Universidade Federal de Santa Maria

Voluntas, Santa Maria, v.12, n.2, p. 01-30, mai./ago., 2021

DOI: 10.5902/2179378667469

ISSN 2179-3786

Recebido: 30/08/2021 Aceito: 18/01/2021 Publicado: 27/01/2022

 

Tradução

Niilismo alemão, de Leo Strauss[1]

Eli Vagner Francisco Rodrigues I

I Professor Assistente Doutor MS3, Universidade Estadual Paulista - UNESP, Marília, SP, Brasil

e-mail: eli.vagner@unesp.br - ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6668-1369

I. As perguntas: (a) O que é o niilismo? (b) Até que ponto se pode dizer que o niilismo é um fenómeno especificamente alemão?

II. O niilismo alemão é um fenômeno muito mais amplo do que o nacional socialismo. Pode ser descrito provisoriamente como a reação apaixonada de um certo tipo de jovem ateu ao ideal comunista.

III. O niilismo dos jovens e o positivismo dos velhos.

IV. O significado niilista do termo "onda do futuro".

V. O niilismo é definido como a rejeição dos princípios da civilização enquanto tal.

VI. O niilismo alemão rejeita os princípios da civilização enquanto tal, em favor da guerra e de ideais bélicos.

VII. O niilismo alemão é uma forma radicalizada de militarismo alemão.

VIII. Uma das raízes do militarismo alemão é o moralismo.

IX. A atual guerra anglo-alemã é uma guerra de princípios.

O Niilismo alemão

1. As perguntas: O que é o niilismo? E até que ponto se pode dizer que o niilismo é um fenómeno especificamente alemão?

2. O niilismo alemão é o gênero do qual o nacional-socialismo é a espécie mais conhecida.

I. O motivo final, não niilista, subjacente ao niilismo alemão.

3. A ligação inseparável entre a moralidade e a sociedade fechada: o protesto moral contra o princípio da civilização moderna.

II. A situação em que esse motivo não niilista levou ao niilismo.

4. O niilismo alemão é a reação de um certo tipo de jovem ateu ao ideal ou previsão comunista.

5. Sobre a afinidade da juventude com o niilismo, e as consequências niilistas da emancipação da juventude.

6. Sobre a afinidade do progressismo com o niilismo: o progressismo deixa o objetivo indefinido; opõe-se, portanto, a um Não indefinido à ordem dada.

III. O que é o niilismo? E até que ponto se pode dizer que o niilismo é especificamente Alemão?

7. O niilismo é a rejeição dos princípios da civilização enquanto tal. Civilização é a cultura consciente da razão humana, ou seja, a ciência e a moral.

8. O niilismo no sentido definido é característico da Alemanha de hoje e não de qualquer outro país.

9. O niilismo alemão rejeita os princípios da civilização enquanto tal, em favor da guerra e das virtudes bélicas.

10. O niilismo alemão é, portanto, semelhante ao militarismo alemão.

11. O niilismo alemão é uma forma radicalizada de militarismo alemão, e essa radicalização deve-se à vitória da opinião romântica sobre o desenvolvimento moderno como um todo.

12. O niilismo alemão está relacionado com a reação ao ideal moderno que é característico da filosofia idealista alemã: moralidade de auto sacrifício e abnegação versus moralidade de interesse próprio; a coragem é a única virtude inequivocamente não utilitária.

13. O idealismo alemão, embora se opondo à filosofia ocidental, afirmava ser uma síntese do ideal moderno com o ideal do pré-moderno; essa síntese não funciona; a influência do idealismo alemão fez a aceitação do ideal do moderno impossível; os alemães tiveram de voltar ao ideal pré-moderno: ou seja, ao ideal pré-moderno, tal como interpretado pelo idealismo alemão, isto é, como interpretado numa intenção polémica contra o esclarecimento e, portanto: numa distorção moderna do ideal pré-moderno.

14. O ideal moderno é de origem inglesa: a tradição alemã é uma tradição de crítica ao ideal moderno. Enquanto os ingleses encontraram uma fusão funcional do ideal moderno com o ideal clássico, os alemães enfatizaram demasiado a ruptura da tradição, de tal modo que acabaram por ser levados da rejeição da civilização moderna à rejeição do princípio da civilização como tal, ou seja, ao niilismo. Os senhores (Gentlemen) ingleses como uma nação imperial contra os senhores (Herren) alemães como uma nação de fanáticos provincianos e ressentidos.[2]

NIILISMO ALEMÃO

PALESTRA PROFERIDA EM 26 DE FEVEREIRO DE 1941.

Leo Strauss

O que é niilismo? E até onde pode ser dito que o niilismo é um fenômeno especificamente alemão? Não sou capaz de responder a estas perguntas; posso simplesmente tentar elaborá-las um pouco. Pois o fenômeno que vou discutir é muito complexo, e muito pouco explorado, para permitir uma descrição adequada dentro do pouco tempo que tenho à minha disposição. Eu não posso fazer mais do que arranhar sua superfície.

Quando atualmente ouvimos a expressão "niilismo alemão", a maioria de nós naturalmente pensa diretamente no nacional-socialismo. No entanto, deve ser entendido desde o início que o nacional-socialismo é apenas a forma mais famosa do niilismo alemão, sua forma mais baixa, mais provinciana, mais sombria e mais desonesta. É provável que sua própria vulgaridade seja responsável por seus grandes, ainda que terríveis, sucessos. Estes sucessos podem ser seguidos por fracassos e, em última instância, por uma derrota completa. No entanto, a derrota do nacional-socialismo não significará o fim do niilismo alemão. Pois esse niilismo tem raízes mais profundas do que as pregações de Hitler, a derrota da Alemanha na Guerra Mundial e tudo isso.

Para explicar o niilismo alemão, proponho proceder da seguinte forma. Primeiro explicarei o motivo final que está por trás do niilismo alemão; este motivo em si não é niilista. Descreverei então a situação na qual esse motivo não niilista levou a aspirações niilistas. Finalmente, vou tentar dar uma definição de niilismo não atacável do ponto de vista do motivo não-niilista em questão, e com base nessa definição, descrever o niilismo alemão de forma um pouco mais completa.

Niilismo poderia significar: vele nihil, querer nada, a destruição de todas as coisas, inclusive de si-mesmo, e, portanto, seria essencialmente vontade de autodestruição. Já me foi dito que existem seres humanos com esses estranhos desejos. Eu não creio, no entanto, que tal desejo seja o motivo último do niilismo alemão. Mesmo uma perspectiva mais ingênua nota que não há nenhum sinal claro de vontade de autodestruição, mas, mesmo que fosse demonstrado que tal desejo é o motivo último, não seríamos capazes de compreender porque este desejo não tomou as formas do chamado fin de siécle ou do alcoolismo, mas sim do militarismo. Explicar o niilismo alemão em termos de doenças mentais, é ainda menos aconselhável do que explicar em tais termos o desejo de um gângster acuado de matar uma dupla de policiais e o sujeito que o traiu; não sendo um estoico, não poderia chamar esse desejo de um desejo mórbido.

O fato em questão é que o niilismo alemão não é um niilismo absoluto, um desejo de destruir tudo, inclusive a si mesmo, mas o desejo de destruir algo específico: a civilização moderna. Este niilismo limitado, se assim posso dizer, torna-se um niilismo quase absoluto, só por essa razão: porque a negação da civilização moderna, o Não, não está guiado, nem acompanhado, por alguma concepção positiva clara.

O niilismo alemão deseja a destruição da civilização moderna, até onde a civilização moderna tem um significado moral. Como todos sabem, ela não se opõe de forma alguma aos dispositivos técnicos modernos.  Esse significado moral da civilização moderna ao qual os niilistas alemães se opõem, é expresso em formulações como estas: para aliviar o patrimônio do homem; ou: para salvaguardar os direitos do homem; ou: a maior felicidade possível para o maior número possível. Qual é o motivo subjacente ao protesto contra a civilização moderna, contra o espírito do Ocidente, e em particular do Ocidente anglo-saxão?

A resposta deve ser: trata-se de um protesto moral. Esse protesto procede da convicção de que o internacionalismo inerente à civilização moderna, ou, mais precisamente, o estabelecimento de uma sociedade perfeitamente aberta, que é propriamente o objetivo da civilização moderna, e, portanto, todas as aspirações dirigidas a esse objetivo, são irreconciliáveis com as exigências básicas da vida moral. Esse protesto procede da convicção de que a raiz de toda vida moral é essencialmente e, portanto, eternamente a sociedade fechada; da convicção de que a sociedade aberta é obrigada a ser, se não imoral, pelo menos amoral: o terreno de encontro dos buscadores de prazer, de ganho, de poder irresponsável, de fato de qualquer tipo de irresponsabilidade e falta de seriedade.[3]

A vida moral, afirma-se, significa vida séria. A seriedade, e o cerimonial de seriedade - a bandeira e o juramento à bandeira -, são as características distintivas da sociedade fechada, da sociedade que, por sua própria natureza, é constantemente confrontada e orientada basicamente para o Ernstfall (emergência), o momento sério, o dia M, a guerra. Somente a vida em uma atmosfera tão tensa, somente uma vida que se baseia na constante consciência dos sacrifícios aos quais deve sua existência, e da necessidade, o dever de sacrifício da vida e de todos os bens do mundo, é verdadeiramente humano: o sublime é desconhecido para a sociedade aberta. As sociedades do Ocidente, que afirmam aspirar a uma sociedade aberta, na verdade são sociedades fechadas em um estado de desintegração: seu valor moral, sua respeitabilidade, depende inteiramente de serem sociedades ainda fechadas.

Vamos prosseguir com este argumento um pouco mais. A sociedade aberta, que se afirma, é, na verdade, impossível. Sua possibilidade não é de modo algum provada pelo que se chama de progresso em direção à sociedade aberta. Pois esse progresso é, em grande parte, fictício ou meramente verbal.  Certos fatos básicos da natureza humana que têm sido honestamente reconhecidos pelas gerações anteriores, que costumavam chamar as coisas pelos nomes, são atualmente negadas verbalmente, cobertas superficialmente por ficções legais e outras, por exemplo, pela crença de que se pode abolir a guerra através de pactos não apoiados por forças militares que punem aquele que quebra o pacto, ou chamando ministérios de guerra de ministérios da defesa ou chamando de sanções de punição, ou chamando de pena capital das hochste Strafmass (a penalidade mais alta). A sociedade aberta é moralmente inferior à sociedade fechada também porque a primeira se baseia na hipocrisia.

A convicção subjacente ao protesto contra a civilização moderna não tem basicamente nada a ver com o belicismo, com o amor à guerra; nem com o nacionalismo: pois existiam sociedades fechadas que não eram nações; tem realmente algo a ver com o que é chamado de Estado soberano, na medida em que o Estado soberano oferece o melhor exemplo moderno de uma sociedade fechada no sentido indicado. A convicção que estou tentando descrever, não é, para repetir, em sua origem um amor à guerra: é antes um amor à moralidade, um senso de responsabilidade por uma moralidade ameaçada. Os historiadores em nosso meio sabem que a convicção, ou a paixão, de Glauco, irmão de Platão, protestava apaixonadamente contra a cidade dos porcos, em nome da nobre virtude. Eles sabem disso, acima de tudo, a partir do protesto apaixonado de Jean-Jacques Rousseau contra a civilização indolente e um pouco apodrecida do século do gosto, e do protesto apaixonado de Friedrich Nietzsche contra a civilização também indolente e um pouco apodrecida do século da indústria. Teria sido a mesma paixão - que não haja engano sobre isso - a que se opôs, mesmo que de forma muito mais apaixonada e infinitamente menos inteligente, à suposta ou real corrupção da Alemanha do pós-guerra: contra “os seres subumanos das grandes cidades [Die Untermenschen der Großtadt]”, contra “o bolchevismo cultural” [Kulturbolschewismus]”, etc. Essa paixão, ou convicção, não é por si só niilista, como é mostrado pelos exemplos de Platão e Rousseau, se houver necessidade de exemplos. (Podemos até nos perguntar se não foi uma demanda sólida, lembrando, por exemplo, a decisão dos estudantes de Oxford de não lutar pelo rei e pelo país e alguns fatos mais recentes). Embora não seja niilista em si mesma, e talvez nem totalmente doentia, essa convicção levou, no entanto, ao niilismo na Alemanha do pós-guerra devido a uma série de circunstâncias. Dessas circunstâncias, mencionarei na pesquisa que se segue, apenas aquelas que, a meu ver, não foram suficientemente enfatizadas nas discussões deste seminário nem na literatura sobre o assunto.

Seria preciso ter um talento do qual estou de todo desprovido, o talento de um periodista lírico, para dar àqueles entre vocês que não viveram na Alemanha do pós-guerra uma ideia adequada das emoções que subjazem ao niilismo alemão. Permita-me definir provisoriamente o niilismo como o desejo de destruir o mundo presente e suas potencialidades, um desejo não acompanhado por nenhuma clara concepção do que se quer colocar em seu lugar. E intentemos compreender como tal desejo pode se desenvolver.

Ninguém podia estar satisfeito com o mundo do pós-guerra. A democracia liberal alemã em todas as suas formas parecia, para muitas pessoas, absolutamente incapaz de fazer frente às dificuldades com as quais a Alemanha foi confrontada. Isto criou um profundo preconceito, ou confirmou um profundo preconceito já existente, contra a democracia liberal enquanto tal. Duas alternativas articuladas à democracia liberal foram abertas. Uma era a simples reação, expressa pelo Príncipe Herdeiro Ruprecht, da Baviera, sobre estes termos: "Algumas pessoas dizem que a roda da história não pode voltar atrás. Isto é um erro”. A outra alternativa era mais interessante. Os mais velhos ainda se lembram do tempo em que certas pessoas afirmavam que os conflitos inerentes à situação atual levariam necessariamente a uma revolução, acompanhando ou seguindo outra Guerra Mundial, uma ascensão do proletariado e dos estratos proletários da sociedade, o que levaria ao declínio do Estado, da sociedade sem classes, à abolição de toda exploração e injustiça, à era da paz final. Foi essa perspectiva, ao menos enquanto à desesperança do presente, a que levou ao niilismo. A perspectiva de um planeta pacificado, sem governantes nem governados, de uma sociedade planetária dedicada somente à produção e ao consumo das mercadorias tanto espirituais como materiais, foi categoricamente horripilante para um bom número de alemães muito inteligentes e muito decentes, embora muito jovens. Eles não se opuseram a essa perspectiva porque estavam preocupados com sua própria posição econômica e social; pois certamente a esse respeito eles não tinham mais nada a perder. Tampouco se opuseram por razões religiosas; pois, como disse um de seus porta-vozes (Ernst Jünger), eles sabiam que eram os filhos, netos e bisnetos de homens sem Deus. O que eles odiavam, era a própria perspectiva de um mundo em que todos ficariam felizes e satisfeitos, no qual cada um teria seu pequeno prazer de dia e seu pequeno prazer à noite, um mundo em que nenhum grande coração poderia bater e nenhuma grande alma poderia respirar, um mundo sem sacrifícios reais, não metafóricos, ou seja, um mundo sem sangue, suor e lágrimas. O que para os comunistas parecia ser a realização do sonho da humanidade, apareceu para esses jovens alemães como o maior aviltamento da humanidade, como a chegada do fim da humanidade, como a chegada do último homem. Eles não sabiam realmente, e portanto não conseguiam expressar numa linguagem toleravelmente clara, o que desejavam colocar no lugar do mundo presente e seu futuro ou consequência supostamente necessária: a única coisa de que tinham absoluta certeza era que o mundo presente e todas as potencialidades do mundo presente como tal, deveriam ser destruídos a fim de evitar que a ordem final comunista se tornasse necessária: literalmente qualquer coisa, o nada, o caos, a selva, o oeste selvagem, o estado de natureza Hobbesiano, parecia-lhes infinitamente melhor do que o futuro pacifista-anarquista-comunista. Seu sim foi desarticulado; não eram capazes de dizer mais que: Não! Este “não” se revelou, porém, suficiente como a premissa à ação, à ação destruidora. Este é o fenômeno que me vem à mente cada vez que ouço a expressão niilismo alemão.

É expressamente necessário apontar a falácia cometida pelos jovens em questão. Eles simplesmente assumiram a tese comunista de que a revolução proletária e a ditadura do proletariado são necessárias, para que a civilização não pereça. Mas eles insistiram mais do que os comunistas no caráter condicional da predição comunista (para que a civilização não pereça). Essa condição deixou espaço para escolha: eles escolheram o que, segundo os comunistas, era a única alternativa ao comunismo. Em outras palavras: eles admitiam que todo argumento racional era a favor do comunismo; mas eles se opuseram a esse argumento aparentemente invencível, o que chamaram de "decisão irracional". Desafortunadamente, todos os argumentos racionais que conheciam eram argumentos históricos ou, mais precisamente, afirmações sobre o futuro provável, predições, baseadas em análises do passado e, sobretudo, do presente. Com efeito, esta astrologia moderna, esta ciência social que prevê o porvir, havia se apoderado de grande parte da juventude universitária. Já coloquei em relevo o fato de que os niilistas eram jovens.

Um ou outro pedagogo moderno poderia, talvez, sentir que nem tudo era ruim nesse niilismo. Com efeito, poderia argumentar, não deixa de ser natural que a parte inteligente de uma jovem geração esteja insatisfeita com o que a geração precedente lhe diz para acreditar e que tenha um forte desejo de uma palavra nova, de uma palavra que expresse suas aspirações e de uma palavra extrema, dado que a moderação não é uma virtude da juventude. Ademais, ele poderia dizer, de maneira verossímil, que não é inatural que os jovens, sendo por constituição incapazes de descobrir essa palavra nova, não conseguem expressar em linguagem articulada mais do que a negação das aspirações da velha geração. Um amante dos paradoxos pode ser tentado a afirmar uma afinidade essencial da juventude com o niilismo. Eu deveria ser o último a negar o caráter juvenil desse niilismo específico que tentei descrever. Mas eu devo discordar do pedagogo moderno, tanto mais quanto eu estou convencido de que o mais perigoso para esses jovens foi precisamente o que se chama educação progressista: Antes, eles teriam necessidade de professores antiquados que fossem suficientemente não dogmáticos para entender as aspirações de seus alunos. Desafortunadamente, a confiança a crença no ensino antiquado diminuiu consideravelmente na Alemanha pós-guerra. As incursões que William II fez no antigo e nobre sistema educacional fundado pelos grandes liberais do início do século XIX, não foram interrompidas, mas ampliadas pela República. A isso se pode adicionar a influência da emancipação política dos jovens, o fato frequentemente referido como voto das crianças. Nem devemos esquecer que alguns dos jovens niilistas que se recusaram a submeter-se a uma severa disciplina intelectual eram filhos ou irmãos mais novos de homens e mulheres que tinham sido submetidos ao que pode ser descrito como a disciplina emocional do movimento juvenil, de um movimento que pregava a emancipação da juventude. Nosso século já foi chamado de século da criança: na Alemanha provou ser a idade do adolescente. Desnecessário dizer que não é em todos os casos que o progresso natural da adolescência à senilidade é sempre interrompido por um período, por mais curto que seja, de maturidade. O declínio da reverência pela velhice encontrou sua expressão mais reveladora na vergonhosa referência de Hitler à morte iminente do idoso Presidente Hindenburg.

Fiz alusão ao fato de que os jovens niilistas eram ateístas. Em termos gerais, antes da Guerra Mundial, o ateísmo era uma reserva da esquerda radical, assim como ao longo da história o ateísmo esteve ligado ao materialismo filosófico. A filosofia alemã era predominantemente idealista, e os idealistas alemães eram teístas ou panteístas. Schopenhauer foi, que eu saiba, o primeiro filósofo alemão não materialista e conservador que professou abertamente seu ateísmo. Mas a influência de Schopenhauer desvanece-se em insignificância, se comparada com a de Nietzsche. Nietzsche afirmou que a suposição ateísta não só é conciliável, mas indispensável para uma política radical antidemocrática, anti-socialista e anti-pacifista: Segundo ele, mesmo o credo comunista é apenas uma forma secularizada de teísmo, da crença na providência. Não há outro filósofo cuja influência no pensamento alemão do pós-guerra seja comparável ao de Nietzsche, do ateísta Nietzsche. Não consigo me debruçar sobre este importante ponto, já que não sou teólogo. Um cavalheiro que é muito mais versado na teologia do que eu - o professor Carl Mayer da Faculdade de Pós-Graduação - certamente dedicará a este aspecto do niilismo alemão toda a atenção que exige em um artigo a ser publicado na revista Social Research.

Os adolescentes dos quais estou falando, precisavam de professores que pudessem explicar para eles em linguagem articulada o positivo, e não o meramente destrutivo, significado de suas aspirações. Eles acreditavam ter encontrado tais professores naquele grupo de professores e escritores que, conscientemente ou por ignorância, abriram o caminho para Hitler (Spengler, Moeller van den Bruck, Carl Schmitt, [ilegível], Ernst Jünger, Heidegger). Se quisermos entender o singular sucesso, não de Hitler, mas daqueles escritores, devemos lançar um rápido olhar sobre seus oponentes que foram ao mesmo tempo os oponentes dos jovens niilistas. Esses oponentes cometeram frequentemente um grave erro. Eles acreditavam ter refutado o Não refutando o Sim, ou seja, as afirmações inconsistentes, se não bobas, positivas dos jovens. Mas não se pode refutar o que não se entendeu completamente. E muitos oponentes nem sequer tentaram compreender a paixão ardente que estava por detrás da negação daquele mundo e de suas potencialidades. Como consequência, as próprias refutações confirmaram a crença dos niilistas; todas essas refutações pareciam suscitar a pergunta; a maioria das refutações parecia consistir de pueris decantata, de repetições de coisas que os jovens já sabiam de cor. Esses jovens tinham chegado a duvidar seriamente, e não apenas metodicamente ou metodologicamente, dos princípios da civilização moderna: era evidente que somente os oponentes que soubessem dessa dúvida por sua própria experiência teriam sido ouvidos pelos jovens. Aqueles que através de anos de pensamento duro e independente haviam superado a dúvida. Muitos oponentes não satisfaziam essa condição. Eles foram educados na crença nos princípios da civilização do moderna; e uma crença na qual se é educado, é apta a degenerar em preconceito. Consequentemente, a atitude dos oponentes dos jovens niilistas tendeu a se tornar apologética. Assim, aconteceu que os defensores mais ardentes do princípio do progresso, de um princípio essencialmente agressivo, foram obrigados a tomar uma posição defensiva; e, no reino da mente, tomar uma posição defensiva se parece com admitir a derrota. As ideias da civilização moderna pareciam, para a geração jovem,  ser as ideias antigas; assim, os adeptos do ideal de progresso estavam na posição incômoda na qual eles tinham que resistir, à maneira dos conservateurs, ao que, nesse tempo, foi chamado de a onda do futuro. Eles deram a impressão de estarem carregados com o pesado fardo de uma tradição arcaica, idosa e um pouco empoeirada, enquanto os jovens niilistas, não prejudicados por nenhuma tradição, tinham total liberdade de movimento - e nas guerras da mente não menos do que nas guerras reais, a liberdade de ação significa vitória. Os oponentes dos jovens niilistas tinham todas as vantagens, mas do mesmo modo, também todas as limitações da classe com propriedade intelectual confrontada pelo proletário intelectual, o cético. A situação da civilização moderna em geral, e de sua espinha dorsal, que é a ciência moderna, tanto natural quanto civil em particular, parecia ser comparável à da escolástica pouco antes do surgimento da nova ciência do século XVII: a perfeição técnica dos métodos e da terminologia da velha escola, incluindo o comunismo, parecia ser um argumento forte contra a velha escola. Pois a perfeição técnica é capaz de esconder os problemas básicos. Ou, se desejar, a ave da deusa da sabedoria começa seu voo somente quando o sol está se pondo. Era certamente característico do pensamento alemão do pós-guerra que a produção de termos técnicos, em nenhum momento insignificante na Alemanha, atingisse proporções astronômicas. A única resposta que poderia ter impressionado a jovens niilistas, tinha que ser dada em linguagem não técnica. Foi dada apenas uma resposta que foi adequada e que teria impressionado os jovens niilistas se eles a tivessem ouvido. No entanto, não foi dada por um alemão e foi dada no somente no ano de 1940.  Aqueles jovens que se recusaram a acreditar que o período após o salto para a liberdade, após a revolução comunista mundial, seria o melhor momento da humanidade em geral e da Alemanha em particular, teriam ficado impressionados tanto quanto nós, pelo que Winston Churchill disse após a derrota em Flandres sobre o melhor momento da Grã-Bretanha. Pois, um de seus maiores professores havia lhes ensinado a ver na [derrota] de Cannae o maior momento da vida daquela glória que foi a Roma antiga.

Tentei circunscrever a situação intelectual e moral na qual surgiu um niilismo que nem sempre foi vil em sua origem. Além disso, tomo por certo que nem tudo a que os jovens niilistas se opunham, não era objetável, e que nem todos os escritores ou oradores que eles desprezavam eram respeitáveis. Tenhamos cuidado com um senso de solidariedade privado de discernimento. E não esqueçamos que o mais alto dever do estudioso, a veracidade ou a justiça, não reconhece limites. Não hesitemos então em olhar um momento para o fenômeno que eu chamei niilismo, do ponto de vista dos próprios niilistas. "Niilismo", diriam eles, é um slogan usado por aqueles que não compreendem o novo, que veem apenas a rejeição de seus ideais queridos, a destruição de sua propriedade espiritual, que julgam o novo por suas primeiras palavras e atos, que são, por necessidade, uma caricatura e não uma expressão adequada. Como pode um homem razoável esperar uma expressão adequada do ideal de uma nova época em seu início, considerando que a coruja de Minerva começa seu voo quando o sol se põe? Os nazistas? Hitler? Quanto menos se fala dele, melhor. Ele logo será esquecido. Ele é apenas a ferramenta bastante desprezível da "História": a parteira que assiste ao nascimento da nova época, de um novo espírito; e uma parteira geralmente não entende nada do gênio cujo nascimento ela assiste; ela nem mesmo é suposta ser uma ginecologista competente. Uma nova realidade está em construção; ela está transformando o mundo inteiro; entretanto, há: nada, mas - um nada fértil. Os nazistas são tão insubstanciais quanto as nuvens; o céu está escondido no momento por aquelas nuvens que anunciam uma tempestade devastadora, mas ao mesmo tempo a chuva tão necessária que trará nova vida ao solo seco; e (aqui estou quase citando) não perdem a esperança; o que lhe parece o fim do mundo, é apenas o fim de uma época, da época que começou em 1517 aproximadamente. Confesso francamente, não vejo como aqueles que podem resistir à voz daquela sereia que espera a resposta à primeira e última pergunta da "História", do futuro como tal, que confundem análise do presente, passado ou futuro com filosofia; que acreditam em um progresso em direção a um objetivo que é em si progressivo e, portanto, indefinível; que não são guiados por um padrão conhecido e estável: por um padrão que é estável e não é capaz de mudar, e que é conhecido e não apenas acreditado. Em outras palavras, a falta de resistência ao niilismo parece ser devida, em última instância, à depreciação e ao desprezo pela razão, que é única e imutável ou não é ela mesma, e pela ciência. Pois se a razão é mutável, ela depende das forças que provocam suas mudanças; é uma serva ou escrava das emoções; e será difícil fazer uma distinção que não seja arbitrária, entre emoções nobres e emoções básicas, uma vez que se tenha negado o domínio da razão. Um alemão que podia se gabar de uma vida inteira de relações íntimas com o pai super humano de todo niilismo, nos informou como confiável, como sempre somos informados por qualquer autor inspirado, que o promotor de todo niilismo admitiu: "Basta desprezar a razão e a ciência, o mais alto poder do homem, e estou com você completamente".

Tive que condensar uma série de lembranças do que ouvi, vi, e li enquanto vivia na Alemanha, nas observações fragmentárias anteriores, porque tinha que transmitir uma impressão de um movimento irracional e das reações frequentemente irracionais a ele, em vez de um argumento fundamentado. Cheguei, entretanto, ao ponto em que posso me aventurar a apresentar uma definição de niilismo. Eu faço isso não sem receio. Não porque a definição que eu vou sugerir, não está à altura das exigências de uma definição ordenada (pois sei que pecados desse tipo são os que são mais facilmente perdoados); nem porque é de alguma forma novidade, mas precisamente pela razão oposta. Parecerá à maioria de vocês que é um lugar comum e que consiste em lugares comuns. A única coisa que eu posso dizer para me justificar é isto: Eu esperava encontrar uma definição de niilismo como uma coisa corrente no conhecido livro do Sr. Rauschning. Somente o meu fracasso em descobrir tal definição nesse livro, me dá a coragem de me entregar ao que vocês considerarão uma trivialidade, uma necessária trivialidade.

Direi então: O niilismo é a rejeição dos princípios da civilização como tal. Um niilista é, então, um homem que conhece os princípios da civilização, ainda que apenas de forma superficial. Um homem meramente incivilizado, um selvagem, não é um niilista. Isto é, a diferença entre Ariovistus, o chefe teutônico que César derrotou, e Hitler que de outra forma tem em comum as qualidades características do bárbaro perfeito (arrogância e crueldade). O soldado romano que desbravou os círculos de Arquimedes, não era um niilista, mas apenas um soldado. Eu disse civilização, e não: cultura. Pois tenho notado que muitos niilistas são grandes amantes da cultura, distinguindo-se da civilização e se opondo a ela. Além disso, o termo cultura deixa indeterminado o que é a coisa a ser cultivada (sangue e solo ou a mente), enquanto o termo civilização designa imediatamente o processo de fazer do homem um cidadão, e não um escravo; um habitante de cidades, e não um rústico; um amante da paz, e não da guerra; um ser educado, e não um rufião. Uma comunidade tribal pode possuir uma cultura, ou seja, produzir, e desfrutar, hinos, canções, ornamento de suas roupas, de suas armas e cerâmica, danças, contos de fadas e, no entanto, pode não ser civilizada. Me pergunto se o fato de o homem ocidental ter perdido muito de seu antigo orgulho, um orgulho quieto e devoto de ser civilizado, não está na origem da atual falta de resistência ao niilismo.

Vou tentar ser um pouco mais preciso. Por civilização, entendemos a cultura consciente da humanidade, ou seja, daquilo que faz de um ser humano um ser humano, ou seja, a cultura consciente da razão. A razão humana é ativa, sobretudo, de duas maneiras: como reguladora da conduta humana e como tentativa de entender o que quer que o homem possa entender; como razão prática, e como razão teórica. Os pilares da civilização são, portanto, a moral e a ciência, e ambos unidos. A ciência sem a moral degenera em cinismo, e assim destrói a base do esforço científico em si; e a moral sem ciência degenera em superstição e assim está apto a tornar-se crueldade fanática. A ciência é a tentativa de compreender o universo e o homem; é, portanto, idêntica à filosofia; não é necessariamente idêntica à ciência moderna. Pela moral, entendemos as regras de conduta decente e nobre, como um homem razoável as entenderia; essas regras são por sua natureza aplicáveis a qualquer ser humano, embora possamos admitir a possibilidade de que nem todos os seres humanos tenham uma aptidão natural igual para uma conduta decente e nobre. Mesmo os céticos mais radicais não podem de tempos em tempos desprezar, ou pelo menos desculpar, esta ou aquela ação e este ou aquele homem; uma análise completa do que está implícito em tal ação de desprezar, ou mesmo desculpar, levaria àquela visão bem conhecida da moral que eu esbocei. Para nosso propósito atual, será suficiente se eu ilustrar a conduta decente e nobre com a observação de que é igualmente distante da incapacidade de infligir dor física ou de outra natureza, como de derivar o prazer de infligir dor. Ou pela outra observação de que uma conduta decente e nobre tem de agir não tanto com o objetivo natural do homem, mas com os meios para esse objetivo: a visão de que o fim santifica os meios, é uma expressão toleravelmente completa de imoralismo.

Eu excluí deliberadamente a "arte" da definição de civilização. Hitler, o campeão mais conhecido do niilismo, é famoso por seu amor pela arte e é até mesmo um artista. Mas nunca ouvi dizer que ele tinha algo a ver com a busca da verdade ou com qualquer tentativa de incutir as sementes da virtude nas almas de seus súditos. Estou confirmado neste preconceito em relação a "arte" pela observação de que os pais fundadores da civilização que nos ensinaram o que é ciência e o que é moral, não conheciam o termo arte como está em uso desde cerca de 180 anos, nem o termo, e a disciplina, estética que é de origem igualmente recente. Isto não é para negar, mas para afirmar, que existem relações estreitas entre ciência e moral de um lado, e poesia e outras artes imitativas do outro; mas essas relações são necessariamente mal compreendidas, em detrimento tanto da ciência e moral quanto da poesia, se ciência e moral não forem considerados os pilares da civilização.

A definição que sugeri, tem outra implicação, ou vantagem, o que devo deixar explícito. Eu tentava definir, no início, niilismo como o desejo de destruir a civilização atual, a civilização moderna. Por minha segunda definição, pretendo deixar claro que não se pode chamar ao crítico mais radical da civilização moderna como tal, de niilista.

A civilização é a cultura consciente da razão. Isto significa que a civilização não é idêntica à vida humana ou à existência humana. Havia, e há, muitos seres humanos que não participam da civilização. A civilização tem uma base natural que encontra, que não cria, da qual depende, e da qual tem apenas uma influência muito limitada. A conquista da natureza, se não for tomada como um exagero altamente poético, é uma expressão sem sentido. A base natural da civilização se mostra, por exemplo, no fato de que todas as comunidades civilizadas, assim como as não civilizadas, necessitam de força armada que devem usar contra seus inimigos de fora e contra os criminosos de dentro.

Presumo que não seja necessário provar que o niilismo no sentido definido é dominante na Alemanha e que o niilismo caracteriza atualmente a Alemanha mais do que qualquer outro país. O Japão, por exemplo, não pode ser tão niilista quanto a Alemanha, porque o Japão tem sido muito menos civilizado no sentido definido do que era a Alemanha. Se o niilismo é a rejeição dos princípios da civilização como tal, e se a civilização se baseia no reconhecimento do fato de que a matéria da civilização é o homem como homem, toda interpretação da ciência e da moral em termos de raças, ou de nações, ou de culturas, é, estritamente falando, niilista. Quem aceita a ideia de uma ciência nórdica, alemã ou fáustica, por exemplo, rejeita eo ipso a ideia de ciência. Diferentes "culturas" podem ter produzido diferentes tipos de "ciência"; mas apenas uma delas pode ser verdadeira, pode ser ciência. A implicação niilista da interpretação nacionalista da ciência em particular pode ser descrita de forma um pouco diferente nos termos a seguir. A civilização é inseparável do aprendizado, do desejo de aprender com qualquer pessoa que possa nos ensinar algo que valha a pena. A interpretação nacionalista da ciência ou da filosofia implica que não podemos realmente aprender nada que valha a pena com pessoas que não pertencem à nossa nação ou à nossa cultura. Os poucos gregos que geralmente temos em mente quando falamos dos gregos, se distinguiram dos bárbaros, por assim dizer exclusivamente por sua disposição de aprender até mesmo com os bárbaros; enquanto o bárbaro, tanto o não-grego como o grego, acredita que todas as suas questões são resolvidas por, ou com base em, sua tradição ancestral. Naturalmente, um homem que se limite a afirmar que uma nação pode ter uma maior aptidão para compreender fenômenos de um certo tipo do que outras nações, não seria um niilista: não o destino acidental da ciência ou da moral, mas sua intenção essencial é decisiva para a definição da civilização e com ela do niilismo.

Os niilistas em geral, e os niilistas alemães em particular, rejeitam os princípios da civilização como tal. A questão se coloca, em favor do que os niilistas alemães rejeitam esses princípios? Vou tentar responder a essa pergunta para começar com base no livro do Sr. Rauschning. Isto me dará uma oportunidade de elucidar um pouco mais a definição anterior de niilismo.

O Sr. Rauschning chamou a política externa e interna dos nazistas de "a revolução do niilismo". Isto significa: não é, como afirma ser, "uma nova ordem em construção", mas "a exploração esbanjadora e destrutiva de recursos insubstituíveis, materiais, mentais e morais, acumulados através de gerações de trabalho frutífero" (XI). Isso significaria que N.S.[4] é niilista em seu efeito, mas não significa necessariamente que é niilista em sua intenção. O que Rauschning diz nesta passagem citada a respeito dos nazistas pode ser concebido também em relação à revolução comunista. E ainda assim, não se pode chamar o comunismo de um movimento niilista. Se a revolução comunista é niilista, isto está em suas consequências, mas não em sua intenção. Isto me faz lembrar outra observação de Rauschning: ele identifica o niilismo com a "destruição de todos os padrões espirituais tradicionais" (XII). O que eu contesto é o uso do termo tradicional na definição de niilismo. É evidente que nem todos os padrões espirituais tradicionais estão, por sua natureza, além da crítica e até mesmo da rejeição: buscamos o que é bom, e não o que herdamos, para citar Aristóteles. Em outras palavras, acredito que é perigoso, se os opositores do Nacional Socialismo se retirarem para um mero conservadorismo que define seu objetivo final por uma tradição específica. A tentação de voltar de um presente inexpressivo sobre um passado expressivo - e todo passado é como tal expressivo - é muito grande, de fato. Não devemos, entretanto, ceder a essa tentação, se não por outra razão, pelo menos por isso, que a tradição ocidental não é tão homogênea quanto pode parecer, desde que se esteja envolvido em polêmicas ou em apologéticas. Para citar um exemplo entre muitos: a grande tradição da qual Voltaire é um representante, é difícil de reconciliar com a tradição da qual Bellarmine é um representante, mesmo que ambas as tradições devam ser igualmente hostis ao nacional-socialismo. Além disso, eu gostaria que o Sr. Rauschning não tivesse falado de padrões espirituais; isto lembra o ponto de vista segundo o qual o materialismo é essencialmente niilista; eu acredito que o materialismo é um erro, mas eu só tenho que lembrar os nomes de Demócrito e Hobbes a fim de perceber que o materialismo não é essencialmente niilista. Sem mencionar o fato de que um certo anti-materialismo ou idealismo está no fundo do niilismo alemão.

Rauschning opera em um terreno um pouco mais seguro quando ele enfatiza a falta de objetivos estabelecidos por parte dos nazistas. Ele entende então pelo niilismo alemão a "revolução permanente da pura destruição" em nome da destruição, uma "revolução em nome próprio". (248)[5]. Ele enfatiza a "falta de objetividade" dos nazistas; ele diz que eles não têm nenhum programa exceto ação; que eles substituem a doutrina por tática (75); ele chama sua revolução de "uma revolução sem doutrina" (55); ele fala da "rejeição total" pelos nazistas "de qualquer tipo de doutrina" (56). Isto parece ser um exagero. Em outra parte, Rauschning diz: "Uma coisa o Nacional-socialismo não é: uma doutrina ou filosofia. No entanto, ele tem uma filosofia". (23). Ou: "a luta contra o judaísmo, embora seja um elemento central não só nas considerações materiais, mas também nas de política cultural, faz parte da doutrina partidária." (22).

Sua política anti-judaica parece ser levada a sério pelos nazistas. Mas mesmo se fosse verdade, que nenhum ponto do programa original do partido ou da doutrina do partido tinha um significado mais do que provisório e tático, ainda deveríamos estar sem entender um partido, um governo, um Estado - não meramente sem um programa ou doutrina - mas sem nenhum objetivo. Pois parece difícil conceber como qualquer ser humano pode agir sem ter um objetivo. John Dillinger provavelmente não tinha programa, mas sem dúvida tinha um objetivo. Em outras palavras: Rauschning não considerou com cuidado suficiente a diferença entre programa e objetivo. Se ele define o niilismo como um movimento político sem objetivos, então ele define uma não entidade; se ele define o niilismo como um movimento político sem um programa ou doutrina, então ele teria que chamar todos os oportunistas de niilistas, o que seria muito pouco indulgente para ser verdade.

Na verdade, Rauschning nem sempre nega que os nazistas tenham objetivos: "uma revolução permanente de pura destruição por meio da qual uma ditadura de força bruta se mantém no poder". Aqui, Rauschning afirma o objetivo dos nazistas: esse objetivo é seu poder; eles não destroem para destruir, mas para se manterem no poder. Agora, para se manterem no poder, eles dependem, em certa medida, de sua capacidade de fazer seus súditos, os alemães, felizes, de sua capacidade de satisfazer as necessidades dos alemães. Isto significa, na situação atual, que, para se manterem no poder, eles devem adotar uma política de agressão, uma política voltada para o domínio do mundo.

Rauschning corrige sua observação sobre a falta de objetividade dos nazistas dizendo que "os objetivos alemães são indefinidos até hoje apenas porque são infinitos". Seu "objetivo" é "o império totalitário mundial" (58). Eles não têm apenas objetivos, seus objetivos formam até mesmo uma hierarquia que conduz a um objetivo principal: "o objetivo principal, a redistribuição do mundo". O niilismo alemão, como descrito por Rauschning, é então a aspiração à dominação do mundo exercida pelos alemães que, por sua vez, são dominados por uma elite alemã; essa aspiração se torna niilista, porque usa qualquer meio para atingir seu fim e assim destrói tudo que faz a vida valer a pena para qualquer ser decente ou inteligente. Por mais baixa que seja a nossa opinião sobre os nazistas, estou inclinado a acreditar que eles desejam a dominação alemã do mundo não apenas como um meio para se manterem no poder, mas que eles extraem, por assim dizer, um prazer desinteressado da perspectiva daquele objetivo glamouroso "a Alemanha governando o mundo". Eu deveria até ir um passo mais além e dizer que os nazistas provavelmente derivam um prazer desinteressado do aspecto daquelas qualidades humanas que permitem nações a conquistar. Estou certo de que os nazistas consideram qualquer piloto de um bombardeiro ou qualquer comandante de submarino absolutamente superior em dignidade humana a qualquer vendedor ambulante ou a qualquer médico ou ao representante de qualquer outra ocupação relativamente pacífica. Pois, um niilista alemão muito mais inteligente e muito mais educado do que o próprio Hitler declarou: " Mas que espécie de espíritos são aqueles que nem mesmo sabem que nenhum espírito pode ser mais profundo e mais sábio do que o de qualquer soldado que caiu em algum lugar no Somme ou em Flandem? Este é o padrão de que precisamos. ("Was aber sind das für Geister, die noch nicht einmal wissen, dass kein Geist tiefer und wissender sein kann als der jedes beliebigen Soldaten, der irgendwo an der Somme oder in Flandem fiel? Dies ist der Massstab, dessen wir bedurftig sind" Junger, Der Arbeiter, 20 1.) A admiração do guerreiro como um tipo, a preferência incondicional dada ao guerreiro como guerreiro, no entanto, não é apenas genuína no Niilismo alemão: é até mesmo sua característica distintiva. Nossa pergunta: em favor do que o niilismo alemão rejeita os princípios da civilização como tal deve, portanto, ser respondida com a afirmação: que rejeita esses princípios em favor das virtudes militares. Isto é o que o Sr. Rauschning deve ter tido em mente ao falar de "niilismo heróico" (21).

A guerra é um negócio destrutivo. E se a guerra é considerada mais nobre do que a paz, se a guerra, e não a paz, é considerada o objetivo, o objetivo é, para todos os fins práticos, nada mais que a destruição. Há razões para acreditar que o negócio de destruir, matar e torturar é fonte de um prazer quase desinteressado para os nazistas como tal, que eles derivam um prazer genuíno do aspecto dos fortes e impiedosos que subjugam, exploram e torturam os fracos e indefesos.

O niilismo alemão rejeita então os princípios da civilização como tais em favor da guerra e da conquista, em favor das virtudes bélicas. O niilismo alemão é, portanto, semelhante ao militarismo alemão. Isto nos obriga a levantar a questão do que é o militarismo. O militarismo pode ser identificado como a opinião expressa por Moltke, o velho, nestes termos: “A paz eterna é um sonho e nem mesmo é um belo sonho.” Acreditar que a paz eterna é um sonho, não é militarismo, mas talvez um puro senso comum; de qualquer forma, não está ligada a um gosto moral particular. Mas acreditar que a paz eterna não é um belo sonho, equivale a acreditar que a guerra é algo desejável em si mesma; e acreditar que a guerra é algo desejável em si mesma, revela uma disposição cruel e desumana. A visão de que a guerra é boa em si mesma, implica a rejeição da distinção entre guerras justas e injustas, entre guerras de defesa e guerras de agressão. Em última análise, é inconciliável com a própria ideia de um direito das nações.

 O niilismo alemão é semelhante ao militarismo alemão, mas não é idêntico a ele. O militarismo sempre fez pelo menos a tentativa de conciliar o ideal de guerra com a cultura (Kultur); o niilismo, entretanto baseia-se na suposição de que a cultura (Kultur) está acabada. O militarismo sempre reconheceu que as virtudes da paz são igualmente dignas, ou quase de igualmente dignas, em relação às virtudes da guerra. Ao negar que as regras de decência não podem ser aplicadas à política externa, ela nunca negou a validade dessas regras no que diz respeito à política doméstica ou à vida privada. Nunca afirmou que a ciência é essencialmente nacional; apenas afirmou que os alemães são os professores das raças menores. O niilismo alemão, por outro lado, afirma que as virtudes militares, e em particular a coragem como a capacidade de suportar qualquer dor física, a virtude do índio vermelho, é a única virtude que resta (ver o ensaio de Jünger sobre dor em Blätter und Steine). A única virtude que resta: a implicação é que vivemos em uma era de declínio, do declínio do Ocidente, em uma era de civilização tão distinta e oposta à cultura; ou em uma era da sociedade mecânica tão distinta e oposta à comunidade orgânica. Nessa condição de rebaixamento, apenas a virtude mais elementar, a primeira virtude, aquela virtude com a qual o homem e a sociedade humana permanecem e caem, é capaz de crescer. Ou, para expressar o mesmo ponto de vista de maneira um pouco diferente: numa era de corrupção total, o único remédio possível é destruir o edifício da corrupção "das System" e retornar à origem ainda não corrompida e, por assim dizer, incorruptível, à condição não da real, mas da cultura potencial ou civilização: a virtude característica dessa fase da cultura ou civilização meramente potencial, do estado de natureza, é a coragem e nada mais. O niilismo alemão é então uma forma radicalizada de militarismo, e a radicalização se deve ao fato de que durante a última geração o julgamento romântico sobre todo o desenvolvimento moderno e, portanto, em particular sobre o presente, tornou-se muito mais amplamente aceito do que jamais foi na Alemanha do século XIX. Por julgamento romântico, entendo um julgamento que é guiado pela opinião de que existiu uma ordem absolutamente superior de coisas humanas durante algum período do passado registrado.

Por maior que seja a diferença entre o militarismo alemão e o niilismo alemão: o parentesco entre as duas aspirações é óbvio. O militarismo alemão é o pai do niilismo alemão. Uma compreensão completa do niilismo alemão exigiria, portanto, uma compreensão completa do militarismo alemão. Por que a Alemanha tem uma aptidão tão particular para o militarismo? Algumas observações, extremamente esquemáticas, devem ser suficientes.

Para explicar o militarismo alemão, não basta referir-se ao fato de que a civilização alemã é consideravelmente mais jovem que a civilização das nações ocidentais, que a Alemanha está, portanto, visivelmente mais próxima da barbárie do que os países ocidentais. Pois a civilização das nações eslavas ainda é mais jovem do que dos alemães, e as nações eslavas não parecem ser tão militaristas como são os alemães. Para descobrir a raiz do militarismo alemão, poderia ser mais sábio ignorar a pré-história da civilização alemã, e olhar para a própria história da civilização alemã. A Alemanha chegou ao apogeu de sua erudição e de seu pensamento durante o período de 1760 a 1830; ou seja, após a elaboração do ideal da civilização moderna ter sido quase completamente concluída, e enquanto uma revisão desse ideal, ou uma reação a esse ideal, acontecia. O ideal da civilização moderna é de origem inglesa e francesa; não é de origem alemã. O que significa esse ideal é, naturalmente, uma questão altamente controversa. Se não estou muito enganado, pode-se definir a tendência do desenvolvimento intelectual que explodiu na Revolução Francesa, nos seguintes termos: baixar os padrões morais, as reivindicações morais, que anteriormente tinham sido feitas por todos os professores responsáveis, mas ter mais cuidado do que os professores anteriores tinham feito, para colocar em prática, na ação política e jurídica, as regras de conduta humana. A maneira mais eficaz de conseguir isso foi a identificação da moralidade com uma atitude de reivindicação de direitos, ou com interesse próprio esclarecido, ou a redução da honestidade à melhor política; ou a solução do conflito entre interesse comum e interesse privado por meio da indústria e do comércio. (Os dois filósofos mais famosos: Descartes, sua generosidade, sem justiça e sem deveres; Locke: onde não há propriedade, não há justiça). Contra esse rebaixamento da moral, e contra o concomitante declínio de um espírito verdadeiramente filosófico, o pensamento da Alemanha se levantou, para a honra duradoura da Alemanha. No entanto, foi exatamente esta reação ao espírito dos dias do século XVII e XVIII que lançou os alicerces do militarismo alemão, na medida em que ele é um fenômeno intelectual. Opondo-se à identificação do bem moral com o objeto de interesse próprio esclarecido, por mais esclarecidos que sejam, os filósofos alemães insistiram na diferença entre o bem moral e o interesse próprio, entre o honestum e o utile; insistiram no auto sacrifício e na abnegação, insistiram tanto nisso, que estavam aptos a esquecer o objetivo natural do homem que é a felicidade; felicidade e utilidade, assim como o senso comum, (Verstdändigkeit), se tornaram quase nomes ruins na filosofia alemã. Agora, a diferença entre o nobre e o útil, entre o dever e o interesse próprio é mais visível no caso de uma virtude, coragem, virtude militar: a consumação das ações de cada outra virtude é, ou pode ser, recompensada; na verdade compensa ser justo, temperado, urbano, magnânimo etc.; a consumação das ações de coragem, ou seja, a morte no campo da honra, a morte pelo próprio país, nunca é recompensada: é a flor do auto sacrifício. A coragem é a única virtude inequivocamente não utilitária. Na defesa da moral ameaçada, ou seja, da moral não mercenária, os filósofos alemães foram tentados a exagerar a dignidade da virtude militar e, em casos muito importantes, nos casos de Fichte, Hegel e Nietzsche, eles sucumbiram a essa tentação. Nesta e em várias outras formas, a filosofia alemã criou uma tradição peculiarmente germânica de desprezo pelo senso comum e pelos objetivos da vida humana, como são visualizados pelo senso comum.

Por mais profunda que seja a diferença entre a filosofia alemã e a filosofia dos países ocidentais: A filosofia alemã, em última análise, foi concebida como uma síntese do ideal pré-moderno e do ideal do período moderno. Essa síntese não funcionou: na segunda metade do século XIX, ela foi invadida pelo positivismo ocidental, o filho natural do iluminismo. A Alemanha tinha sido educada por seus filósofos em menosprezo pela filosofia ocidental (Je méprise Locke, é um ditado de Schelling); ela agora observava que a síntese feita por seus filósofos, do ideal pré-moderno e do ideal moderno não funcionava; ela não via saída a não ser purificar completamente o pensamento alemão da influência das ideias da civilização moderna, e para retornar ao ideal pré-moderno. O nacional-socialismo é o mais famoso, porque o mais vulgar, exemplo de um tal retorno a um ideal pré-moderno. Em seu mais alto nível, foi um retorno ao que se pode chamar de fase pré-literária da filosofia, a filosofia pré-socrática. Em todos os níveis, o ideal pré-moderno não era um verdadeiro ideal pré-moderno, mas um ideal pré-moderno tal como interpretado pelos idealistas alemães, ou seja, interpretado com uma intenção polêmica contra a filosofia dos séculos XVII e XVIII, e, portanto, distorcido. De todos os filósofos alemães, e de fato de todos os filósofos, nenhum exerceu uma influência maior na Alemanha do pós-guerra, nenhum foi mais responsável pelo surgimento do niilismo alemão, do que Nietzsche. A relação de Nietzsche com a revolução nazista alemã é comparável à relação de Rousseau com a revolução francesa. Isto quer dizer: ao interpretar Nietzsche à luz da revolução alemã, alguém pode ser muito injusto com Nietzsche, mas não seria absolutamente injusto. Talvez não seja errado citar uma ou outra passagem de “Para Além de Bem e Mal”, que estão relacionadas ao nosso assunto: "Não são uma raça filosófica, estes ingleses". Bacon representa um ataque ao espírito filosófico enquanto tal. Hobbes, Hume e Locke são uma degradação e rebaixamento do próprio conceito de "filósofo" por mais de um século. Contra Hume, Kant se levantou e se destacou. Foi Locke, de quem Schelling tinha o direito de dizer Je méprise Locke. Na luta contra a interpretação mecanicista inglesa da natureza [Newton], Hegel, Schopenhauer e Goethe foram unânimes.” “Que o que se chama de ideias modernas, ou as ideias do século 18, ou mesmo as ideias francesas, esse ideal, em uma palavra, contra o qual o espírito alemão se levantou com profunda repugnância é de origem inglesa, não pode haver dúvidas sobre isso. Os franceses têm sido meramente os imitadores e atores dessas ideias, além de seus melhores soldados e, também, infelizmente, suas primeiras e mais completas vítimas.” (aforismo 252 f.) Creio que Nietzsche esteja substancialmente correto ao afirmar que a tradição alemã é muito crítica em relação aos ideais da civilização moderna, e esses ideais são de origem inglesa. Ele esquece, porém, de acrescentar que os ingleses quase sempre tiveram a prudência e a moderação de não jogar fora o bebê com o banho, ou seja, a prudência de conceber os ideais modernos como uma adaptação razoável do velho e eterno ideal da decência, do Estado de direito e daquela liberdade que não é licença, à mudança das circunstâncias. Essa agilidade, essa travessura, essa travessia da ponte quando se chega a ela, pode ter causado algum dano ao radicalismo do pensamento inglês; mas provou ser uma bênção para a vida inglesa; os ingleses nunca se permitiram essas rupturas radicais com as tradições que desempenharam um papel tão importante no continente. O que pode estar errado com o ideal peculiarmente moderno: os próprios ingleses que o originaram, foram ao mesmo tempo versados na tradição clássica, e os ingleses sempre guardaram uma quantidade substancial da contraproposta necessária. Embora os ingleses tenham dado origem ao ideal moderno ― o ideal pré-moderno, o ideal clássico da humanidade, não foi em nenhum outro lugar melhor preservado do que em Oxford e em Cambridge.

A atual guerra anglo-alemã é então de significado simbólico. Ao defender a civilização moderna contra o niilismo alemão, os ingleses estão defendendo os princípios eternos da civilização. Ninguém pode dizer qual será o resultado desta guerra. Mas isto é claro, sem qualquer dúvida: ao escolher Hitler como seu líder no momento crucial, em que a questão de quem deve exercer o governo militar se tornou a ordem do dia, os alemães deixaram de ter qualquer reivindicação legítima de serem mais do que uma nação provincial; são os ingleses, e não os alemães, que merecem ser, e permanecer uma nação imperial: pois apenas os ingleses, e não os alemães, entenderam que para merecer exercer o domínio imperial, regere imperio populos, deve-se ter aprendido por muito tempo a poupar os vencidos e a esmagar os arrogantes: parcere subjectis et debellare superbos.[6]

Contribuições de autoria

1 – Autor: Eli Vagner Francisco Rodrigues

Contribuição: Tradução e comentários (notas)



[1] Nota do tradutor: A tradução que ora apresento corresponde ao original datilografado, German Nihilism, que foi usado como texto básico para uma palestra do Prof. Leo Strauss no General Seminar of the Graduate Faculty of Political and Social Science of the New School for Social Research in New York em fevereiro de 1941 editado pelos professores David Janssens (Vrije Universiteit Brussel) e Daniel Tanguay (University of Ottawa) e publicado na revista Interpretation A Journal of Political Philosophy Spring 1999 Volume 26 Number 3. O texto apresenta especial relevância para estudiosos da filosofia alemã por enfocar diretamente o tema da influência de ideias filosóficas e literárias, sobretudo de alguns aspectos do idealismo alemão e das chamadas filosofias que, de alguma forma, foram caracterizadas como voluntaristas e niilistas, sobre a formação e desenvolvimento de fundamentos ideológicos do nacional socialismo. O professor Leo Strauss faz menção às filosofias de Schopenhauer e de Nietzsche e deixa claro sua posição em relação à suposta influência dessas duas filosofias sobre o clima intelectual da Alemanha no período que antecedeu a ascensão do nacional socialismo. Schopenhauer é citado como o primeiro filósofo não materialista e conservador a professar abertamente seu ateísmo. O Professor Leo Strauss destaca que, a parte isso, de fato, sua influência não foi grande nesse contexto político de formação do pensamento nacional-socialista. Além disso, ele destaca que a influência maior se deu a partir do pensamento Nietzscheano: “Não há outro filósofo cuja influência no pensamento alemão do pós-guerra seja comparável ao de Nietzsche.” O niilismo característico da visão filosófica de Schopenhauer não teria sido uma inspiração dos jovens niilistas do nacional socialismo. Antes, afirma Strauss, a influência de Nietzsche foi muito mais acentuada sobre esse fenômeno político, não sem apontar que “ao interpretar Nietzsche à luz da revolução alemã, é-se muito injusto para com Nietzsche, mas não se é absolutamente injusto.” Ao indicar o militarismo e o ideal de auto sacrifício em contraposição aos denominados ideias modernas como um dos elementos centrais do que ele denominou como “niilismo alemão”, em seu aspecto notadamente político, Leo Strauss aponta muito mais para a influência de Nietzsche, Spengler, Moeller van den Bruck, Carl Schmitt, Heidegger e de Ernst Jünger, sobre a juventude alemã da época do que propriamente para a influência da filosofia de Schopenhauer. Recebi autorização para publicação do texto em língua portuguesa do Prof. Nathan Tarcov do Department of Political Science – The University of Chicago, atual executor do espólio do Prof. Leo Strauss. https://political-science.uchicago.edu/directory/nathan-tarcov.

A organização do texto foi reproduzida como aparece na publicação da revista Interpretation, respeitando a ordem de numeração que conta no original datilografado do Prof. Leo Strauss, eventuais repetições de numeração constam no texto original e, provavelmente, se devem à ideia de organização de apresentação concebida pelo autor.

[2] Nota dos editores do texto publicado originalmente na revista: Interpretation A Journal of Political Philosophy Spring 1999 Volume 26 Number 3. David Janssens (Vrije Universiteit Brussel) e Daniel Tanguay (University of Ottawa). A seguinte palestra de Leo Strauss foi proferida, de acordo com provas textuais, em 26 de Fevereiro de 1941, no General Seminar of the Graduate Faculty of Political and Social Science of the New School for Social Research in New York. O texto revelar-se-á de particular interesse tanto para estudantes do pensamento de Leo Strauss como para os interessados mais em geral no clima intelectual da Alemanha pré-guerra. Para os primeiros, a palestra apresenta-se como uma das raras ocasiões em que o Professor Strauss suspendeu a sua habitual reticência e abordou diretamente uma importante questão contemporânea. Para esta última, oferece uma perspectiva interessante e convincente sobre as correntes intelectuais de um dos períodos-chave deste século. Finalmente, ambos os públicos vão descobrir que o Professor Strauss combina o seu rigor filosófico e perspicácia com conhecimento de primeira mão sobre o problema em discussão. Como "um jovem judeu, nascido e criado na Alemanha", ele conhecia bem, sem dúvida, o fenômeno do niilismo alemão e da influência que este pensamento exerceu na Alemanha do pós-guerra e pré-guerra, seus representantes principais e suas origens históricas.  A base desta edição é um manuscrito datilografado que pode ser encontrado nos Leo Strauss Papers (Box 8, Folder 15) at the Regenstein Library of The University of Chicago. O manuscrito é composto por vinte e cinco páginas, na sua maioria datilografados. Apresenta muitas correções e adições, algumas das quais inseridas por máquina de escrever, algumas à mão. Na preparação do texto, as alterações foram incorporadas sistematicamente. As alterações e adições foram feitas pelo Professor Strauss para que a presente edição pudesse refletir fielmente a sua apresentação real. Registamos os poucos casos em que editamos para a legibilidade. Também tomamos a liberdade de corrigir, sem comentários, alguns erros ortográficos da datilografia. Em alguns pontos do texto o professor Strauss fez uma adição mais substancial à mão: estas são mencionadas no texto, com um breve comentário. Em alguns casos a caligrafia era difícil de ler ou totalmente ilegível: isto é indicado entre parênteses no texto, bem como nas notas. Algumas palavras foram sublinhadas pelo Professor Strauss, algumas por máquina de escrever, outras à mão: na presente edição estas estão em itálico. Com vista a restringir o número de notas, as palavras individuais que foram acrescentadas ou sublinhadas à mão são indicadas no texto com um asterisco imediatamente a seguir à palavra. Palavras de outras línguas, que não o inglês, foram destacadas em itálico pelos editores. Por fim, acrescentamos algumas informações adicionais relativas a nomes, fontes e datas nas notas. Como o leitor irá notar, a presente edição começa com dois índices diferentes. O primeiro faz parte da datilografia original, enquanto o segundo foi encontrado numa folha manuscrita anexada à datilografia. A segunda, contudo, fornece uma sinopse mais precisa do conteúdo da palestra à medida que é apresentada. Por esta razão, optámos por incluí-la diretamente após o índice original. Estamos gratos à Professora Jenny Strauss Clay e ao Professor Joseph Cropsey por sua generosa ajuda na decifração da caligrafia do Professor Strauss. O Professor Cropsey, o executor literário de Leo Strauss, também deu generosamente permissão para esta publicação. Graduate Faculty of Political and Social Science - New School for Social Research, 66 West 12 Street, New York, N. Y. - General Seminar: Experiences of the Second World War - February 26, 1941

[3] Para a distinção entre “sociedade fechada e sociedade aberta”, cfr. H. Bergson, Le deux sources de la morale et la religion, Paris Alcan, 1932, caps. 1 e 4 (trad. It. Le dua fonti dela morale e dela religione, Milán, Comunitá, 1973).

[4] Abreviado no original, provavelmente abreviatura de Nacional Socialismo. NT

[5] A numeração que aparece em colchetes, em todo esse trecho, corresponde aos números de página da obra citada de Rauschning. RAUSCHNING, Herman, Die Revolution des Nihilismus. Zürich and New York: Europa Verlag. 1938.

[6] Virgílio, Eneida, VI, 853. NE