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Universidade Federal de Santa Maria

Voluntas, Santa Maria, v.12, e18, Ed. Especial: Schopenhauer e o pensamento universal, 2021

DOI: 10.5902/2179378667876

ISSN 2179-3786

Submissão: 31/08/2021 Aprovação: 27/09/2021 Publicação: 28/12/2021

Que quer dizer “A música representa a Vontade”?. 2

O efeito da música?. 6

O sublime e a serenidade da contemplação estética. 9

Dor e desejo estéticos. 15

Om e som.. 23

 

Schopenhauer e o pensamento universal

A dor estética

Ästhetischer Schmerz

Márcio Benchimol BarrosIÍcone

Descrição gerada automaticamente

I Universidade Estadual Paulista, Marília, SP, Brasil

RESUMO

No capítulo sobre a música do primeiro volume de O mundo como Vontade e como representação afirma Schopenhauer que a música produz um efeito (Wirkung) “…mais poderoso e penetrante que o das outras artes…” e ainda que esse efeito seria “…no todo semelhante ao das outras artes, apenas mais vigoroso, mais rápido, mais necessário e infalível”. Porém, a condição da experiência estética em geral, para Schopenhauer é, sabidamente, o aquietamento da Vontade. Cabe então perguntar como é possível que a música exerça um efeito poderoso, penetrante e vigoroso sobre o ouvinte sem que a Vontade seja excitada, fato que destruiria por completo a fruição estética. Pretendo tentar responder a essa questão a partir da consideração do capítulo “Sobre os sentidos” do segundo tomo da obra máxima de Schopenhauer, a qual servirá de base para uma reflexão sobre o significado da dissonância musical na estética schopenhaueriana e sobre o papel por ela desempenhado na apreensão da melodia, concebida como forma musical.

Palavras-chave: Estética; Música; Dissonância; Melodia

ZUSAMMENFASSUNG

In dem Kapitel über Musik des erstens Bandes von Die Welt als Wille und Vorstellung, behauptet Schopenhauer daß die Musik eine Wirkung ausübt die “…sehr viel mächtiger und eindringlicher [ist], als die der anderen Künste”, und zwar daß diese Wirkung, im Vergleich mit der der anderen Künste, “…im Ganzen gleichartig, nur stärker, schneller, nothwendiger, unfehlbarer” sei. Bekanntlich gilt aber als Voraussetzung für die ästhetische Erfahrung die Beruhigung des Willens. Es entsteht also die Frage: wie könnte die Musik eine mächtige, eindringliche und starke Wirkung auf den Zuhörer ausüben, ohne daß der Wille damit erregt wird, was notwendigerweise dazu führen müsste, daß der ästhetische Genuss völlig verschwindet. Ich werde, auf der Basis einer Betrachtung des Kapitels “Über die Sinnen”, vom zweiten Band von Die Welt als Wille und Vorstellung, diese Frage zu beantworten versuchen. Dieser Versuch soll dann als Grundlage für eine Auseinandersetzung mit dem Thema der Dissonanz in Schopenhauers musikalischen Ästhetik dienen, gleichwie für eine reflexion über die Rolle die die Dissonanz im Erfassen der Melodie (als ästetische Form betrachtet) spielt.

Schlüsselwörter: Ästhetik; Musik; Dissonanz; Melodie

Que quer dizer “A música representa a Vontade”?

Para Schopenhauer, como se sabe, o que mais profundamente distingue a música de todas as outras artes é que ela nos oferece cópias diretas da Vontade, enquanto que aquelas criam cópias de cópias da Vontade, ou seja, das idéias. Nisto também reside a famosa relação de analogia entre música e mundo: enquanto cada uma das outras artes representa a Vontade mediatamente e de forma limitada (pois tipicamente restrita a uma única idéia ou a um conjunto delas), “… a música é uma tão IMEDIATA objetivação e cópia de toda a VONTADE (des ganzen Willens), como o mundo mesmo o é…” (W I, p. 338). Curiosamente, porém, o parágrafo anterior do mesmo texto afirma ser a música “…cópia de um modelo que, ele mesmo, nunca pode ser representado imediatamente …” (W I, p. 338), do que facilmente poderíamos concluir que a música é uma representação imediata … de algo do qual não é possível nenhuma representação imediata! Sim: se a Vontade, segundo seu conceito schopenhaueriano, é, por definição, algo que se furta a toda representabilidade imediata, então como pode a música representá-la imediatamente? Pode-se tentar contornar essa dificuldade afirmando-se que não nos podemos de fato representar diretamente a Vontade, mas podemos fazê-lo indiretamente, justamente através da música, esta sim sua representação direta. Isto, porém, só nos pode satisfazer até o momento em que lembramos que a música não se nos depara como fato bruto ou natural, mas para existir precisa antes ter sido criada por um sujeito humano. Ficamos então com outra pergunta: como então teria sido possível ao compositor produzir uma cópia direta de algo que ele mesmo jamais pôde se representar diretamente?

Está claro que não faço essas considerações como crítica a Schopenhauer, mas sim no sentido de indicar a importância de buscarmos uma compreensão para a tese geral de que a música representa a Vontade que se mostre compatível com o próprio pensamento schopenhaueriano. Neste sentido, parece essencial que nos perguntemos por essa Vontade que é representada imediatamente pela música. Que, de fato, devemos entender por Vontade aqui? O cerne metafísico do mundo, exterior a espaço e tempo? Isto claramente reintroduziria o problema inicial da irrepresentabilidade imediata da Vontade: como conceber que um fenômeno temporal, como a música, possa representar imediatamente algo que não está no tempo? Talvez convenha então tentar abordar o problema por seu outro lado. Perguntemos pois que música é essa que representaria a Vontade imediatamente e em seu todo, sendo, por isso, o análogo do mundo?

Convém então lembrar primeiramente que o mundo, como conjunto de todos os fenômenos ocorridos e por ocorrer, é uma representação infinita e absolutamente multifacetada, contendo em si uma infinidade de outras representações. Que teria de ser então a música para que pudesse ser o análogo dessa representação? Trata-se simplesmente da música em geral? Cada peça musical (pense-se, por exemplo, em um prelúdio de Bach com duas páginas de partitura e três minutos de duração) seria então capaz de representar o todo da Vontade, ou seja, aquilo mesmo que o mundo só pode representar ao estender-se infinitamente no espaço e no tempo? Poderia mesmo alguma coleção finita de composições fazê-lo? Quer-nos parecer então que essa música que seria o análogo do mundo só pode ser pensada como infinita, ou seja, não como uma composição particular, ou mesmo como o conjunto de todas as composições existentes, mas sim como o conjunto infinito e inesgotável de todas as composições possíveis, ou, para falar como Schopenhauer, a “…arte dos sons em suas variadas formas…” (W I, p. 337). E é, sem dúvida, a arte dos sons em suas variadas formas que Schopenhauer tem em mente ao enunciar o que pareceria ser uma segunda tese a respeito do significado da música, mas que na verdade é apenas uma segunda formulação da asserção geral de que a música representa a Vontade:

Todos os esforços possíveis, estímulos e exteriorizações da Vontade, todas as ocorrências no interior do homem, as quais a razão atira no vasto e negativo conceito de sentimento (Gefühl), são exprimíveis pelo número infinito das possíveis melodias, porém sempre na universalidade da mera forma, sem matéria, sempre apenas segundo o Em-si, não segundo o fenômeno, por assim dizer a alma mais interior destes, sem corpo (W I, p. 310).

De fato, penso ser esta a verdadeira tese de Schopenhauer sobre o sentido da música, ou pelo menos sua formulação mais precisa, já que ela introduz a única perspectiva interpretativa capaz de conferir à primeira formulação um sentido coerente com seu pensamento. Essa formulação primeiramente nos faz recordar que a Vontade não é algo exterior ao sujeito humano, mas está inteira nele – como em todas as suas manifestações particulares –, não é somente o cerne metafísico do mundo, mas também o em-si deste sujeito. Neste mundo interior que apenas nós conhecemos, e conhecemos diretamente, a Vontade se manifesta como esforços, estímulos e exteriorizações particulares que não podemos tomar como representações, mas sim como constituintes de nossa essência, de nosso em-si. Diríamos então que a música de fato representa imediatamente a Vontade, porém, não como esta é em si mesma, para além (ou aquém) de espaço e tempo – coisa evidentemente impossível e impensável – mas sim tal como se manifesta diretamente ao sujeito humano em todos os sentimentos[1] (Gefühle) possíveis. Pois é apenas a estas manifestações imediatas da Vontade que o compositor pode ter acesso, e são elas que se espelham no infinito campo de invenção melódica que se abre à criatividade do gênio musical.

Esta interpretação tem ainda a vantagem de conectar o pensamento estético de Schopenhauer à história do pensamento musical. Pois a idéia de que a música represente ou simbolize as afecções da alma humana, dando expressão a seus desejos e sentimentos, não é nenhuma invenção schopenhaueriana: toda a música vocal (e não apenas a vocal) do Ocidente alimentara-se por séculos dessa suposição que também deixou seus traços claros na tradição filosófica – nas páginas de um Rousseau, um Vico ou um Agostinho, por exemplo, sendo mesmo identificável, conforme acertadamente aponta Schopenhauer, já em Aristóteles e Platão (W I, p. 341). Deste ponto de vista, a tese de que a música representa a Vontade se revela como corolário filosófico de uma vetusta tradição, como sua tradução a partir dos termos do pensamento de Schopenhauer. Deve-se assim identificar a novidade da tese schopenhaueriana sobre o sentido da música não tanto no significado que ele lhe atribui, ou seja, o conjunto de todas as afecções possíveis da alma humana, mas sim na interpretação que ele atribui a essas mesmas afecções, considerando-as, nomeadamente, como manifestações imediatas do núcleo essencial da realidade.

O efeito da música?

Avancemos, porém, um pouco mais na compreensão desta tese, perguntando como se dá a representação das afecções da Vontade pela música.

Gostaria de introduzir este tema recordando uma observação que o capítulo sobre a música do primeiro volume de O mundo como Vontade e como representação faz a respeito do efeito (Wirkung) da música. Justamente porque a música representa diretamente a Vontade, lemos ali, seu efeito é “…tão mais poderoso e penetrante que o das outras artes…” (W I, p. 339). Já no primeiro parágrafo desse mesmo capítulo diz-se da música que “…seu efeito é no todo semelhante ao das outras artes, apenas mais vigoroso, mais rápido, mais necessário e infalível” (W I, p. 337). No mesmo sentido se expressa o capítulo Para a metafísica da música, do segundo volume da obra máxima de Schopenhauer:

Do mesmo modo que a música não exibe as idéias ou graus de objetivação da Vontade, como todas as outras artes fazem, mas sim exibe diretamente a Vontade, podemos entender que ela age (einwirkt) diretamente sobre a Vontade, ou seja, age sobre os sentimentos as paixões e as emoções do ouvinte de maneira que ela rapidamente os aumenta ou, senão, altera-os (W II, p. 538).

Tais afirmações também precisam ser consideradas e esclarecidas no contexto do pensamento estético schopenhaueriano, pois podem trazer certo embaraço a quem conheça alguns de seus princípios básicos. De fato, não é a condição necessária da experiência estética justamente o aquietamento da Vontade individual, o abandono de toda a forma de querer? A transição do sujeito empírico ao puro sujeito do conhecimento não é ao mesmo tempo o alcance de um estado de repouso do querer em que a Vontade individual não é mais estimulada ou excitada? Pois aqui está Schopenhauer a dizer-nos que a música atua sobre a Vontade do ouvinte, sobre seus sentimentos, paixões e afetos, podendo aumentá-los, diminuí-los ou transformá-los. É talvez no intuito de dirimir essa ambiguidade que o autor nos esclarece, ainda em Para a metafísica da música, que…

“…a música se torna… o material pelo qual todos os movimentos do coração humano, ou seja, da vontade, movimentos cuja natureza essencial é sempre a satisfação e a insatisfação, embora em graus imensuráveis, podem ser retratados e fielmente reproduzidos em todos os seus mais delicados matizes e modificações, e isso se dá por meio da melodia. Assim nós vemos nessa situação os movimentos da vontade transpostos ao território da mera representação, que é o palco exclusivo das realizações de todas as belas artes. Pois estas positivamente demandam que a vontade em si mesma seja deixada fora de jogo e que nos comportemos totalmente como puros conhecedores. Portanto, as afecções da vontade em si mesma, e, nesse sentido, a dor e o prazer efetivos, não devem nunca ser excitadas [erregt], mas apenas seus substitutos, o que está em conformidade com o intelecto, como uma imagem de satisfação da vontade e, o que mais ou menos se opõe a ela, também como imagem da dor maior ou menor” (W II, p. 134-135).[2]

Vemos então que a música não provoca nenhuma afecção real da Vontade, mas sim “…apenas seus substitutos, o que está em conformidade com o intelecto”. A tese de que a música representa os movimentos da Vontade recebe assim, se não uma correção, pelo menos uma especificação importante, pois o que aqui se está dizendo é que ela desperta representações desses movimentos. Trata-se na verdade de uma especificação bastante compreensível: pois uma representação estética, ou seja, intuitiva, de um sentimento (Gefühl, no sentido amplo de afecção da Vontade em geral), como aquela que a música deve proporcionar, há de ser por força algo que de alguma forma se assemelhe imediatamente a um sentimento, assim como a imagem pintada de uma árvore se assemelha intuitiva e imediatamente a uma árvore real. Esta representação intuitiva e imediata do sentimento não poderia então ser exatamente a melodia, mas sim algo que ela desperta. Pois melodia é e permanece sempre sendo uma sequência de sons, que, em si mesma, não apresenta nenhuma semelhança imediata a qualquer sentimento – pois, convenhamos, se houvesse qualquer relação de semelhança intuitiva e imediatamente perceptível entre melodia e sentimento, toda a candente discussão sobre o significado da música não teria razão de ser (como poderia alguém negar que algo representa aquilo com que possui uma semelhança imediatamente perceptível?), e nem seria necessário que Schopenhauer viesse a postulá-la – pois isso seria equivalente a postular que as árvores pintadas são semelhantes às reais. Nada porém nos impede de imaginar que a apreensão estética de uma determinada melodia possa dar imediatamente ocasião ao surgimento de tais representações intuitivas dos sentimentos. Mas isto talvez nos reconduza ao problema do qual partimos. Pois, se uma representação intuitiva imediata de uma afecção da Vontade deve ser de alguma forma similar a essa afecção, não teria ela de conter ou implicar algum tipo de movimento ou agitação da Vontade? Em caso afirmativo, como então essa suposição se coadunaria com o pressuposto da serena imperturbabilidade do sujeito estético?

O sublime e a serenidade da contemplação estética

Nossas recentes reflexões nos colocaram diante do problema do sujeito estético e suas condições de possibilidade em Schopenhauer. Acima de tudo, nos exigem uma interpretação cuidadosa da exigência de aquietamento da Vontade para a experiência estética, tal como a formula nossa mais recente citação.

O que significa, precisamente, essa exigência? Que o ânimo do observador estético deva permanecer absolutamente imóvel e isento de qualquer perturbação, como o ânimo do sábio asceta em sua serena contemplação transcendental? Estaria Schopenhauer então negando essa evidência inelutável, cotidianamente acessível a todos os que são sensíveis ao belo artístico, a evidência de que a arte nos comove, nos traz estremecimentos e agitações da alma? Se assim tivéssemos de interpretar aquela exigência, teríamos de negar a Schopenhauer qualquer sensibilidade artística, e faríamos bem em recomendar que se passasse diretamente do segundo ao quarto livro de O Mundo como Vontade e Representação, sem que se desse demasiada atenção a concepções tão extravagantes sobre a arte e o belo.

Felizmente, conhecemos demasiadamente bem a biografia desse genuíno amante das musas e flautista apaixonado para que pudéssemos imaginar ter ele de fato sustentado esta sorte de opiniões. E, como vimos, Schopenhauer admite explicitamente que as artes exercem um efeito sobre seus apreciadores. Deve-se notar que um tal efeito não se confunde com a mera beatitude que se segue ao abandono do princípio de razão. Primeiramente porque essa beatitude não resulta de nenhum efeito da obra sobre o contemplador, mas simplesmente da libertação deste em relação ao jugo da Vontade individual. Em segundo lugar, é preciso levar em conta que cada obra de arte nos afeta de maneira qualitativamente diversa – no que se refere à música, Schopenhauer é claro em apontar que cada peça musical, de acordo com o seu andamento e modo tonal (maior ou menor) nos afeta de maneira absolutamente peculiar e distinta em relação às outras – enquanto que a satisfação causada pelo silenciamento do querer só pode admitir diferenças de intensidade.

Cabe-nos então tentar conciliar essa suposição de um efeito exercido pela obra de arte com a exigência do aquietamento da Vontade. Neste sentido é válido, de início, precisar que esse aquietamento significa fundamentalmente que a Vontade individual deixa de ser afetada por motivos. Em segundo lugar, vale notar que nossa mais recente citação não afirma que os movimentos da Vontade (Willenbewegungen) estejam absolutamente excluídos da contemplação estético-musical, mas apenas “transpostos ao terreno da mera representação” (auf das Gebiet der bloßen Vorstellung hinübergespielt), o que sugere que talvez possamos compreender essas representações dos movimentos da Vontade suscitadas pela música como, elas mesmas, um tipo específico de movimentação ou agitação da Vontade – embora certamente distinto daquele tipo de movimento da Vontade que é provocado por motivos. Neste sentido, torna-se oportuno lançarmos um olhar à experiência do sublime, e especialmente a do assim chamado sublime dinâmico, ou seja, aquele no qual o mesmo objeto que nos convida à contemplação estética pela beleza de suas formas também nos causa terror em virtude de sua relação naturalmente hostil à Vontade individual. Nessa experiência, com efeito, torna-se perfeitamente claro que o estado de contemplação estética não é absolutamente incompatível com certa agitação da Vontade.

É em razão da ambivalência de nossa atitude relativamente ao objeto sublime que sua contemplação estética precisa ser conquistada mediante um vigoroso esforço do intelecto: para que a experiência estética se dê, o contemplador precisa distanciar-se violentamente das também violentas agitações da Vontade que aquele objeto naturalmente nos causa. Esta distância, diz o autor, deve ser não apenas conseguida com consciência, mas também…

“…mantida com consciência, sendo, assim, acompanhada de uma contínua lembrança da Vontade, porém, não de um querer particular, individual, como o temor ou o desejo, mas da Vontade humana em geral, tal como esta se exprime em sua objetidade, o corpo humano” (W I, p. 274).

Como vamos interpretar esta exigência de que a elevação do estado contemplativo sobre o terror naturalmente provocado pelo objeto sublime precisa ser mantida com consciência? Uma chave de interpretação nos é dada quando Schopenhauer alude a uma certa duplicidade (Duplicität) da consciência do contemplador do objeto sublime, que é capaz de sentir a si mesmo tanto como indivíduo quanto como puro sujeito do conhecer (W I, p. 277). Evidentemente, durante a contemplação, esta última forma de consciência prepondera sobre a primeira mantendo-a sob controle – o que não impede que a vontade individual possa eventualmente recuperar a preponderância, extinguindo inopinadamente o estado estético (W I, p. 274)[3]. Assim, a exigência de que o distanciamento estético tenha de ser mantido conscientemente revela-se como a confissão de que o terror não foi total e definitivamente superado, de que ele ainda de certa forma permanece presente, não como sentimento efetivo, mas como potencialidade latente do querer. Assim sendo, aquela lembrança da Vontade que acompanha a contemplação estética do sublime só pode ser entendida como reminiscência ou reverberação residual das próprias violentas agitações da Vontade que tiveram de ser superadas para que se instaurasse o estado contemplativo. Tem-se, portanto, não o terror propriamente dito, mas sua recordação, uma representação evocativa do terror. O caráter meramente evocativo dessa representação (ou seja, a não efetividade do terror) é inseparável de sua generalidade: não se pode tratar de um sentimento efetivo exatamente porque o sujeito empírico cedeu lugar ao sujeito puro do conhecimento; mas pelo mesmo motivo o terror recordado carece de qualquer relação particular à pessoa do contemplador ou à situação particular em que se encontra, permanecendo apenas como evocação da movimentação característica da Vontade que necessariamente se produz quando suas manifestações individuais se veem confrontadas com uma ameaça à sua existência física. Por fim, Schopenhauer é também claro ao indicar o ponto em que se enraíza essa evocação do terror: suas palavras nos mostram que a lembrança da Vontade só pode dar-se através do corpo, mas não do corpo individualizado do contemplador, e sim do corpo como objetivação da Vontade humana em geral, ou, por assim dizer, do corpo como corporeidade humana em geral. A supressão do sujeito empírico certamente impede que esse corpo se manifeste como veículo de uma vontade particular, mas não o faz desaparecer como lugar de manifestação da Vontade humana em geral.

Parece claro que o sujeito estético deva sempre permanecer em alguma relação à Vontade humana. Pois este sujeito não é nenhuma entidade etérea ou espiritual que no momento da contemplação estética descende sobre o corpo ou o cérebro de um indivíduo, deslocando e substituindo o sujeito do conhecimento empírico. Pelo contrário, a sua origem é o sujeito empírico, do qual ele emerge, assim como o conhecimento puro emerge do conhecimento individual submisso à Vontade. Matthias Koßler compara essa libertação do conhecimento com o vôo de um peixe voador que deixa seu elemento de origem para, após alguns instantes no ar livre, a ele retornar.[4] Mantendo a analogia, diríamos que o momento em que o peixe deixa a água corresponde ao aparecimento do sujeito puro, que volta a desaparecer com o mergulho subsequente. Porém, assim como a água não desaparece sob o peixe volante, tampouco o corpo do contemplador deixa de existir, como corporeidade humana em geral, durante o tempo em que se dá a contemplação estética, nem deixa de ser a condição necessária e o sustentáculo desta contemplação. É isto que se torna claro no caso do sublime: se o sujeito puro do conhecimento fosse pura cabeça alada de anjo, sem nenhuma ligação possível com essa corporeidade humana em geral, se a ela não estivesse ancorado, justamente através do corpo particular do contemplador, mesmo a evocação, lembrança ou representação do terror (ou mesmo de qualquer sentimento) seria impossível e mesmo absurda. A imagem do objeto sublime não pode mais agir diretamente sobre a Vontade individual objetivada no corpo do contemplador, mas nem por isso perde sua relação de hostilidade para com a Vontade humana em geral, que esse corpo passa a representar. Sobre essa corporeidade humana, a imagem do objeto sublime continua a agir, não certamente como motivo, ou seja, como algo que provoca imediatamente algum movimento real do querer, mas sim como fator desencadeante de uma evocação, de uma representação geral de um sentimento. Se essa imagem não move efetivamente a Vontade expressa no corpo, permanece ao menos capaz, diríamos, de comovê-la, de agitá-la, de fazê-la vibrar na frequência e no compasso de uma movimentação característica.

Quando um peixe voador emerge de um lago, o próprio lago permanece imóvel, o que não impede que sua superfície seja agitada pelo movimento ondulatório que ali se produz. Tornado corporeidade humana em geral, e portanto imune a qualquer afecção por motivos, o corpo do contemplador do objeto sublime converter-se-ia também em elemento vibratório em que certas agitações poderiam produzir-se, de modo a suscitar, não sentimentos ou movimentos reais da Vontade, mas sim suas evocações ou representações. E é apenas como evocação ou representação que o sujeito estético se apercebe de tais agitações, que, por isso mesmo, não logram afastá-lo de sua tranquila serenidade contemplativa – assim como as ondas produzidas na superfície de um lago não afetam em nada a imobilidade de sua profundeza.

Dor e desejo estéticos

Embora creia que as considerações precedentes tenham valor para a compreensão do fenômeno estético em geral na filosofia de Schopenhauer, preciso aqui restringir-me ao campo da música. Para isso, gostaria de trazer à lembrança a tese fundamental do autor sobre o significado da música, na formulação que reconhecemos como a mais clara e explícita: aquela que afirma que o conjunto de todas as afecções possíveis da Vontade se vê representado pelo conjunto de melodias possíveis. Essa formulação tem também a vantagem de colocar-nos no interior da principal perspectiva a partir da qual Schopenhauer aprecia o fenômeno musical: a perspectiva melódica.

De fato, se Schopenhauer concorda com Rameau ao dizer que a melodia é parte da harmonia, ele dá muito mais razão a Rousseau, ao apontar a melodia como a parte essencial e imprescindível de toda a harmonia.[5] Isto nada mais é que coerente. Basta lembrarmos que para o autor a melodia é a única parte da harmonia capaz de representar a Vontade em sua forma mais clara e completa, a Vontade humana (W I, p. 340-341). Por isso, não faria sentido afirmar-se que a música representa o universo do em-si humano sem que ao mesmo tempo se considerasse como essencial e prioritário aquele elemento mesmo que lhe possibilita esse representar. É por isso que, nessa relação de representação, a melodia vem a desempenhar um papel análogo ao desempenhado pela bela forma nas artes visuais.

A característica que a música comunga com todas as outras artes é, segundo Schopenhauer, a relação que estabelece entre cópia ou reprodução (Nachbild) e modelo (Vorbild).  No caso de todas as outras artes, o modelo é evidentemente a idéia, enquanto que a cópia, no caso específico e paradigmático das artes visuais, é o objeto belo, ou, expresso com mais rigor, a bela forma. A apreensão da bela forma instaura a experiência estética visual, pois é ela que nos arranca da jurisprudência do princípio de razão suficiente e, com isso, também do império de nossa Vontade individual. A “proporção bem distinta, puramente determinada, inteiramente significativa de suas partes” (W I, p. 283-284) é o que captura o olhar e nos compele a considerá-la em si mesma, retirada de todas as relações causais e espaço-temporais que a conectam com o mundo circundante, com o que se quebra o encanto que nos mantém continuamente presos ao véu de Maia. Por isso, a apreensão da bela forma é o pressuposto necessário do conhecimento da idéia, e continua sempre a ser seu esteio indispensável, pois é evidente que não pode haver experiência estética sem que haja apreensão sensível de objetos estéticos, que no caso em questão são formas espaciais.

Já no caso da música, e de acordo com nossa interpretação da tese schopenhaueriana fundamental sobre seu significado, teríamos os sentimentos como modelo e a melodia como cópia, ou seja, como equivalente auditivo da bela forma. E de fato a melodia, em Schopenhauer, se deixa perfeitamente compreender como bela forma, uma vez que o filósofo a concebe explicitamente a partir de um princípio formal específico de construção melódica, o período. O período musical, ensina Schopenhauer em Para a metafísica da música, “…tem duas metades iguais, uma ascendente, aspirante, muitas vezes indo para a dominante, e uma descendente, que desce acalmando e que, ao final, reencontra a nota fundamental” (W II, p. 137).[6] É, com efeito, a partir deste esquema que o autor irá definir a própria melodia, a qual consiste, segundo suas palavras…

…em um desviar-se em relação a ela (à nota fundamental, n.a.) através de todas as notas da escala, até que por desvios mais longos ou maios curtos ela atinge um grau harmônico, que muitas vezes é a dominante ou a subdominante e que lhe proporciona um repouso (Beruhigung) pouco eficaz. Mas então segue-se por um caminho igualmente longo em regresso à nota fundamental, com a qual vem o repouso completo (W II, p. 139).[7]

Percebe-se então que a concepção schopenhaueriana da melodia-período se apóia na oposição entre repouso e negação do repouso (tensão, movimento), a qual se traduz, em termos musicais, no binômio consonância-dissonância, sobre o qual nos cabe agora tecer algumas considerações.

A importância que a dissonância pode ter para uma concepção que quer ver na música o espelho da Vontade é imediatamente compreensível, e Schopenhauer não hesita em associá-la a esses dois aspectos essenciais da Vontade que são conflito e dor. A associação entre dissonância e conflito é imediata, pois decorre já do conceito acústico-musical de dissonância como incompatibilidade entre as vibrações de dois ou mais sons concomitantes. No contexto da analogia entre música e mundo, essa concepção usual de dissonância ganha importância pela interpretação que o autor dela faz como equivalente sonoro da eterna luta entre todas as manifestações particulares da Vontade (W I, p. 348). Mas é preciso notar que justamente nas reflexões schopenhauerianas sobre o problema específico da melodia, o conceito de dissonância sofre uma extensão importante, de modo a abranger também a relação desarmônica entre um som melódico qualquer e o tom fundamental da tonalidade em que está o trecho musical no qual esse som aparece, mesmo que o tom fundamental não soe simultaneamente a ele. É este o caso, por exemplo, na seguinte passagem:

… a essência da melodia é um afastar-se, um desviar-se contínuo do tom fundamental, por diversas vias, não apenas para os intervalos harmônicos, a terça e a dominante, mas também para cada tom, para a sétima dissonante e para os graus alterados; contudo sempre seguido de um retorno ao tom fundamental. A melodia expressa por todos esses caminhos o esforço multifacetado da Vontade, mas também a sua satisfação, pelo reencontro final de um intervalo harmônico e ainda mais do tom fundamental (W I, p. 341-342).[8]

O próprio contexto discursivo fornecido pelo trecho citado é suficiente para percebermos que tanto a sétima dissonante quanto os graus alterados estão sendo considerados dissonantes não em relação ao acorde em que soam, mas sim em relação ao tom fundamental (Grundton). A base para uma tal extensão do conceito de dissonância é fornecida por uma conhecida doutrina harmônica à qual Schopenhauer claramente adere em sua filosofia da música: a doutrina de Rameau sobre a geração dos graus da escala a partir do tom fundamental.[9]

Tomada neste sentido, digamos, tonal, a dissonância é vista predominantemente como representação, não mais do conflito, mas sim do sofrimento (Leiden) ou dor (Schmerz), vez que ela imediatamente provocaria um estado de carência ou desequilíbrio, que por seu turno faz nascer o desejo (das Verlangen) de sua superação, apenas consumada com o reencontro do tom fundamental ou de um grau a ele consonante. Para que se entenda isto é preciso notar que a estrutura do período vale para Schopenhauer também como princípio de inteligibilidade da melodia. O autor, com efeito, não vê o período como os manuais modernos de estética musical os vêem, ou seja, como um determinado princípio formal de construção melódica que predomina sobretudo na segunda metade do século XVIII, para ser, no século seguinte, progressivamente substituído pela construção frasal, mais típica do romantismo. Para o filósofo é o período, antes, o princípio estrutural da melodia enquanto tal, valendo, portanto, não apenas como um conjunto de regras e procedimentos que os compositores devem seguir na criação melódica, mas também como condição de compreensão ou chave de decifração da melodia, sendo a observância de suas leis naturalmente exigida e pressuposta pelo próprio ouvir musical. Este ouvir deve necessariamente perceber a melodia como algo que se inicia em um estado de repouso, atravessa uma série de tensões para por fim retornar ao repouso. Nesta percepção, portanto, guia-se o ouvido musical por um ponto de referência muito bem definido, o tom fundamental que define a tonalidade em que o movimento melódico se realiza. É com um som consonante a este tom fundamental que a melodia deve iniciar-se, para, após um caminhar que passa por vários sons dissonantes em relação a ele, retornar a uma nova consonância. Assim sendo, cada um dos sons intermediários da melodia só pode ser percebido como dissonância (naquele sentido melódico-tonal que referimos acima) em razão de sua relação (antagônica ou conflituosa) ao tom fundamental. Para todos eles, em algum grau, vale aquilo que Schopenhauer diz do retardo (Vorhalt), ou seja, que ele é “uma dissonância [que] atrasa a consonância final que é aguardada com certeza” (W II, p. 140).

A melodia só pode ser compreendida por meio dessa expectativa e da antecipação certa da consonância final, que cada dissonância ao mesmo tempo adia e prepara; e é por isso que o tom fundamental é apontado por Schopenhauer como o pressuposto do elemento harmônico da melodia (W II, p. 138-139). Pois é ele que tem de estar de fato suposto previamente, deixado em estado de suspensão, ao mesmo tempo recordado e pré-sentido pelo ouvido musical, para que a percepção melódica possa ter lugar. Essa percepção depende, pois, da capacidade do ouvir musical de aperceber-se da tonalidade e de reter na memória o tom fundamental, como um centro de atração em torno do qual gravitam os outros sons da melodia. Assim, se a contemplação estética musical se dá basicamente pela apreensão da bela forma melódica, temos de ver na fixação do tom fundamental pelo ouvir musical o pressuposto fundamental dessa contemplação. O acorde inicial que estabelece a tonalidade e apresenta o tom fundamental é portanto o que instaura o estado estético-musical, e os momentos em que esta tonalidade é reafirmada (com o retorno final da linha melódica ao tom fundamental) podem, portanto, ser vistos como momentos de reafirmação desse estado.

Uma tal pressuposição expectante da consonância final é o que faz com que a dissonância não extinga o estado estético, mas seja percebida como instância preparatória e anunciadora da consonância final em que infalivelmente ela se irá resolver e que o ouvido estético se vê desde o início no direito de esperar com certeza. Assim, se a dissonância não interrompe o estado estético, certamente o tensiona, nele introduzindo certa perturbação, já que só pode ser percebida como um estar-se afastado do estado de repouso inicial, unicamente proporcionado de maneira perfeita pela consonância tonal. Se essa tensão trazida pela dissonância houvesse de durar indefinidamente, ou de se renovar indefinidamente (como o preconizava a wagneriana e sumamente anti-schopenhaueriana idéia da melodia infinita), isto significaria para Schopenhauer certamente a extinção do estado estético-musical. A dissonância faz nascer, portanto, a necessidade de reafirmação e consolidação do estado estético, faz nascer no sujeito estético a exigência de um movimento que restaure o equilíbrio e repouso originais, ou seja, exatamente daquele movimento em que a dissonância infalivelmente há de se resolver.

Ganhamos assim a possibilidade de compreender o vínculo entre dissonância e dor. Apesar de não causar nenhuma dor real, a dissonância certamente provoca algo semelhante à dor.  Com a dor, a sensação causada pela dissonância tem em comum o fato de ser sentida como uma carência, como a experiência de um estado insatisfatório, de não repouso e não equilíbrio. Já sua diferença em relação à dor consiste em que essa sensação, ao invés de extinguir o estado de contemplação artística, tem lugar em seu interior e sob seu pressuposto. Para lembrarmos as palavras de Schopenhauer, diríamos tratar-se de uma dor transposta ao terreno das meras representações, espelhada no plano puramente estético. Que se nos permita chamá-la então de uma dor estética.  Compreende-se também como Schopenhauer pode referir-se à exigência de consonância introduzida pela dissonância como um desejar (Verlangen), e à restauração da consonância como satisfação desse desejo[10]. Tampouco essa satisfação é real, pois corresponde apenas à reafirmação plena do estado estético, que, embora não tivesse sido extinto pela dissonância, foi certamente por ela tensionado e turvado.

Percebe-se bem o paralelo que Schopenhauer procura estabelecer entre o plano do real e o do estético. Pois o que vemos aqui é a reprodução, no plano estético, da conjunção indissociável entre dor e desejo que marca tão caracteristicamente a condição humana e em verdade todas as manifestações individuais da Vontade: da mesma forma que a dor real faz nascer um querer real, a dor estética introduzida pela dissonância dá origem a um querer meramente auditivo, um querer, por assim dizer, estético.

Om e som

É interessante notar uma certa ambiguidade na linguagem schopenhaueriana no que respeita à relação entre dissonância e dor: por vezes vemos a dissonância ser apontada como representação da dor, mas há também passagens em que o autor qualifica as dissonâncias, elas mesmas, como dolorosas[11], dando a entender que elas provocam algum tipo de dor. Um trecho de Para a metafísica da música citado no tópico “O efeito da música?” nos dá a chave de interpretação dessa ambigüidade: a dissonância jamais pode causar dor real – pois a sensação que provoca advém apenas da audição estética de meros sons, considerados em si mesmos e sem quaisquer relações com objetos reais que pudessem agir como motivos da Vontade; mas é capaz de provocar o substituto da dor, sua imagem adequada ao intelecto, ou seja, sua representação estética. Isto implicaria dizer que a dissonância é capaz de provocar uma representação intuitiva e imediata, da dor. Como poderia fazê-lo?

Creio que o dado fundamental para responder a essa questão nos é fornecido por um texto que não trata especificamente de música, mas sim dos sentidos.

No terceiro capítulo do segundo tomo de O mundo como vontade e representação, intitulado “Sobre os sentidos”, encontramos uma fundamentação fisiológica para a afirmação de que a dissonância não é capaz de produzir qualquer dor real. Somos ali informados de que os receptores nervosos responsáveis pela captação das sensações específicas dos dois “sentidos nobres”, ou seja, visão e audição, são totalmente incapazes de produzir qualquer sensação dolorosa, a não ser que sejam expostos a impressões que ultrapassem em intensidade “uma medida normal” (W II, p. 75). O mesmo texto, porém, atribui à audição a capacidade de agir direta e imediatamente sobre a Vontade, coisa que ocorre por dois motivos fisiologicamente distintos, relacionados respectivamente às duas terminações do nervo auditivo. Comecemos pela terminação externa do nervo, ali onde a audição se abre ao mundo exterior por meio do labirinto. Ocorre que este órgão, diferentemente do nervo ótico, é puramente passivo, sendo apenas capaz de captar as vibrações sonoras – que envia eletricamente codificadas ao cérebro – ao ser mecanicamente percutido por elas, enquanto que a visão se dá por uma ação da retina, ainda que provocada pela luz.

A segunda particularidade fisiológico-anatômica a que devemos uma excitação da Vontade por meio do som tem sede na terminação interna do nervo auditivo. Refletindo sobre o fato de que temos dois ouvidos, mas ouvimos sempre apenas um som (diferentemente do que ocorre com a visão, que ocasionalmente pode nos dar uma dupla percepção do mesmo objeto), conclui doutamente Schopenhauer que o lugar onde surge o som não poderia ser o labirinto ou a cóclea (por serem duplos), mas sim o ponto em que os dois nervos auditivos se encontram, ou seja, “…nas profundezas do cérebro…” , no ponto “…absolutamente letal…” onde “…o Pons Varolii cobre a medulla oblongatta…”. O fato de ser o som produzido naquele “…lugar perigoso do qual emana todo o movimento dos membros…”, seria então o que explica “por que ficamos sobressaltados com ruídos repentinos…”[12].  Esta localização da extremidade interna do nervo auditivo também explica…

…a grande perturbação que o poder do pensamento (Denkkraft) sofre devido aos sons. Isso faz com que as cabeças pensantes e as pessoas de muito espírito em geral, sem exceção, não tolerem barulho. Este perturba o incessante curso dos pensamentos, interrompe e paralisa a sua meditação, precisamente porque a vibração do nervo auditivo se propaga profundamente no cérebro. Toda a massa encefálica sente as vibrações provenientes do nervo auditivo, sendo o cérebro desses indivíduos mais suscetíveis de vibrar que o das pessoas comuns.[13]

Se lembrarmos que o cérebro é exatamente o órgão relacionado ao conhecimento, seja o individual ou o genial, teremos condição de compreender por que a audição, em razão de sua natureza meramente passiva, possui uma relação problemática com o conhecimento, especialmente em suas mais elevadas modalidades. Justamente a oposição entre atividade e passividade é o que mantém usualmente visão e audição em relações opostas para com o espírito pensante. Com os olhos está este em eterna paz, e com o ouvido em eterna guerra, e nada pode ser mais heterogêneo que “…o efeito calmo e suave da luz e o tambor de alarme do ouvido….”[14]

Mas convém retornar ao problema da música para considerá-la agora à luz dessas considerações anatômico-fisiológicas. E ao fazê-lo não podemos reprimir esta pergunta básica que talvez devesse anteceder a todas as outras já levantadas: como é possível a música? De fato, como se pode constituir uma arte a partir de um sentido que, malgrado sua nobreza, está em eterna luta com o espírito pensante, e que, portanto, parece estar em contradição com a própria disposição genial, pressuposto de toda a contemplação estética? Se as estimulações mecânicas do labirinto vão inevitavelmente inundar com suas vibrações justamente aquele órgão físico do qual depende toda forma de conhecimento, como pode ser que a música, constituída por uma torrente de sons de considerável intensidade, seja percebida sem que ao mesmo tempo se esvaneça imediatamente todo traço de serenidade e concentração espiritual? À tranqüilidade serena com que Schopenhauer sempre associa a disposição genial parece corresponder não exatamente o som, mas seu contrário, o silêncio. Ou talvez aquele som que mais se assemelha ao silêncio, o “misterioso om” com cuja pronúncia mental os devotos do Bramanismo logram entrar “…na mais profunda comunhão com o próprio eu…” (W II, p. 345). Este som interior tem de fato o poder de interromper e paralisar o fluxo de pensamento, sem contudo prejudicar a concentração: pelo contrário, a aprofunda, ao expulsar da consciência todo conteúdo determinado, preenchendo-a totalmente com uma única, constante e ininterrupta vibração, por meio da qual o místico asceta prossegue “…rumo às profundezas do próprio ser, onde sujeito, objeto e todo conhecimento desaparecem” (W II, p. 453).[15].

Mas assim já ultrapassamos o limite da experiência estética, que é nosso objeto. Deixemos então em paz o meditabundo asceta e voltemo-nos ao ouvinte estético, mas não sem um grão a mais de sabedoria, que se traduz em uma nova pergunta: haverá algum tipo de som musical que, semelhantemente ao om dos indianos, não somente não esteja em contradição com a disposição genial, mas ainda seja capaz de induzi-la? Se a pergunta fosse simplesmente se há algum som musical que se assemelhasse acústica e auditivamente a esse maior dos mantras a resposta seria imediata: logo pensaríamos em um som contínuo e ininterrupto, de preferência soando no registro grave: um pedal, como dizem os músicos – pois o om nada mais é que um pedal mentalmente sustentado! Imaginaríamos então talvez um contrabaixo ou uma tuba sustentando uma nota grave. Mas como a música geralmente não se faz com uma nota só, talvez não seja mau tentarmos acrescentar ainda outras. Quais?

Se continuamos interessados em preservar as condições de possibilidade da experiência estética, a resposta também é imediata: aquelas notas cujas vibrações, como se exprime o filósofo, “…tenham uma relação racional entre si…” e que por isso mesmo “…podem ser tomadas em conjunto em nossa apreensão através de sua coincidência constantemente recorrente…”, as notas que “…se misturam e ficam, portanto, em consonância (im Einklang)” (W II, p. 134).[16] Ora, as notas que se mesclam ao nosso baixo profundo, que vibram em fase com ele, são exatamente as notas do acorde perfeito para o qual ele seria o tom fundamental. Pois não fazem estes novos sons senão enriquecer as vibrações do primeiro, reforçando os próprios harmônicos superiores que ele mesmo já traz em si, com o que se torna ainda mais prazerosa, plena e repousante a sua audição. E assim conseguimos compreender como o acorde inicial com que, no entender de Schopenhauer, começa toda peça musical, ao invés de dissipar o estado de contemplação estética, o induz.

Mas esse acorde inicial ainda não produz música por si só. E isto é assim porque àqueles que não galgaram os cumes da sapiência bramânica, até mesmo a satisfação, se por demais prolongada, torna-se insuportável. Pois para estes “…sua felicidade e bem estar é apenas isto: que a transição do desejo para a satisfação, e desta para um novo desejo, ocorra rapidamente, pois a ausência de satisfação é sofrimento, a ausência de novo desejo é anseio vazio, languor, tédio” (W I, p. 341). É por isso que aquele estado inicial de repouso e equilíbrio não pode durar continuamente por muito tempo. Para que possa preservar-se precisa, por mais paradoxal que pareça, ser constantemente negado e substituído por um estado de não repouso e não equilíbrio, para que possa ser novamente restabelecido e reafirmado. Nisto, já sabemos, consiste justamente a essência da melodia! Pois já vimos que, segundo a visão schopenhaueriana, os novos sons melódicos e acordes que sucedem a consonância inicial, apesar de poderem ser consoantes entre si, não são percebidos como uma nova consonância que substitui a primeira, instaurando um novo estado de equilíbrio e repouso, e sim necessariamente são percebidos como afastamento ou perturbação do estado de repouso inicial. Tal perturbação, por sua vez, engendra o desejo de restauração e reafirmação plenas da consonância inicial, o que só há de ocorrer após um certo percurso por ambientes harmônicos estranhos e pouco confortáveis. Se quisermos expressar-nos em termos psicológicos, diremos então que à percepção melódica corresponde um processo em que o ânimo do ouvinte parte de um estado inicial de repouso e equilíbrio, o qual é sucessivamente perturbado, para, ao fim e ao cabo ser restaurado e reafirmado. Na verdade, essa sequência de estados reflete uma sequência de efeitos que os sons musicais exercem sobre a Vontade, na medida em que esta se encarna no corpo (e especificamente no cérebro) daquele ouvinte.

Essa afirmação se justifica quando trazemos à memória as conclusões a que chegamos em nossa apreciação do caso especial do sentimento do sublime. Concluímos então, nomeadamente, que apesar de o estado de contemplação estética exigir o silenciamento da Vontade individual, isso não significa que o sujeito estético careça de toda relação com a Vontade em geral. A esta permanece, antes, conectado através do corpo do contemplador, o qual, ainda que não mais se comporte como corpo individual (ligado a uma Vontade individual), manifesta-se como corporeidade humana em geral, ou seja, como objetivação da Vontade em geral. Vimos então que esta corporeidade humana em geral conserva a capacidade de ser afetada por certas representações (como a imagem do objeto sublime), que lhe causam, não um movimento real e efetivo da Vontade (o que pressuporia a presença do sujeito empírico), mas sim certas agitações internas a que chamamos de comoções, e às quais atribuímos o caráter de representações de movimentos reais da Vontade.

Ora, é preciso reconhecer que no caso da percepção estética da música nos encontramos em situação perfeitamente análoga. Pois em primeiro lugar é manifesto que durante a audição musical os sons jamais deixam de agir diretamente sobre o corpo do ouvinte, mais precisamente: sobre seu cérebro, o órgão do conhecimento – pois isso não depende nem do arbítrio nem da escassa ou elevada sensibilidade artística do ouvinte, mas apenas do fato de serem sons e serem captados por um aparelho auditivo. Porém, com a substituição do sujeito individual pelo sujeito puro do conhecimento, este cérebro não mais se comporta como parte de um corpo individual, mas sim como corporeidade humana em geral, como objetivação da Vontade em geral. Precisamente essa ação do som sobre o cérebro, como corporeidade humana em geral, estabelece imediatamente o vínculo entre o sujeito da contemplação musical e a Vontade em geral, sem cujo pressuposto a própria idéia de que a melodia pudesse evocar quaisquer sentimentos definidos, como ódio, amor, angústia, etc…, não faria o mínimo sentido. Se quisermos então aplicar ao caso da música as conclusões que tiramos do exame da experiência do sublime, diríamos que a dissonância, ainda que não cause qualquer movimento efetivo da Vontade, permanece capaz de agitá-la ou comovê-la. Ora, tal comoção da Vontade provocada pela dissonância não é outra coisa que aquela dor estética, cuja similaridade com a dor real já foi destacada. Impõe-se então a conclusão de que a agitação da Vontade provocada pela dissonância deve ser de alguma forma análoga àquela provocada por uma dor real, desta diferindo apenas por não estar referida à pessoa do ouvinte, o que, por sua vez, possibilita que possa aparecer-lhe justamente como representação da dor real.

Da mesma forma, teremos de admitir que o querer estético despertado pela dissonância seja capaz de imprimir na corporeidade humana em geral uma comoção similar à que se verifica no desejar efetivo. Se estendemos este raciocínio para o todo de uma melodia, chegamos perto de uma compreensão mais precisa da tese de que as melodias representam sentimentos. Nesse contexto, o querer estético desempenha papel essencial para o estabelecimento da relação significativa entre a melodia-cópia e o sentimento-modelo, ou seja, para a própria decifração do sentido estético da melodia. Em uma melodia vemos o querer estético descrever um arco completo, fechado em si mesmo, com sua fisionomia própria: despertado imediatamente já quando um primeiro som se destaca da consonância inicial, vemo-lo em seguida intensificar-se e arrefecer-se, passar por falsos repousos e remansos provisórios, para depois ser novamente estimulado por toda sorte de obstáculos e retardamentos, até que se encaminha com segurança à sua satisfação. Mas assim como na melodia cada som só ganha sentido no interior do todo do desenho melódico, também a representação do querer que cada dissonância separadamente suscita não tem nenhum significado a não ser no contexto geral formado pelo conjunto de todas essas movimentações da Vontade causadas pelos sons sucessivamente, ou seja, no contexto de uma única movimentação ou comoção da Vontade que a melodia, como um todo, provoca, comoção essa que equivaleria a uma representação intuitiva e imediata de um movimento real da Vontade.

Semelhantemente ao que ocorre no contexto da experiência do sublime, está aqui o representar intrinsecamente vinculado a uma ação pela qual o objeto estético provoca ou desperta imediatamente a representação de uma movimentação da Vontade. A melodia age diretamente sobre a Vontade objetivada no corpo do ouvinte imprimindo-lhe uma agitação ou comoção que, de alguma forma, é similar aos movimentos reais da Vontade quando excitada por motivos. Seu poder de evocar movimentos da Vontade, fazendo nascer suas representações imediatas, não difere em essência do poder que tem o penhasco de fazer nascer uma representação evocativa do terror naquele que o contempla esteticamente. E, assim como o contemplador do penhasco, o ouvinte musical não abandona jamais o estado de calma contemplação estética. Pois exatamente como no caso da dor estética provocada pela dissonância isolada, as comoções da Vontade provocadas pela melodia diferem dos movimentos reais de que são a representação pelo fato (e apenas por esse fato) de não estarem referidos à pessoa do ouvinte, e por isso mesmo aparecem-lhe despidas de toda a particularização, como formas gerais e abstratas do querer, a revelar apenas a alma mais interior dos sentimentos. Ao ouvinte estético o adágio triste não deixa triste, mas mostra a tristeza em geral. E o infinito campo da invenção melódica mostra-lhe também a alegria, a ira, o desespero e a felicidade, etc… como conformações possíveis do desejo, como potencialidades do querer com as quais ele mesmo não se identifica, mas, pelo contrário, de si calmamente afasta para poder contemplá-las com o decoro que justificadamente se exige do ouvinte estético.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BENCHIMOL, Márcio. A casca em si: Sobre a relação entre a filosofia da música de Schopenhauer e o pensamento musical romântico. Revista Voluntas: Estudos sobre Schopenhauer, v. 6, n. 2, 2º semestre de 2015.

KOßLER, M. O puro sujeito do conhecer e a arte, tradução de Jair Barboza. Revista Voluntas: Estudos sobre Schopenhauer, vol. 7, nº 1, 1º semestre de 2016.

RAMEAU, J. Ph. Traité de l'harmonie, réduite à ses principes naturels. Paris: Meridiens Klincksieck, 1986.

SCHOPENHAUER, A. Schopenhauers Sämtliche Werke. Hrsg. von Paul Deussen. München, Piper Verlag, 1911-1926. In: CD-ROM Schopenhauer im Kontext, Werkausgabe I, Berlin, Karsten Worm, 2001.

SCHOPENHAUER, A. O mundo como vontade e como representação I. Tradução de Jair Barboza. São Paulo: Editora Unesp, 2005.

SCHOPENHAUER, A. O mundo como Vontade e representação II. Tradução de Eduardo R. da Fonseca. Curitiba: Editora UFPR, 2014.

Contribuição de autoria

1 – Márcio Benchimol Barros:

Professor de Filosofia, Doutor em Filosofia

benchimolbarros@gmail.com

Contribuição: Escrita – Primeira Redação

Como citar este artigo

BARROS, Márcio Benchimol. A dor estética. Voluntas Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v. 12, e18, 2021. DOI 10.5902/2179378667876. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179378667876. Acesso em: dia mês abreviado. ano.



[1] Tomando este termo no sentido amplo em que aparece na citação acima, a saber, como significando o conjunto de todas as possíveis ocorrências no interior do homem.

[2] Obs: a fim de facilitar o entendimento do teor especificamente musical do trecho, tomei a liberdade de alterar levemente a tradução exemplar do Prof. Fonseca em alguns pontos.

[3] “Caso um ato isolado e real da Vontade entre em cena na consciência por meio de uma aflição efetiva pessoal e de um perigo advindo do objeto, imediatamente a vontade individual, assim efetivamente excitada, ganha a preponderância, e a calma da contemplação se torna impossível”.

[4] “Que durante o estado de puro conhecer o sujeito permanece fundamentalmente atado ao corpo, torna claro que esse estado só pode ser mantido por curto espaço tempo e com isso involuntariamente recai de novo no modo comum de conhecimento. Puro conhecer é como o vôo de um peixe voador, que apenas por instantes pode permanecer no ar, para logo depois novamente retornar a água como o seu elemento natural”. (KOßLER, 2016, p. 243).

[5] “Nas composições atuais se dá mais importância à harmonia do que à melodia: eu, entretanto, sou de opinião contrária e tomo a melodia como o cerne da música, ao qual a harmonia se relaciona como o molho ao assado”.  (P, 1911-1926, p. 471). Parerga e Paralipomena, p. 471, in Schopenhauers Sämtliche Werke, hrsg. von Paul Deussen. München, Piper Verlag, 1911-1926.

[6] Sobre a importância da concepção de período musical na filosofia da música de Schopenhauer, remeto modestamente o leitor ao texto de minha autoria “A casca em si: Sobre a relação entre a filosofia da música de Schopenhauer e o pensamento musical romântico” in Revista Voluntas: Estudos sobre Schopenhauer - Vol. 6, Nº 2. 2º semestre de 2015.

[7] Obs: também neste caso há ligeira discrepância em relação à tradução usada como referência. A inseparabilidade entre as concepções de melodia e período em Schopenhauer se mostra claramente no curtíssimo exemplo melódico que ele fornece a fim de ilustrar a necessária concordância entre o aspecto harmônico e o rítmico da melodia:

 

Neste exemplo extremamente simples (höchst einfache Beispiel), em que a linha melódica se vê reduzida a sua mínima extensão possível, já está presente a estrutura básica do período: a primeira metade da melodia a conduz a um ponto de tensão, representado pelo sétimo grau da escala de dó maior (si) e pelo acorde de dominante que, supõe-se, a acompanharia; enquanto que a segunda reconduz melodia e harmonia ao tom fundamental e ao acorde de dó maior. Semelhante processo, assevera Schopenhauer, “pode ser demonstrado em qualquer melodia, embora na maioria das vezes em uma extensão muito maior” (W II, p. 544).

[8] Obs: a parte sublinhada difere ligeiramente da versão apresentada pelo tradutor. Outra passagem em que esta acepção de dissonância se faz presente é a seguinte: “Assim como a transição rápida do desejo para a satisfação e desta para um novo desejo constitui a felicidade e o bem estar, também as melodias rápidas, sem grandes desvios, são alegres, já melodias lentas, entremeadas por dissonâncias dolorosas, retornando ao tom fundamental apenas muitos compassos além, são tristes e análogas à satisfação demorada, penosa”. (W I, p. 342).

[9] A partir dessa perspectiva, a sétima mencionada no trecho citado não deve ser considerada como aquela presente no acorde de sétima da dominante, mas sim como a sétima da escala diatônica gerada pelo tom fundamental, ou seja: exatamente o caso daquela nota si com a qual se encerra a primeira metade do brevíssimo exemplo musical proposto por Schopenhauer . Sobre a relação entre a filosofia da música de Schopenhauer e as concepções harmônicas de Rameau, remeto o leitor novamente ao texto de minha autoria mencionado na nota 18.

[10] Cf. Por exemplo,  W II, in: Schopenhauers Sämtliche Werke, p. 520: “ Er ist eine Dissonanz, welche die mit Gewißheit erwartete, finale Konsonanz verzögert;  wodurch das Verlangen nach ihr verstärkt wird und ihr Eintritt desto mehr befriedigt: offenbar ein Analogon der durch Verzögerung erhöhten Befriedigung des Willens“. A mesma terminologia é também utilizada na seguite passagem de  Die Welt als Wille und Vorstellung II (p.518): “Also, wie die harmonische Tonfolge gewisse Töne verlangt, vorzüglich die Tonika“.

[11] Como, por exemplo, na já citada passagem de W I, p. 342: “Assim como a transição rápida do desejo para a satisfação e desta para um novo desejo constitui a felicidade e o bem estar, também as melodias rápidas, sem grandes desvios, são alegres, já melodias lentas, entremeadas por dissonâncias dolorosas, retornando ao tom fundamental apenas muitos compassos além, são tristes e análogas à satisfação demorada, penosa”.

[12] Idem, pp. 78-79. O olhar, sentido do vasto esquadrinhar e preciso divisar é naturalmente o sentido do predador, enquanto que a audição, com sua súbita excitabilidade e fineza suspeitante, é o sentido apropriado, diz Schopenhauer, “às presas, aos animais assustados e tímidos, que fogem ao perigo” (Idem, p.81). De fato, para estes últimos, é uma feliz coincidência que a audição tenha origem no mesmo ponto em que se produz a ordem para que os membros se movam, já que entre o ruído característico do predador e o início da fuga convém que não haja qualquer intervalo de tempo.

[13] Idem, p.79

[14] Idem, p.78.

[15] A citação procede de nota acrescentada por Schopenhauer ao capítulo 48 (no volume de referência, nota 381) do segundo volume de O mundo como Vontade e representação, em sua edição de 1859.

[16] Obs: a parte sublinhada difere da presente na obra de referência.