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Universidade Federal de Santa Maria

Voluntas, Santa Maria, v. 13, n. 1, e3, 2022

DOI:10.5902/2179378667516

ISSN 2179-3786

Submissão: 02/09/2022 • Aprovação: 11/07/2022 • Publicação: 13/09/2022


1 INTRODUÇÃO.. 2

2 O DIREITO NO INTERIOR DE UMA TEORIA DA JUSTIÇA.. 13

CONSIDERAÇÕES FINAIS. 30

AGRADECIMENTOS. 32

REFERÊNCIAS. 32

 

Teoria de John Rawls

Uma Teoria da Justiça: a contribuição da Filosofia Política de Rawls para a Teoria do Direito

A Theory of Justice: Rawls political philosophy’s contribution to legal theory

Bruno CamillotoIÍcone

Descrição gerada automaticamente

Pedro UrashimaI

Eduarda LandinIÍcone

Descrição gerada automaticamente

I Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, MG, Brasil

RESUMO

O presente trabalho trata da relevância da justiça para a crítica/justificativa do Direito, enquanto forma de estruturar as instituições sociais. Tendo Uma Teoria da Justiça como foco, a questão central neste ensaio é: como Rawls mobiliza os conceitos jurídicos? O objetivo geral é dialogar com os elementos centrais da obra de Rawls buscando compreender qual o papel do Direito no argumento em defesa da justiça como equidade. Para tanto, primeiro, retoma-se sucintamente os objetivos gerais pretendidos por Rawls com a teoria elaborada. Em seguida, articula-se o uso de conceitos jurídicos com os objetivos pretendidos pelo autor em cada uma das três partes, para, então, enfatizar a serventia da justiça como equidade e da teoria política normativa aos juristas. Percorridos esses passos, defende-se a seguinte hipótese: o Direito é um elemento central na Teoria da Justiça de Rawls. Como desdobramento da hipótese, defende-se que para sustentar seu argumento central e desenvolver os principais elementos conceituais de sua obra, Rawls precisou recorrer aos conceitos jurídicos.

Palavras-chave: Rawls; Justiça; Direito; Democracia

ABSTRACT

The present paper addresses the relevance of justice to the critique and justification of Law as a form of structuring social institutions. Having A Theory of Justice (TJ) as its focus, it asks: how does Rawls employ juridical concepts? The goal is to dialogue with the central aspects of Rawls’ work seeking to understand what role Law performs in the argument for justice as fairness.  To accomplish that, first, the general aims Rawls has in mind in setting forth his conception of justice are presented. Next, his use of juridical concepts is linked with the particular goals of each of TJ’s three subparts, so as to emphasize how helpful justice as fairness and normative political theory might be to lawyers. Following those steps, the hypothesis to be defended is: Law is central in Rawls’ theory of justice. As an entailment of the latter, it is defended that to support his central argument and to develop its core conceptual features Rawls had to appeal to juridical concepts.

Keywords: Rawls; Justice; Law; Democracy

1 INTRODUÇÃO

Qual a relação entre Justiça e Direito? A reflexão sobre essa questão pode ser feita por muitos caminhos. Pensar como uma sociedade pode tratar todos os seus indivíduos de forma igualitária é uma das tarefas desenvolvidas pela filosofia política. Em sociedades contemporâneas, nas quais o pluralismo é um fato e um valor, o Direito, enquanto ciência social aplicada, assume um importante papel de regulador das relações sociais estando fortemente vinculado ao uso da força (coerção). Da mesma forma, Direito e Justiça, portanto, são conceitos que devem estar em articulação na compreensão das sociedades políticas.

A associação entre Direito e Justiça é tão íntima no imaginário social que há momentos em que os termos são usados quase como sinônimos: não são raras referências ao Poder Judiciário como “a Justiça” ou em casos de reivindicação por responsabilização jurídica que são publicamente enunciados tais como “buscas por justiça”, “queremos justiça”, “Justiça para Marielle Franco”, etc. Mas qual a razão para essa vinculação entre os termos?

A resposta à questão aponta para, pelo menos, duas relações entre Direito e Justiça: justiça ou injustiça “da lei” (ou de forma mais geral, do Direito) e justiça ou injustiça “de acordo com a lei” (justiça formal). Pode-se dizer que a Justiça é compreendida como uma virtude especialmente apropriada à crítica do Direito e como a mais jurídica das virtudes[1]. De forma mais geral, essa distinção propõe duas tarefas analíticas: justificar a existência de uma prática[2] e “justificar uma ação de acordo com as regras que constituem determinada prática''.[3]

Duas situações da vida social exemplificam como a justiça é mobilizada em cada forma de justificação destacada. A primeira é evidenciada quando nos preocupamos não com uma conduta individual, mas, sim, como um grupo de indivíduos é tratado quando um algo (bem, benefício ou encargo) é distribuído entre eles (justiça distributiva). Já a segunda está posta quando uma lesão ocorre em razão de ação de terceiro e se reclama compensação ou indenização (justiça comutativa). E o que essas ocasiões nos dizem sobre a justiça? Hart responderia que:

O princípio latente nessas aplicações diversas da ideia de justiça é que os indivíduos têm direito uns em relação aos outros a certa posição de igualdade ou desigualdade [...] Assim, a justiça é tradicionalmente pensada como mantendo ou restaurando um equilíbrio ou proporção [...].[4]

Determinar quando a justiça comutativa se faz necessária é tarefa mais familiar aos juristas, pois o que se exige é compreender o que a justiça formal implica em dado caso. A fórmula “trate casos iguais de forma igual, e casos diferentes de forma diferente” sintetiza o que se entende por justiça formal. O adjetivo formal exprime que é a aplicação das normas aos casos aos quais são relevantes que importa, e não o conteúdo das normas cuja aplicação se exige. A tarefa aqui é tipicamente jurídica, na medida em que são os textos das leis que definem os conceitos pelos quais se julga quais casos são iguais e quais são diferentes. Ao fim, a atividade se resume a justificar/criticar uma ação de acordo com as regras que constituem determinada prática.

Já a justiça distributiva traz outro desafio aos juristas, pois ela é parâmetro que se volta à avaliação da forma pela qual nossas instituições sociais se estruturam. Em outras palavras, agora não se avalia se uma ação está ou não de acordo com determinadas regras, mas sim a justificativa de se adotar ou não determinadas regras. Nesses termos, a justiça passa a ser compreendida como “a primeira virtude das instituições sociais”,[5] ou, de forma mais específica, do sistema de cooperação a que o conjunto das principais instituições sociais dá corpo. Pode parecer que, posta nesses termos, a justiça não é relevante ao ofício jurídico, devendo ser reverenciada apenas na política. Contudo, acreditamos que isso seja um equívoco.

A relevância da mobilização da justiça para criticar/justificar o Direito pode ser mais bem compreendida quando a articulamos com a disciplina Teoria da Constituição. Na modernidade,[6] quando a vida social se institucionaliza publicamente por meio do Direito, surge o Estado de Direito, sob o qual a “organização política da sociedade passa a ser estabelecida pela ideia da lei e esta deve submeter todos os cidadãos e os poderes constituídos ao seu comando”.[7] Nesse sentido, a Constituição intermedeia a relação entre Direito e Política, desenhando institucionalmente o Estado e positivando normas asseguradoras de direitos e liberdades assim consideradas fundamentais. Assumindo a justiça como a primeira virtude das instituições sociais e sendo as instituições sociais modernas constituídas fundamentalmente pelo Direito, a justiça pode ser compreendida como uma virtude especialmente apropriada à crítica do Direito.

O desejo pela materialização - e não somente a formalidade - de princípios normativos que regulem a convivência, ou seja, da justiça no plano real, deve ser um dos motivos pelos quais os cidadãos aceitariam os ônus impostos pelo Direito. Assim, quando há uma desconformidade entre a atividade dos poderes constituídos e os reclames cidadãos, é a justiça como ideia regulativa que fornece o vocabulário pelo qual o debate público é construído.

Ainda sobre a crítica/justificação do Direito a partir do conceito de justiça, pensemos naquele que é o foco de grande parte dos estudos contemporâneos em Teoria do Direito: o Poder Judiciário. No Estado Moderno, “o Poder Judiciário exerce o monopólio de dizer o direito na solução dos conflitos sociais, interditando a justiça privada e inaugurando um modelo de justiça pública”.[8] As razões pelas quais se garante esse monopólio e a forma com que ele deve ser exercido são também objetos da justiça. Quando discutimos se juízes devem ou não ter auxílio moradia e, em caso positivo, quais as condições de sua concessão, ou quando discutimos se um modelo de processo acusatório é melhor que um inquisitório, o que estamos discutindo é a justiça da organização institucional do próprio Estado.

O presente trabalho trata da relevância da justiça para a crítica/justificativa do Direito, enquanto forma de estruturar as instituições sociais. Colocaremos em foco a obra responsável por dar conteúdo e método ao esforço mais amplo de fornecer critérios substantivos de justiça social para avaliar a qualidade moral das instituições:[9] Uma Teoria da Justiça.

A questão central neste ensaio é: como Rawls mobiliza os conceitos jurídicos que estão presentes na obra Uma Teoria de Justiça? O objetivo geral é dialogar com os elementos centrais da obra de Rawls buscando compreender como ele usa o Direito para sustentar o argumento de sua principal obra. Apresentaremos como Rawls utiliza conceitos jurídicos em cada uma das partes do livro, com o fim de demonstrar o ganho que Uma Teoria da Justiça oferece na compreensão do Direito. Para tanto, primeiro, retomaremos sucintamente os objetivos pretendidos por Rawls com a teoria elaborada e, em seguida, articularemos o uso de conceitos jurídicos com os objetivos pretendidos pelo autor em cada uma das três partes, para, então, enfatizar a importância da justiça como equidade e da teoria política normativa aos juristas. A adoção da obra de Rawls como referência se justifica tanto pela importância histórica da obra, especialmente considerando seu cinquentenário em 2021, quanto pelo argumento central formulado pelo autor. Afirmando a justiça como primeira virtude das instituições sociais e como fundamento da inviolabilidade das pessoas, Rawls propõe a ‘justiça como equidade’ para demonstrar de que forma seriam elaborados e aceitos, autônoma e voluntariamente, um conjunto de princípios capazes de reger e manter estável a justiça em sociedades contemporâneas plurais e democráticas. O procedimento adotado foi a análise dos conteúdos e conceitos com análise de dados de natureza primária colhidos no livro Uma Teoria da Justiça.[10] A partir dos resultados obtidos foram construídos esquemas conceituais por meio de processos discursivos e argumentativos para verificação da hipótese: o Direito é um elemento central na Teoria da Justiça rawlsiana. Como desdobramento da hipótese, defenderemos que para sustentar seu argumento central e desenvolver os principais elementos conceituais de sua obra, Rawls precisou recorrer aos conceitos jurídicos.

1.1 O ponto de partida de Uma Teoria da Justiça

Uma Teoria da Justiça está inserida no contexto de teoria política normativa, pois Rawls tem como objetivo elaborar uma teoria capaz de fornecer uma justificação racional para estabelecer uma preferência de determinados valores políticos sobre outros. Na formulação de sua teoria, Rawls apostou na capacidade de julgamento humano para o estabelecimento de razões pelas quais os cidadãos de uma sociedade devem considerar uma concepção de justiça mais razoável à outra. O pressuposto rawlsiano é o pluralismo moral e político que constitui as sociedades contemporâneas. Sem a possibilidade de impor aos cidadãos alguma concepção específica de bem, dado o fato do pluralismo, o problema central de Uma Teoria da Justiça é formular princípios normativos capazes de fornecer uma concepção de justiça política e social capazes de especificar os termos equitativos de cooperação social no âmbito de uma sociedade democrática.

Sendo a sociedade um empreendimento que visa distribuir as vantagens da cooperação entre os indivíduos, os princípios normativos (e de justiça social) “são um modo de atribuir direitos e deveres nas instituições básicas da sociedade e definem a distribuição apropriada dos benefícios e dos encargos da cooperação social.”.[11] Uma questão central é por quais motivos as pessoas endossariam os princípios de justiça? Essa questão se relaciona com as razões pelas quais os indivíduos estão dispostos a obedecer às regras estabelecidas pelas instituições e, além disso, sentirem-se suficientemente satisfeitos com os bens primários distribuídos a ponto de não manifestarem o desejo de, em algum momento futuro, renunciar às próprias obrigações ou ao respeito pelos concidadãos.

Na proposta rawlsiana liberdade e igualdade são os conceitos centrais que se articulam na mobilização de uma concepção de uma justiça denominada liberal-igualitária. Rawls propôs uma fundamentação filosófica das instituições de uma democracia constitucional que seja mais satisfatória do que aquela sustentada pelo utilitarismo, compreendido como corrente de pensamento dominante na tradição do pensamento político anglo-saxão à época. Para ele, o utilitarismo predominou na filosofia moral moderna por duas razões. Primeiro pela qualidade e o rigor conceitual utilitarista.[12] A filosofia utilitária foi o produto sistemático dos esforços intelectuais de escritores como Hume, Adam Smith, Bentham e Mill. O corpo teórico por eles produzido se notabilizou por responder às necessidades das instituições de seu tempo com teorias morais sistemáticas. Em segundo lugar, os críticos dessa tradição falharam em produzir uma concepção moral prática e sistemática alternativa, limitando-se a apontar as obscuridades do princípio da utilidade e as possíveis contrariedades entre ele e nossos sentimentos morais. O resultado acabou sendo a escolha entre o utilitarismo e o intuicionismo.

Uma teoria adversária precisaria ser desenvolvida e proposta, pois o utilitarismo não é capaz de cumprir uma importante tarefa da filosofia política: auxiliar e orientar a opinião política informada, por meio da interpretação daquilo que “é essencial ao núcleo comum da tradição democrática”[13]. Essa limitação é pontuada, especificamente, na análise da incapacidade do utilitarismo de fornecer uma explicação satisfatória dos direitos e liberdades básicas dos cidadãos, concebidos como livres e iguais.

Buscando suprimir a lacuna existente, partindo da tradição contratualista, Rawls se propõe a apresentar “uma concepção de justiça que generalize e leve a um nível mais alto de abstração a conhecida teoria do contrato social conforme encontrada em, [...], Locke, Rousseau e Kant[14]. A ideia é definir um procedimento equitativo para escolher os princípios de justiça que regularão as relações da vida social, de forma que os princípios ali escolhidos sejam justos[15] . Por isso, a concepção de justiça rawlsiana se chama ‘justiça como equidade’.

A posição original, conceito central e controvertido na obra de Rawls, é um recurso discursivo pelo qual seria possível o estabelecimento de um acordo equitativo de cooperação social. Ainda que de forma muito geral, a escolha de princípios que regularão as instituições políticas e sociais é representada sob a forma de um modelo de procedimento equitativo contrafactual capaz de fornecer uma concepção de justiça. O que é decisivo é o que a imagem da posição original representa: as concepções de cidadãos e de sociedade, propostas por Rawls como interpretações dos ideais democráticos.[16]

Partindo dos pressupostos de cidadãos livres e iguais e da sociedade como sistema de cooperação social equitativa, a posição original altera a pergunta de "o que são termos equitativos de cooperação social para cidadãos livres e iguais?" para a pergunta "quais termos de cooperação cidadãos livres e iguais concordariam sob condições equitativas?"[17]

Para o estabelecimento de tais condições, o debate deve acontecer sob o véu da ignorância, isto é, uma perspectiva condicionada à exclusão de informações e conhecimentos que possam influenciar arbitrariamente a escolha dos princípios de justiça. A exclusão de tais informações se justifica no propósito da concepção de justiça: “fornecer um ponto arquimediano a partir do qual se pode avaliar a concordância das instituições com as exigências normativas da democracia”.[18] Logo, seu conteúdo não deve ser responsivo à configuração presente dessas instituições.

Na posição original as partes não possuem conhecimento de seus talentos naturais, de sua sorte - ou azar - nas distribuições dos bens, de sua classe ou condição social, gênero, raça ou quaisquer informações que possam influir negativa e egoisticamente na escolha dos princípios. Esta é a exigência racional que o véu da ignorância propõe. É importante notar que: a escolha dos princípios de justiça ainda é possível mesmo com a exclusão dessas informações. Ao representar os cidadãos como livres e iguais, atribui-se a eles interesses fundamentais, cujo desenvolvimento é dependente de bens socialmente distribuíveis (liberdades, renda, riqueza, autorrespeito, etc). A escolha dos princípios de justiça pelas partes pode ser compreendida como a busca desses bens, chamados de primários, a que cada cidadão tem direito.[19] Assim, a imparcialidade da posição original não implica a anulação dos interesses humanos.

Na posição original também se presume que as partes conhecem apenas fatos genéricos que afetem a escolha dos princípios da justiça[20]. Dentre esses, destacam-se conhecimentos gerais de economia política e psicologia. Nessa condição, representados igual e dignamente,[21] além da formulação de uma concepção de justiça, os participantes são capazes também de enxergar os limites dessa concepção com a psicologia moral e elaborar meios pelos quais os vínculos de civilidade e confiança podem ser preservados continuamente.

Uma sociedade justa seria aquela nas quais as instituições tratam seus cidadãos como pessoas moralmente iguais, uma igualdade humana fundamental. Partindo disso, Rawls formulou uma teoria justificada dos direitos e das liberdades fundamentais, e da sua prioridade, oferecendo uma interpretação para a igualdade democrática relacionada com a igualdade equitativa de oportunidades e com o princípio da diferença.

Em síntese, a partir de uma dada realidade social historicamente situada, a justiça como equidade se propõe a oferecer um padrão de convivência moralmente aceitável em situações de reivindicações conflitantes por parte dos cidadãos concebidos como livres e iguais.

2 O DIREITO NO INTERIOR DE UMA TEORIA DA JUSTIÇA

Nas três partes de Uma Teoria da Justiça ocorrem inserções de palavras, expressões e termos vinculados ao vocabulário próprio do campo jurídico. Após análise minuciosa sobre todos os termos que aparecem em cada uma das partes, fizemos uma opção metodológica de utilizar os conceitos relacionados ao Direito que aparecem comumente nas três partes da obra.

Na primeira parte da obra, Rawls define o objeto de sua análise, seus pontos de partida e apresenta os princípios que caracterizam sua concepção de justiça. Como objeto da justiça tem-se a estrutura básica da sociedade que consiste na ordenação das principais instituições sociais em um sistema de cooperação. É na estrutura básica da sociedade que os princípios de justiça escolhidos na posição original serão testados na prática, passando por uma reflexão crítica sobre a ideia de justiça adotada na sociedade ideal.

As instituições são entendidas como um sistema público de regras que registra os direitos e deveres, poderes e imunidades, e classifica ações como permissíveis ou não. Mantida a distinção entre justificar a existência de uma prática e justificar uma ação de acordo com as regras que constituem determinada prática, percebemos que o estudo de Rawls não contempla todo o Direito, mas o faz de forma significativa ao focar na estrutura básica da sociedade.

Em síntese, a estrutura básica da sociedade é um sistema público de regras, pelo qual se atribui direitos e deveres fundamentais e se dividem as vantagens da cooperação social. Com esse pressuposto, é possível pensar na formulação de uma ideia de justiça formal: “há casos cuja injustiça não nasce da falha humana, mas de uma combinação fortuita de circunstâncias que frustra a finalidade das normas legais”.[22] É justamente nesses casos que a indissociabilidade da relação Direito e justiça é enfatizada e delineada sob os ditames da justiça formal.

Rawls não se aprofunda nas complexidades teóricas da modalidade formal da justiça.[23] Sua pretensão é pensar nos critérios morais que definem uma estrutura básica justa, sua feição institucional e a viabilidade da sociedade fundada nos termos da concepção de justiça proposta. O Estado de Direito vem à tona como parte desse projeto. Em razão disso, Rawls não inova ao discutir o Estado de Direito, aderindo quase que na íntegra às teses de Lon Fuller. Assim, deixa de focar na satisfação das regras de dada estrutura básica, para pensar o que é uma estrutura básica moralmente correta. Em outras palavras, fornece-se princípios pelos quais é possível avaliar criticamente o Direito.

Estabelecida esta premissa é que os dois princípios da justiça como equidade são apresentados. Antes de detalhá-los, porém, vale mencionar as condições formais do justo, que definem um princípio como princípio de justiça.[24] Tais condições decorrem da tarefa a que esses princípios servem: “ajustar razoavelmente as reivindicações que as pessoas fazem às suas instituições e umas às outras”.[25]

“As condições formais do justo são: generalidade, universalidade, publicidade, ordenação e finalidade”.[26] A generalidade diz respeito à não influência de elementos particulares, ou seja, a elaboração dos princípios de justiça não poderia ser afetada por elementos contingenciais que não abrangessem o ser humano apenas em suas características ordinárias. A universalidade consiste na aplicação dos princípios a todos os cidadãos da comunidade regulada por eles. A publicidade reside na noção do conhecimento dos princípios pelos cidadãos. A ordenação diz respeito à organização das reivindicações conflitantes (padrão resolutivo). E, por último, a finalidade consiste nos princípios como última instância de apelação racional, isto é, em situações de conflito, as soluções fundamentadas nos princípios de justiça são conclusivas.

A importância dessas condições se dá na capacidade conjunta de exclusão das várias formas de egoísmo. Primeiro, a ditadura de primeira pessoa, que ocorre quando um indivíduo defende que todos devem servir seus interesses. Segundo, a situação do carona, quando todo mundo deve agir justamente, menos eu caso eu não queira e terceiro, a situação do egoísmo geral, quando todo mundo age como bem entende[27]. Num país desigual como o Brasil, uma organização social comprometida com o combate aos egoísmos possivelmente já seria transformadora. Mas, a qualidade dessa transformação pode ser maior ou menor a depender da concepção de justiça adotada.

O primeiro princípio tem como enfoque o direito equitativo de todos os indivíduos a um sistema de liberdades básicas, onde exista compatibilização entre as liberdades dos modernos e as liberdades dos antigos.[28] Essas liberdades básicas seriam organizadas em um rol não-hierárquico e não absoluto, visto que estão constantemente suscetíveis a ajustes em caso de conflito entre si.[29] Segundo Rawls, a liberdade é “um padrão de convivência humana determinado por formas sociais.”[30]

O segundo princípio objetiva a igualdade equitativa de oportunidades e acessibilidade a posições e cargos sociais e públicos, com o fim de que a distribuição do produto social não seja determinada por aspectos moralmente arbitrários.

Os princípios estão enunciados de forma lexical na medida em que Rawls propõe a prioridade da liberdade, sendo que “as violações das liberdades básicas iguais protegidas pelo primeiro princípio não podem ser justificadas nem compensadas por maiores vantagens econômicas e sociais”.[31]

O segundo princípio traz em sua formulação o denominado princípio da diferença, que torna a proposta de Rawls altamente exigente quanto à compreensão do termo justiça social.[32] Ele estabelece a impossibilidade da ordem social firmar perspectivas mais atraentes para os que estão em melhores condições caso essas não tragam vantagens aos menos favorecidos. A distribuição não-igualitária só pode ser admitida caso resulte em alguma forma de melhora para os cidadãos que se encontram em piores condições. Diante das desigualdades moralmente arbitrárias, o princípio da diferença reivindica ser um critério de legitimidade na regulação das desigualdades não solucionáveis pela igualdade equitativa de oportunidades. Desta forma, o princípio da diferença exerce um papel central em Uma Teoria da Justiça em razão das escolhas radicais que devem ser feitas pela sociedade no tocante aos arranjos institucionais, inclusive os regimes econômicos, necessários para cumprir e garantir os princípios de justiça.

[...] o princípio de oportunidades equitativas só pode ser realizado de maneira imperfeita, pelo menos enquanto existir algum tipo de estrutura familiar. O ponto até o qual as aptidões naturais se desenvolvem e amadurecem sofre influência de todos os tipos de circunstâncias sociais e atitudes de classes. Mesmo a disposição de fazer esforço, de tentar e, assim, ser merecedor, no sentido comum o termo, depende de circunstâncias sociais e familiares afortunadas. Na prática, é impossível garantir oportunidades iguais de realização e cultural para os que têm aptidões semelhantes e, por conseguinte, talvez convenha adotar um princípio que reconheça esse fato e também amenize os resultados da própria loteria natural.[33]

Se a justiça como equidade for de fato a melhor escolha na posição original, as pessoas que obedecem às instituições por ela ordenadas assumem a função de cidadãos na sociedade e, neste caso, a “[...] deve-se igual justiça àqueles que têm a capacidade de participar e agir de acordo com o entendimento público da situação inicial”.[34] Essa capacidade é definida pela posse de duas faculdades morais: a capacidade de ter uma concepção de bem, expressa em um plano racional de vida e a capacidade de desejar aplicar e agir de acordo com os princípios de justiça.

Aqueles que concretizam essas capacidades ocupam a posição da cidadania igual, que inclui tanto o direito às liberdades definidas pelo primeiro e os meios de usufruí-las definidos pelo segundo princípio. Inclui-se aqui também os deveres entre cidadãos e a submissão às respectivas regras institucionais. Adiantar esse ponto se mostra necessário, pois, assim, complementa-se a ideia daquilo a que os cidadãos têm direito com a definição de quem se considera por cidadãos, em outras palavras, a cidadania, enquanto categoria jurídica, é apresentada de uma vez nesses termos.

A mobilização dos conceitos jurídicos na primeira parte da obra acontece de forma sutil e majoritariamente apoiada na área de influência das próprias instituições. A elucidação que as regras institucionais “especificam certas formas de ações como permissíveis, outras como proibidas; criam também penalidades e defesas (...)”[35] resulta no reconhecimento destas como constitutivas das instituições, ou seja, de um sistema público que define os termos da cooperação social e, consequentemente, é o próprio objeto da justiça.

As exigências dos princípios também merecem destaque, já que evidenciam que a justiça como equidade não está à mercê de desejos e interesses individuais. Partindo da concepção ideal de cidadãos enquanto livres e iguais, a posição original demonstra que certas formas institucionais são incorporadas na própria concepção de justiça.[36] Dessa forma, o caráter deontológico dos princípios de justiça afasta a mera cogitação da possibilidade de tolerância de um regime autoritário economicamente próspero ou da presença de justiça em um regime em que a expectativa de vida dos mais abastados é constantemente otimizada, ao passo que, a vida dos menos avantajados segue estagnada. Logo, a ideia de cidadania explicitada nos dois princípios de justiça permite formular o argumento de que Rawls, além de utilizar fortemente de uma terminologia jurídica, também fornece uma justificação moral suficiente para a ideia de direitos fundamentais.

Na segunda parte, Rawls explicita, no âmbito de uma democracia constitucional, as instituições da estrutura básica da sociedade formulando uma justificação para os deveres e obrigações que dela decorrem a partir dos princípios de justiça escolhidos na posição original. Sua proposta não é uma aplicabilidade imediata de seus princípios às instituições de seu tempo, mas demonstrar que os princípios de justiça, que até então foram discutidos apartados de formas institucionais, definem uma concepção de justiça prática.

Dentre as formas institucionais pelas quais os dois princípios se concretizam, a Constituição e as instituições de fundo que regulam a economia ganham destaque. Partindo dos juízos que cidadãos responsáveis devem fazer, Rawls propõe a sequência de quatro estágios, na qual “cada estágio deve representar um ponto de vista apropriado, do qual se devem analisar certos tipos de questões”.[37] Nesse sentido, cada estágio é caracterizado pela disponibilidade das informações necessárias para aplicar os princípios de justiça inteligentemente às questões pertinentes.

A sequência de quatro estágios oferta uma dinâmica procedimental à justiça como equidade.[38] Uma possível motivação para introduzir essa sequência foi a preocupação do autor em não limitar a defesa dos princípios da justiça como equidade à controversa posição original. A vantagem de assim proceder é a de que as críticas ao referido experimento mental não implicam, necessariamente, o ocaso do projeto rawlsiano. Nesse sentido, é preciso verificar em que medida a concepção de cooperação social e de cidadão ali representadas expressam satisfatoriamente as exigências normativas de uma democracia em oposição ao utilitarismo. Uma forma de fazê-lo para além da posição original é justamente avaliar a aplicação institucional dos referidos princípios, escolhidos como aqueles que melhor satisfazem as ideias de cooperação e cidadania propostas.

A conexão entre as ideias de cooperação e cidadania com a sequência de quatro estágios já é indicada na apresentação das problemáticas a que cada um dos estágios vai responder. Nela, Rawls parte do ponto de vista dos próprios cidadãos, ressaltando o viés democrático da teoria, vez que eles são responsáveis por emitir juízos sobre o que caracteriza uma constituição justa.

Em primeiro lugar, ele precisa julgar a justiça da legislação e das políticas sociais. [...], em segundo lugar, o cidadão deve decidir que ordenações constitucionais são justas para conciliar as opiniões conflitantes. Ainda há um terceiro problema. O cidadão aceita determinada constituição como justa, e acha que certos métodos tradicionais são apropriados, por exemplo, o procedimento da regra da maioria devidamente limitada. Contudo, já que o processo político é, na melhor das hipóteses, um caso de justiça procedimental, o cidadão precisa averiguar quando as leis da maioria devem ser acatadas e quando podem ser rejeitadas por não mais suscitarem obrigação. Em resumo, deve estar apto a definir os fundamentos e os limites das obrigações e deveres políticos.[39]

Uma vez que estamos falando da aplicação dos princípios de justiça, o primeiro estágio é dado pela posição original, sendo a questão relevante “[...] quais termos de cooperação cidadãos livres e iguais concordariam sob condições equitativas?".[40] Aqui, a restrição informacional é a mais elevada, sendo disponibilizadas apenas informações gerais do mundo social e aquelas relativas às circunstâncias da justiça.

O segundo estágio se relaciona com o ponto de vista a ser adotado pelos cidadãos que devem decidir quais arranjos constitucionais são justos para dirimir suas opiniões conflitantes sobre a justiça. Esse estágio compreende a formação de uma convenção constituinte que tem como responsabilidade decidir qual sistema de poderes constitucionais e quais direitos básicos comporão a Constituição. O fundamental é que a Constituição escolhida seja aquela que "atenda aos princípios de justiça e seja a mais bem projetada para produzir uma legislação eficaz e justa".[41] Para tanto, aos conhecimentos disponíveis na posição original soma-se informações gerais sobre o tipo de sociedade na qual os constituintes se inserem.

O terceiro estágio é o legislativo, no qual os órgãos legiferantes devem, além de satisfazer os dois princípios de justiça, respeitar os limites estabelecidos pela Constituição. Para tanto, os projetos de lei são julgados do ponto de vista de um legislador representativo que, como nos estágios anteriores, não conhece os dados particulares sobre si mesmo.

Finalmente, o quarto estágio é o da aplicação de regras a casos particulares por juízes e administradores e da observância das leis pelos cidadãos. É nesse estágio que há a maior disponibilidade de informações, sendo conhecidos fatos particulares sobre os indivíduos, tais como suas posições sociais, seus atributos naturais e interesses particulares.

A partir da análise dos referidos estágios, vemos um maior detalhamento da noção de cidadania. Na primeira parte da obra, Rawls propõe a cidadania igual como uma posição capaz de avaliar a estrutura básica, sendo composta “pelos direitos e liberdades exigidos pelo princípio de liberdade igual e pelo princípio da igualdade equitativa de oportunidades”.[42] Na segunda parte da obra, a cidadania adquire uma formulação jurídica mais precisa, pois além do adendo de que os direitos e liberdades definidos pela posição original são incorporados e assegurados pela Constituição, Rawls estabelece uma relação de codependência entre a Constituição e o status de cidadão.

A cidadania implica a incorporação e proteção constitucional das liberdades de consciência, pensamento, das liberdades das pessoas e dos direitos políticos iguais. Uma vez que o estágio constitucional tem por função estabelecer um procedimento justo para a solução de divergências sobre o justo, essas liberdades devem ser garantidas. Nas palavras do autor:

Por ser a constituição o alicerce da estrutura social, o mais elevado sistema de normas que regula e controla outras instituições, todos têm acesso igual ao sistema político que ela institui. Quando se atende ao princípio da participação, todos têm o status comum de cidadãos iguais.[43]

Considerando o desenvolvimento da cidadania a partir da sequência de quatro estágios e dentro dos marcos de uma democracia constitucional, a articulação entre direito e a ideia de cooperação pode ser analisada por meio de duas dimensões: as instituições de fundo que regulam a economia e a desobediência civil.

A cooperação pode ser definida nos seguintes termos:

A ideia principal é que quando um grupo de pessoas se envolvem em uma empreitada cooperativa mutuamente vantajosa segundo normas estabelecidas e, assim, restringe a própria liberdade do modo necessário à produção de vantagens para todos, os que se submetem a essas restrições têm direito a uma aquiescência similar da parte dos que se beneficiaram com sua submissão.[44]

O sistema econômico impacta significativamente a qualidade moral do sistema de cooperação que a estrutura básica constitui, uma vez que regula o que será produzido e por quais meios, quem recebe os produtos da produção e em retorno por quais contribuições, e estabelece a fração dos recursos sociais que se destina à poupança e à garantia de bens públicos. Afinal, é necessário pensar qual regime econômico seria capaz de satisfazer as exigências de uma sociedade justa de acordo com a concepção de justiça como equidade.[45]

Focando nas instituições de fundo que regulam a atividade econômica sob a justiça como equidade, Rawls pretende fornecer guia para as reflexões dos cidadãos sobre políticas econômicas e sociais destacando quatro questões:

A primeira é uma questão de direito: ou seja, se suas instituições são legítimas e justas. Outra é uma questão de arquitetura: a saber, se as instituições de um regime podem ser erigidas de forma eficaz para a realizar suas metas e aspirações declaradas. Isso implica uma terceira questão: se é possível confiar que os cidadãos, tendo em vista seus prováveis interesses e objetivos moldados pela estrutura básica do regime, aquiesçam instituições justas e as regras que a elas se aplicam nos diferentes cargos e posições dessa estrutura. O problema da corrupção é um aspecto disso. Por fim, há a questão da competência: se as tarefas atribuídas a cargos e posições não são simplesmente difíceis demais para aqueles que provavelmente os ocupem[46] (grifamos)

Com foco na questão de direito,[47] Rawls busca justificar as instituições de fundo que suportem uma concepção de justiça distributiva. A partir da ideia da justiça procedimental pura, Rawls pensa a justiça da economia em termos da qualidade das instituições políticas e legais que a regulam. Essas instituições são divididas em quatro[48] setores: alocativo, estabilizador, de transferência e distributivo.[49] A alocação tem por principal função manter o sistema de preços razoavelmente competitivo e prevenir a concentração de poder econômico. Esse setor também tem por função realizar subsídios e até mesmo redefinir direitos de propriedade, com o fim de compensar a incapacidade do mercado de mensurar custos e benefícios sociais. Podemos relacionar esse setor com a previsão constitucional, no caso brasileiro, com as exigências da função social da propriedade.

O setor da estabilização tem por função garantir o pleno emprego, isto é, que a busca por trabalho termine sempre em seu alcance, e a livre escolha de ocupação, derivada do princípio de acessibilidade aos cargos e posições. Junto com a alocação, a estabilização tem por finalidade manter a eficiência geral da economia de mercado.

O setor da transferência tem por função levar em conta as necessidades dos cidadãos e atribuir a elas peso apropriado em face de outras considerações. Para ficar mais claro, mercados competitivos apenas garantem a liberdade de ocupação e a eficiência no uso de recursos e na alocação de commodities nos lares. Esses mercados enfatizam os aspectos convencionais/pactuais dos salários e ganhos, enquanto o ramo da transferência garante um certo nível de bem-estar. Garantido esse nível, o princípio da diferença não proíbe que o restante da renda seja estabelecido pelo mercado.[50]

Por fim, o setor de distribuição tem duas partes, cada uma corresponde a um princípio de justiça. A primeira parte estabelece tributos progressivos de herança e renda e a definição dos direitos de propriedade, de forma a garantir a igual liberdade e a não cooptação do processo político pelo poder econômico. A segunda parte, por sua vez, estabelece um esquema de tributação voltado à arrecadação necessária para prover bens públicos e realizar as transferências exigidas pelo princípio da diferença.

Os quatro setores lidos em conjunto e com a perspectiva da legalidade podem ajudar na compreensão de vários ramos do direito, como, por exemplo, o Direito da Concorrência, o Direito do Trabalho em uma sociedade justa, as regulamentações contratuais inerentes ao Direito Privado, o Direito Financeiro, e, por fim, sem a pretensão de esgotar, o Direito Tributário.

A proposta de Rawls nos convida a uma séria reflexão sobre o papel dos sistemas econômicos numa concepção de justiça. Partindo da articulação entre o valor equitativo das liberdades políticas, a igualdade equitativa de oportunidades e as exigências do princípio da diferença, Rawls defende um regime econômico[51] no qual as instituições de fundo trabalham no sentido de dispersar o poder econômico (propriedade de recursos produtivos e de capital humano – educação e treinamentos de capacidade) de forma a evitar que uma pequena parcela da sociedade controle a vida política por meio da economia. O regime proposto por Rawls é o da democracia de cidadãos proprietários. Como aplicação da justiça procedimental pura, os sistemas econômicos dependem dos princípios políticos e, no caso, isso implica em levar a sério o princípio da diferença da justiça como equidade como regulador das desigualdades econômicas e sociais.

A desobediência civil, tema geral e importante da política, também é um ponto de articulação entre o Direito e a Justiça na obra de Rawls. Como gradiente situado entre a legalidade e a ilegalidade, a desobediência civil se relaciona com a justificação da autoridade democrática pressupondo, portanto, a existência de um regime constitucional e o dever de obedecer à lei. Rawls se dedica aos princípios do dever natural e da obrigação natural que se aplicam a indivíduos e suas consequências para a teoria do dever e da obrigação política no interior de um regime constitucional.[52]

Preocupado com a questão “Em que ponto o dever de acatar as leis promulgadas pela maioria legislativa [...] deixa de ser obrigatório à vista do direito de defender as próprias liberdades e do dever de se opor à injustiça”,[53] Rawls formula uma teoria constitucional da desobediência civil em três partes: (I) primeiro com a definição do termo e sua diferenciação em relação a outras formas de oposição a um regime de ordem, (II) segundo com a apresentação de uma justificativa (oferta de razões) para a desobediência numa sociedade quase-justa e bem-ordenada e (III) por fim com a explicação do papel que a desobediência civil pode desempenhar dentro de um regime constitucional.

Como um ato político, público, consciente e não-violento,[54] Rawls relaciona a desobediência civil com a prioridade do justo sobre o bem e com a disposição dos cidadãos de endossarem uma concepção de justiça. Logo, o reconhecimento da possibilidade de desobedecer à lei se relaciona com a capacidade de reflexão que os cidadãos possuem sobre o quão justo são os arranjos econômico-normativos de uma sociedade democrática.

Fazendo uma distinção com outras formas de resistência à lei (como por exemplo a objeção de consciência), Rawls propõe a desobediência civil como um caso especial de desacordo relacionado com o problema do governo da maioria e com a possibilidade de fundamentação para atos de cumprimento e, principalmente, descumprimento de leis injustas.

Do processo deliberativo democrático nem sempre resulta uma decisão justa, cabendo, portanto, a avaliação crítica por parte dos cidadãos. A isso Rawls denomina justiça procedimental imperfeita, ou seja, a regra da maioria deve ser reconhecida como necessária, mas falha. Além disso, o uso da regra da maioria deve, ainda, observar duas condições: (a) o direito dos cidadãos de defesa das próprias liberdades, neste caso relacionados especialmente com o primeiro princípio de justiça que, traduzido pela linguagem jurídica, pode ser mais bem compreendido como  liberdades fundamentais individuais, e (b) pelo dever de oposição à injustiça.

O tema do ‘dever e da obrigação’ nos leva à terceira parte de Uma Teoria da Justiça: os fins. Nela, Rawls se dedica à questão: por quais razões devemos obedecer aos princípios de justiça? Essa questão pode ser reformulada, no âmbito do Direito, da seguinte forma: por quais razões devemos obedecer às leis? As respostas às questões levam à reflexão sobre a estabilidade do empreendimento social.

Rawls propõe uma análise da psicologia moral dos indivíduos e da disposição para aquisição do sentimento de justiça, buscando soluções para as questões da estabilidade e da congruência entre os valores da sociedade e os bem da justiça como equidade. Partindo de sua concepção de indivíduo, formulada na primeira parte, e da possibilidade de que as pessoas sejam capazes de participar ativamente das instituições sociais, abordadas na segunda parte, Rawls concebe a estabilidade como um resultado do compromisso prático entre interesses essencialmente conflitantes,[55] necessário para testar a exequibilidade da sociedade que corresponde à concepção de justiça elaborada. O que é relevante no argumento rawlsiano não é a estabilidade da cooperação por si própria, mas a estabilidade “pelas razões corretas”.[56]

Os sistemas são mais ou menos estáveis, dependendo do poder das forças internas disponíveis para devolver-lhes ao equilíbrio [e] [...] praticamente estáveis, digamos, se afastamentos de suas posições preferidas de equilíbrio provocadas por distúrbios normais causam forças intensas o bastante para restabelecer esses equilíbrios após um período de tempo razoável, ou para fazê-los permanecer suficientemente próximos de tais equilíbrios.[57]

Mas “Como é possível que os princípios morais possam envolver nossos afetos?”.[58] A estrutura básica da sociedade reivindica o equilíbrio como a estabilidade de uma sociedade bem-ordenada cabendo aos cidadãos, cujo senso de justiça alcançou o último estágio de desenvolvimento moral, o papel das forças internas disponíveis para restauro das posições perturbadas. Ao se manifestar, o senso de justiça leva os cidadãos ao aceite das instituições justas que a eles se aplicam e a eles beneficia, além de fomentar uma disposição de trabalhar a favor da construção dessas instituições e de suas reformas quando exigido pela justiça. Como isso seria possível?

Para responder, Rawls subdivide a terceira parte em três capítulos: a concepção de uma teoria de bem, o desenvolvimento (e a necessidade) de um senso de justiça, e a congruência entre a justiça como equidade e o bem. Essa divisão sugere que o problema da terceira parte é subdividido em dois: primeiro, dadas as propensões humanas naturais, como as pessoas acabam por se importar com a justiça? Segundo, por que elas devem se importar a ponto de subordinar a busca de seus fins às exigências da justiça?[59]

A primeira pergunta é respondida no capítulo VIII, no qual a psicologia moral é apresentada para demonstrar como os cidadãos de uma sociedade bem ordenada pela justiça como equidade podem desenvolver o senso de justiça. Rawls recorre a três leis psicológicas, correspondentes às moralidades de autoridade, associação e de princípios, para argumentar que o senso de justiça é contínuo com nossos sentimentos naturais.

A segunda pergunta é respondida no capítulo IX, onde Rawls desenvolve o argumento da congruência do justo com o bem, defendendo que o senso de justiça é compatível e até mesmo parte do bem dos indivíduos. O argumento da congruência não é uma concessão à tese de que a definição do que é moralmente correto não é suficiente para as pessoas se motivarem a agir moralmente. Rawls entende que o justo é capaz de, por si só, motivar o cumprimento de suas exigências. O argumento da congruência se justifica no fato de que ter um senso de justiça e agir movido pela justiça não é suficiente para demonstrar que o senso de justiça é compatível com a natureza ou o bem humano, muito menos para demonstrar que a justiça é parte de nosso bem. Ou seja, pode ser que cumprir com as exigências da justiça seja muito demandante para a maioria das pessoas dadas certas tendências da natureza humana. A consequência disso seria: não haveria qualquer garantia de que, em casos de conflitos com outros fins que as pessoas possuem, a justiça prevaleceria.[60]

Vemos que o problema que esse argumento se propõe a resolver persistiu na obra de Rawls, o que o levou a elaborar O Liberalismo Político. Portanto, a questão do porquê os cidadãos democráticos devem se importar com a justiça a ponto de subordinar a busca de seus fins às exigências do justo persiste.

Retomando as questões de Kant quanto à constituição justa, tem-se que um ordenamento jurídico constitucional pressupõe que sua Constituição é justa, de forma que esta torna-se a referência normativa última diante de controvérsias jurídico-políticas. Partindo desse pressuposto, a questão que se põe é: como garantir que a busca dos fins últimos pelos cidadãos seja feita à luz das exigências constitucionais, ou seja, guiada pelo respeito a estas? Em outras palavras, como afastar justificadamente a desconfiança de que o respeito às instituições é fundado em crenças falsas sub-repticiamente introjetadas em nós pelos detentores do poder ou por nossas circunstâncias sociais injustas?

A busca da estabilidade em uma sociedade democrática passa, necessariamente, pela questão da obediência ao Direito. Parafraseando o problema apresentado por Rawls, como os indivíduos podem acreditar no Direito se comprometendo a obedecê-lo sem abnegar ou renunciar aos seus propósitos humanos mais nobres, como a busca pelas excelências? O argumento da congruência é uma tentativa de responder a essas questões considerando uma sociedade bem-ordenada e tendo em vista a importância desses questionamentos para a legitimidade da coerção que o Direito implica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente ensaio é o resultado da investigação sobre a relação entre os conceitos de Direito e Justiça no interior da obra Uma Teoria da Justiça de John Rawls. A obra de Rawls pretende responder três questões centrais: qual a concepção política de justiça mais adequada para uma sociedade democrática? (parte I), qual o melhor arranjo institucional para efetivar uma determinada concepção política de justiça? (parte II) e como ter normas sociais que garantam a estabilidade de uma sociedade democrática e plural? (parte III). Em resposta às questões Rawls apresenta sua concepção de justiça como a melhor interpretação dos compromissos normativos de uma democracia constitucional.

A busca pela concepção política de justiça mais adequada para uma sociedade democrática (parte I) pressupõe, além de uma estrutura de cooperação social, uma Constituição, com a consequente limitação do poder do Estado, e direitos fundamentais atribuídos a cidadãos livres e iguais. É possível afirmar que a concepção de justiça como equidade pressupõe a existência de um Estado de Direito, que deve ofertar as condições procedimentais para o exercício do direito equitativo de todos os indivíduos à um sistema de liberdades básicas, distribuídos pela igualdade equitativa de oportunidades e regulados pelo princípio da diferença. A escolha dos arranjos institucionais que devem realizar a justiça como equidade (parte II) requerem a explicitação normativa e econômica dos princípios da justiça na Constituição (justiça política). O intuito é o estabelecimento de justiça econômica em relação às parcelas distributivas dos resultados da cooperação social que seja capaz de garantir e efetivar um sistema de liberdade igual para cada cidadão.

Por fim, por quais razões os cidadãos endossariam os princípios de uma concepção de justiça de forma a produzir estabilidade social (parte III) é uma questão que também pressupõe o conceito de Direito, afinal, a pergunta ‘por quais razões os cidadãos adeririam e obedeceriam ao Direito?’ também diz respeito às possibilidades de construção da estabilidade no interior da sociedade democrática.

Diretamente influenciado por Kant,[61] Rawls se dedica a um dos maiores problemas das sociedades humanas: é possível conceber uma constituição justa no interior de uma sociedade democrática? Uma Teoria da Justiça é, então, o esforço de propor a possibilidade de formulação de uma constituição justa a partir da experiência humana ao longo da história cujos princípios de justiça sejam formulados e justificados pelos próprios cidadãos como parte do compromisso com as bases do autorrespeito no interior da própria sociedade.

Apesar de Rawls não ter tratado diretamente do conceito de Direito no interior de Uma Teoria da Justiça, conclui-se que ele é fundamental na formulação da Justiça como equidade, que pode ser compreendida como a concepção de justiça mais adequada à constituição de uma sociedade democrática consignada no próprio conceito de Estado de Direito contemporâneo.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação (PROPPI) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq)/Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) – Edital 04/2021 PIBIC/CNPq-2021-2022 e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo financiamento das bolsas de estudo dos alunos envolvidos no projeto de pesquisa.

REFERÊNCIAS

CAMILLOTO, Bruno. Direito & Política: A República, o Judiciário e a Politização. Belo Horizonte: Conhecimento Livraria e Distribuidora, 2019.

FREEMAN, Samuel. Justice and the social contract: Essays on Rawlsian Political Philosophy. New York: Oxford, 2007.

HART, Herbert L. A . The Concept of Law. 2nd Ed. With a postscript edited by Penelope A. Bulloch and Joseph Raz. Oxford: Oxford University Press, 1994.

RAWLS, John. A theory of justice. Cambridge: Harvard University Press, 1999.

RAWLS, John. História da filosofia moral. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

RAWLS, John. Justiça como equidade: uma reformulação. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

RAWLS, John. Preface for the French Edition of A Theory of Justice (1987). In: S. Freeman (ed.) Collected Papers. Cambridge: Harvard University Press, 1999, p. 415-421.

RAWLS, John. Two concepts of rules. In: S. Freeman (ed.) Collected Papers. Cambridge: Harvard University Press, 1999, p. 20-46.

RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

VITA, Álvaro. Por que uma teoria ideal da justiça? (comunicação oral) Cátedra Serra de Minas. Belo Horizonte, 2020. Disponível em: <https://youtu.be/JAJ5YiY3bMk>.

WENAR, Leif. John Rawls: The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Summer 2021 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = <https://plato.stanford.edu/archives/sum2021/entries/rawls/>.

Contribuição de autoria

1 – Bruno Camilloto:

Doutor em Direito,

https://orcid.org/0000-0003-4067-4272 • brunocamilloto@ufop.edu.br

Contribuição: Conceituação - Análise Formal - Obtenção de financiamento - Investigação – Metodologia - Escrita – revisão e edição

2 – Pedro Urashima:

Mestre em Direito

https://orcid.org/0000-0002-1797-5942 • pnobuyuski@gmail.com

Contribuição: Conceituação - Análise Formal - Investigação – Metodologia - Escrita – primeira redação - Escrita – revisão e edição

3 – Eduarda Landin:

Graduanda em Direito

https://orcid.org/0000-0002-8945-162 eduardalandin@hotmail.com

Contribuição: Escrita – Conceituação - Análise Formal - Investigação – Metodologia - Escrita – primeira redação - Escrita – revisão e edição

Como citar este artigo

ARANTES. B. C; et al . Uma Teoria da Justiça: a contribuição da Filosofia Política de Rawls para a Teoria do Direito. Voluntas Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v. 13, n. 1, e3, p. 1-29, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179378667516. Acesso em: dia mês abreviado. ano.



[1] HART, The Concept of Law, p. 7.

[2] A palavra prática aqui é empregada em sentido técnico, significando qualquer forma de atividade especificada por um sistema de regras que define cargos, papéis, prerrogativas, defesas, etc., e que dá à atividade sua estrutura. Rawls cita como exemplos de prática: jogos, rituais, julgamentos, parlamentos, etc. Ver: RAWLS, Two concepts of rules, p. 3n

[3] RAWLS, Two concepts of rules, p. 3.

[4] HART, The Concept of Law, p. 159.

[5] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 4, §1.

[6] Para RAWLS, História da filosofia moral p. 08-11, a filosofia moral moderna é caracterizada por três grandes eventos: a Reforma Protestante do século XVI, o desenvolvimento do Estado como órgão de poder e administração central da vida em sociedade e o desenvolvimento da ciência moderna, especialmente a astronomia de Copérnico e Kepler.

[7] CAMILLOTO, Direito & Política, p. 6.

[8] CAMILLOTO, Direito & Política, p. 57-58.

[9] Feita a distinção entre justificar a existência de uma prática e justificar uma ação de acordo com as regras que constituem determinada prática, vemos que o projeto filosófico de Rawls contribui ao esforço de justificar o Direito enquanto prática. Por isso, sua contribuição ao Direito Constitucional e à Teoria da Constituição merece ser destacada. Entretanto, pelo mesmo motivo, não é claro se os argumentos do autor contribuem para decidir casos específicos que se apresentam ao Judiciário, já que esse não é seu propósito.

[10] Apesar do foco da análise ter sido Uma Teoria da Justiça, fizemos aproximações com as demais obras do autor sempre que foi necessário. Em relação às edições de Uma Teoria da Justiça, utilizamos as edições de 1999, em inglês, e a de 2008 traduzida para o português. Para as citações, utilizamos a edição de 2008.

[11] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 5.

[12] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. XXXV-XXXVI.

[13] RAWLS, Preface for the French Edition of A Theory of Justice, p. 416.

[14] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 12, §3.

[15] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 136.

[16] WENAR, John Rawls: The Stanford Encyclopedia of Philosophy.

[17] WENAR, John Rawls: The Stanford Encyclopedia of Philosophy.

[18] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 324; apenas assim uma concepção de justiça tem o potencial de servir à crítica do Direito.

[19] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 173, §25.

[20] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 165-173, §24.

[21] Rawls não utiliza o termo dignidade com frequência, mas vale mencionar a seguinte passagem: “Sob a doutrina contratualista, [...] Podemos dizer, se quisermos, que os homens possuem igual dignidade, significando com isso apenas que todos satisfazem as condições de personalidade moral expressas pela interpretação da situação contratual inicial. E, sendo iguais nesse aspecto, eles têm de ser tratados como os princípios de justiça exigem (§77).” Ver: RAWLS. A theory of justice, p. 289.

[22] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 101, §14.

[23] Nesse sentido, ver TJ §38. Ao retomar a teoria do jusfilósofo Lon Fuller, Rawls chega até a adotar uma tese bastante controversa na teoria do direito, quando diz: os preceitos do Estado de Direito trazidos por Fuller são “preceitos [...] que seriam seguidos por qualquer sistema de regras que incorporasse perfeitamente a ideia de um sistema jurídico.” (RAWLS, 2008, p. 292, §38). Para a melhor compreensão desse ponto ver: FULLER, The morality of law. Para a negação dessa tese, ver: HART, Essays in jurisprudence and philosophy, p. 343-365.

[24] Nesse sentido, vale a pena comparar com a sugestão de Rainer Forst de que: “[...] what is fundamental for the concept of justice is not a particular interpretation of values like freedom or equality, but a principle of justification: every institution that claims to rest on generally and reciprocally valid principles of justice must ‘earn’ this validity generally and reciprocally, in the discourse among citizens themselves.” Nesse sentido, ver: FORST, The right to justification: Elements of a constructivist theory of justice, p. 80.

[25] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 159, §23.

[26] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 158-165, §23.

[27] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 158-165, §23.

[28] Entende-se por liberdade dos modernos: a liberdade de pensamento e consciência, certos direitos à integridade física e psíquica, direito à propriedade pessoal e as garantias do devido processo legal e do Estado de Direito. Já a liberdade dos antigos, é entendida como: as liberdades políticas iguais e os valores da vida pública. A clássica distinção retoma a Benjamin Constant, mas o conteúdo das expressões aqui exposto é encontrado em RAWLS, Justice as Fairness: Political not Metaphysical, p. 227.

[29] A partir das críticas de Hart, Rawls reformula o enunciado do primeiro princípio da justiça quando da publicação do livro Liberalismo Político. Considerando o foco de análise em Uma Teoria da Justiça, manteremos o enunciado na formulação original.

[30] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 77, §11.

[31] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 107-108, §14.

[32] VITA, Por que uma teoria ideal da justiça?

[33] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 89, §12.

[34] RAWLS, Uma teoria da Justiça, p. 622-623, §77.

[35] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 65, §10.

[36]  RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 33-41, §6.

[37] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 241, §31.

[38] “A ideia da sequência de quatro estágios faz parte de uma teoria moral e não serve de explicação do funcionamento de constituições concretas, exceto na medida em que os agentes políticos sofrem influência da concepção de justiça em questão.” RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 242, §31.

[39] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 240, §31.

[40] WENAR, John Rawls: The Stanford Encyclopedia of Philosophy.

[41] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 241, §31.

[42] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 115, §16.

[43] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 281, §36.

[44] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 134, §18.

[45] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 329, §42.

[46] RAWLS, Justiça como equidade: uma reformulação, p. 193.

[47] “Mas nosso enfoque recai principalmente sobre a primeira questão da legalidade e da justiça, deixando as outras de lado. Indagamos: que tipo de regime e de estrutura básica seria legítimo e justo se pudesse ser efetiva e exequivelmente mantido?” RAWLS, Justiça como equidade: uma reformulação, p. 193.

[48] Rawls menciona um quinto ramo: o ramo da troca, cuja função é ser um órgão representativo no qual se discute, uma vez satisfeitos os princípios de justiça, se outros gastos públicos serão feitos. Optamos por não o abordar por duas razões: segundo o autor, ele está para além da justiça e a tarefa de abordar as três partes da TJ em um artigo nos impõe uma rigorosa economia de conteúdo.

[49] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 342-354, §43.

[50] RAWLS, A theory of justice, p. 245 supõe que um arranjo dessa espécie é a forma mais eficaz de considerar as necessidades dos trabalhadores do que a garantia legal do salário mínimo.

[51] Dos cinco regimes econômicos; capitalismo de laissez faire, capitalismo de bem-estar social, socialismo de economia centralizada, socialismo liberal e democracia de cidadãos-proprietário; RAWLS, Justiça como equidade: uma reformulação, p. 195 afirma que somente os dois últimos seriam capazes de cumprir a exigências da justiça como equidade. Duas observações: (a) RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p XL e Justiça como equidade: uma reformulação, p. 191 faz uma dura crítica ao capitalismo de bem-estar social e (b) ele deixa em aberto as possibilidades de satisfação dos princípios de justiça pelos dois últimos regimes econômicos.

[52] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 415, §55.

[53] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 452, §55.

[54] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 452, §55.

[55] FREEMAN, Justice and the social contract: Essays on Rawlsian Political Philosophy, p. 144.

[56] FREEMAN, Justice and the social contract: Essays on Rawlsian Political Philosophy, p. 144-145.

[57] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 564, §69.

[58] RAWLS, Uma Teoria da Justiça, p. 587, §72.

[59] FREEMAN, Justice and the social contract: Essays on Rawlsian Political Philosophy, p. 146.

[60] FREEMAN, Justice and the social contract: Essays on Rawlsian Political Philosophy, p. 149.

[61] FREEMAN, Justice and the social contract: Essays on Rawlsian Political Philosophy, p. 145; Freeman faz referência explícita ao texto “Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita”.