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Universidade Federal de Santa Maria

Voluntas, Santa Maria, v.12, e17, Ed. Especial: Schopenhauer e o pensamento universal, 2021

DOI: 10.5902/2179378667487

ISSN 2179-3786

Submissão: 31/08/2021 Aprovação: 27/09/2021 Publicação: 28/12/2021

 

Referências. 21

 

Schopenhauer e o pensamento universal

Meu caminho até Paul Deussen: sobre as relações perenes entre a filosofia de Schopenhauer e o Advaita Vedānta

My way to Paul Deussen: on the perennial relations between Schopenhauer's philosophy and the Advaita Vedānta

Daniel Rodrigues BrazIÍcone

Descrição gerada automaticamente

I Universidade Federal do ABC, Filosofia, São Bernardo do Campo, SP, Brasil

RESUMO

O presente artigo reproduz o itinerário, da iniciação científica ao doutorado, que me conduziu atualmente ao estudo da filosofia de Paul Deussen (1845-1919). Faço, aqui, uma cronologia ao longo da qual são abordados os seguintes assuntos: (i) o que é Vedānta e quais seriam suas relações com o idealismo transcendental kantiano-schopenhaueriano; (ii) as tendências filosóficas implícitas na gênese do pensamento de Schopenhauer; (iii) a compreensão da filosofia schopenhaueriana como zona de convergência das doutrinas presentes em Kant, Platão e nas Upaniṣad's; e, por fim, (iv) o sentido perenialista de filosofia na obra de Deussen, a qual se apoia na comparação de textos oriundos de múltiplas tradições filosóficas e religiosas, com o que se pretende extrair "a única verdade eterna comum a todos" (DEUSSEN, 1894, p. V).

Palavras-chave: Idealismo transcendental; Vedānta; Perenialismo; Verdade eterna; Metafísica universal

ABSTRACT

This article recreates the itinerary, from scientific initiation to doctorate, which led me, nowadays, to the study of the philosophy of Paul Deussen (1845-1919). Here, I make a chronology along which the following subjects are addressed: (i) what is Vedānta and what would be its relationship with the Kantian-Schopenhauerian transcendental idealism; (ii) the philosophical tendencies implicit in the genesis of Schopenhauer's thought; (iii) the comprehension of Schopenhauerian philosophy as a convergence zone of the doctrines present in Kant, Plato and in the Upaniṣad's; (iv) the perennial sense of philosophy in Deussen's work, which is based on the comparison of texts from multiple philosophical and religious traditions, by which he aims at extracting "the only eternal truth common to all" (DEUSSEN, 1894, p. V).

Keywords: transcendental idealism; vedānta; perennialism; eternal truth; universal metaphysics

A convite dos organizadores do IX Colóquio Schopenhauer, do qual tive a feliz oportunidade de participar como palestrante, fiz uma introdução geral ao trabalho que até o momento havia desenvolvido, de modo a expor a relação entre os principais temas abordados em minha pesquisa de doutorado. Ao elaborar o roteiro dessa apresentação, optei por seguir a ordem temática já dada cronologicamente em minha trajetória acadêmica, da iniciação científica, passando pelo mestrado, até o momento atual. O presente artigo surge, desse modo, como uma reelaboração do que foi dito oralmente naquela circunstância, conservando o mesmo itinerário expositivo. Por fim, antes de prosseguirmos, faço questão de agradecer e parabenizar a todos os participantes desse colóquio, que garantiram sua presença mesmo diante das inesperadas limitações impostas pela pandemia às atividades acadêmicas, enriquecendo e muito a programação.

O embrião dessa pesquisa surgiu quando eu era graduando em Filosofia na PUC-Rio e comparava livremente o meu estudo filosófico acadêmico com outro ao qual eu também estava envolvido, o estudo tradicional do Vedānta, uma das principais escolas ou pontos de vista (darśana's) do pensamento hindu, ao qual faço, a seguir, uma introdução curta. Sendo uma doutrina ortodoxa, essa escola se baseia, ultimamente, na exegese das escrituras sagradas dos Vedas, especialmente das suas seções finais, as Upaniṣad's. Outros textos, como a Bhagavadgītā, do épico Mahābhārata, além do Brahma Sūtra, de Bādarāyaṇa, também formam sua base, mas a função primordial do Vedānta enquanto explicação das Upaniṣad's, sobretudo, é indicada desde o sentido literal desse termo em sânscrito, i.e. “final do Veda”. Foram elas, portanto, que trouxeram o seu assunto principal: a íntima relação de Brahman, o ser absoluto, com ātman, a presença imutável a partir da qual se constrói a noção de “eu”, ou o ego individual (ahaṃkāra). Seu ensino pretende oferecer ao estudante qualificado e dedicado um meio de autoconhecimento que aponte para jīvanmukti, a liberação do sofrimento em vida. Tal meta, usualmente longe do alcance do indivíduo comum, é, segundo os vedantinos, perfeitamente tangível. Pois, para eles, o sofrimento tem raiz na ignorância (avidyā), que se projeta no mundo apenas como realidade ilusória (māyā), cujo engano pode ser corrigido com a aquisição de certo conhecimento pelo sujeito: o de que a liberação (mokṣa) é a verdadeira realidade de todo indivíduo (jīva), embora normalmente oculta em nós, devido ao ahaṃkāra. Portanto, o ensino do Vedānta serve de preparação para um conhecimento, enfim, não apenas teórico, mas prático da natureza essencialmente livre e ilimitada do indivíduo, apenas aparentemente limitado.

Dentre as várias correntes existentes no Vedānta, minha leitura foi mais influenciada por aquela que é uma das mais influentes, a saber, a escola não-dualista, Advaita Vedānta, fundada no século VIII d. C por Śaṅkarācārya, que dá ênfase à absoluta indistinção entre ātman e Brahman como ponto principal de sua interpretação das Upaniṣad's. Nesta, o dualismo presente nos rituais ensinados na primeira parte dos Vedas não deixa de ser acolhido, mas é considerado como ciência inferior (aparā vidyā) em relação à ciência superior (parā vidyā), não-dualista. Meu aprofundamento nessa perspectiva é fruto do ensino tradicional de Vedānta oferecido aqui no Brasil pela professora Glória Arieira, vinculada à linhagem de Śaṅkara, e cujo mestre indiano foi Swami Dayananda Saraswati.[1] Há traduções suas do sânscrito, de textos clássicos, publicadas em português, e foi por meio destas que eu a conheci. Depois, frequentei seu Centro de Estudos Vidyā Mandir, em Copacabana, no Rio de Janeiro, que para mim permanece uma referência.

Dessa maneira, imbuído numa atmosfera filosófica de origem hindu e recém-ingressado no curso de graduação em Filosofia, como mencionei, havia em mim certa inclinação de relacionar o Advaita Vedānta com o pensamento dos filósofos ocidentais abordados no currículo acadêmico. Nesse contexto, um estudo que me chamou particularmente a atenção foi o da Crítica da razão pura, de Kant, cujo idealismo transcendental[2] me fez lembrar da abordagem não-dual  do ātman, feita por Śaṅkara, e do modo como o conhecimento deste é sempre condicionado. Esse tema me motivou para uma iniciação científica. Mas meu orientador na época logo me sugeriu que eu me dedicasse à leitura de O mundo como vontade e representação – afinal, nessa obra, Schopenhauer articula justamente Kant e Upaniṣad's em uma só teoria –, e, ainda bem, foi o que eu fiz. Seguindo essa trilha, eu acabei, então, “descobrindo” também o filósofo e indólogo alemão Paul Deussen, por tratar-se de uma figura renomada que, nos séculos XIX e XX, desenvolveu insistentemente a relação da filosofia “kantiano-schopenhaueriana” com a tradição vedantina.[3]

Antes de prosseguir com o relato cronológico, farei apenas uma brevíssima apresentação desse personagem que hoje é objeto do meu doutorado. Em primeiro lugar, uma característica que o define é sua referência marcante à filosofia schopenhaueriana,[4] que o inspirou inclusive em seu estudo da tradição indiana. Tido por seu contemporâneo, o líder espiritual hindu Swami Vivekananda, como o “mais livre entre os estudiosos na expressão de sua opinião sobre o Vedānta”[5] (VIVEKANANDA, 2013, e-book) e também um dos “mais verdadeiros amigos da Índia e do pensamento indiano” (VIVEKANANDA, 2013, e-book)[6], Deussen era, de fato, um metafísico e defensor do idealismo transcendental de Kant e Schopenhauer enquanto “ponto de vista da reconciliação de todas as oposições” (DEUSSEN, 1902, p. IV) existentes na história da filosofia em todas as épocas e países. Sua abordagem historiográfica não dava enfoque ao pensamento universal como dialética, mas, ao contrário, visava nele o que seria sempre idêntico e perene. Sendo assim, ele comparou tanto filosofias quanto religiões de diferentes tradições, de modo a buscar nelas a “verdade eterna comum a todos” (DEUSSEN, 1894, p. V).

Indo além de Schopenhauer em sua curiosidade sobre a Índia, Deussen estudou sânscrito e se especializou no estudo das escrituras mais exaltadas por seu “mestre”, as Upaniṣad's, tendendo a adotar a interpretação do Advaita Vedānta. Se tornou, assim, um indólogo influente, produzindo diversas obras notórias como, por exemplo, a pioneira tradução de sessenta Upaniṣad's, Sechzig Upanishads des Veda (1897) e o compêndio Das System des Vedânta (1883), que disseca essa doutrina indiana para o leitor ocidental. Seu principal trabalho filosófico, Allgemeine Geschichte der Philosophie mit besonderer Berücksichtigung der Religionen (1894-1917) – em dois tomos e seis partes – foi a primeira história da filosofia a dar ao Oriente a mesma importância dada ao Ocidente, dedicando quase o primeiro tomo inteiro apenas à Índia. Ademais, há de se mencionar que Deussen fundou, no ano de 1911, em Frankfurt, a hoje internacional Schopenhauer-Gesellschaft, da qual ele foi o primeiro presidente. Por enquanto é o suficiente sobre esse autor.

Assim, em minha iniciação científica, eu tive meus primeiros contatos com os escritos de Schopenhauer e Deussen. Meu projeto era, em sua incipiência, apenas uma proposta de comparação entre Kant e Śaṅkara; porém, acabei me voltando ao autor de O mundo como vontade e representação, no intuito de investigar o viés kantiano de sua assimilação das Upaniṣad's. Nessa nova etapa, enfim, uma publicação recente passou a servir como referência para meu trabalho: a obra Schopenhauer's compass (2014), de Urs App. Nela, o autor reconstrói historicamente a gênese do pensamento do filósofo da vontade, enfatizando, nesse processo, a influência que as Upaniṣad's exerceram por meio de sua tradução latina, publicada em dois volumes pelo francês A. H. Anquetil-Duperron, intitulada Oupnek'hat (1801-2).[7] App destaca a importância de confrontarmos sobretudo essa edição, caso se queira compreender adequadamente a influência upaniṣádica na obra do autor de Schopenhauer. Em particular, ele recomenda fortemente a consulta do exemplar por este adquirido em 1814, com suas notas e marcações pessoais.[8]

Mas o que mais importa a nós nesse presente artigo é entendermos que a obra de Deussen – para a qual, agora, meus estudos caminham – se apoia numa definição necessariamente metafísica de filosofia, herdada de Schopenhauer. Em geral, ela é produto de um olhar que não leva em conta a temporalidade e a particularidade do pensar filosófico, mas sua eternidade e universalidade. Se é dito que “αἰῶνος εἰκὼν κινητὴ ὁ χρόνος[9] (W I, § 32, p. 203), teríamos, então, que a filosofia de um tempo é uma imagem móvel da filosofia perene. Desse modo, por “filosofia” se diz “pensamento universal”, abordagem que favorece uma abertura para o estudo de obras de origens diversas, e não apenas ocidentais.

É preciso mencionar, também, o papel central que influências associadas, em geral, à religião e ao misticismo[10] tiveram na formação de Schopenhauer, já que são as prováveis inspirações para a teoria culminante no quarto livro de “O mundo”. Pois, não obstante o argumento que estrutura essa obra parta da constatação epistemológica kantiana de que o mundo é mera aparição (Erscheinung), e não uma coisa em si (Ding an sich), o processo de criação da mesma foi, antes, guiado pelo interesse em refletir sobre o problema do sofrimento (Leiden) e de sua redenção (Erlösung), conforme evidenciam os manuscritos remanescentes do autor indicados por App.[11] Foi esse interesse que acabou conduzindo o jovem filósofo ao estudo das Upaniṣad's. Em outras palavras, se, para Schopenhauer, a eternidade reside em todo fenômeno, ela só é em si mesma apreensível quando o sujeito cognoscente atinge um estado de puro conhecimento, não sendo mais movido por motivos do querer, fontes do sofrimento. A supressão (Aufhebung) deste depende, então, da supressão da individualidade, sendo essa a principal condição para haver a intuição do eterno e o seu espelhamento em conceitos abstratos, a filosofia.

A metafísica schopenhaueriana difere bastante da metafísica kantiana com respeito a essa finalidade redentora, ainda que ambas se apoiem no método transcendental ao não ultrapassarem os limites empíricos do conhecimento. Como exemplo da aproximação controversa entre elas, cito uma nota de 1833, na qual Schopenhauer justifica sua escolha da palavra “vontade” (Wille) para nomear a coisa em si:


 

Eu nomeei a coisa em si, a essência interna do mundo, como aquilo com o qual nós estamos mais intimamente familiarizados: vontade. Admito que esse é um termo escolhido subjetivamente, que está em relação com o sujeito do conhecimento [subjekt des Erkennens]; mas essa relação é essencial já que nós estamos comunicando conhecimento [Erkenntniß]. Logo, é infinitamente melhor do que a ter nomeado de Brahm, Brahma, alma do mundo, ou qualquer coisa desse tipo (HN IV (1), # 148 apud APP, 2014, p. 239).

Definindo, então, o conhecimento (Erkenntniß) adquirido por meio da experiência interna como a coisa em si, Schopenhauer garante, assim, ao menos um referencial empírico à sua abordagem metafísica, conforme o preceito kantiano da imanência. Seu assunto principal nunca foi apenas o fenômeno, mas a essência deste, que de algum modo é explicada.

Para ilustrar tal ponto, faço alusão ao capítulo 17 do segundo tomo de “O mundo” (1844), no qual o autor afirma o sentido fundamental da filosofia. Enraizada na capacidade de introspecção e no espanto diante da consciência da finitude, da morte e do sofrimento, ela é, segundo ele, fruto de uma necessidade metafísica do ser humano de tomar como problema o universal da aparição (das Allgemeine der Erscheinung), de modo a buscar nisso a superação dos limites nos quais o mundo inevitavelmente se encerra na representação. Tal sentido do filosofar traduz, ainda, uma tendência de Schopenhauer que já se fazia presente, de certo modo, em seus primeiros esboços juvenis. Desde a tenra idade, ele ruminava, por um lado, sobre o problema da raiz do mal e do sofrimento no mundo material, e, por outro, apontava para um mundo espiritual, eterno, onde não haveria aflição, mas apenas tranquilidade (DECOCK; DEBONA, 2017).

Esses dois “polos”, de acordo com App, formaram respectivamente o sul e o norte do que poderíamos entender como a bússola interna (inner compass) de Schopenhauer, i.e. uma orientação básica que conduziu organicamente a gênese de seu pensamento até a maturidade, atingida com a obra magna. Ora, o próprio Schopenhauer reconheceu a natureza orgânica do seu processo de criação; por exemplo, no seguinte trecho de um de seus manuscritos, de 1813:

Sob minhas mãos e muito mais dentro de meu espírito, está crescendo uma obra, uma filosofia que deverá transformar a ética e a metafísica em uma única disciplina, porque até o presente as pessoas as separaram tão falsamente como o ser humano é erroneamente dividido em corpo e alma. A obra cresce e vai se concretizando aos poucos, tão lentamente como uma criança dentro de um ventre de sua mãe. Eu não sei o que aconteceu anteriormente e não faço ideia do que vá ocorrer depois, do mesmo modo que ocorre com a criança no interior desse ventre; eu, que estou sentado aqui agora, o mesmo homem que conhecem meus amigos, não compreendo as etapas da criação dessa obra, do mesmo modo que a mãe não conhece as fases do desenvolvimento da criança dentro do corpo. Só posso contemplar e dizer como a mãe: “Fui abençoado por esse fruto”. (HN I, # 92, apud SAFRANSKI, 2013, p. 273). [12]

 Com base em evidências desse tipo, talvez possamos, tal como App, entender o pensamento único (der einzige Gedanke) afirmado por Schopenhauer[13] como um organismo vivo que, em seu desenvolvimento natural e intuitivo, foi marcado por um sul, a “consciência empírica” (empirisches Bewußtsein), da qual ele se afastava, e um norte, a “melhor consciência” (besseres Bewußtsein), para a qual se destinava[14]. Essa dinâmica, entretanto, é indissociável da procura pela essência una do universo a partir da qual Schopenhauer se depara, enfim, com o Oupnek'hat. Sendo assim, App afirma:

Foi no […] Oupnek'hat que o filósofo encontrou, na primavera de 1814, não apenas uma doutrina convincentemente formulada da unidade, mas também um conceito de vontade de dimensões cósmicas. O que importava não era somente que essa vontade, embora aparecendo como multiplicidade (māyā), forma a essência única e singular de tudo, mas também que, com base na perspectiva sufi do Príncipe Dara, sua superação é consistentemente defendida como o caminho para a salvação. (APP, 2014, p. 206).

Sendo ou não o Oupnek'hat a chave principal para entendermos a gênese de “O mundo”, podemos ao menos admitir que a influência desse livro reforça o sentido soteriológico que a obra de 1819 possui, quando, pela via crítica e imanente, descreve a negação da vontade como a saída definitiva para o sofrimento incurável inerente à vida, da qual a vontade é essência. Pois, embora para o filósofo os conceitos não tenham, de fato, a capacidade de se referirem a nada transcendente, há uma nota de 1815 na qual Schopenhauer afirma: “o verdadeiro filósofo é […] o salvador teorético” (HN I, # 470, apud APP, 2014, p. 256). Dizendo de outro modo: de fato, sua teoria parte do idealismo transcendental, para o qual o mundo é mera aparição, e não uma coisa em si. Porém, a aparição é tida mais radicalmente como o véu de māyā (Schleier der Maja), i.e. como uma grande ilusão (Schein), que precisa ser desfeita.

Em geral, as considerações feitas até aqui acerca da filosofia de Schopenhauer foram abordadas também em meu mestrado, que tratou especificamente da presença de elementos platônicos, kantianos e upaniṣádicos na base de seu pensamento, como o próprio autor admitiu.[15] Naquela ocasião, busquei explicar tanto filosófica quanto geneticamente essa tripla convergência, remetendo-a à sobredita tendência filosófica que teria determinado o pensamento de Schopenhauer desde a origem e no decorrer de suas leituras na juventude (BRAZ, 2020).

Primeiro, defini o que seria o platonismo em sua obra, enquanto sistema idealista. Antes de tudo, trata-se de uma doutrina amplamente propagada na história do Ocidente, com início na antiguidade tardia, e que ainda preponderava no século XIX. Imerso nessa tradição, Schopenhauer enxerga a filosofia platônica como obra “do gênio que serena e objetivamente contempla as Ideias, e que sempre busca o universal e evita o particular e o transitório” (CARTWRIGHT, 2004, p. 133). Ingekamp enfatiza o caráter escapista dessa visão herdada: “as seções da obra de Platão que influenciaram fortemente o platonismo na antiguidade tardia incluem umas poucas porém expressivas passagens nas quais é recomendada uma espécie de fuga do mundo” (INGENKAMP, 2018, p. 194). Conforme esse mesmo autor, tal doutrina – que se baseava em uma seleção específica dos textos platônicos, e para a qual Platão era como uma meta, ou um ideal – acabou sendo “religiosamente amplificada” (INGENKAMP, 2018, p. 192), tanto pelo neoplatonismo quanto pelo cristianismo. Com isso, o título de divino (göttliche) conferido por Schopenhauer ao autor dos diálogos (G, § 1, p. 1; W 1, p. XXIX) tinha, na verdade, uma origem histórica milenar.

É digna de menção a obra Geschichte der Philosophie (1799), de W. G. Tennemann, como uma referência fundamental para Schopenhauer e muitos outros no século XIX a reforçar tal platonismo. O historiador aderia à tese de um duplo aspecto da filosofia platônica: uma de suas faces seria exotérica, i.e. destinada ao público e exibida nos diálogos, e a outra, esotérica, de onde teria saído seu sistema doutrinal ensinado na Academia apenas aos discípulos.[16] Por fim, outra marca do platonismo em Schopenhauer é a interpretação das Ideias como referentes apenas a seres naturais, fiada no relato de antigos discípulos que tinham o Timeu como diálogo platônico principal (WHITE, 2012, p. 133-146). Houve, porém, uma inversão do pessimista na teoria epistemológica tradicional de Platão – já presente em Schelling[17] –, na qual aqueles arquétipos naturais são apontados como objetos, não da razão, mas da pura contemplação.

No momento seguinte da dissertação, apontei que, com a leitura do Oupnek'hat e de outras referências ligadas à Índia[18], Schopenhauer teria adotado o chamado “método dos indianos” (HN I, # 192, p. 107) – um método que busca conhecer o mundo partindo do sujeito. Argumentei, ainda, que o Advaita Vedānta de Śaṅkarācārya é a interpretação tradicional das Upaniṣad's que mais se aproxima da leitura destas pelo filósofo da vontade. Ao ter dito isso, levei em conta não só os paralelos teóricos identificáveis entre os pensamentos, mas também um fato relevante e, inclusive, desconhecido de Schopenhauer, a saber: que o texto do Oupnek'hat – que para ele era como se fosse uma Bíblia, segundo o testemunho de Gwinner (GWINNER, 1922, p. 192) – mistura indiscriminadamente os versos upaniádicos com comentários de Śaṅkara. Essa informação foi extraída de App (2014). Desse modo, a edição latina induzia o leitor a pensar que os versos e os comentários eram uma coisa só.

Mas tampouco é o caso que Schopenhauer ignorava a existência de Śaṅkara como autor, não tendo sofrido dele nenhuma influência consciente. Consta em sua biblioteca pessoal, por exemplo, a obra Sancara sive de Theologumenis Vedanticorum (1833), de Windischmann, por vezes citada no segundo tomo de “O mundo” como fonte desta passagem: “finditur nodus cordis, dissolvuntur omnes dubitationes, ejusque opera evanescunt, visu supremo illo (Sancara, sloca 32)” (W II, cap. 48, p. 695) (WINDISCHMANN, 1833, p. 37).[19] E há menções historicamente mais relevantes do que essa, se consultarmos suas anotações referentes ao estudo dos nove primeiros volumes do periódico Asiatick Researches (1788-1807) (MESQUITA, 2018, p. 230-257), alugados na cidade de Dresden no ano de 1816, época da concepção de sua obra magna. Temos, portanto, um conjunto de evidências que apontam para uma ascendência de caráter filosófico por parte do monge vedantino na obra schopenhaueriana.

Finalmente, no último capítulo, discorri sobre a influência de Kant em Schopenhauer, explicitando sobretudo os aspectos teóricos que conectam suas visões, mas também as principais modificações a que este submeteu o idealismo transcendental kantiano. Optei por abandonar aqui o aspecto genético da análise para focar numa exposição filosófica dessa doutrina paradigmática na obra schopenhaueriana. Dentre as rupturas mais importantes de Schopenhauer com Kant, podemos mencionar a rejeição de toda a tábua das categorias deduzida na Crítica da razão pura, mantendo apenas a causalidade enquanto forma a priori da intuição junto ao espaço e ao tempo, mas descartando todo conceito a priori. Além disso, em oposição a Kant, o pessimista propõe uma metafísica não limitada somente ao a priori da experiência, mas aberta também ao seu conteúdo a posteriori, interno e externo. Segundo ele, o próprio mundo, na medida em que seu conhecimento se funda no presente, i.e. na intuição empírica, nos daria algo a conhecer sobre sua essência. Por isso, Schopenhauer declara que:

A solução do enigma do mundo tem de provir da compreensão do mundo mesmo; […] a tarefa da metafísica não é sobrevoar a experiência na qual o mundo existe, mas compreendê-la a partir de seu fundamento, na medida em que a experiência, externa e interna, é certamente a fonte principal de todo o conhecimento; […] em consequência, a solução do enigma do mundo só é possível através da conexão adequada, e executada no ponto certo, entre experiência externa e interna […]. (W I, apêndice, p. 496).

Como conclusão desse trabalho de mestrado, tivemos, em síntese, que, de fato, Kant, Platão e as Upaniṣad's, se compreendidos no interior da filosofia de Schopenhauer de forma contextualizada e relacional, oferecem ao leitor da obra  deste um acesso privilegiado aos seus conceitos estruturantes. Ilustrei esse ponto com o seguinte diagrama (BRAZ, 2020, p. 68):

 

Figura 1 -

Source: BRAZ, D. R. (2021)

Nessa imagem, a interseção S representa a filosofia de Schopenhauer, que se constitui numa zona de convergência de suas três fontes principais, indicadas por P, K e U. Logo, como síntese notacional do seu pensamento, teríamos que S ≡ P ∩ K ∩ U. Já estamos, com isso, a um passo do meu tema de doutorado, pois também na obra de Paul Deussen a fórmula P ∩ K ∩ U é tida como crucial.[20]

Assim, meu caminho até esse personagem da história da filosofia alemã foi preparado da iniciação científica até o mestrado. No momento atual, estudo a metafísica de Deussen enquanto resgate da ideia de uma filosofia perene. Segundo tal perspectiva, os ecos de uma verdade metafísica eterna estariam por toda a parte, na sabedoria de diferentes tradições. A perenialidade se explicaria pela fonte desse conhecimento: a natureza como objeto de contemplação. Por sua vez, Kant teria sido o primeiro a exprimi-la em linguagem propriamente científica, que, segundo o filósofo indólogo, foi aperfeiçoada por Schopenhauer.

Esses três fundamentos do mundo, espaço, tempo e causalidade, que permeiam, sustentam e regulam o universo inteiro, não são, como nós somos naturalmente inclinados a acreditar, entidades objetivas que existem independentemente de nós, mas sim, conforme Kant e o grande arrematador de sua doutrina, Schopenhauer, provaram irrefutavelmente, formas subjetivas da intuição inerentes à consciência geral do mundo, que se efetivam como funções do cérebro em toda consciência individual. Essa é e continua sendo a verdade fundamental de toda filosofia. (DEUSSEN, 1917, p. 5).

Com isso, em sua apropriação do idealismo transcendental, Deussen fixa os critérios de discriminação da verdade na filosofia dos quais se serve em seu empreendimento histórico-comparativo. Mas, para ele, se Kant e Schopenhauer fornecem a forma mais precisa da verdade, seu conteúdo, porém, sempre se fez presente na intuição dos gênios metafísicos, em cuja contemplação eles o captam diretamente. Por exemplo, no mesmo escrito citado acima, intitulado Vedânta, Platon und Kant (1917), Deussen sustenta que o desenvolvimento dogmático contínuo da verdade tende a corrompê-la, exceto para os que:

[…] compreenderam que o filósofo, em primeiro lugar, não é inspirado pelas opiniões doutrinais de seus predecessores, mas pela intuição imediata [unmittelbare Anschauung] da natureza das coisas que se propagam dentro e ao redor dele, e que todo grande progresso na filosofia depende de um aperçu imediato, do olhar e se tornar consciente de fatos da realidade até então ocultos. Essa nova intuição adquirida de tal maneira é, então, cultivada por sucessores inferiores, e, conforme passa de mão em mão, tende a ser cada vez mais distorcida e corrompida, sobretudo pelo fato de que as verdades metafísicas são forçadas a se encaixar no modelo relativo ao modo físico de intuir, o único compreensível à pessoa comum, sendo, desse modo, deformadas; até que, mais uma vez, como um raro pássaro fênix, um autêntico metafísico apareça no mundo e deixe de lado todos esses inúteis estágios intermediários, para alcançar, em oposição a tudo isso, a intuição original por eles corrompida em sua total profundidade e, igualmente inspirado pela natureza que guiou aquele grande predecessor, aprimorá-la de modo congenial. (DEUSSEN, 1917, p. 15-16).

Nisto fica claro, portanto, que Deussen corrobora a tese schopenhaueriana de que a coisa em si é dada na experiência intuitiva imediata, não sendo, como em Kant, uma incógnita, da qual não se pode saber nada positivo. Para ele, caberia à filosofia, enquanto tarefa que lhe é própria, a tentativa de fornecer um princípio da interpretação do mundo (Princip der Welterklärung) (DEUSSEN, p. 3, 1894), preparando, assim, o terreno comum para sua história universal. Ademais, a harmonia existente entre pensamentos tão díspares quanto, por exemplo, os de Kant e Śaṅkara, por si só confirmaria a existência de uma coisa em si compartilhada, apreendida por todos, relativa à unidade metafísica da natureza.

De acordo com o indólogo, a história da filosofia é, então, a história das interpretações da coisa em si como conteúdo comum a toda experiência. Em função disso, em sua “Allgemeine Geschichte der Philosophie” (1894), ele se dedica a “compilar os pensamentos essenciais dos filósofos, com a separação do que é secundário, da forma mais documental possível” (DEUSSEN, 1894, p. 26). Nessa compilação, Deussen ignora, pois, o particular e se serve apenas do que entende como universal em cada doutrina filosófica, explorando-as como mapas.

Alguém que dispensasse todas as histórias da filosofia para estudar apenas as obras dos filósofos seria […] comparável a um homem que joga fora todos os mapas e descrições de uma região e resolve atravessá-la a pé para conhecê-la [um es … kennen zu lernen] por experiência própria [aus eigener Anschauung]. Certamente tal pessoa conhecerá, de acordo com a forma e a formação, os vales e as montanhas, os rios e os lagos da região muito mais profundamente do que é possível por meio do mapa mais preciso, mas se atrasará ou nunca chegará a compreender a ligação entre os vales dos rios e as cadeias de montanhas, e nem a obter uma representação [Vorstellung] do todo. (DEUSSEN, 1894, p. 27).

Desse modo, a comparação se torna um recurso para “nos introduzir mais profundamente ao conhecimento da natureza das coisas [Erkenntnis der Natur der Dinge]” (DEUSSEN, 1894, p. 22) que é a filosofia. Além disso, para Deussen, estudar a história da filosofia é mais útil do que estudar apenas os filósofos, uma vez que a verdade não se encontra nas obras dos indivíduos, mas no mundo que estas descrevem em conjunto.

Como Daly resume, “a filosofia comparada [de Deussen] é posta em funcionamento […] para demonstrar a philosophia perennis, que é a mesma em todas as épocas e países: não há nada além da vontade e seu verdadeiro estado é a negação” (DALY, 2010, p. 68). Sobre essa sua busca pela philosophia perennis, são dignas de menção as palavras do filósofo e indólogo Wilhelm Halbfass:

O comprometimento infatigável de Deussen com a philosophia perennis pode parecer ingênuo, sua abordagem metodológica obsoleta, e todo o seu filosofar epigônico. Entretanto, sua obra demonstra um senso de direção e consistência que é exemplar também de um ponto de vista filosófico. (HALBFASS, 1990, p. 133).

Vale ressaltar, ainda, que a tradição de pensamento perenialista é antiga[21], sendo, pois, necessário que não confundamos a abordagem de Deussen com  outras que lhe precederam. Devemos enxergá-la em sua especificidade: o método transcendental kantiano-schopenhaueriano, que estabelece a universalidade estrutural a priori da cognição humana e a unidade metafísica da coisa em si: “a mesma natureza das coisas e o mesmo intelecto cognoscente e pensante se confrontarão tanto lá como aqui” (DEUSSEN, 1894, p. 7).

Tal ponto de vista explica o fato de Deussen não mirar a história em seu progresso dialético, mas naquilo que nela é imutável, em toda circunstância. Pois o que o indólogo procura não são as oposições, mas as complementariedades dos diversos vislumbres metafísicos da verdade eterna, uma vez que cada um deles é fadado à unilateralidade (Einseitigkeit), dadas as limitações inerentes ao intelecto humano. Adotando esse critério, ele defende uma revitalização do cristianismo a partir do diálogo com a tradição indiana[22], sobretudo a do Vedānta, que é posta também em amplas relações com a metafísica ocidental. Esses últimos temas, porém, eu os abordarei de forma mais detida em ocasiões futuras. Nesse ponto, me satisfaço com o que já foi expresso no presente artigo, e espero ter exibido satisfatoriamente o fio condutor que me trouxe até o doutorado.

Referências

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Contribuição de autoria

1 – Daniel Rodrigues Braz:

Pesquisador, Doutorando em Filosofia

https://orcid.org/0000-0002-4554-4779drbraz91@gmail.com

Contribuição: Escrita – Primeira Redação

Como citar este artigo

BRAZ, Daniel Rodrigues. Meu caminho até Paul Deussen: sobre as relações perenes entre a filosofia de Schopenhauer e o Advaita Vedānta de Śaṅkarācārya. Voluntas Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v. 12, e17, 2021. DOI 10.5902/2179378667487. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179378667487. Acesso em: dia mês abreviado. ano.

 



[1] Swami Dayananda (1930-2015) foi um monge renunciante (saṃnyāsin) indiano, fundador do instituto Arsha Vidya Gurukulam. Seu principal mestre foi Swami Chinmayananda.

[2] Por idealismo transcendental de todos os fenômenos […] entendo a doutrina segundo a qual nós os consideramos, em seu conjunto, como meras representações, não como coisas em si mesmas, e o tempo e o espaço, de acordo com isso, são apenas formas sensíveis de nossa intuição, e não determinações ou condições, dadas por si mesmas, dos objetos como coisas em si mesmas (KANT, 2015, e-book).

[3] Esse foi período pulsante no que diz respeito aos estudos orientalistas sobre a Índia, especialmente na Alemanha. Para um resumo bem contextualizado do trabalho de Deussen e de seu papel nesse contexto histórico, cf. (MARCHAND, 2010, p. 300-311).

[4] Vale mencionar, a propósito, o fato de que foi seu ex-colega e amigo de longa data, Friedrich Nietzsche, o primeiro a lhe recomendar, e até mesmo ordenar, em 1867, a leitura da obra do filósofo da vontade. Cf. DEUSSEN, 1901, p. 38.

[5] Minha tradução. Adiante, todas as traduções sem crédito são também são minhas.

[6] Além de Deussen, Vivekananda menciona também o renomado indólogo Max Müller como um dos “mais verdadeiros amigos da Índia”, em seu escrito chamado On Dr. Paul Deussen (1896). Cf. VIVEKANANDA, 2013, e-book.

[7] Essa edição latina não se baseou, contudo, no texto original, em sânscrito, das Upaniṣad's, mas traduziu de maneira bastante literal a pioneira tradução do original para o persa, intitulada Sirr-i-Akbar (1657), realizada com o auxílio de pânditas indianos pelo então príncipe herdeiro do império Mughal, Dara Shukoh. Desse modo, o Oupnek'hat é, então, uma obra constituída pela interculturalidade de pontos de vista diversos: o orientalismo cristão e idealista de Anquetil-Duperron, o sufismo de Dara, que explorava confluências entre o misticismo islã e o vedāntismo, além do próprio Vedānta.

[8] Tal exemplar se encontra preservado no Schopenhauer-Archiv, em Frankfurt.

[9] “O tempo é a imagem móvel da eternidade”, uma citação indireta ao diálogo platônico Timeu (37d). Cf. PLATÃO, 2009, p. 25.

[10] No fundo, a base de Schopenhauer era cristã. Conforme Lemanski, “Arthur Schopenhauer cresceu em uma família protestante, foi batizado em 3 de maio de 1788 na Marienkirche, em Danzig, confirmado no mesmo local, em 25 de agosto de 1804, e sepultado na igreja […]. A juventude de Schopenhauer foi moldada pelo pietismo: seu pai até lhe deu um livreto de Matthias Claudius com regras de vida pietistas […]. De 1799 a 1803 Schopenhauer frequentou o instituto privado 'pietista-humanitário' […] de Johann Heinrich Christian Runge, em Hamburgo” (LEMANSKI, 2018, p. 202). Mas, como aponta App (2014), nos próximos anos ele acabou sendo atraído para uma perspectiva ampla de religiosidade que era própria dos autores românticos, como Wackenroder e Tieck, que “sustentavam que arte e religião, ou arte-religião, é o meio de liberação do aprisionamento do homem na ilusão de ‘eu’ e ‘mim’” (APP, 2014, p. 30). Ambos eram influenciados pelo místico cristão Jakob Böhme, uma referência muitas vezes citada pelo filósofo da vontade. Outro autor romântico que este admirava e pôde conhecer pessoalmente entre 1807 e 1808, foi o dramaturgo Zacharias Werner, que, além de Böhme, lia outra figura do misticismo cristão muito citada por Schopenhauer: a francesa Madame Guyon (cf. APP, 2014, p. 33-45).

[11] Dentre outras evidências, uma em particular se destaca: uma conversa com Christoph Martin Wieland, ainda em 1811, quando Schopenhauer tinha 23 anos e estava pretendendo trocar o curso de Medicina pelo de Filosofia. Devido a essa escolha que estava prestes a fazer, ele buscou o aconselhamento do velho poeta alemão, que era amigo de sua mãe, Johanna, tendo dito a ele: “A vida é uma coisa desagradável: eu resolvi passá-la pensando sobre ela mesma” (GESPR, p. 22). O relato da neta de Wieland, Wilhelmine Schorcht, sobre essa ocasião também chama atenção por entrar em mais detalhes sobre o tipo de filosofia que Schopenhauer estava propondo  (cf. GESPR, p. 23).

[12] Sobre essa nota, App aponta para um acréscimo a ela que foi feito por Schopenhauer nas margens de seu caderno: “estou me tornando consciente de um membro, um vaso sanguíneo, uma parte após a outra, i.e. eu escrevo sem me preocupar com o modo como isso vai se encaixar no todo: pois eu sei que tudo surgiu de um único fundamento. Assim se desenvolve um todo orgânico, e apenas algo assim pode viver” (HN I, # 92, apud APP, 2014, p. 92).

[13] Sobre o “pensamento único” a que Schopenhauer se refere ao falar de seu próprio pensamento, cf. W 1, p. VII.

[14] Tenho ciência de que essa tese não esgota os múltiplos desafios que a análise do significado de tal “pensamento único” suscita. De fato, o caminho teórico exibido aqui me parece adequado especialmente numa abordagem genética da filosofia schopenhaueriana.

[15] Esse fato é trazido à tona em diversos momentos de sua obra, mas cito aqui duas passagens importantes; a primeira é de um manuscrito de 1816: “eu confesso que não creio que minha doutrina poderia de modo algum ter surgido antes que as Upaniṣad's, Platão e Kant tivessem simultaneamente lançado seus raios dentro da mente de um homem” (HN I, # 623, p. 422). A segunda, é extraída do prefácio à primeira edição de O mundo como vontade e representação: “a filosofia de Kant […] é a única cuja intima familiaridade é requerida para o que aqui será exposto. – Se, no entanto, o leitor já frequentou a escola do divino Platão, estará ainda mais preparado e receptivo para me ouvir. Mas se, além disso, iniciou-se no pensamento dos Vedas, cujo acesso permitido pelas Upaniṣad's, aos meus olhos, é a grande vantagem que este século ainda jovem tem a mostrar aos anteriores, pois penso que a influência da literatura sânscrita não será menos impactante que o renascimento da literatura grega no século XV, se recebeu e assimilou o espírito da milenar sabedoria indiana, então estará preparado da melhor maneira possível para ouvir o que tenho a dizer” (W I, p. XXIX).

[16] Segundo Tennemann, “pode-se, com razão, esperar que, em seus escritos, ele [Platão] não tem outros princípios além daqueles dos quais ele partia em seu sistema de ensino, e até mesmo que algo da natureza formal de seu sistema foi levado também para o interior dos escritos voltados para um público mais amplo” (TENNEMANN, 1799, p. 221).

[17] De acordo com Barboza, “há na obra principal de Schopenhauer um Platão estetizado que passa pela Naturphilosophie e as concepções místico-transcendentais sobre o belo que caracterizam a estética schellinguiana. As lentes de Schopenhauer focalizadas no Platão artístico (coisa que o filósofo grego definitivamente não era: ele expulsa os poetas de sua utópica república) são, assim, como que polidas por Schelling” (BARBOZA, 2005, p. 233).

[18] Sobre essas outras referências, cf. MESQUITA, 2018.

[19] O trecho destacado por Schopenhauer, é, na verdade, uma menção de Śaṅkara a um verso da Muṇdaka Upaniṣad (II, 2, 8), a saber: bhidyate hṛdayagranthiśchidyante sarvasaṃśayāḥ / kṣīyante cāsya karmāṇi tasmindṛṣṭe parāvare (“quando ele contempla aquilo, que é, ao mesmo tempo, o maior e o menor, o nó do coração é desatado, todas as dúvidas são dissolvidas e todo o karma é destruído”). Cf. WINDISCHMANN, 1833, p. 28.

[20] Algumas de suas obras são, inclusive, dedicadas exclusivamente à abordagem desse assunto, como Vedânta und Platonismus im Lichte der Kantischen Philosophie  (1904) e Vedânta, Platon und Kant  (1917).

[21] “O termo philosophia perennis deriva do bibliotecário do Vaticano, Agostino Steuco, que em 1540 publicou pela primeira vez um livro com o título De perenni philosophia. Seu tema era a filosofia cristã, que ele pensava ser basicamente idêntica e comum a toda a humanidade, desde seu início edênico até a sua época, o período do Renascimento. O conceito de uma filosofia e teologia antigas que remonta ao paraíso não se originou com Steucho; ele tem suas raízes na antiguidade tardia, especialmente com os padres da igreja cristã, e foi novamente adotado pelo filósofo florentino Giovanni Pico della Mirandola, que o chamou de philosophia prisca. As ideias de Pico sobre a descendência e a continuidade da filosofia eram próximas às de Steucho. Sua teoria consistia basicamente na ideia de que a teologia judaico-cristã e a filosofia relgiosa derivavam da participação nas mesmas ideias divinas, revelando as mesmas verdades essenciais” (SCHMIDT-BIGGEMANN, 2004, p. xiii).

[22] Todavia, é bom lembrar que Schopenhauer já sugeria o mesmo – “o núcleo mais íntimo do cristianismo é idêntico com aquele do brahmanismo e do buddhismo” (W II, cap. 48, p. 691).