-CADY, S. Introduction. In: MANDLE, J; ROBERTS-CADY, S. (ed.). John Rawls: Debating the Major Questions. Oxford: Oxford Press, 2020.
MACLEOD, C. Advantage, mutual vs. reciprocal. In: MANDLE, J.; REIDY, D. (ed.). The Cambridge Rawls Lexicon. Cambridge: Cambridge Press, 2015.
NAGEL, T. Rawls on Justice. The Philosophical Review, v. 82, n. 2, Apr., 1973, p. 220-234.
NOZICK, R. Anarchy, State and Utopia. New York: Basic Books, 1974.
O’NEILL, M. What Should Egalitarians Believe? Philosophy & Public Affairs, v. 36, n. 2, p. 119-156, 2008.
PETRONI, L. A Moralidade da Igualdade. 2018. Tese (Doutorado em Ciência Política) – FFLCH/USP, São Paulo, 2017.
RAWLS, J. A Theory of Justice. Original Edition. Cambridge. MA: Belknap of Harvard Press, 2005.
RAWLS, J. Justice as Fairness: A Restatement. MA: Belknap of Harvard Press, 2001.
RAWLS, J. A Theory of Justice. Rev. ed. Cambridge. MA: Belknap of Harvard Press, 1999.
RAWLS, J. Political Liberalism. NY: Columbia Press, 1993.
SANDEL, M. Liberalism and the Limits of Justice. Sec. ed. NY: Cambridge University Press, 1998.
SCANLON, T. Why Does Inequality Matter? First ed. Oxford: Oxford Press, 2017.
SCHEMMEL, C. Why Relational Egalitarians Should Care about Distributions. Social Theory and Practice, v. 37, n. 3, 2011, p. 365–390.
SCHWARTZ, A. Moral Neutrality and Primary Goods. Ethics, v. 83, n. 4, Jul., p. 294-307, 1973.
TEITELMAN, M.. The Limits of Individualism. The Journal of Philosophy, v. 69, n. 18, Oct. 1972, p. 545-556.
VITA, A. Critical Theory and Social Justice. Brazilian Political Science Review, v. 8, n. 1, p. 109-26. 2014.
VITA, A. Liberalismo, Justiça Social e Responsabilidade Individual. DADOS – Revista de Ciências Sociais, v. 54, n. 4, 2011, p. 569-608.
WEITHMAN, P. Why Political Liberalism? On John Rawls’s Political Turn. NY: Oxford Press, 2010.
YOUNG, I. Taking the Basic Structure Seriously. Perspectives on Politics, v. 4, n. 1, p. 91-97, 2006.
YOUNG, I. Rawls’s Political Liberalism. The Journal of Political Philosophy, v. 3, n. 2, p. 181-19, 1995.
YOUNG, I. Justice and the Politics of Difference. NJ: Princeton Press, 1990.
Contribuição de autoria
1 – Diana Piroli:
Research Fellow, Department of Political and Social Science, University of Catania (Unict), Italy,
http://orcid.org/0000-0002-3523-8815 • dianapiroli@hotmail.com
Contribuição: Primeira Redação
Como citar este artigo
PIROLII, D. Para além da imagem distributiva-alocativa: Uma interpretação relacional da teoria da justiça de John Rawls. Voluntas Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v.13, e5, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179378667881. Acesso em: dia mês abreviado. ano.
[1] YOUNG, Justice and the Politics of Difference.
[2] É fundamental notar que em seus trabalhos posteriores, Iris Young altera substancialmente seu tom crítico em torno da crítica do paradigma distributivo-alocativo da justiça rawlsiana, substituindo por uma leitura muito mais generosa e próxima dos debates que ela mesmo defendera nos anos noventa (YOUNG, Rawls’s Political Liberalism). Na nova leitura de Young de Rawls, a passagem da obra magna de autor dos anos 70 para os escritos de justiça política deve ser interpretada como um “engenhoso” e considerável “avanço” normativo nos debates em teorias da justiça. Isso porque, agora, a justiça rawlsiana deve ser interpretada como uma tentativa de responder aos comunitaristas, mostrando como sua concepção não somente é “corporificada” e contextualista, sobretudo, capaz de endereçar os conflitos culturais e identitários de forma muito melhor do que seus adversários.
[3] Cabe ressaltar que a expressão “crítica do paradigma distributivo-alocativo” foi cunhada pela própria autora deste artigo para representar a objeção de Young
[4] FORST, The Point of Justice; FORST, The Right to Justification.
[5] Sobre a controversa influência da crítica de Young aos trabalhos de John Rawls cf. BARRY, Culture and Equality.
[6] YOUNG, Justice and the Politics of Difference.
[7] YOUNG, Taking the Basic Structure Seriously.
[8] YOUNG, Justice and the Politics of Difference.
[9] YOUNG, Justice and the Politics of Difference, 15.
[10] YOUNG, Justice and the Politics of Difference.
[11] YOUNG, Justice and the Politics of Difference, 18.
[12] YOUNG, Justice and the Politics of Difference, 16.
[13] YOUNG, Justice and the Politics of Difference.
[14] Cf. MACINTYRE, After Virtue; SANDEL, Liberalism and the Limits of Justice.
[15] YOUNG, Justice and the Politics of Difference.
[16] Cf. MANDLE; ROBERTS-CADY, Introduction.
[17] ANDERSON, What Is the Point of Equality?
[18] Cf. DWORKIN, Sovereign Virtue; COHEN, On the Currency of Egalitarian Justice; LIPPERT-RASMUSSEN, Luck Egalitarianism.
[19] ANDERSON, What Is the Point of Equality? 288.
[20] ANDERSON, What Is the Point of Equality?
[21] Cf. FORST, The Point of Justice; O’NEILL, What Should Egalitarians Believe? SCANLON, Why Does Inequality Matter?
[22] Cf. SCHEMMEL, Why Relational Egalitarians Should Care about Distributions; PETRONI, A Moralidade da Igualdade; ALÌ, Economic Inequality and Proportionality.
[23] FORST, The Point of Justice; FORST, The Right to Justification.
[24] FORST, The Point of Justice, 158.
[25] FORST, Radical Justice.
[26] FORST, Radical Justice.
[27] RAWLS, Justice as Fairness.
[28] RAWLS, Justice as Fairness, §14, 50.
[29] FORST, Radical Justice; FORST, The Point of Justice.
[30] HABERMAS, Reconciliação pelo uso público da razão.
[31] FORST, The Point of Justice, 158.
[32] RAWLS, Justice as Fairness, §14, 50.
[33] YOUNG, Taking the Basic Structure Seriously.
[34] VITA, Critical Theory and Social Justice.
[35] VITA, Liberalismo, Justiça Social e Responsabilidade Individual.
[36] FORST, The Point of Justice, 159.
[37] Como assumem alguns críticos por exemplo: NAGEL, Rawls on Justice; SCHWARTZ, Moral Neutrality and Primary Goods; TEITELMAN, The Limits of Individualism; LUKES, The Meanings of "Individualism".
[38] MACLEOD, Advantage, mutual vs. reciprocal.
[39] RAWLS, Justice as Fairness; RAWLS, Political Liberalism.
[40] RAWLS, Justice as Fairness; RAWLS, Political Liberalism.
[41] RAWLS, Justice as Fairness; RAWLS, Political Liberalism.
[42] FORST, The Right to Justification.
[43] SANDEL, Liberalism and the Limits of Justice.
[44] MACINTYRE, After Virtue.
[45] RAWLS, Justice as Fairness; RAWLS, Political Liberalism.
[46] RAWLS, Justice as Fairness; RAWLS, Political Liberalism.
[47] RAWLS, Justice as Fairness, §. 7, 18-19.
[48] RAWLS, Justice as Fairness, §. 7, 20.
[49] RAWLS, Justice as Fairness, §. 7, 21.
[50] FREEMAN, Rawls.
[51] RAWLS, Justice as Fairness.
[52] RAWLS, Justice as Fairness, §. 7, 23.
[53] FREEMAN, Rawls; DARWALL, The Second-Person Standpoint.
[54] FORST, The Right to Justification.
[55] WEITHMAN, Why Political Liberalism?
[56] FORST, Contexts of Justice.
[57] LARMORE, Patterns of Moral Complexity.
[58] MACINTYRE, After Virtue; SANDEL, Liberalism and the Limits of Justice.
[59] FORST, Contexts of Justice.
[60] FORST, Contexts of Justice.
[61] RAWLS, A Theory of Justice, §. 79.
[62] RAWLS, Justice as Fairness, §.60, 200.
[63] RAWLS, Justice as Fairness, §.60, 201.