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Universidade Federal de Santa Maria

Voluntas, Santa Maria, v.12, e22, Ed. Especial: Schopenhauer e o pensamento universal, 2021

DOI: 10.5902/2179378667559

ISSN 2179-3786

Submissão: 05/09/2021 Aprovação: 27/09/2021 Publicação: 28/12/2021

INTRODUÇÃO.. 2

O MODO DE CONHECIMENTO ESTÉTICO.. 3

A CONTEMPLAÇÃO ESTÉTICA DA NATUREZA.. 12

A PRESERVAÇÃO AMBIENTAL PELO VALOR INTRÍNSECO DA NATUREZA.. 16

O TRABALHO DO ARTISTA/AMBIENTALISTA FRANS KRAJCBEG.. 20

CONSIDERAÇÕES FINAIS. 28

 

Schopenhauer e o pensamento universal

A consciência revoltada do planeta: interlocuções entre Schopenhauer e Krajcberg

The revolted consciousness of the planet: interlocutions between Schopenhauer and Krajcberg

Iasmim Cristina Martins SoutoIÍcone

Descrição gerada automaticamente

I UFRJ/PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

RESUMO

Frans Krajcberg, através do seu trabalho artístico e do seu ativismo, expressa muito bem o trabalho do artista admirado por Schopenhauer, que interfere o mínimo na natureza, apenas fazendo com que sua essência seja revelada. Além disso, também contribui para que a natureza seja digna de considerações estéticas e éticas. Neste artigo, abordaremos a crise ambiental a partir da atualização do pensamento de Schopenhauer, fazendo também uma interlocução do filósofo com o trabalho do artista e ativista ambiental Frans Krajcberg. 

Palavras-chave: Arte; Crise Ambiental; Planeta

 

ABSTRACT

Frans Krajcberg, through his artistic work and activism, expresses very well the characteristic most admired by Schopenhauer in the artistic work: the minimal interference in nature, just making his essence to be revealed and making nature, even more, worthy of aesthetic and ethical considerations. In this paper, we propose to approach the environmental crisis from an update of Schopenhauer’s thinking, also bringing an interlocution between him and artist and environmental activist Frans Krajcberg´s work.

Keywords: Art; Environmental crises; Planet

Introdução

O presente artigo pretende apresentar uma atualização não muito usual da filosofia de Arthur Schopenhauer que permita pensar a crise ambiental a partir da perspectiva estética. Como mostramos em nossa tese[1], a via estética é um dos três caminhos possíveis para se pensar tal atualização da filosofia deste autor em relação à perspectiva ambiental, sendo os dois outros caminhos a ética e a eudemonologia. Com base na metafísica imanente de Schopenhauer, de acordo com a qual todos os seres são essencialmente vontade, possuindo, por essa razão, algo em comum entre si e compartilhando da mesma essência volitiva e sofredora, pretendemos apresentar a possibilidade de ler/identificar nessa metafísica a proposta de uma “ética ambiental”, visando até mesmo a conservação da natureza, pela via estética. tal hipótese se deve à noção schopenhaueriana segundo a qual tudo o que existe faz parte da mesma essência e, por isso, deve ser visto como fim, não como meio. Dessa forma, evitar o sofrimento do homem, mas também dos outros viventes, deve constituir o motivo de minha ação moral. Seguindo também a argumentação da via estética de que a natureza apraz por si mesma, devendo o homem interferir nela o mínimo possível, pensamos que, ainda que seja um tanto utópico esperar que o homem enquanto ser egoístico acredite na dignidade da natureza, e, não obstante os argumentos de Schopenhauer conterem elementos místico-românticos, a metafísica do filósofo pode sim contribuir para o debate ambiental, sobretudo acerca da conservação da natureza. Além disso, pensamos que as vias ética e estética estejam entrelaçadas, pois ambas pressupõem a supressão do querer interessado e egoísta, entrelaçando-se no que concerne ao desinteresse e ao des-uso da natureza. O momento estético de contemplação do belo e do sublime é um momento ético, de suspensão do egoísmo interessado. O que ambos têm em comum é o fato de serem momentos de suspensão da individualidade, portanto, da vontade.

Como exemplo, faremos uma relação entre o pensamento de Schopenhauer e a obra do artista polonês Frans Krajcberg.

O modo de conhecimento estético

A preocupação de Schopenhauer se concentra na essência do belo, enfatizando ao mesmo tempo a importância do sujeito que o contempla e o objeto que contribui para essa experiência. Segundo o autor, a estética daria regras às artes, enquanto a metafísica do belo investiga apenas o que é essencial[2].

Schopenhauer toma como base as teorias de Platão e de Kant[3] para fundamentar sua metafísica do belo. De acordo com o filósofo, estes são os dois maiores filósofos do ocidente, e, embora haja algumas diferenças entre eles, o sentido íntimo de sua teoria seria o mesmo. Esses dois filósofos tomam o mundo visível como fenômeno e o invisível como oposto do fenômeno. No entanto, ao passo que para Platão esses opostos sãos as Ideias, para Kant seriam a coisa-em-si. Schopenhauer trata a coisa-em-si kantiana como Vontade; já a Ideia platônica aparece como objetidade adequada da Vontade (adäquate Objektität des Willens). Segundo Clément Rosset (2001), Schopenhauer compreende a estética, e a arte em geral, como conhecimento das Ideias.

Ao contemplar acessamos a Ideia, onde está a essência dos objetos, tida como representação independente do princípio de razão, que se constituiu como objetidade adequada da Vontade. A Ideia é a Vontade na medida em que se tornou objeto, mas ainda não entrou nas formas do princípio de razão (tempo, espaço e causalidade).

De acordo com o solitário de Frankfurt, o essencial das cosmovisões de Platão e Kant seria o mesmo, tendo em vista que ambos chegam ao mesmo destino por meio de caminhos distintos (HN III, cap. 2, p. 39). Para Platão “as coisas deste mundo, que nossos sentidos percebem, não possuem ser verdadeiro”; só as imagens arquetípicas, isto é, as Ideais podem ser tomadas como verdadeiras; a pluralidade e a mudança a elas não pertencem, mas apenas às suas cópias, tendo como pressuposto que tempo, espaço e causalidade não possuem validade para as Ideias (HN III, cap. 2, p. 34/35). Também na doutrina kantiana a coisa-em-si não está submetida ao princípio de razão, pois tal princípio pertence somente ao fenômeno. Toda pluralidade cabe ao fenômeno; sendo assim, a experiência inteira é conhecimento do fenômeno, não da coisa-em-si, que é incognoscível para Kant.

Para Schopenhauer, a aproximação entre a teoria dos dois filósofos descrita acima tem como objetivo destacar a diferenciação entre fenômeno e coisa-em-si (Kant) ou Ideia, no caso de Platão. A partir da sua interpretação desses filósofos, ele engendra sua metafísica imanente e metafísica do belo. Dessa forma, a Ideia torna-se representação independente do princípio de razão, objeto da arte e da contemplação estética, e a coisa-em-si é tomada como Vontade, como citado anteriormente.

Sobre a fruição estética, Schopenhauer afirma ser ela totalmente diferente das outras experiências de prazer, pois contemplar nada tem a ver com satisfação pessoal, individual. O contentamento que sentimos com as relações pessoais e os fins alcançados não diz respeito à experiência verdadeiramente estética, mas somente àquilo que nos é útil, agradável, isto é, que está de acordo com o interesse de cada indivíduo e por isso o apraz. A alegria com o belo é da ordem do conhecimento puro, sem que os objetos tenham relação com os fins pessoais dos indivíduos. Tal como em Kant (2010), a contemplação do belo é independente de todo e qualquer interesse.

O conhecimento é objetivo, isto quer dizer que ele existe para o sujeito em geral, que se encontra em uma relação com o objeto. Para Alexis Philonenko (1999, p. 103), o sujeito e o objeto se confundem a tal ponto, que não se pode separar um do outro. Este êxtase é para Schopenhauer o triunfo da Ideia, que doravante vale somente por si, como objetidade imediata e adequada da vontade.

 O modo de conhecimento estético não existe para tal ou qual indivíduo, nem pode ser comunicado por doutrinas e conceitos, mas através das obras de arte e da natureza, apenas intuitivamente. Através da intuição conhecemos as Ideias, não como objetos do pensamento (abstrato), mas por meio da intuição do sujeito que contempla. Para haver fruição estética, através do conhecimento intuitivo, é necessário que ocorra uma mudança segunda a qual se deixa de ser indivíduo (volitivo, desejante), para se tornar puro sujeito do conhecimento, destituído de vontade.

As ideais, já o sabemos, são atos ou máscaras de um único ator-dramaturgo, o qual, ele mesmo, permanece oculto, dando-se a conhecer, porém, na realidade e ilusão que nos atingem tão-somente no incansável ballet da sensibilidade. O palco, seja do mundo físico aparente, seja do mundo real das Ideias, é um palco sempre material, cujos contornos abrem-se no corpo de espectador, que o vive sempre e só na própria carne. Nada existe para além do mundo, a que nos possa voltar; tudo nos pega, toma, deixa, afaga ou fere no corpo. Só por isso, é- nos permanentemente possível encontrar uma brecha nos sentidos, que nos leve ao mundo atrás do mundo, no mundo (MAIA, 1991, p. 170).

Para que haja contemplação é preciso ocorrer uma transição do conhecimento comum, dos objetos ordinários, para o conhecimento das Ideias, que só é possível a partir de uma mudança prévia da posição de indivíduo para puro sujeito do conhecimento:

Para conceber [Auffassun] uma Ideia [Idee] e permitir a sua entrada em nossa consciência, precisamos de uma mudança em nós mesmos, a qual pode ser tomada também, como um ato de autonegação [Akt der Selbstverläugnung]. Desse modo, consiste em que o conhecimento se afaste totalmente de nossa vontade e, assim, deixando totalmente fora de vista a promessa preciosa que lhe foi confiada, considere as coisas como se elas nunca pudessem, de nenhum modo, dizer respeito à vontade. Pois, só assim é que o conhecimento se torna espelho puro [reinen Spiegel] do ser objetivo das coisas. Um conhecimento assim tão condicionado deve ser o fundamento de toda genuína obra de arte, bem como a sua origem. A mudança no sujeito necessária para isso, apenas porque consiste na eliminação de todo querer, não pode prosseguir a partir da vontade e, portanto, não pode ser um ato arbitrário de vontade, ou, por outras palavras, não pode persistir em nós. (W II, cap. XXX, p. 9).

A fruição do belo ocorre de maneira espontânea e serena, pois o objeto subtrai nosso conhecimento da própria vontade, quando nos encontramos contemplando as Ideias. A contemplação estética se apresenta como um momento de suspensão no movimento pendular entre a dor e o tédio, no qual podemos experienciar a supressão do sofrimento, ainda que temporariamente. No entanto, podemos também contemplar não somente a partir da experiência do belo, mas com a experiência do sublime, sendo as figuras de contemplação hostis a nossa vontade. É mais fácil intuir quando os objetos se acomodam a esse estado, como é o caso dos objetos da natureza, que têm o poder de despertar a contemplação nos homens mais desprovidos de capacidade estética (W I, § 39, p. 272). O sentimento do sublime pressupõe uma elevação (Erhebung) do sujeito diante da ameaça de aniquilamento etc.

Em grau ainda maior o sentimento do sublime pode ser ocasionado pela natureza em agitação tempestuosa. Semi-escuridão e nuvens trovejantes, ameaçadoras. Rochedos escarpados, horríveis na sua ameaça de queda e que vedam o horizonte. Rumor dos cursos d’água espumosos. Ermo completo. Lamento do ar passando pelas fendas rochosas. Aí aparece intuitivamente diante dos olhos a nossa dependência, a nossa luta contra a natureza hostil, a nossa vontade obstada; porém, enquanto aflições pessoais não se sobrepõem e permanecemos em contemplação estética, é o puro sujeito do conhecer quem mira através daquela luta da natureza, através daquela imagem da vontade obstada, para aprender de maneira calma, imperturbável, incólume (unconcerned), as Ideias exatamente naqueles objetos que são ameaçadores e terríveis para a vontade. Precisamente nesse contraste reside o sentimento do sublime (W I, § 39, p. 277).

A natureza nos proporciona tanto a experiência do belo quanto do sublime, sendo fundamental para que possamos enxergar o mundo a partir dessa outra perspectiva, agora como representação independente, apartada da vontade e de todo interesse. Visto que ela nos proporciona contemplação imediata, podendo afetar muito mais indivíduos do que as obras das belas artes, ela tem um papel fundamental na vida humana, fazendo com que os indivíduos possam ultrapassar sua condição existencial precária.

Ainda sobre o sublime, Schopenhauer mantém a distinção kantiana, no que diz respeito à divisão e nomenclatura, e divide o sublime em matemático e dinâmico. No primeiro caso trata-se da grandeza de objetos incomensuráveis, diante dos quais seríamos reduzidos a nada (HN III, cap.9, p. 104). Como exemplo, teríamos o céu estrelado, as pirâmides do Egito. No segundo caso, trata-se de um poder ameaçador que suprimiria qualquer tentativa de resistência, tal como o mar revolto, uma tempestade, entre outros. Sendo assim, a experiência do sublime nasce do contraste da nossa insignificância e dependência do nosso si-mesmo como indivíduo (fenômeno).

O que garante a contemplação estética (belo e sublime) é a genialidade, faculdade de conhecimento que cada indivíduo possui em maior ou menor grau de proceder de modo puramente intuitivo, afastando-se do querer para conhecer o mundo através da contemplação da natureza ou das obras dos artistas. O artista empresta seus olhos para que possamos conhecer o mundo apartado do fenômeno transitório. Embora todos tenham capacidade de contemplar, isto é, possuam a genialidade em maior ou menor grau, o gênio é aquele que possui ação livre do intelecto, um intelecto emancipado da vontade (HN III, cap. 6, p. 60-61). Através da intuição o gênio atinge alto grau de objetividade, tornando-se puro sujeito do conhecimento, que apreende a essência das coisas. Para Schopenhauer, o que diferencia o homem comum do gênio é o fato de que o gênio possui um excedente da faculdade de conhecimento. “O gênio possui tão somente um grau mais elevado e uma duração mais prolongada daquele conhecimento, o que lhe permite conservar a clareza de consciência exigida para reproduzir numa obra intencional o assim conhecido” (W I, §37, p. 265). O gênio procede de acordo com o modo intuitivo de conhecimento. “Ver o universal no particular é sempre precisamente a característica do gênio” (W II, cap. XXXXI, p. 35), por isso seus objetos são as Ideias[4].  De acordo com o filósofo, somente a verdadeira obra de arte pode ser critério para o reconhecimento do gênio; mesmo que ele seja incompreendido pelos seus contemporâneos, será reconhecido pelas futuras gerações.

Após esclarecer como se dá a contemplação estética e como podemos vivenciar esse tipo de experiência através da genialidade (faculdade de conhecimento), Schopenhauer expõe as artes isoladamente, de acordo com a maneira e o grau com que cada gênero artístico expressa as Ideias. Passemos rapidamente então pela hierarquia das artes schopenhaueriana, pois o que nos interessa mais precisamente nesse capítulo é abordar a contemplação estética da natureza, que pode ser apresentada como uma das vias para lidar com a questão ambiental.

No nível mais baixo da hierarquia das artes[5] encontra-se a arquitetura, pois sua estética é considerada um dos mais baixos graus de objetivação da Vontade (W II, cap. XXXV, p. 77); tendo em vista que a arquitetura é ao mesmo tempo utilitária, servindo à necessidade humana, estando por isso a serviço da Vontade. Por outro lado, ela também se apresenta como bela arte, trazendo para a intuição as Ideias de gravidade, coesão, dureza, resistência etc. (HN III, cap. 11, p. 129). Em suma, o tema da arquitetura seria o duelo entre gravidade e rigidez. Sua finalidade é permitir que esse duelo, essa luta apareça de maneira diversificada. Portanto, a arquitetura exige conformidade entre suspensão e peso, que pode ser observada no modo de ordenação das colunas. A outra finalidade da arquitetura seria explanar a luz segundo sua essência.

Acima da arquitetura encontra-se a jardinagem, cujo tema é a natureza vegetal. Mas ela é apenas meia arte, já que mesmo sem a sua influência a natureza vegetal está em toda parte para a fruição sem a interferência humana. 

Logo em seguida estão a pintura e a escultura. Na pintura destacam-se três tipos: a pintura de paisagem, pintura de animais e pintura histórica. A pintura de paisagem retrata a natureza destituída de conhecimento, embora exponha um grau significativo de objetidade da Vontade, enquanto a pintura de animais retrata serem que conhecem. Por intermédio do pintor, conhecemos as Ideias expostas pela natureza; mas, para além disso, a própria natureza se nos oferece para a contemplação, expondo a essência das coisas de maneira profunda, através da intuição do mundo vivo. É o conhecimento desse mundo que nos faz compreendermos melhor a nós mesmos.

Esse conhecimento das Ideias de graus mais elevados, que recebemos na pintura por intermediação alheia, também podemos recebê-lo imediatamente pela intuição puramente contemplativa das plantas e a observação dos animais, e estes últimos, em verdade, em seu estado livre, natural, espontâneo. Prefiro um animal vivo a cem embalsamados: nestes falta justamente o espírito, que é, em geral, tudo em tudo. Caso se contemplem de maneira puramente objetiva as figuras variadas, raras dos animais, suas ações e movimentos, então se receberá uma lição enriquecedora do grande livro da natureza. É, realmente, a verdadeira essência íntima de todas as coisas que se exprime através dessas figuras: em toda parte, o melhor não se concebe por palavras, tem-se de intuir. Enquanto, pela intuição do mundo vivo, deixamos a verdadeira essência das coisas falar imediatamente para nós, deciframos a autêntica Signatura rerum, assinatura das coisas, da qual falavam os antigos alquimistas e teósofos. Vemos nelas os diversos graus e maneiras de manifestação da Vontade, única e mesma em todos os seres, e que em toda parte sempre quer o mesmo, objetivando-se exatamente como vida, existência em variedades sem fim, figuras diferentes, que são todas acomodações às condições externas divergentes, variações sobre um mesmo tema. Contudo, concebemos inteiramente a essência que se manifesta por meio dessas figuras quando a reconhecemos como nós mesmos, quando aprendemos a compreender o reino animal do nosso si-mesmo e também, por seu turno, nosso si-mesmo a partir do reino animal. (HN III, cap. 13, p. 157, grifo nosso).

Na citação acima podemos notar mais uma vez o apreço de Schopenhauer pela natureza, pela essência que se manifesta por meio dessas figuras, sem as quais não poderíamos nos compreender mais intimamente. Continuando a explanação da hierarquia das artes, temos na categoria pintura e escultura também a pintura histórica e a escultura, que para Schopenhauer tomam o homem como objeto, enfrentando a dificuldade de expor o caráter do indivíduo. Apesar disso, esses gêneros alcançam graus altos de objetidade da Vontade, pois expõem a objetidade mais adequada possível, isto é, a Ideia de humanidade.

A poesia, assim como a pintura histórica e escultura também manifesta a Ideia de humanidade. Somente a poesia nos ensina a conhecer a essência do homem, através dela temos a densa natureza interior do homem (HN III, cap. 16, p. 219). A história só diz respeito aos fenômenos, portanto fornece apenas relatos empíricos sobre a humanidade, enquanto na poesia temos a ideia de humanidade pura e distinta. A partir disso, Schopenhauer descreve diversos gêneros poéticos e seus métodos para expor a Ideia de humanidade. O poeta é ao mesmo tempo expositor e o que está sendo exposto. A forma suprema da arte poética, tanto pelo seu efeito quanto pela sua realização é a tragédia. A tragédia expressa a existência tal como ela é, trágica. Trazendo à luz o que há de mais sombrio no caráter humano, seus desejos, falhas, egoísmo. Para o autor, a exposição de uma grande infelicidade é essencial à tragédia.

No topo da hierarquia ou mesmo acima dela está a música, tendo em vista que não expressa as Ideias, mas a própria Vontade como coisa-em-si. A música diferentemente das outras obras de arte, não expressa a Vontade mediatamente, através das Ideias, mas imediatamente, já que ultrapassa a representação, o mundo fenomênico. “A música em seu todo é a melodia da qual o mundo é o texto” (HN III, cap. 17, p. 234).

A Contemplação Estética da Natureza

Há um texto de Schopenhauer, o complemento 33 a O Mundo..., que trata de uma estética da natureza. No referido complemento, o autor esclarece que não só a obra de arte, mas a natureza também desperta a contemplação do belo:

Como a natureza é estética! Cada rincão totalmente inculto e selvagem deixado livre para a própria natureza, por menor que seja, se as patas do homem [Tatze dês Menschen] o deixam em paz, logo é decorado por ela com requinte; é adornado por plantas, flores e arbustos, de modo informal, com graça natural, agrupados de maneira deliciosa e testemunhando que eles não cresceram sob a vara de correção do grande egoísta, mas que a natureza é aqui livremente ativa. Todo lugar negligenciado logo se torna belo (W II, cap. XXXIII, p. 68/69).

Em outras palavras, a natureza tem valor em si mesma; o belo natural apraz por si mesmo, independente da interferência do homem; ao contrário, dá-se espontaneamente, revela-se a partir de si mesma, e é acessível aos olhos do espectador que consegue contemplá-la objetivamente, apartado de sua vontade. Ainda em sua metafísica do belo, Schopenhauer afirma que o belo natural despertaria a fruição estética até mesmo no homem mais desprovido de genialidade. A partir da natureza e dos fenômenos naturais, também é possível experienciar o sublime.  Por exemplo, o mar revolto, uma cadeia montanhosa, tempestade, até mesmo um céu estrelado, como exposto na seção anterior.

A beleza da natureza é capaz de arrebatar até as pessoas mais atormentadas, por preocupações, paixões, sofrimentos, reconfortando-as perante um único olhar para ela. Tudo isto ocorre porque, através da sua contemplação, libertamo-nos do querer, da individualidade, para nós perdemos na fruição da natureza.

A natureza, por meio de sua beleza estética, faz efeito de maneira tão benéfica sobre a mente. O poder com que ela se abre ao nosso olhar de um só golpe, quase sempre possibilitando obter êxito em nos liberar da ocupação com o nosso si-mesmo sofredor e seus fins, em nos desprender da subjetividade, em nos libertar da escravidão da vontade e nos colocar no estado do puro conhecer (HN III, cap. 8, p. 94).

Schopenhauer sai em defesa da ideia de que a natureza deve fruir livremente, até ao ponto de chegar a comparar os jardins ingleses com os franceses em sua hierarquia das artes. Porque para Schopenhauer, o gosto puro e bom na jardinagem só foi descoberto verdadeiramente na Inglaterra, isso porque a jardinagem inglesa, à diferença da antiga, exibe a natureza da melhor forma, de modo que ela exponha toda a sua beleza; portanto, ela procura posicionar o objeto favoravelmente para facilitar a apreensão das Ideias que se exprimem no mundo inorgânico e vegetal. Segundo o autor, a diferença entre os jardins ingleses e os franceses consiste no fato de que a jardinagem inglesa é objetiva, pois o fim é orientado para o objeto, enquanto na francesa haveria uma referência à intenção do dono, de modo que a natureza se encontra aí subordinada à vontade (HN III, cap. 12, p. 150). Dito isto, os jardins franceses seriam planejados subjetivamente e, uma vez que a experiência do belo é de ordem objetiva, os jardins ingleses seriam mais elevados do ponto de vista da filosofia de Schopenhauer.

O tema da jardinagem é a natureza vegetal, mas, por conta do tamanho de suas realizações, ela é apenas meia arte, na concepção schopenhaueriana, uma vez que mesmo sem a interferência da arte, o mundo vegetal se apresenta praticamente em toda parte para a fruição estética. O que confirma que, para o filósofo, quanto menos o homem interferir na natureza, melhor. Então, que contribuição poderíamos retirar dessa metafísica do belo? Ela não seria relevante para o debate acerca da preservação da natureza? A resposta parece afirmativa, posto que na filosofia schopenhaueriana a natureza é algo que vale por si, além de nos aprazer esteticamente ao ponto de esquecermos da nossa subjetividade egoística e nos perdemos na fruição daquela. A partir dos postulados dessa metafísica, não poderíamos argumentar que devemos preservar a natureza pelo valor intrínseco que ela tem ou, ainda, para fruirmos esteticamente da beleza e sublimação que nos oferece?

Enfrentando alguns problemas, tanto pela via ética (da compaixão), quanto pela via estética (da contemplação), nos depararíamos com o fato de que, para Schopenhauer, não haveria como prescrever comportamentos éticos ou estéticos. De modo que a ética e a estética são da ordem da experiência e da intuição, sendo a razão posta de lado. A partir disso, não teríamos como determinar comportamentos morais perante o meio ambiente e diante de quaisquer situações. Como defender a dignidade da natureza, considerando o caráter imutável e o egoísmo inerentes ao homem, mero ser volitivo?    

No que tange à questão estética, pode-se argumentar egoisticamente que sem sua preservação exclui-se da vida humana uma significativa possibilidade de contemplação intuitiva e libertação momentânea do sofrimento inerente à existência.

Como observamos nas considerações schopenhauerianas sobre o belo, este pode ser encontrado tanto nas obras de arte, quanto na natureza, à diferença de Hegel, para o qual pensar sobre a questão do belo é fazer “filosofia da bela arte”, rebaixando o belo natural. No entanto, Schopenhauer privilegia muito mais a natureza em si mesma do que a forma como ela é expressa através da arte, como vimos anteriormente, seja no trecho sobre jardinagem ou pintura, vale muita mais a própria expressão natural do que o que o homem faz dessa expressão. Embora o papel da arte seja importante e principalmente o dos artistas que sabem trabalhar com a natureza interferindo nela o mínimo possível, deixando-a fluir.

A natureza na filosofia de Schopenhauer é atividade vital, Vontade, Vontade de Vida. Não que a Vontade queira viver, ou seja, ela não é Vontade de viver, mas ela mesma já é atividade vital que quer. E o mundo é espelho dessa Vontade. Muito próximo de Schelling, ele constrói uma cosmologia, isto é, a sua metafísica da natureza, pela qual o mundo, do inorgânico ao orgânico superior, é exposto em sua vida cósmica com suas diversas espécies (ou Ideias platônicas). Só que sua filosofia da natureza ainda tem uma forte orientação ética, ausente na Naturphilosophie de Schelling. Uma ética, todavia, baseada precisamente na unidade dessa Vontade (BARBOZA, 2013, p. 17).

Para além da argumentação egoística de que sem a preservação da natureza excluiríamos da vida humana a possibilidade de sublimação dos seus sofrimentos através da contemplação da natureza, podemos observar que na filosofia de Schopenhauer o momento estético de contemplação é um momento de superação de todo e qualquer interesse, assim como em sua ética. O ponto em comum entre a ética de Schopenhauer e a ética kantiana é justamente o desinteresse do agente na ação que possui valor moral, isto é, apartada de todo egoísmo. Desse modo, na ação moral o outro é tomado como fim em si mesmo, como possuidor de dignidade. Mas para Schopenhauer esse conceito não pode ser pensado de maneira antropocêntrica. Então poderíamos considerar uma dignidade da natureza em Schopenhauer?

A Preservação ambiental pelo valor intrínseco da natureza

Na terceira crítica kantiana, “gosto é uma faculdade de ajuizamento de um objeto ou de um modo de representação mediante uma complacência ou descomplacência independente de todo interesse” (KANT, 2010, p. 55). O senso comum estético é a concordância universal pressuposta em um juízo de gosto, que não pode ser determinado por conceitos. O belo é um prazer superior sem a participação da razão, mas do entendimento e da imaginação e o sublime um desprazer superior onde o sentimento deste depende da razão. Ambos aprazem por si só e pressupõem um juízo de reflexão (KANT, 2010, p. 90).

Em termos estéticos, em Schopenhauer a natureza é ontologicamente relevante, por esse motivo podemos falar de uma dignidade da natureza, tendo em vista que ela não é mero meio para fins. O belo e o sublime remetem à contemplação estética de um arquétipo que se revela tanto na natureza quanto nas obras de arte. A experiência estética permite ao contemplador que se perca no objeto contemplado, retomando uma identidade originária entre humano e natureza, que não são categorias distintas, mas derivações da Vontade. Tanto somos parte da natureza como ela é parte de nós. Apenas a ilusão da pluralidade, que leva o homem a compreender-se como diferente de outrem ontologicamente é produto do já mencionado véu de Maia. A percepção do outro e do meio ambiente a partir dessa visão distorcida são produtos da razão instrumental, pois “o domínio estético natural pode ser uma vivência de identidade, exatamente como o é a compaixão” (BARBOZA, 2014, p. 27). Agredir a natureza é agredir a si mesmo.

Ora, embora ouçamos nos dias correntes, em função do avançado estágio de destruição do meio-ambiente, que devemos preservar a natureza para a nossa e as futuras gerações – o que encontra amplo apoio até em políticas oficiais -, em geral o argumento empregado é o da sustentabilidade; quer dizer, procura-se, por exemplo, propagandear que podemos usar os recursos naturais sem os esgotar e, assim, poderíamos calcular a durabilidade deles, evitando de modo inteligente que o progresso e o desenvolvimento econômico- industrial sofresse algum tipo de consistente prejuízo. Com isso, impedir-se-ia o comprometimento do modo de vida moderno (consumista) vinculado a tal progresso e desenvolvimento. Dessa forma, infira-se, é preciso bem saber explorar o petróleo para a indústria química e de automóveis, é preciso bem explorar o carvão para as usinas de energia, é preciso bem explorar as águas dos rios para as hidrelétricas, é preciso proteger a água dos mares para não comprometer o pescado que se come, etc. Trata-se, no fundo, de uma preocupação da ordem do dia, como testemunhada em mídias as mais diversas, aumentada obviamente pela consciência de que os recursos naturais de fato não são inesgotáveis e, à medida que escasseiam, até comprometem a sobrevivência do gênero humano sobre o planeta (BARBOZA, 2013, p. 21).

Esses argumentos expostos acima, como evidencia o autor, são utilizados para pensar uma ética da sustentabilidade, que opera com o intuito de usar os recursos naturais, mas diminuindo os impactos e prejuízos; ainda é um argumento interessado e desenvolvimentista[6]. Baseado em uma ideia de progresso difundida desde a modernidade, que tem como pano de fundo a evolução da humanidade, através do uso da razão e do domínio da natureza. No entanto, como nos alertou o filósofo Walter Benjamin, há uma relação direta entre progresso e catástrofe:

Benjamin coloca no centro de sua filosofia da história o conceito de catástrofe. Em uma das notas preparatórias às Teses de 1940, observa: “A catástrofe é o progresso, o progresso é a catástrofe. A catástrofe é o contínuo da história”. A assimilação de progresso e catástrofe tem, antes de mais nada, uma significação histórica: do ponto de vista dos vencidos, o passado não é senão uma série interminável de derrotas catastróficas. (LÖWY, 2002, p. 204).

A crença no progresso da humanidade, que a filosofia de Schopenhauer também faz cair por terra (pois é crítica da ideia Moderna de progresso), nos lembra que não é possível nenhuma narrativa que se pretenda neutra, como narrativa científica dos fatos, tomando o progresso como parte necessária nessa narrativa. Contra esse tipo de discurso se insurge Benjamin, quando analisa o quadro de Paul Klee na tese IX do Sobre o conceito de história.

Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso. (BENJAMIN, 2011, p. 226, grifo nosso).

Tal como o anjo da história, somos impelidos para o futuro pela tempestade que se designa como progresso. No entanto, talvez seja preciso voltar o nosso olhar para o passado, com certo espanto diante da catástrofe, notando que é uma catástrofe única, que também nos acometerá no futuro, se não “escovarmos a história a contrapelos”. No Brasil, essa mesma ideia de progresso nos levou ao modelo extrativista oriundo da colonização, que age a partir da exploração dos recursos naturais e do massacre de povos originários.

A filosofia de Schopenhauer se encontra na contramão dessa ideia de progresso supracitada. Se retomarmos o mencionado suplemento 33, a contemplação estética da natureza é considerada desinteressada, sendo a natureza um fim em si mesma. O argumento estético pressupõe a subtração do egoísmo do indivíduo. Se em Schopenhauer a natureza possui dignidade por si mesma, nós podemos argumentar em favor do seu des-uso. Mesmo o nosso contentamento com o belo natural, e o das gerações futuras, só é possível não através de um uso da natureza a partir de uma visão desenvolvimentista, mas do seu des-uso. Considerando a argumentação schopenhaueriana do valor intrínseco da natureza e da sua preservação[7], que deve ser mantida ao máximo sem interferência humana, entre outros conceitos observados nos capítulos 2 e 3, podemos aproximar sua filosofia de alguns pressupostos da ecologia profunda, como veremos na próxima seção.

O trabalho do artista/ambientalista Frans Krajcbeg

Com minha obra, exprimo a consciência revoltada do planeta.

 

Frans Krajcberg

Na presente seção nos permitimos uma pequena digressão a respeito das obras e do ativismo de Frans Krajcberg, artista que através do seu trabalho empresta seus olhos para enxergarmos o valor intrínseco da natureza e as consequências da degradação ambiental.

 Frans Krajcberg, através do seu trabalho artístico e do seu ativismo, expressa muito bem o trabalho do artista admirado por Schopenhauer, que interfere o mínimo na natureza, apenas contribuiu para que sua essência seja revelada; e, mais ainda, para que a natureza seja digna de considerações estéticas e éticas.

A obra realizada por Frans Krajcberg, ao longo de meio século, baseada no íntimo relacionamento com a natureza, é mais do que um projeto estético. É uma ética. É a invenção de um destino através da reinvenção da natureza. Ao fazer de sua obra uma espécie de memória da natureza, que ele faz irromper no seio da cultura, quer anular uma outra memória: seu próprio passado. Moldou seu destino conforme as exigências de um relacionamento com a natureza que adquire um caráter messiânico. Uma luta titânica que vem travando no interior mesmo da natureza, no coração vulcânico da matéria natural, em nome de uma revolta individual que tinha muito a ver com sua solidão mas que adquiriu, com o tempo, uma dimensão universal e planetária, quando encarada no plano mais ambicioso de uma política e ética ecológicas. (MORAIS, 2000, 11, grifo nosso).

O artista nasce na Polônia, forma-se em engenharia e artes pela Universidade de Leningrado. E, mais tarde, ao mudar-se para a Alemanha, ingressa na Academia de Belas Artes de Stuttgart, onde foi aluno do pintor alemão Willi Baumeister (1889-1955). Inicia sua carreira artística no Brasil, onde chega em 1948, procurando reconstruir a vida depois de perder toda a família em um campo de concentração durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

No Brasil, chegou a passar alguns dias nas ruas do Rio de Janeiro, com dificuldades e sem falar o idioma. Após conhecer um casal de alemães, embarca para São Paulo, onde mora até 1952, tendo participado da construção do Museu de Arte Moderna e da montagem da primeira bienal de São Paulo. Depois o artista se muda para a cidade de Monte Alegre, no Paraná, onde reside por um curto período, isolando-se na floresta para pintar. Após todo o sofrimento com as Guerras, o exílio e a errância, Krajcberg encontra-se em meio à natureza, para suposto consolo do artista. No entanto, logo se depara com outras formas de violência, como a degradação da natureza (FAINGUELERNET, 2020).

Mas logo largaria o emprego para ir morar sozinho numa choupana de madeira, no interior de uma floresta de pinheiros. Sua única companhia era um gato. Ali continuou pintando e desenhando, realizando figurações sintéticas da vegetação local, naturezas mortas e também algumas cerâmicas. O mais importante, porém, foi o bem-estar que lhe proporcionou este primeiro diálogo com a natureza brasileira, seguido, no entanto, em 1956, da decepção de presenciar as queimadas de florestas inteiras para dar lugar à cafeicultura. (MORAIS, 2000, p. 11).

Depois de testemunhar a destruição da floresta o artista muda-se para o Rio de Janeiro, onde divide ateliê com o escultor Franz Weissman (1911-2005). Naturaliza-se brasileiro no ano seguinte.  Em 1958 retorna para Paris, onde permanece até 1964. Ao longo desse período faz viagens para Ibiza (Espanha), onde produz trabalhos em papel japonês modelado sobre pedras e pintados a óleo ou guache. Esses trabalhos são inspirados pela sua experiência com a natureza e aproximam-se de paisagens vulcânicas ou lunares (MORAIS, 2000, p. 13). O resultado de suas pesquisas realizadas nas cavernas de Ibiza foi exposto na galeria de arte do século XX, em 1960.

Figura 1

Description: relevos em ibiza IMG_4883.jpg

Fonte: Reprodução fotográfica autoria desconhecida

Legenda: Relevo I, 1960

Frans Krajcberg

Guache sobre papel

200,20 cm x 70,20 cm

Coleção Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo

O artista retorna ao Brasil em 1964, instalando um ateliê em Cata Branca, Minas Gerais. A partir disso ele cria obras com explosões de cor, nas quais associa cipós e raízes a madeiras recortadas. Em 1972 decide morar no litoral Sul da Bahia, em Nova Viçosa. Amplia seu trabalho com as esculturas:

Figura 2

Fonte: Reprodução fotográfica Frans Krajcberg

Legenda: Sem Título, 1965

Frans Krajcberg

Madeira

100,00 cm x 180,00 cm

Imagem 3

Fonte: Reprodução fotográfica autoria desconhecida

Legenda: Escultura, 1985

Frans Krajcberg

Pigmento natural sobre cipó

Figura 4

Fonte: Reprodução fotográfica Frans Krajcberg, 1991, p. 35.

Legenda: Frans Krajcberg, 1980. Pigmento natural sobre caules de palmeiras.

Imagem 5

Fonte: Reprodução fotográfica Romulo Fialdini

Legenda: A Flor do Mangue, 1970

Frans Krajcberg

Madeira

900,00 cm x 300,00 cm

Imagem 6

Fonte: Reprodução fotográfica autoria desconhecida

Legenda:  Floração, 1968

Frans Krajcberg

Relevo em flores e madeira pintada

72,00 cm x 85,00 cm

Krajcberg declara que:

Desde 1964, todas as minhas cores vêm de Minas Gerais e tenho uma boa reserva de Nova Viçosa. (...) Eu recolhia troncos mortos nos campos mineiros e com eles fiz minhas primeiras esculturas, colocando-as com a terra. Eu queria lhes dar uma nova vida. Foi minha fase naïve e romântica. (...) A natureza amazonense coloca minha sensibilidade de homem moderno em questão. Ela coloca também em questão a escala dos valores estéticos tradicionalmente reconhecidos. (...) Se Mondrian passou da árvore ao quadrado, ele apenas aproveitou uma das possibilidades da árvore. Agora, nós devemos quebrar o quadrado para reencontrar a árvore. A Natureza Integral pode dar um novo significado aos valores individuais de sensibilidade e criatividade. (KRAJCBERG, 1992, p. 46-53, grifo nosso).

 Sua casa em Nova Viçosa também é uma espécie de escultura.  Embora o seu trabalho tenha sido sempre atravessado pelas questões ambientais e pelo sofrimento da natureza, a partir de 1978 torna-se ativista na causa ambiental:

(...) Luta que assume caráter de denúncia em seus trabalhos: "Com minha obra, exprimo a consciência revoltada do planeta". Krajcberg viaja constantemente para Amazônia e Mato Grosso, e registra, por meio da fotografia, desmatamentos e queimadas em imagens dramáticas. Dessas viagens, retorna com troncos e raízes calcinados, que utiliza em esculturas. (KRAJCBERG, 1992)[8].

Imagem 7

Description: Natura Casa Nova Viçosa IMG_4750.jpg

Fonte:  KRAJCBERG, 1991, p. 23.

Legenda: Casa de Frans Krajcberg construída sobre o centenário tronco de Pequi. Em primeiro plano, escultura

O artista afirmou que:

Em criança, costumava isolar-me na floresta. Ainda não tinha consciência nem me emocionava a natureza. Não sei se sonhava ou se eu (...) aquele era o único lugar em que podia questionar-me. Quando criança, sofri demais com o racismo cruel provocado pela religião - fanáticos que não admitiam nada. Perguntava-me em que lugar eu tinha nascido, por lá e não em outro país onde me detestassem menos. Por que nasci, naquela cidade onde não tinha os mesmos direitos que os outros? Minha mãe era uma militante, constantemente encarcerada. Eu participava de tudo isso; tinha uma verdadeira adoração por minha mãe. Aos 13 anos, comecei a politizar-me e a ter vontade de pintar. Não tínhamos dinheiro para o papel e isso me marcou bastante. (...) Construí minha casa na floresta. Um gato selvagem me adotou. (KRAJCBERG, 1992, p. 46-53, grifo nosso).

Sem dúvida o trabalho do artista nos chama a atenção pela força de expressão e beleza das obras, bem como pelo seu caráter visceral de denúncia. Krajcberg foi artista plástico, escultor, fotógrafo e ecologista, cujo trabalho é de extrema importância para o campo da arte internacionalmente e para pensarmos na natureza através de sua estética e sua ética; ele chama atenção especialmente para os acontecimentos no território brasileiro, como desmatamento, queimadas, tentativa de extermínio dos povos indígenas, a destruição da Amazônia, por exemplo, que indignaram profundamente o artista. Krajcberg morre em 2017 no Rio de Janeiro, deixando seu enorme legado e nos convocando à reflexão. Sem dúvida, um artista que, schopenhauerianamente, respeitava e lutava pela dignidade da natureza. Ele:

Utiliza-se dos elementos naturais da mesma forma como o poeta das palavras. E, da mesma maneira como na poesia, traz à luz expressões já existentes, porém não percebidas. Serve como mensageiro de uma linguagem cifrada que lhe ditam o mar sobre a areia, o vento sobre as árvores, os troncos dentro da terra, revelando uma natureza antes apenas pressentida dentro dos cânones estéticos aos quais estamos habituados (LEIRNER, 1988, p. 116).

Se, para Schopenhauer, o artista é aquele que apreende as Ideias através da sua grande capacidade de intuição estética do mundo, emprestando seus olhos para que os homens comuns possam ver para além do fenômeno. Krajcberg serve como um mensageiro para compreendermos o sofrimento que perpassa toda a natureza e nos proporciona a fruição estética da mesma, respeitando seu valor intrínseco e produzindo uma obra para além dos cânones estéticos aos quais estamos habituados.

Considerações Finais

A filosofia nos convida a pensar não só o que o filósofo pensou, mas também nos provoca a olhar para a realidade que habitamos e que nos atravessa. Nesse sentido, Schopenhauer nos convoca, a partir de sua filosofia, a considerar uma ética ambiental como ato de compaixão e amor para com todos os seres.

Tendo em vista o fato de que a Filosofia não se limita a ser uma disciplina descritiva, que se compromete meramente a tratar sobre o que os autores escreveram, do modo como escreveram, na época em que pensaram, mas nos proporciona questionar a partir dos filósofos que nos emprestaram os olhos para enxergarmos outros aspectos do mundo. Nesse sentido, a perspectiva apresentada neste artigo se apresenta como uma leitura heterodoxa, “herética” da filosofia schopenhaueriana, através da qual seria possível pensar em uma chave de leitura estética para o problema ambiental que nos espreita, partindo de pressupostos schopenhauerianos e se estendendo para além deles. Por isso, pensamos também que uma ética ambiental pode ser proposta a partir de postulados schopenhauerianos e para além deles.

No momento atual, os desafios éticos se tornaram urgentes, já que os “limites planetários”[9] estão ameaçados. Reflexões éticas sobre a nossa relação com a natureza são mais do que necessárias no cenário catastrófico atual de crise das mudanças climáticas, fim do mundo dos povos indígenas, holocausto animal, desmatamento e degradação ambiental como um todo. Sendo assim, propomos-nos, a partir da teoria estética, que está entrelaçada de algum modo com a ética schopenhaueriana, que pode ser pensada como não antropocêntrica, pois leva em consideração também os não-humanos, pensar uma possível alternativa de leitura para o problema ambiental atual. Por esse motivo, discorremos sobre a estética/metafísica do belo de Schopenhauer, para argumentar em favor da preservação ambiental pelo valor intrínseco da natureza, considerando a contemplação estética da natureza não só como momento de supressão da dor humana, mas como momento de respeito à natureza pelo seu valor intrínseco; sendo a experiência estética, de contemplação da natureza, também um momento ético de supressão do egoísmo humano, isto é, uma atividade contemplativa desinteressada, através da qual se pode notar que todos são essencialmente iguais, sendo representados pelas ideias arquetípicas.

REFERÊNCIAS:

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ISBN: 978-85-7979-060-7

Imagem 2:

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ISBN: 978-85-7979-060-7.

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ISBN: 978-85-7979-060-7.

Imagem 6:

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ISBN: 978-85-7979-060-7.

Contribuição de autoria

1 – Iasmim Cristina Martins Souto:

Pós-doutoranda em Filosofia na UFRJ, Doutora em Filosofia pela PUC- Rio

iasmim.martins98@gmail.com

Contribuição: Escrita – Primeira Redação

Como citar este artigo

SOUTO, Iasmim Cristina Martins. A consciência revoltada do planeta: interlocuções entre Schopenhauer e Krajcberg. Voluntas Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v. 12, e22, 2021. DOI 10.5902/2179378667559. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179378667559. Acesso em: dia mês abreviado. ano.



[1] MARTINS DA SILVA, Iasmim Cristina. A Natureza como essência íntima do mundo: a questão ambiental na filosofia de Schopenhauer.

[2] A estética diz como as artes em geral devem proceder, a metafísica do belo concentra-se no conhecimento arquetípico das Ideias, objetos apartados do princípio de razão. Portanto, pensaremos no valor intrínseco da natureza a partir da metafísica do belo do autor.

[3] A história da filosofia costuma distinguir o idealismo objetivo de Platão, o idealismo subjetivo de Berkeley e o idealismo transcendental de Kant. Schopenhauer vai reinterpretar esses autores. Para ele, a Ideia é a objetidade da coisa-em-si. (Cf. LEFRANC, 2005, p. 143-144).

[4] Genialidade nada tem a ver com talento. Para Schopenhauer, inteligência, agudeza de espírito e talento podem ser relacionados com aqueles que têm facilidade para lidar com conceitos abstratos (científicos), mas que não gênios, consequentemente não podem ser artistas.

[5] Schopenhauer confere papel central às artes. “Elas constituem uma parte integrante essencial no sistema de pensamento”. (TANNER, 2001, p. 29). 

[6] Parece que muitas alternativas sustentáveis são propostas pelo próprio desenvolvimento para corrigir os problemas ocasionados pelo desenvolvimento. Os critérios de sustentabilidade podem ser pensados, de acordo com algumas vertentes do ecofeminismo, como sendo formados no contexto da estrutura dualista e hierárquica patriarcal, da lógica de dominação. Onde enxerga-se possibilidades de crescimento econômico diante da remediação de situações, através de: políticas de redução de carbono, uso racional da água, entre outras. O ecofeminismo propõe como alternativa para uma ética de heróis (“que pretende salvar a natureza”), uma ética do cuidado. Ao questionar o sistema de dominação, que está diretamente relacionado com a crise ambiental e social, ecofeministas têm sugerido novas formas de pensar a sociedade e as relações com a natureza, incluindo modos de produção e economia mais solidários. Cf. MERCHANT, 1998; MIES; SHIVA, 1993; PLUMWOOD, 1993; SHIVA, 2003; WARREN, 2000.

[7] Ainda que possamos argumentar a favor da preservação, não podemos deixar de pensar nas minorias mais vulneráveis, que muitas vezes são expulsas de algumas áreas, com o argumento de que serão essas áreas preservadas. Tema também discutido pelo ecofeminismo.

[8] Disponível em: https://www.arrematearte.com.br/artistas/frans-krajcberg-1921#!.

 

 

[9] Conceito cunhado por ROCKSTRÖM, J. Disponível em: https://stockholmresilience.org/research/planetary-boundaries.html. 129