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Universidade Federal de Santa Maria
Voluntas, Santa Maria, v.12, e10, Ed. Especial: Schopenhauer e o pensamento universal, 2021
ISSN 2179-3786
Submissão: 02/08/2021 • Aprovação: 27/09/2021 • Publicação: 28/12/2021
2 A COMPLEMENTARIDADE DE IDEAL E REAL
3 SCHOPENHAUER COMO FILÓSOFO TRANSCENDENTAL
4 SOBRE O REALISMO TRANSCENDENTAL E A REALIDADE EMPÍRICA NA CRÍTICA DA RAZÃO PURA
5 GRAUS DE REALIDADE: UMA CHAVE DE LEITURA PARA A DEMARCAÇÃO
Schopenhauer e o pensamento universal
Schopenhauer e a demarcação do lugar de sua filosofia segundo ele mesmo
Schopenhauer and the demarcation of his philosophy according to himself
I Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil
RESUMO
Pretende-se com este artigo encontrar um possível esclarecimento para a afirmação de Schopenhauer segundo a qual somente a Vontade é o unicamente Real, uma tese publicada pela primeira vez em A vontade na natureza que exigiria várias mudanças em sua obra capital, uma vez que se torna a definitiva demarcação do pensamento de Schopenhauer com relação a seus antecessores. Esse problema nos levou a considerar a relação entre Schopenhauer e Kant em vista de descobrir o sentido próprio dessa tese, bem como o de alguns aspectos da crítica levantada pelo primeiro contra o segundo. Nesse sentido, aproveita-se para destacar muitas passagens novas ausentes na edição de 1819 de O mundo como vontade e representação, além de uma cuidadosa consideração de suas anotações ao exemplar pessoal.
Palavras-chave: Filosofia transcendental; Realidade; Vontade; Ergänzung
ABSTRACT
The paper aims at a possible clarification for Schopenhauer’s assertion according to which the Will only is the Real thing, a thesis first publicized in The will in nature that would require several changes in his opus magnum once it turns into the ultimate demarcation line between his own thought and his predecessors’. This problem led us to take an account of the relation between Schopenhauer and Kant for the sake of finding out the very meaning of that thesis and some features of the critique raised by the former towards the latter. By these means we also highlight many new passages not to be found in the 1819’s edition of The world as will and representation, besides a careful account of the Zusätzen on his own private issue.
Keywords: Transcendental philosophy; Reality; Will; Ergänzung
Jedenfalls erkenne ich nicht an,
daß zwischen ihm [Kant] und mir
irgend etwas in [Philosophie] geschehen sei;
daher ich unmittelbar an ihn anknüpfe.
(Schopenhauer, W [1844], p. 493)[1]
A questão acerca da demarcação da filosofia de Schopenhauer no contexto da tradição ocidental, embora não costume ser objeto de análise, tem como pressuposto ou ponto de partida um dos temas mais frequentemente tomados em discussão, a saber, o da dupla perspectiva ou do(s) duplo(s) ponto(s) de vista. Esse elemento figura entre os mais controversos, sobretudo, como produtor de confusões, inconsistências e, segundo alguns, paradoxos. A própria obra capital de Schopenhauer, O mundo como vontade e representação (W), é dividida de acordo com um “duplo ponto de vista”. Em um primeiro momento, os livros I e III abordariam o mundo como representação, enquanto os livros II e IV o abordariam como vontade. Vontade e Representação constituem o par principal de oposição, o mundo visto desde seu íntimo ser em si e o mesmo mundo considerado pela inteligência humana. A oposição, contudo, não significa que ambas as perspectivas se excluam reciprocamente, mas que se complementem, elucidem uma à outra, embora sejam irredutíveis entre si – precisamente por serem complementares, não possuem denominador comum, cada qual se definindo pelo que a outra não é. Sob esse par contraditório, encontra-se outro, a saber, o da oposição entre os pontos de vista subjetivo e objetivo. Essa oposição, que também pode ser reconhecida como marco divisor implícito em cada um dos quatro livros que compõem W[2], não parece despertar tanto questionamento quanto outra que seria sua correlata, aquela entre idealismo e realismo.
Vale observar desde já que o fato de tais contrariedades não implicarem exclusão recíproca, tal como em contradições lógicas na interpretação clássica, mas, em vez disso, complementaridade, está de acordo com o que Schopenhauer afirma sobre o papel da contradição no contexto da metafísica da vontade. A contradição é condição de existência (W I, § 27, p. 175). Isso considerado, chegamos imediatamente ao conceito pelo qual Schopenhauer define sua filosofia em relação a seus precursores: Ergänzung (SW V [P II], § 27, p. 40)[3].
Antes de seguirmos, vale observar, também, que o fato de “subjetivo” e “idealista”, do mesmo modo que “objetivo” e “realista”, não serem termos intercambiáveis consiste em uma das maiores dificuldades para a abordagem da posição schopenhaueriana. Não é possível executar em breves linhas, tampouco nos estreitos limites do presente artigo, uma suficiente determinação daquilo a que corresponderiam, sem contradição, cada uma dessas rubricas na história da filosofia. Isso não se deve exclusivamente ao caráter relativamente arbitrário das classificações em geral, mas ao próprio modo como Schopenhauer delimita seus traços característicos em cada ocasião. Talvez isso decorra da própria inconsistência inerente às inúmeras tentativas de se considerar o mundo desde uma perspectiva unilateral, precisamente aquilo que Schopenhauer denuncia nas mais diversas doutrinas. Nesse sentido, o mais correto pode ser dizer, não que Schopenhauer reveja suas classificações (embora, por vezes, o faça e se torne, sim, inconsistente, como quando opõe o idealismo ao materialismo, em vez de opô-lo ao realismo em geral[4]), mas, sim, que ele faz referência a certos aspectos dessas doutrinas de acordo com o contexto de seu próprio texto, ou seja, segundo a conveniência da exposição[5]. Não se trataria, portanto, de uma classificação estrita e inequívoca das filosofias subjetivas, objetivas, idealistas, realistas, não haveria aí nenhuma fidelidade aos autores citados, menos ainda aos manuais, mas, antes, uma indireta demonstração de suas ambivalências. Quanto a isso, o que se pode fazer aqui sem que percamos nosso fio condutor é fornecer uma breve ilustração.
Na primeira edição (W I, § 7, p. 30), Schopenhauer oferece a primeira versão do que seria, para ele, o ponto de demarcação de sua filosofia, então de maneira bastante clara e direta. Diferente de todos os seus antecessores, ele não partia nem dos objetos, nem do sujeito, mas daquilo segundo o que eles são indissociáveis, implícitos um ao outro, aquilo mesmo pelo que há sujeito e há objeto, jamais um sem o outro: o representar, ou posicionamento-diante-de, ou mesmo anteposição (Vorstellung)[6]. O fato da representação, do já-ter-diante-de-si (sich vorstellen), traz consigo imediatamente dois polos, a saber, aquilo que está-posto-ante-a (objectum, Gegenstand) e aquilo que lhe subjaz como a consciência que o tem diante de si (subjectum), somente pela qual aquilo está agora ali presente, existe (ist da). Daí que o representar não deve ser entendido como uma repetição/duplicação (exceto quando se trata de abstrações ou obras de arte), mas como aparição (Erscheinung) da coisa mesma tal como isso seja possível ao sujeito que apreende o objeto. Decorre imediatamente disso que o tempo e o espaço em que se encontram os objetos são inerentes ao sujeito, tendo sido o que demonstrara Kant com sua filosofia crítica. Até então, o fundamento de (quase) todas as doutrinas filosóficas coincidia com alguma espécie de objeto, que Schopenhauer prontamente exemplifica de modo não exaustivo e bastante lacunar, se não insatisfatório, acomodando-os às quatro classes previstas em sua tese sobre a quadrúplice raiz do princípio de fundamento (W I, p. 31-32). A exceção (posteriormente tratada com crescente rispidez[7]) é o subjetivismo de Fichte. Nesse contexto, de maneira muitíssimo taxativa, Schopenhauer classificava os primeiros como realistas e, esse último, como idealista (W I, § 5, p. 15). Entretanto, o significado de “idealismo” está longe de ser claro, não apenas no texto schopenhaueriano, mas também no de Kant, particularmente mediante o surgimento dos Prolegômenos.
Nessa primeira demarcação, já se anuncia, todavia, que a Ergänzung seja a palavra-chave, pouco importando, de fato, qual seria o lugar “exato” das demais doutrinas, uma vez que Schopenhauer pretendia superar suas unilateralidades ao manter seu foco naquilo que lhes é pressuposto: que só há sujeito e objeto sob o ponto de vista das representações, sejam elas elucidadas por uma via idealista ou realista, de maneira que a representação não é algo que dependa de um sujeito ou de um objeto que a precedam, pois são ambos postos pelo representar. Em outras palavras, essa questão só diria respeito ao nosso conhecimento das coisas, não às coisas mesmas. Faltava, então, ir além de Kant no sentido de considerar a coisa em si não mais como objeto (transcendental), mas como algo que nada tem em comum com objetos e, portanto, independe do sujeito e suas formas de conhecimento – tempo, espaço e causalidade. Desse modo, idealismo e realismo, independentemente da maior ou menor participação que o subjetivo e o objetivo tenham em cada caso, consistem em posicionamentos que só dizem respeito ao mundo como representação. É necessário ter claro que essa demarcação não se contrapõe nem se sobrepõe ao que Schopenhauer diz com maior frequência acerca de sua doutrina: que o que traz de mais novo é separar a vontade do conhecimento, algo que, todavia, já é sugerido por Berkeley, especialmente em suas anotações. Trata-se, em vez disso, do passo crucial nessa direção, pois a vontade teria sido sempre tratada como algo subjetivo ou objetivo (mesmo em Berkeley) e, portanto, como pertinente ao mundo da representação. Recusar-se a cair nos reducionismos unilaterais do idealismo e do realismo não difere da separação entre Vontade e Representação, mas constitui um só movimento do qual emerge a dupla perspectiva em geral. Isso não impede, todavia, a despeito das confusões que produz, tratar do mundo como vontade a partir de uma perspectiva subjetiva ou objetiva, seja em suas manifestações na Natureza, seja no âmbito da doutrina do necessário sofrimento universal, pois, aqui como ali, trata-se de nosso conhecimento e de nosso sentimento em relação às coisas do mundo – para além disso, apenas o mistério da coisa em si mesma como tal, o que sob forma alguma aparece, já que toda aparição já é, como tal, objeto.
Por sua vez, o livro II já coloca a dificuldade sobre como passar para o “outro lado” do mundo, a saber, independente do conhecimento. Embora isso se dê por via subjetiva, deve partir de algo concreto, um dado imediato, que seria o movimento íntimo da própria volição. Como vemos, embora se trate de algo subjetivo, apoia-se em um objeto real, o sujeito volitivo que se apresenta ao sujeito cognoscente como autoconsciência. Contudo, esse objeto real não o é no mesmo sentido dos objetos externos, que nos são dados como efetivos (wirklichen) pelo entendimento, ou seja, como atuando sobre nós de maneira determinante como que a partir de fora e sobre os quais como que produzimos efeitos por meio de nossos próprios corpos. Que esse objeto seja algo real nada diz da coisa em si mesma, nomeada a partir dele apenas por denominatio a potiori, ou seja, a coisa em si é dita “vontade” mediante a manifestação mais clara e imediata de “algo” que não é objeto, mas se apresenta por meio do próprio corpo como movimento não orientado ou subordinado pelo intelecto, dando sinal de si por meio de sentimentos prazerosos ou desprazerosos, de admissão e recusa, de querer e não querer (§§ 18, 20, 22). Diferente dos movimentos arbitrários (willkürlichen), os movimentos volitivos (wollenden) independem do conhecimento, embora possam tomá-lo e frequentemente o tomem em consideração no mundo animal, especialmente entre humanos – o agir motivado pelo pensamento ou pelo entendimento. Nesse caso, “motivos” ou “causas” são modos segundo os quais, pelo pensamento, damos fundamento aos movimentos dos corpos, não sua essência, que consiste no modo de ser desses entes, seu caráter.
Deveremos notar que esse quadro se altera drasticamente com a publicação da segunda edição e, dadas as dificuldades surgidas mediante a nova formulação da demarcação, será proposta uma reconsideração da relação de Schopenhauer com a filosofia crítica de Kant no sentido de redimensionar e explicitar certos elementos da tese schopenhaueriana acerca da Vontade como Real. Em primeiro lugar, vejamos os traços gerais e um breve histórico dessa reformulação.
2 A COMPLEMENTARIDADE DE IDEAL E REAL
A fim de reforçar a completa diferença entre a Vontade e suas aparências, bem como com relação a tudo o que diz respeito ao âmbito do intelecto, doravante “o ideal”, Schopenhauer passa a identificar publicamente a Vontade (como coisa em si) com o Real (das Reale) a partir de Sobre a vontade na natureza (N), em 1836, em rápidas menções,[8] mas a tese apenas se consolida com o surgimento, em 1844, da segunda edição de O mundo como vontade e representação, razão pela qual teremos nela o nosso foco. Pode-se supor que o ponto de partida se encontra na maior realidade relativa da Ideia se comparada às aparências individuais, uma vez que já na primeira edição da obra capital a tínhamos como objetidade imediata e adequada da Vontade em oposição a suas meras “sombras” – contraste esse de teor expressamente platônico (W I, § 31, p. 202). Ou seja, a Ideia é objeto puro, não condicionado pelo espaço nem submetido aos interesses da vontade individual (motivos), o que significa dizer que não é mera objetividade aparente (material), tampouco algo subjetivo (conceito). Essa suposição parece se confirmar pelo fato de essa identificação ser feita no último capítulo da preleção de 1820 sobre a metafísica do Belo, sobre a música (SW X, p. 360)[9]. Por outro lado, não é nesse contexto que a vemos predominar, mas no da metafísica da Natureza. A Edição do Jubileu nos apresenta cinco ocorrências de anotações para acréscimos ao livro II do W I nos quais a vontade aparece relacionada a Realität: A primeira (p. 83-85 [Z 14]) refere-se à maior realidade (Realität) dos atos do próprio corpo enquanto puros atos de vontade, o que testemunha a concretude que se deve reconhecer nessa manifestação, embora a anotação não tenha sido aproveitada no contexto indicado (W I, § 18, p. 119). Já a segunda ocorrência (p. 86), que retoma de modo muito mais enxuto o que é dito na primeira, é aproveitada quase integralmente e quase sem modificações:
Pois, que outro tipo de existência ou realidade deveríamos atribuir ao resto do mundo corpóreo? De onde tomar os elementos para compô-lo? Nada é conhecido ou pensável por nós fora vontade e representação. – Se quisermos atribuir a maior realidade conhecida por nós ao mundo corpóreo, situado imediatamente apenas em nossa representação, então lhe daremos a realidade que tem para cada um o seu próprio corpo: para todos, o mais real. Mas, quando analisamos a realidade desses corpos ou de suas ações, não encontramos nada senão vontade e representação: estas esgotam sua realidade: sequer podemos cogitar outra realidade para atribuir ao mundo corpóreo. Se o mundo corpóreo deve ser algo mais do que mera representação nossa, temos de dizer que ele, em si e fora da representação, é vontade. Afinal, toda realidade tem para nós apenas esses 2 elementos. E a falta de outros conceitos não nos deixa qualquer escolha.[10]
É notável que a tese ainda aparece ligeiramente acanhada, pois, no interesse de asseverar que o mundo não consiste em mera fantasia ou ilusão, o que tem relevante papel na refutação do solipsismo, Schopenhauer parte da realidade imediata (subjetiva?) que o próprio corpo tem na consciência de cada um para remetê-la à vontade, pois a realidade mediata (objetiva?) de qualquer corpo é mera representação. Isso, porém, não é o mesmo que partir da realidade da vontade para provar a realidade dos corpos como tais, isto é, como coisas extensas, pois esse seria um argumento transcendente. Além disso, seria fazer o objetivo derivar do subjetivo (apontado como erro de Fichte). Significa, em vez disso, dizer que os demais corpos são vontade tanto quanto reconheço tal verdade em meu próprio corpo. Por outro lado, os corpos só são reais (objetivamente) na condição de darem visibilidade aos atos de vontade e pelo fato de seus movimentos internos consistirem em afecções (subjetivas) da vontade que objetivam, o que faz com que sua realidade seja derivada, mediada pelo conhecimento. Este é um bom exemplo de como as perspectivas objetiva e subjetiva quase se confundem.
A terceira ocorrência (p. 91) se refere ao final do § 22, mas também não foi inserida ali, e não acrescenta muito ao nosso tema, tratando ainda do que seria o conhecimento mais real de todos os conhecimentos reais acerca da Natureza. A quarta ocorrência (p. 97) é aproveitada no § 24 (W I, p. 145) com ligeiras mudanças na forma, não no conteúdo, referindo-se à relação entre a necessidade de um conhecimento e sua realidade.
Tudo isso indica que um largo passo foi dado, pois o respeito aos limites críticos parece não permitir afirmar (um)a realidade senão no âmbito do conhecimento, de maneira que a realidade da Vontade, ou melhor, de seus atos, quase sempre é defendida de modo relativo, no sentido de que o que a vontade apresenta de si mesma é sempre reconhecido já como objeto representado, a posteriori, como algo efetivo e presente, não obstante ela, não sendo objeto, não se confundir com a representação na qual se vê afirmada. A partir do momento em que essa nova demarcação se estabelece na obra capital, de imediato passa a representar, para Schopenhauer, a tarefa decisiva de todo filosofar. Mas, para tanto, será necessário um empenho em demonstrar de uma vez por todas o primado da vontade com relação ao intelecto, o que, por sua vez, deve ser feito desde um ponto de vista puramente objetivo, sem apelo a sentimentos ou convicções e sem, contudo, perder de vista as evidências da autoconsciência. Não é à toa que a questão do(s) duplo(s) ponto(s) de vista traga mais embaraço do que possamos nos dar conta em um primeiro momento.
Finalmente, a quinta e última ocorrência (p. 111), mesmo não aproveitada no contexto pretendido do § 27, em que se trata da impossibilidade de se explicar as forças originárias por causalidade, é a mais incisiva enquanto fonte do que lemos em Sobre a vontade na natureza, sem considerar a afirmação no fim da preleção sobre a metafísica do Belo, pois se encerra com as palavras: “porque ela [a vontade] é própria e unicamente o Real, a coisa em si”. Nesse sentido, passa a haver uma cisão entre a realidade propriamente dita (Realität) e a efetividade (Wirklichkeit) dos objetos empíricos, condicionados pelas formas de conhecimento do sujeito. Vale notar a diferença com relação ao modo como esses termos eram de início confrontados no § 4 do primeiro volume (W I, p. 10). Essa mudança nada modesta é frequentemente ocultada em todas as línguas em que se toma “realidade” e “efetividade” como termos intercambiáveis e, mais grave, traduzem o segundo pelo primeiro – talvez, pela maior fluidez e (nefasta) polissemia de “realidade” –, mesmo nas traduções da obra de Kant – isso é, por si só, inadmissível, em vista dos equívocos que acarreta, misturando um esquema modal com um qualitativo, ou mesmo com uma categoria –, trazendo consigo implicações difíceis de contornar, cujo referido ocultamento apenas agrava o caso.
Agora que a realidade é radicalmente alienada do âmbito do ideal – portanto, do conhecimento, passando para o lado metafísico do mundo –, pertencendo exclusivamente à coisa em si, observa-se uma reconfiguração da já mencionada divisão entre realistas e idealistas. Ocorre uma mudança de atitude com relação ao que até então se denominava “idealismo”, produzindo aparentes inconsistências. Ao mesmo tempo em que Berkeley, o “imaterialista”, passa a ser estimado como o primeiro a formular a tese do idealismo em seu sentido mais próprio, isso não é declarado no mesmo sentido em que, conforme o § 5 do primeiro volume, Fichte, por considerar apenas o sujeito, passa a ser qualificado como um “filósofo da ilusão”. De acordo com um trecho expurgado na edição de 1844 (que se encontrava nas páginas 46-47 da primeira edição, § 7), até mesmo Berkeley considerava algo de objetivo como fundamento – uma referência ao espírito infinito –, ao passo que Fichte desconsiderava por completo uma existência em si que não fosse retirada do sujeito, e assim se entendia mais facilmente a exclusividade de sua doutrina. A esse respeito, é significativa a abordagem realizada no ensaio inicial dos Parerga e paralipomena (P I), “Esboço de uma história da doutrina do ideal e do real”. Nesse texto, esclarece-se a atitude própria de Schopenhauer testemunhada na edição de 1844, quando o ponto de vista idealista é tomado como metodologicamente prioritário na tarefa crítica levada a cabo por Kant – Kant mesmo não é considerado um idealista propriamente dito (W I, p. 39). Tal crítica é a arma contra o realismo ingênuo, de tendência fundamentalmente materialista, e nisso consiste a apologia do idealismo que abre o segundo volume da obra, cujo precursor passa a ser reconhecido em Descartes, motivo de alteração no § 1 (p. 4) do primeiro volume. Ora, se a rubrica “idealismo” volta a ser ocupada por nomes como Descartes e Berkeley, outras filosofias subjetivas podem ser ditas realistas, como as de Locke e Hume. Como já foi dito, não é possível esmiuçar as tensões existentes nessas classificações carentes de coesão quando observadas de modo abrangente e descontextualizado, valendo apenas a apreciação de Schopenhauer a cada vez.
De interesse ainda maior é o fato de que, nos P, Schopenhauer refere-se explicitamente à linha demarcatória de sua filosofia como Ergänzung (P II, § 27)[11] da filosofia kantiana, realizada por ele nos capítulos sobre a “Visão objetiva do intelecto” (W II) e sobre a “Fisiologia vegetal” (N). O termo é precisamente o mesmo que nomeia o segundo volume da obra capital, significando “complementação”. Mais acima (§ 13), Schopenhauer se refere à necessidade de “complemento, não de refutação”, no que concerne à incompletude e unilateralidade da perspectiva objetiva, ou seja, ideal. Poder-se-ia ousar propor que isso não consista em mera coincidência, mas isso talvez requeira uma análise mais detalhada e ampla das anotações de Schopenhauer acerca da primeira edição para uma corroboração. Enquanto não chegamos a isso, é significativo que o segundo volume não apenas “suplemente” o primeiro como acrescentando algo ao que já se encontrava pronto – as revisões, substituições e acréscimos sucessivos o atestam –, tampouco podemos crer que Schopenhauer considerava W, nos anos sucessivos, uma obra acabada em sua versão de 1818. Em outras palavras, a nova formulação da demarcação indica que Schopenhauer pretendia integrar os diferentes pares de pontos de vista, razão pela qual os desenvolvimentos tão extensos sobre o ponto de vista objetivo (o ideal visto desde a superfície das coisas externas) levantaram a suspeita de um Schopenhauer “materialista”, já que antes ele julgava suficiente ser idealista transcendental (como Kant), não idealista puro e simples (como Fichte). Porém, como podemos ver, trata-se do contrário, já que o ponto de vista objetivo, em suas vertentes materialista ou espiritualista, é referido como pertencente ao “ideal”. Schopenhauer, desde Sobre a vontade na natureza, busca expor a “confirmação objetiva” de sua metafísica que partia do sentimento subjetivo produtor de uma convicção acerca da própria realidade e uma espécie de certeza a priori acerca da realidade (efetiva) do mundo externo – se não há sujeito sem objeto, tampouco há objeto sem sujeito, eis seu lema. De fato, a atenta consideração dos vários elementos dessa controvérsia (que não poderia ser esgotada aqui) leva à suposição de que Schopenhauer não via a si mesmo como um idealista, nem mesmo como um idealista transcendental, cujo mérito residiria particularmente no método pelo qual se demonstrava a insustentabilidade da perspectiva realista transcendental, conforme a pensava Kant – melhor dizendo, a incompletude de toda forma de realismo, assim como é incompleto todo idealismo lato sensu.
Que as dificuldades não cessam aí, veremos mais adiante. Por ora, cabe dizer que a integração – palavra preferível a “complementação” para nomear a linha demarcatória – não apenas consiste na união das perspectivas opostas do ponto de vista da representação (subjetivismo-objetivismo; idealismo-realismo; espiritualismo-materialismo), que poderíamos chamar de “horizontal”, mas, por meio dessa união daquilo que, em verdade e por princípio, é inseparável, superar toda unilateralidade das diversas doutrinas acerca do Ideal (o mundo da representação) conjugando-a com a única doutrina que decifra o enigma do mundo, que identifica em que consiste o Real, e essa doutrina é a de Schopenhauer, o que poderíamos compreender como uma integração vertical. Desse modo, há uma dupla integração: a dos pontos de vista opostos (idealista e realista, subjetivo e objetivo)[12] e aquela que daí resulta (o mundo como representação visto desde os dois polos) com a perspectiva do mundo como vontade. Outro elemento de extrema significância no “Esboço” é seu apêndice: Fichte, junto aos demais protagonistas do Idealismo Alemão, são pura e simplesmente excluídos da história da doutrina do ideal e do real. Tendo Fichte, Schelling e Hegel eliminado a coisa em si, eles se encontram fora da discussão, pois tal discussão envolve aqueles para quem há objetos, não um Absoluto. Aqui devemos notar a recuperação ou o esclarecimento da estranha classificação exposta em W I pela qual se isolava Fichte como único filósofo idealista, conforme já mencionado. Nesse caso, o erro histórico consistiu em se atribuir realidade ao que era simples objeto (a Matéria, o Número, o Conceito, a Vontade Divina). Assim, a integração não apenas reúne o que se encontra dado no conhecimento, mas integraliza, toma o mundo por inteiro, em sua idealidade e em sua realidade. Em resumo, o primeiro passo é unir (trazer para junto, formar um todo com) as unilateralidades acerca do mundo conhecido; o segundo, e mais decisivo, inaugural, é o de uni-lo (totalizar, dar acabamento, finalizar, concluir) à perspectiva global de como o mundo pode ser conhecido a partir de seu ser em si, independente de todo conhecimento. A vontade, cuja realidade é conhecida por nós imediatamente, não é ela mesma algo de caráter intelectual, e é isso o que mostra a analogia, que a reconhece no mundo privado de conhecimento.
Sendo assim, uma série de aportes positivos trazidos pelo segundo volume, entre os quais considerações de ordem psicológica e científica atualizadas, dão a entender que essas complementações não o são tanto no sentido físico-quantitativo de “um volume a mais”, mas, antes, signo de um esforço filosófico-qualitativo pelo cumprimento de uma tarefa que àquela altura Schopenhauer reconhecia como sendo sua. Portanto, se, de início, Schopenhauer demarcara sua filosofia como aquela que não parte de polos constitutivos de uma relação – o representar –, mas da relação mesma como um dado, agora ele compreende seu próprio papel como o daquele que, tendo solucionado o enigma da coisa em si, lhe cabe distinguir o Real como aquilo que de modo algum é redutível à esfera da cognoscibilidade, do Ideal, e isso sem cair nas armadilhas realistas que levam ao ceticismo. Vale dizer, finalmente, que, de acordo com a linguagem lógico-matemática, o “complementar” indica o contraditório de um dado: o complementar do Ideal é o não-Ideal, assim como o complementar do Real é o não-Real – daí afirmar que a coisa em si é o único Real propriamente dito. A doutrina de Schopenhauer não é contraditória: ela dispõe as contrariedades lado a lado para tratar do mesmo, assim como a noite em um hemisfério só ocorre durante o dia no outro lado do planeta, ainda que nenhum de nós seja capaz de ter a ambos presentes por inteiro, nem em pensamento, menos ainda na intuição, não importa a distância que tomemos de nosso objeto. Eis porque isso produz tamanho desconcerto – esquecendo que a doutrina exposta trata sempre da face voltada para nós, a da representação, confunde-se o discurso sobre a coisa em si como vontade com a coisa em si mesma, absolutamente alheia ao mundo, o “lado escuro da Lua”.
Se, diante de todo o exposto até aqui, nos é concedido defender que, do ponto de vista da Ergänzung, como integração e integralização, Schopenhauer não pode ser considerado nem idealista, nem materialista, pois são unilateralidades a superar, como poderíamos classificá-lo? A hipótese a ser investigada é se sua doutrina não consistiria em uma filosofia transcendental, compreendida no sentido mais estrito, aquele cunhado pelo próprio Kant, não por seus receptores. Junto disso, uma segunda questão: se o idealismo transcendental, como chave metodológica, já integrada por Kant ao realismo empírico, pertencendo ambos à esfera do Ideal, não requeria uma nova compreensão de realidade para dar conta da Vontade como Real.
3 SCHOPENHAUER COMO FILÓSOFO TRANSCENDENTAL
Para compreendermos em que sentido Schopenhauer não seria mero filósofo crítico ou idealista transcendental, devemos nos remeter a Kant para a adequada determinação dessa nomenclatura.
A epistemologia kantiana não é um fim em si, mas, antes de tudo, a via para a destruição do realismo (pelo menos, do realismo epistemológico), bem como do materialismo moral, uma “preparação” para um possível “sistema completo da filosofia da razão pura” (KrV B 26). Certamente, não se trata ainda de uma filosofia transcendental, como doutrina, muito embora seja assim referida de modo geral. No entanto, como diz Kant logo a seguir, o objeto da crítica transcendental não é “a natureza das coisas, que é inesgotável, mas o entendimento [humano] que julga a natureza das coisas, e ainda [...] unicamente do ponto de vista de nossos conhecimentos a priori” (KANT, 2001, p. 53-54). Essa é a tarefa que Schopenhauer pretende desenvolver em sua tese Sobre a quadrúplice raiz do princípio de razão suficiente, ou do fundamento,[13] levada em conta em seu ensaio Sobre a visão e as cores – que pode ser visto como uma aplicação da teoria a um caso prático – e que se conclui no primeiro livro de O mundo como vontade e representação, ao lado do apêndice com a “Crítica da filosofia kantiana”. Diz ele no §21 de “Sobre a filosofia e seu método” (P II):
Dessa forma, toda a filosofia deve começar com uma investigação sobre a faculdade de conhecimento, suas formas e leis, assim como de sua validade e de seus limites. Uma tal investigação será a philosophia prima. [...] Essa parte geral compreende, ou melhor, substitui ao mesmo tempo aquilo que se chamava Ontologia, que compunha a teoria das propriedades mais universais e essenciais das coisas em geral enquanto tais. Pois se considera como propriedades das coisas em si mesmas o que somente pertence a elas em consequência da forma e da natureza de nossas faculdades representativas [...]. (SW V, p. 23).[14]
Essa “substituição” da Ontologia decorre do fato de Kant (e Berkeley antes dele) fazer com que pertençam ao conhecimento não apenas as propriedades secundárias (como Locke), subjetivas, mas também as propriedades primárias, objetivas, dos objetos. Esse é o “começo” kantiano, aquilo a partir de que ele se eleva apontando para a perspectiva de uma filosofia transcendental ainda incompleta, pois a integração havia sido realizada apenas no âmbito do Ideal, ou seja, a compatibilização entre idealidade transcendental e realidade empírica. Assim se exprime Schopenhauer, posteriormente, em um acréscimo na terceira versão da “Crítica da filosofia kantiana” (1859) no contexto em que apresenta o seu tríplice mérito:
[...] a filosofia crítica, que torna seu problema precisamente as veritates æternæ que servem de alicerce para toda essa construção dogmática [leibniz-wolffiana], investiga a sua origem e em seguida a encontra na cabeça do ser humano, da qual, de fato, brotam a partir das formas pertencentes propriamente a ela, trazidas em si para a finalidade de apreensão de um mundo objetivo. [...] Entretanto, o fato de que a filosofia crítica, para chegar a esse resultado, teve de ir além das veritates æternæ sobre as quais estava baseado todo o dogmatismo de até então, e assim fazer de tais verdades mesmas o objeto de sua investigação, tornou-a filosofia transcendental. (W I, p. 498-499).
Retornando à versão original, o texto prossegue:
Kant, decerto, não chegou ao conhecimento de que a aparência é o mundo como representação e a coisa em si é a vontade [...], porém deu um passo grande e desbravador em direção a este conhecimento [...]. (W I, p. 499).
É nesse sentido que, mais acima, outro acréscimo (desta vez, na segunda edição) diz que “a distinção entre aparência e coisa em si, portanto a doutrina da completa diversidade entre ideal e real, é a pedra de toque da filosofia kantiana” (W I, p. 495)[15], uma asserção, sem dúvida, muito problemática. Assim, é a partir do segundo livro de W que começa a tentativa propriamente dita – talvez, só posteriormente nomeada como tal – de uma filosofia transcendental completa, que dê continuidade e acabamento ao “passo grande e desbravador” dado por Kant[16] em direção à metafísica em sentido estrito e próprio, ou seja, por meio da qual se erige uma doutrina acerca da “natureza das coisas”, por assim dizer, a qual, se é em si mesma inesgotável, segundo as palavras de Kant, ao menos pode receber uma determinação a partir de seu “fenômeno mais claro e imediato: a vontade humana”. A palavra “imanência”, amplamente utilizada para referir a metafísica schopenhaueriana, aparece uma única vez na primeira edição de W (§ 53), indicando o respeito aos limites críticos, não tão exatamente (ainda) o caráter dessa metafísica quanto o de seu método[17]. É apenas em uma nova seção da “Crítica da filosofia kantiana”, acrescentada na versão de 1844, que a polêmica com Kant se estabelece. É nesse trecho que se critica a estreita concepção kantiana de metafísica que o levou a considerá-la impossível, segundo pressupostos errôneos, uma petição de princípio. Daí que Schopenhauer, orgulhosamente, ainda declara que seu “caminho se encontra no meio entre a doutrina da onisciência dos dogmatismos anteriores e o desespero da crítica kantiana” (W I, p. 507).
A título de enquadramento da filosofia schopenhaueriana segundo suas próprias palavras, mediante as referidas reformulações, destaque-se o lugar conferido à “filosofia transcendental” em “Sobre a filosofia e seu método”, § 10:
O racionalismo, que tem como seu órgão o intelecto que originalmente é determinado a estar a serviço da vontade e por isso dirigido para o exterior, aparece primeiramente como dogmatismo, e como tal se comporta de maneira completamente objetiva. Depois ele se transforma em ceticismo e na sequência em criticismo, que empreende terminar a disputa por meio da consideração do sujeito: isto é, se torna filosofia transcendental. Por esta eu entendo toda filosofia que parte do fato de que seu objeto mais próximo e imediato não são as coisas, mas somente a consciência humana das coisas, a qual, portanto, ninguém deve deixar fora de consideração. (SW V [P II], p. 13-14).[18]
Trata-se, pois, de uma fenomenologia transcendental, como bem denomina Ciolino (2014). Quanto a isso, o que teria faltado a Kant seria a colocação do problema principal da filosofia, a existência mesma, ir às coisas mesmas em vez de deter-se na constituição de suas aparências para nós, enfim, explicar a intuição mesma ao invés de tomá-la como um dado, conforme o argumento sobre as limitações da Estética Transcendental (W I, p. 519, 523).[19]
Schopenhauer parte de Kant, de maneira que sua metafísica não é mais a do “ser-percebido” do objeto, tampouco da possibilidade do objeto enquanto objeto de conhecimento (substituindo, desse modo, a Ontologia pela Dianoiologia), mas, sim, uma doutrina que lança o olhar para aquilo que de modo algum pode ser objeto e, logo, abordado nesses termos – a coisa em si, aquilo sem o que o objeto é mera ficção, fantasia, ilusão, aparência oca. Daí mesmo termos a virulência da crítica ao Idealismo Absoluto a partir da segunda edição, antes tratado com ironia. Dito brevemente, trata-se de ressignificar a metafísica como metafísica imanente, já que pensar a metafísica como conhecimento transcendente fizera Kant se deter diante do castelo sem portas ou janelas de que nos fala Schopenhauer (também em acréscimo da segunda edição) ao fim do § 17 do W I – o desespero da crítica kantiana.
Como efeito das já mencionadas transformações drásticas e tomadas de posição bastante fortes a partir de então com relação à filosofia kantiana, o apêndice dedicado à crítica de Kant aumenta com o equivalente aproximado de cinquenta por cento de conteúdo novo. A seção da “Crítica da filosofia kantiana” que agora nos ocupa, dedicada a contrastar a Estética e a Lógica Transcendentais, particularmente a Analítica (nos acréscimos da segunda edição), aumentou cerca de 10 páginas em virtude disso, mesmo com volumoso expurgo. De início, eram páginas bem mais amenas mostrando que as categorias, por serem abstratas, não teriam aplicação a partir do momento em que o entendimento seja reconhecido como uma faculdade intuitiva e a coisa em si não seja considerada como o objeto (Gegenstand) da receptividade. Nesse sentido, vale observar que as categorias são rejeitadas, bem como os esquemas, segundo a função que lhes atribuía Kant como condições de determinação dos objetos percebidos, embora elas possam se referir, de fato, aos objetos da reflexão, a despeito de sua arbitrária organização, segundo Schopenhauer, o que consiste na dita confusão kantiana entre intuitivo e abstrato – a seção dedicada às formas do pensamento (p. 566-570) também estava ausente na primeira edição, assim como boa parte do tratamento da primeira analogia e da anfibolia. Comparativamente, a seção dedicada propriamente à crítica das categorias, que hoje tem início na página 536, sofreu relativamente poucas e menos profundas alterações, conservando o essencial das anotações de 1816. Nela nos interessa, sobremaneira, o seguinte trecho:
Ora, após a intuição ter [surgido] pelo entendimento e para o entendimento, ela [se apresenta] de forma acabada, não sujeita a qualquer dúvida ou erro, logo, não conhece afirmação nem negação, pois enuncia a si mesma e não tem, como o conhecimento abstrato da razão, seu valor e conteúdo na mera relação a algo fora [dela] conforme o princípio de razão do conhecer. Ela é, portanto, pura realidade [lauter Realität]; toda negação é alheia a sua [essência] e só pode ser-lhe acrescentada por reflexão, mas justamente por isso permanece sempre no domínio do pensamento abstrato. (W I, p. 541; trad. modificada)[20]
De fato, a negação corresponderia a uma não-percepção, mas, e quanto à afirmação? Uma vez que Schopenhauer está se referindo a juízos e predicações (categorias), vale-se disso para nos mostrar que não há sentido em determinar negativamente algo que não dera nenhum sinal de si, menos ainda negar existência a algo que existiu de fato ao menos uma vez. Desde que se nos apresente positivamente, o que consiste nos infinitos graus de “afirmação” de si sobre nossos órgãos, não há mais que se falar em negação senão como ulterior representação da supressão da causa da sensação. Dito de modo mais técnico, a causa é uma representação intuitiva do entendimento indicativa de algo que parece se afirmar e se impor aos sentidos, ao passo que a representação de uma ausência dessa causa já representada é, portanto, representação de representação, abstração, pensamento reflexivo. Negação é, nesse caso, o signo de uma ausência e, portanto, não pode designar uma presença senão a posteriori, negando-a, quando o objeto já não é mais presente ou quando se diz, ainda mais abstratamente, que nunca estivera presente aos sentidos – uma ilusão ou uma mentira, por exemplo. É certo que a afirmação também é a posteriori, empírica, mas aqui se trata de uma presença como efeito/atuação (Wirkung) sobre nós que, como tal, já tem posta sua causa necessária como algo presente perante nós, atual, existente (vorhandenen, gegenwärtigen).
A sutileza do argumento envolve o fato de que afirmação e negação, como qualidades de juízos, referem-se sempre a um valor de verdade pretendido acerca do que se diz sobre uma realidade ou efetividade (o conteúdo material do juízo), ou seja, se é verdadeiro ou falso que algo seja o caso ou não. Aí, a coisa de que se fala é um objeto intuído e, como tal, distinto do discurso a seu respeito, que deve tê-lo como fundamento, já que o princípio de fundamento do conhecer não é autossuficiente quando se trata de seu conteúdo real, conforme esclarecido logo no início do § 9. Essa manobra argumentativa se justifica pelo que diz Schopenhauer logo ao fim do primeiro parágrafo da seção: “Atribuirei nesta elucidação aos conceitos de entendimento e razão sempre o sentido que a minha própria explanação lhes conferiu” (W I, p. 536). Sendo assim, Schopenhauer faz alusão às diferenças entre verdade e realidade, erro e ilusão, no parágrafo final do § 6. Todavia, embora Kant defenda que os objetos são pensados de acordo com as categorias e que, nesse sentido, elas os determinam, de modo a julgarmos os objetos afirmando ou negando algo a seu respeito, o que ele mesmo diz sobre as categorias de qualidade merece especialmente nossa atenção a partir do ponto que acabamos de atingir. De um modo ou de outro, o alarde acerca da rejeição das categorias é um tanto quanto exagerado na medida em que Schopenhauer pretende, principalmente, expor as falhas de suas respectivas definições e seu lugar na tábua kantiana – o problema da arquitetônica em geral. Afinal, tal rejeição decorre imediatamente do parricídio cometido no § 4, tanto pela determinação do entendimento como faculdade intuitiva quanto pela ressalva feita à noção de sensibilidade pura, agora desprovida de sentido.
4 SOBRE O REALISMO TRANSCENDENTAL E A REALIDADE EMPÍRICA NA CRÍTICA DA RAZÃO PURA
A segunda questão com que encerramos nossa segunda seção, dizia respeito a uma nova concepção ou compreensão de realidade distintiva de Schopenhauer. Tratando-se de uma filosofia (ou mesmo de uma fenomenologia) transcendental, o oposto do realismo empírico (Ideal) não seria o realismo transcendental? É bem sabido que ele é recusado no sentido do realismo ingênuo, do materialismo contra o qual se colocaram Berkeley e Kant. Contudo, haveria outra espécie de realidade transcendental que pudesse ser compreendida como a realidade da coisa em si? Dito de outro modo, uma filosofia transcendental acabada requer um realismo transcendental como correlato do idealismo transcendental a fim de que a realidade não seja meramente formal, isto é, um produto do entendimento intuitivo? Em caso positivo, a aposta na coisa em si seria uma ressignificação do realismo transcendental criticado por Kant e, portanto, quiçá, um novo parricídio. Vejamos o que Kant diz a seu respeito em um trecho lamentavelmente expurgado na segunda edição da Crítica da razão pura, ao empreender a crítica do quarto paralogismo (A 369):
[O realismo transcendental] considera o espaço e o tempo como algo dado em si (independente da nossa sensibilidade). O realista transcendental representa, pois, [as aparências] exteriores (se se admite a sua [efetividade]) como coisas em si, que existem independentemente de nós e da nossa sensibilidade e, portanto, também estariam fora de nós, segundo conceitos puros do entendimento. Este realista transcendental é, propriamente, aquele que, em seguida, desempenha o papel de idealista empírico e, após ter falsamente pressuposto que, se os objetos dos sentidos devem ser externos, necessariamente devem ter uma existência [Existenz] em si mesmos e independente dos sentidos, acha[ndo] insuficientes, neste ponto de vista, todas as nossas representações dos sentidos para tornar certa a [efetividade] desses objetos. (KANT, 2001, p. 348-349; trad. modificada)
Essa distinção, não tão clara à primeira vista, além de rara e quase casual, cuja explicação mais precisa ter-se-ia perdido com os expurgos da segunda edição, basta para que consideremos o fato de que o lugar ocupado pelos objetos no realismo transcendental foi completamente esvaziado a partir do momento em que as condições de intuibilidade perderam sua suposta “existência em si” e se tornaram subjetivas na Estética Transcendental, tudo isso no intuito de refutar o ceticismo a que leva esse realismo. A “efetividade” é mera representação. Nesse ínterim, uma coisa em si seria como que sinalizada pela categoria de causalidade como representação de um ser no espaço externo como seu material. Essa causalidade, sendo também uma condição subjetiva de representação, ou seja, do posicionar-diante-de-si (vorstellen), só aponta, de fato, para um objeto ideal, sendo sua materialidade (realidade) meramente empírica. Uma vez que Schopenhauer, em sua crítica, nos mostra que uma intuição (Anschauung) consiste tão somente nesse ter-presente-ante-si, sem o que nada se pode ver (schauen), aquilo que o entendimento projeta no espaço como o material produtor de um efeito não consiste em um conceito para os objetos da sensibilidade (Gegenstände), mas os objetos como tais. Esses objetos de nada mais precisam para sua determinação como objetos percebidos e, portanto, como vimos há pouco, eles já se apresentam na intuição de modo completo – chamados, na Dissertação, “representações completas” –, sem requerer maior mediação, senão na reflexão.
O que Kant pretendia era restringir o pensamento ao âmbito da experiência possível, o que Schopenhauer realiza de modo muito mais “econômico” com sua doutrina do entendimento. O que Kant passou a “temer” no idealismo berkeleyano, conforme acrescenta Schopenhauer na segunda edição (W I, p. 530), era a falta de lastro para uma teoria que recuse absolutamente coisas em si, mas Kant, inconsequentemente, as mantêm como “fora” do sujeito. Isso se verifica claramente não apenas nas inconsistências dos Prolegômenos, a despeito de ser, como estima Schopenhauer, o texto mais claro de Kant sobre o assunto; crucial para compreender o dilema kantiano é o apêndice a essa obra de entressafra em meio às duas versões da Crítica da razão pura. Apesar disso, seria, sobretudo, o materialismo a tomar o mundo externo como condição de possibilidade dos conteúdos mentais abstraídos da experiência – via de regra, trata-se da concepção realista no sentido mais estrito, tradicional. A posição de Kant é inversa: a de que o mundo externo de que temos experiência tem por condição de possibilidade o intelecto humano. O transcendental é a condição; o empírico, o condicionado. Apesar de essa ser uma distinção ligeira ou mesmo grosseira, deve bastar aos propósitos da presente discussão e deixar claro que o idealismo transcendental substitui o realismo transcendental na concepção kantiana. Mas, nesse caso, o que pensar da coisa em si, que, aparentemente, reentrava como objeto transcendental incognoscível em si mesmo, independente dos sentidos que, de resto, são insuficientes para apreendê-la? – Ora, a coisa em si parece ter um grande parentesco, na formulação kantiana, com os objetos do realismo transcendental, daí a crítica de Schopenhauer quanto à coisa em si ser um objeto ou sua Ursache (origem, causa).
Acontece que a concepção kantiana do que seria um “realismo transcendental” (materialismo) não deve ser compreendida, apesar disso, separadamente do que ele assume logo de início: que uma coisa em si é causa/origem das nossas intuições, as quais, enquanto objetos da receptividade, não podem constituir por si sós um conhecimento determinado, uma percepção propriamente dita de um objeto como tal (Object). É por um embaraço de como explicar a relação da coisa em si com a intuição – se é que se pode falar aqui em “relação”, ou justamente por isso – que Kant se vale da obscura expressão “as intuições nos são dadas”, o que significa: não há causa para elas. Uma vez que a realidade empírica seja subordinada às condições subjetivas, como já foi dito, o “realismo transcendental” deve deixar um lugar vazio. Mas se esse “lugar”, ao que tudo indica, permanece preenchido pela coisa em si kantiana, não virá a sê-lo também pela schopenhaueriana, embora não mais como objeto? Uma vez que a coisa em si schopenhaueriana não é uma causa – relação exclusiva entre objetos – nem algo que se encontre “fora” (no espaço) ou “antes” (no tempo), se ela não pode ser considerada uma condição em sentido estrito, ela permanece como lastro das aparências, pois não é senão por sua atividade (afirmação) que suas aparências podem se apresentar em nossa representação, e isso se dá – por assim dizer – na medida em que, em se afirmando, como que “fere”, “atinge”, afeta nossos sentidos, impondo-nos resistência ao nosso próprio movimento, e nosso movimento (que é sempre do querer) faz o mesmo com relação aos demais corpos, fazendo-se perceber, afirmando-se sobre cada coisa na natureza, seja dotada de conhecimento ou não. O como ou o porquê não se pode saber, apenas que assim é, pois o que está posto na representação assim está necessária e inelutavelmente, sem deixar margem a qualquer dúvida, conforme há pouco citado. Não será isso, enfim, a coisa em si “fazendo sentir”?
Deve ficar evidente que isso não significa dizer que a vontade cause sensações, mas não podemos compreender pelo entendimento, tampouco pela reflexão, uma sensação ou um sentimento senão como algo ligado a um objeto que é tomado como seu “fundamento”, trate-se de algo físico ou abstrato. Trata-se de uma determinação a priori segundo o princípio do fundamento do devir ou do agir. Isso, porém, é pensar sobre o sentir e o experimentar, não o sentir e o experimentar mesmos. Na dissertação de 1813, como na primeira edição da obra capital, Schopenhauer admitia nesses termos as categorias como servindo (apenas) para o pensamento abstrato sobre a experiência, embora não como constituintes ou determinantes dessa experiência, o que, do contrário, levaria a supor, segundo ele, algo do tipo de uma “harmonia preestabelecida”.[21] Em tal caso, Kant teria recaído no dogmatismo leibniziano. No contexto do antigo §19 da Dissertação, por exemplo, as categorias eram as diferentes maneiras (Weise) pelas quais o entendimento produz representações pela união das formas de tempo e espaço. O que se pretende aqui dizer, mais sucintamente, é que toda experiência positiva e concreta está relacionada à atividade de uma coisa em si tal como ela se apresenta a mim em minha representação, e essa experiência é a de um sofrer-a-ação-de ou impor-se-a, sempre como afirmação de uma vontade em sua “visibilidade” (Sichtbarkeit). Dito de modo ainda mais coeso, o que diferencia uma intuição real de uma ilusão (Schein) é a presença de fato de um objeto efetivo aqui e agora, ou seja, de uma vontade afirmada, a coisa em si presentificada em sua (a)presentação (Darstellung) – uma filosofia que negue a coisa em si é uma Schein-Philosophie, conforme é chamada a de Fichte na segunda edição. Eis o que se pretendia dizer com “lastro” do mundo objetivo, sendo precisamente com essa imagem que se encerra o § 28 na segunda versão de Q (SW III, p. 212-213).[22]
Logo, com muitas aspas (em virtude da falta de palavras para dizê-lo de modo próprio, já que palavras remetem sempre à experiência), poderia a coisa em si, pensada como vontade, ocupar o lugar de uma realidade transcendental como “condição de possibilidade” de toda subjetividade e objetalidade que compõem a esfera da idealidade transcendental da experiência? Pensemos, então, se é possível ou como é possível pensar a vontade como realidade em sentido próprio e, para isso, vejamos o que diz Kant de Realität, que, apesar das traduções pelo mundo afora, de modo algum se confunde com a Wirklichkeit, que seria a atuação presente de um corpo sobre outro – isso é, aliás, importante para que não se pense a realidade como causa de experiências; apenas a Wirklichkeit (o esquema da existência, segundo Kant) o é.
A categoria Realidade remete à forma dos juízos afirmativos, como já pudemos observar, envolvendo, ao mesmo tempo, a delimitação de inumeráveis entre infinitos, chamados graus. No Esquematismo (A 143 / B 182-3), podemos ler:
A realidade é, no conceito puro do entendimento, aquilo que corresponde a uma sensação [Empfindung[23]] em geral, ou seja, aquilo cujo conceito indica em si próprio um ser (no tempo) [...]. Como o tempo é apenas a forma da intuição, portanto dos objetos [Gegenstände] enquanto [aparências], o que nestes corresponde à sensação é a matéria transcendental de todos os objetos como coisas em si (a coisidade, a realidade). Ora toda a sensação possui um grau ou [grandeza] pela qual pode preencher mais ou menos o mesmo tempo, isto é, o sentido interno, com respeito à mesma representação de um objeto, até se reduzir a nada (= 0 = [negatio]) [...] e o esquema de uma realidade como quantidade de algo, na medida em que esse algo preenche o tempo, é precisamente essa contínua e uniforme [re]produção [Erzeugung] da realidade no tempo, em que se desce, no tempo, da sensação que tem determinado grau, até ao seu desaparecimento ou se sobe, gradualmente, da negação da sensação até à sua [grandeza]. (KANT, 2001, p. 184-185; trad. modificada)
Dito brevemente, o real consiste na coisidade (Sachheit) da coisa, o objeto como coisa em si (posto que indeterminado em geral), recusado por Schopenhauer no que diz respeito à matéria, que, para ele, permanece no âmbito do ideal, mas aí se trata do material empírico, determinado pelo entendimento, conforme Kant, não, como quer este, um material transcendental. A não ser que relacionemos isso com o que escreve Schopenhauer no capítulo 24 do segundo volume do W, em cuja página 348 se pode reconhecer um curioso retorno a Kant, uma passagem particularmente desafiadora em que, a despeito de ser em certo sentido a posteriori, a matéria (transcendental?) é dita Grundstein do mundo da experiência e, logo a seguir, Band entre o mundo como vontade e o mundo como representação.
Por outro lado, colocando um pouco à parte essas dificuldades em virtude do pouco espaço que nos resta, ou mesmo já excedido, se lembrarmos que o reconhecimento de si mesmo como vontade passa pelos sentimentos de querer e não querer, sentimentos corpóreos “vistos de dentro” como movimento íntimo, uma afecção perante objetos, temos aí, finalmente, a realidade dessa vontade como realidade de algo que corresponde a uma sensação. Uma sensação, portanto, nos termos de Kant, não preenchida por um objeto determinado pelo entendimento como algo no espaço, mas por uma “matéria transcendental”, assim chamada na medida em que se trata meramente de um “ser no tempo” – que modifica o interior do sujeito – “de todos os objetos como coisas em si”. Nesse sentido, a realidade é mais ou menos intensa conforme o preenchimento da sensação cuja intuição aponta para seu objeto, na medida em que esse objeto se afirma sobre a sensação, podendo, no caso da vontade, calar-se na ausência de objetos de seu interesse, ou seja, que não a atraiam nem a contrariem. Uma vez que essa sensação seja finalmente determinada pelo e para o entendimento, fato que nem sempre ocorre, produzindo inquietude ou pânico, por exemplo, de imediato projeta-se um fundamento para essa afecção de dor ou prazer segundo causalidade, excitação ou motivação. Quando isso ocorre, a realidade da sensação mesma é como que substituída por seu sucedâneo efetivo que a re-presenta dando-lhe “visibilidade” e identidade, delimitando-a “entre infinitos”, até então indeterminadas coisas em si. Ora, se a sensação é o índice da realidade que preenche o tempo e o tempo é a mera forma em que se dá esse preenchimento, a própria consciência do tempo depende de um “material” que nele se faça sentir intimamente como a realidade de qualquer objeto passível de reconhecimento como algo que se encontra perante nós como algo distinto de nós, um objeto de caráter meramente ideal, simples representação.
Supõe-se que a questão possa ficar mais clara à luz das Antecipações [da Percepção] (A 166ss / B 207ss). Diferente das intuições empíricas, que são extensivas e, portanto, envolvem um ser dado no espaço (material empírico – Stoff), as percepções (i.e. sensações) são intensivas. Vale recordar que, sendo a realidade objeto da sensação como receptividade, esse objeto seria, segundo Kant, a coisa em si, por ele chamada de “objeto transcendental”. Então, escreve ele na “Prova”, em acréscimo da segunda edição (B 207-8):
A percepção é a consciência empírica, ou seja, uma consciência em que há, simultaneamente, sensação. [As aparências], como objetos [Gegenstände] da percepção, não são intuições puras (simplesmente formais), como o espaço e o tempo (pois estes não podem ser percebidos em si). Contêm, pois, além da intuição, ainda a matéria para qualquer objeto [Objecte] em geral (mediante o qual é representado algo existente [Existirendes] no espaço ou no tempo), isto é, o real da sensação, considerado como representação apenas subjetiva, de que só se pode ter consciência se o sujeito for afetado, e que se reporta a um objeto em geral, em si. [...] Como a sensação não é, em si mesma, uma representação objetiva e nela se não encontra nem a intuição do espaço, nem a do tempo, não lhe competirá uma grandeza extensiva, mas terá, contudo, uma grandeza (mediante a sua apreensão em que a consciência empírica pode crescer em determinado tempo, desde o nada =0 até a sua medida dada); terá, pois, uma grandeza intensiva, em correspondência com a qual se deverá atribuir a todos os objetos da percepção, na medida em que esta contém sensação, uma grandeza intensiva ou seja um grau de influência sobre os sentidos. (KANT, 2001, p. 201-202; trad. modificada)
Retomando o que já se encontrava na primeira edição (A 167 / B 208-9),
Como, porém, em [todas as aparências] há algo que nunca é conhecido a priori e que, por conseguinte, constitui a diferença própria entre o conhecimento empírico e o conhecimento a priori, ou seja, a sensação (como matéria [Materie] da percepção), segue-se que a sensação é, propriamente, o que na verdade nunca pode ser antecipado. (KANT, 2001, p. 202; trad. modificada)
Isso parece estar em perfeito acordo com o fato de que a vontade só pode ser conhecida a posteriori e, por conseguinte, só se conhece o próprio caráter de maneira fragmentada, ainda que, uma vez conhecida, seja reconhecida como real a priori, uma vez que consiste no ser em si de todas as aparências, sua Materie –não se deve aqui esquecer da identificação entre Materie e Wille no segundo volume de W, produzindo a já referida consideração de Schopenhauer como materialista. É precisamente com base nessa realidade que nos é cognoscível imediatamente que se amplia seu conceito por analogia. De volta a Kant, conclui ele (A 176 / B 218):
Todas as sensações pois, enquanto tais, são dadas unicamente a posteriori, mas a propriedade das mesmas terem um grau pode ser conhecida a priori. É digno de nota que, nas grandezas em geral, só possamos conhecer a priori uma única qualidade, que é a continuidade, enquanto em toda a qualidade (no real [das aparências]) nada mais podemos conhecer a priori a não ser a sua [quantidade] intensiva, o ter um grau; tudo o mais é da alçada da experiência. (KANT, 2001, p. 207-208; trad. modificada)
Conforme diz o próprio Kant, é com base nas relações qualitativas que se estabelece a analogia.
Não é verdadeiramente intrigante que Schopenhauer haja tão veementemente desprezado esses trechos? Sobretudo na segunda edição de sua obra capital, que traz a decidida afirmação de que a Vontade é o mais real e que essa asserção consiste na demarcação fundamental de sua doutrina? Ademais, não surpreende que a polêmica contra Kant se acirre justamente quando Schopenhauer toma conhecimento dos importantíssimos trechos omitidos por Kant na segunda edição da KrV?
5 GRAUS DE REALIDADE: UMA CHAVE DE LEITURA PARA A DEMARCAÇÃO
Sem dúvida, os “graus” a que se refere Kant são extrapolados por Schopenhauer, pois não se trata apenas de “sensações corpóreas”, antes parecendo abarcar todo o âmbito íntimo, todo o psíquico, uma vez que se trata das inúmeras afecções do sujeito. Isso é de se esperar, pois, se as coisas em si não são, como em Kant, meros objetos transcendentais passíveis de serem objetos sensoriais no sentido mais estrito, que dão sinais de si por meio de uma mera intuição sensível, a realidade não se restringe ao empírico dado. Diante disso, sugere-se a classificação desses graus de realidade em três grandes “estágios” (relativos ao nível de clareza com que se apresenta a mesma coisa em si em nossa representação), entre os quais apenas o primeiro parece ter sido reconhecido por Kant. Nessa classificação, tem-se em vista que o real sempre diz respeito ao conteúdo dos objetos, não a suas condições formais de representação, logo, a cada vez, seu material (Stoff) que, considerado abstratamente no seu ser em geral, seria a Materie (transcendental?). Mediante a apresentação de suas propriedades ao intelecto, teríamos o mundo como algo representado diante de nós. Tal apresentação (Darstellung) é uma atividade (Wirkung), uma afirmação do ser em si, por nós representada como movimento mediante a essência da forma do tempo, a sucessão, ou mesmo como ato atemporal incausado, caso da existência como instanciação de Ideias. Portanto, temos conteúdos qualitativamente mais intensos na proporção de sua universalidade e quantitativamente mais extensos na proporção de suas diferenciações no mundo físico. Isso considerado, teríamos:
1) A realidade relativa às meras aparências particulares (objetos sensíveis)
2) A realidade relativa às Ideias (objetos puramente inteligíveis)
3) A realidade relativa à vontade (coisa em si)
O nível mais inferior (1) é aquele cuja realidade se deve ao fato de seus objetos serem efetivos, mas fugidios, já que submetidos à forma subjetiva do tempo. Por essa razão, diz Schopenhauer no §4 (p. 10) que pertencem a um grupo muito mais bem denominado pelo alemão Wirklichkeit do que pela palavra de origem latina Realität. Ainda que esta última continue sendo empregada nesse sentido, trata-se da realidade empírica, para nós, logo, ideal, não em si. Sendo reais apenas por determinação do entendimento, tal realidade é, como já Kant indicava, instantânea e em si mesma impermanente, pois esse presente é inextenso na sensação, isto é, sem duração, que só é possível por coexistência, o que, por sua vez, supõe a forma subjetiva do espaço. A cada vez esses objetos são representados por nós como causas de efeitos materiais em nós, afecções dos sentidos, modificações em nossos órgãos, e apenas assim, são efetivos – segundo Kant, a efetividade é o esquema relativo à categoria de existência (Dasein), o estar presente a mim aqui e agora. É nesse contexto, portanto, que Schopenhauer identifica causalidade-efetividade-entendimento-matéria. Trata-se, enfim, de uma realidade emprestada (§ 31).
Tais objetos são ditos por Schopenhauer as aparências de um modo de ser genérico a que dá o nome de Ideia(s). Que estas se encontram em um nível superior de objetos que se pode ter diante de si, mas em relação aos quais não mais nos distinguimos quando de sua apreensão – o espaço é aqui suprimido e, com ele a causalidade –, sua universalidade nos é a todos pertinente, já que somos microcosmo dessa realidade maior – em nosso caso, a (bela) espécie humana. Dito de outro modo, as Ideias, as forças, as espécies, o característico, são mais reais na medida em que representam o essencial de determinada classe de indivíduos, consideráveis apenas de modo puro sem produção de movimento interno “durante” sua intelecção. Consideradas nelas mesmas, são atemporais. A despeito de Schopenhauer não parecer se comprometer com uma afirmação acerca da “realidade” do Ideal, esse objeto leva vantagem sobre os objetos sensíveis por ser eterno – i.e. não sujeito a mudanças – e por ser uma objetidade adequada da Vontade, pelo que se pode entender, ainda que retrospectivamente, uma realidade mais próxima à realidade da coisa em si. É precisamente no contexto da discussão sobre o gênio (§ 36) que Schopenhauer inclui em seu exemplar da primeira edição a anotação referente à realidade da Vontade, conforme aparece na página 143 da Edição do Jubileu. Essa anotação é referida por Schopenhauer na margem do texto da preleção sobre a Metafísica do belo (SW X, p. 207, n. 3),[24] cujo teor é incorporado pelo editor, dizendo: “O que dá força a essas imagens para nos mover de maneira tão vivaz para a alegria e para o sofrimento é aquilo que preenche todos os invólucros, a saber, a Vontade, o único real.”. Essa anotação contém uma referência riscada ao Foliant [II] no qual é dito: “O conhecimento intuitivo [do gênio] é o mais nobre e mais profundo, pois apreende e resume a essência das coisas mais profundamente, a qual consiste na Ideia da coisa, a Ideia platônica, objeto da arte.” (N III [237], p. 362). Se for errôneo propor uma classe ou estágio de realidade para a Ideia, muito embora represente o que a Vontade quer efetivar, ao menos à Música talvez caiba essa posição. Se, de fato, o objeto puramente inteligível não produz ele mesmo uma sensação, cuja relação com as categorias de qualidade já pudemos constatar, esses objetos, pela ação da fantasia, ou faculdade de imaginação, nos permitem a apreensão da essência das coisas, cuja força nos move, emotiva – é a força do real no objeto, mais presente aqui do que nos objetos do entendimento, correlato do prazer estético.
Ainda no contexto da preleção, a adição parece cabível, pois é precisamente aí que, no capítulo final sobre a música, a afirmação aparece no corpo do texto, corroborando assim a indicação feita de início sobre o papel da metafísica do Belo para a nova demarcação. Escreve Schopenhauer: “a Vontade mesma, portanto, o Real propriamente dito” (SW X, p. 360)[25]. A música, como cópia, pertence à representação. Todavia, as afecções musicais remetem ao conteúdo mesmo das afecções da vontade, de maneira que atua (wirkt) sobre o mais íntimo nos humanos (W I, § 52, p. 302), justamente por não fazer por si só lembrar figuras particulares pelas quais a vontade individual, de que se está isento, tomaria interesse e movesse o corpo em direção a algo ou para longe de algo. Talvez, o modo mais fácil de compreender isso seja considerar que uma música que nos traga o sentimento de uma terrível ameaça não nos põe em fuga – a propósito, aquele que logo desliga a referida música por sentir desconforto é aquele em que a vontade individual bloqueia a fruição musical, fazendo-o sentir-se como em presença de um mal efetivo, não estético. A possibilidade de tal fruição do atuar musical sobre nós diz respeito, precisamente, como dito, à natureza de seu conteúdo, ou material a vontade mesma. É certo que não se trata de material empírico-sensível, mas ainda assim parece válida uma adição não aproveitada que se encontra na página 196 da Edição do Jubileu (Z 9), a respeito da analogia entre Música e Metafísica: “E a coisa em si, a Vontade, é o material [Stoff] da verdadeira metafísica e precisamente assim o material próprio da música: ambas falam do mesmo em duas linguagens muito diferentes.”. Essa anotação, de acordo com a indicação do próprio Schopenhauer, também se aplica à analogia entre Música e Ideia (W I, § 52, p. 304)
Finalmente, o Real por excelência, aquilo de que tudo o mais é cópia (Abbild) ou aparência (Erscheinung) de um arquétipo (Idea). Trata-se da essência mesma que, diferente dos casos anteriores, dispensa o intelecto, ou melhor, o tem como um de seus instrumentos de aparição no tempo e no espaço. É fato que, mesmo a música, considerada matematicamente, não teria nenhum efeito, não atuaria sobre nós senão pela audição, e isso significa mais do que ser dotado apenas de entendimento, a julgar pelo que diz Schopenhauer sobre esse sentido no terceiro capítulo do W II (p. 32) e na segunda versão de Q. Portanto, tal realidade é a única irredutível (não relacional), também diferindo das representações sob esse aspecto. O que é redutível e, portanto, relativo a objetos quaisquer, consiste em tê-los a posteriori como causas, estímulos ou motivos das modificações internas do sujeito. De modo algum, senão para o pensamento, essa realidade se confunde com a do sujeito volitivo ou com a do próprio corpo. Trata-se da coisa em si tal como se apresenta a mim em minha autoconsciência por intermédio do corpo e do movimento do querer. Veja-se, então, que, sendo o mais concreto dos afetos, é aquilo de real a partir de que se aplica a analogia para a determinação da coisa em si em toda a Natureza. Ademais, não é por acaso que o tema da analogia tenha a maior importância no § 19, que trata do egoísmo teórico – é por ela que a doutrina do mundo como representação encontrava uma saída para o problema (tão difícil de contornar) do solipsismo. O outro, sendo tão real para si mesmo quanto eu para mim, o é verdadeiramente.
Poder-se-ia ainda sugerir que esses três graus de realidade, aquele inerente à efetividade como aquilo que nela se apresenta, aquele puramente Ideal, e o da coisa em si, são exprimíveis abstratamente pelas três proposições (“fundamentalmente idênticas”) formuladas no § 13 dos “Fragmentos” (SW IV, p. 98-99):
1 – A única forma da realidade é o presente; só nele o real pode ser imediatamente encontrado, estando sempre nele contido total e perfeitamente.
2 – O que é verdadeiramente real é independente do tempo, sendo portanto um e o mesmo em cada ponto do tempo.
3 – O tempo é a forma intuitiva de nosso intelecto e, por isso, alheio à coisa em si.[26]
Se reconhecer essa identidade entre as proposições acima consiste em dar um “grande passo na Filosofia”, é porque somente assim se pode reconhecer não apenas a complementaridade, mas a unidade integral de mundo como representação e mundo como vontade – o buscado “pensamento único”. Agora, sim, uma metafísica (ou dogmatismo) imanente pode ser pensada sem comprometimento da ética, conforme se verifica mais adiante, quando Schopenhauer finaliza os “Fragmentos” fazendo considerações sobre sua própria filosofia (§ 14).
Concluamos com um trecho da segunda versão de “Crítica da filosofia kantiana” em que se percebe claramente o sentido da Ergänzung no contexto da metafísica imanente:
Digo [...] que a solução do enigma do mundo tem de provir da compreensão do mundo mesmo; que, portanto, a tarefa da metafísica não é sobrevoar a experiência [na qual o mundo se apresenta], mas compreendê-la a partir de seu fundamento, na medida em que a experiência, externa e interna, é certamente a fonte principal de todo conhecimento; que, em consequência, a solução do enigma do mundo só é possível através da conexão adequada, e executada no ponto certo, entre experiência externa e interna, e pela ligação, por aí efetuada, dessas duas fontes tão heterogêneas de conhecimento, embora apenas dentro de certos limites, inseparáveis de nossa natureza finita, por conseguinte, de tal forma que chegamos à correta compreensão do mundo mesmo, sem no entanto atingir uma explanação conclusiva [que elimine todos os demais problemas] de sua existência. (W I, p. 507).[27]
O que isso implica é que a metafísica schopenhaueriana não se distingue por ser imanente, sendo isso não o primário, mas o secundário, uma vez que essa metafísica só pode se completar na medida em que ambos os lados do mundo sejam integrados e, para tanto, a coisa em si tem de ser não apenas real; tem de ser o mais real. Isso significa, ainda, que, por imanência, se deve compreender algo além da mera efetividade do mundo objetivo sem que, para tanto, se deva saltar para transcendência, da qual nada podemos saber.
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Contribuição de autoria
1 – Dax Moraes:
Professor do Magistério Superior, Doutor em Filosofia
https://orcid.org/0000-0002-7634-3611 • dax@cchla.ufrn.br
Contribuição: Escrita – Primeira Redação
Como citar este artigo
MORAES, Dax. Schopenhauer e a demarcação do lugar de sua filosofia segundo ele mesmo. Voluntas Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v. 12, e10, 2021. DOI 10.5902/2179378667009. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179378667009. Acesso em: dia mês abreviado. ano.
[1] Considerando a delimitação da exposição, que se concentra nas modificações sofridas pela primeira edição de O mundo como vontade e representação (W I), especialmente na publicação de 1844, por questão de economia, as referências a essa obra, salvo indicação diversa, dirão respeito à paginação do primeiro volume na edição de 1859, acessível a todos. Uma vez que essa paginação é registrada à margem na tradução brasileira utilizada, também por questão de economia, sua paginação é omitida.
[2] livro primeiro começa com a exposição das formas ou condições subjetivas do conhecimento, sucedida por seu uso no que se refere a objetos teóricos e práticos. O segundo livro começa com a cognoscibilidade da coisa em si como vontade mediante o seu movimento interno ao sujeito e, a partir da analogia, segue com considerações relativas a uma metafísica da Natureza, do mundo objetivo em geral. O terceiro livro tem início com a apresentação das Ideias, e sua cognoscibilidade pelo gênio, identificando seu caráter especial, a partir do que aborda os graus de objetivação conforme expressos aos sentidos por meio das artes. Por fim, o quarto livro apresenta inicialmente a doutrina do caráter, ou caraterologia, e seus modos de cognoscibilidade, o sofrimento individual, passando pela doutrina do sofrimento no mundo, sua relação com a injustiça objetiva e a justiça eterna para estabelecer uma breve doutrina sobre o Estado, culminando no desenvolvimento do princípio universal da moralidade. Uma observação de Koβler (2020, p. 11) na Introdução à Edição do Jubileu dá ensejo à explicitação de outra divisão implícita na obra. Segundo ele, não seria exato o que escreve Schopenhauer no Prefácio à primeira edição sobre a indispensabilidade da Dissertação de 1813 para a compreensão da obra (W I, p. X). Desconsiderando que o próprio Schopenhauer declara que a Dissertação deve ser tomada como parte da obra e seu conhecimento é por ele pressuposto, Koβler contrapõe a afirmação de que, ali, “o princípio do fundamento do ser, tampouco o do agir, não desempenham mais papel algum”, pois o principal é a relação entre o intuitivo e o conceitual, entendimento e razão. Isso parece, sim, corroborado pelo modo como os complementos ao livro I são explicitamente divididos no novo volume publicado em 1844, quando essa oposição é ainda mais enfatizada no contexto da crítica a Kant, além de ocupar espaço significativo na segunda versão de Sobre a quadrúplice raiz do princípio de fundamento (Q). Todavia, a despeito da não explicitação e do pouco espaço dedicado aos objetos determinados segundo essas duas figurações do princípio, nota-se que o livro I começa com uma exposição das bases do idealismo transcendental schopenhaueriano, marcando as devidas ressalvas ao kantiano (§§ 1-4), passando imediatamente à crítica relativa ao mau uso do princípio de fundamento do devir (§§ 5-7), seguindo para o tema das representações abstratas, que são regidas pelo princípio de fundamento do conhecer (§§ 8-14), e finalmente, os objetos da terceira e quarta classes são assuntos, respectivamente, das seções finais (§§ 15 e 16). Os livros subsequentes tratam, fundamentalmente, de abordar o que não está sujeito ao princípio de fundamento: o livro II contrapõe, particularmente, a vontade e suas aparências no mundo natural pertencentes à primeira classe de objetos, o livro III o faz em relação à distinção entre Ideia e conceito, objeto da segunda classe, e o livro IV distingue o querer motivado (caráter empírico), objeto da quarta classe, da vontade em si mesma livre (caráter inteligível). E quanto aos objetos da terceira classe? Pode-se sugerir que eles são o plano de fundo dos livros II, III e IV, pois cada qual à sua maneira consiste em delimitar o que está e o que não está regido pelo princípio de individuação, que não é constituído senão pelas formas que pertencem ao princípio de fundamento do ser, tempo e espaço. Isso mostra, no mínimo, que Schopenhauer jamais abandonou a estrutura firmada na Dissertação de 1813 e dizer que parte do que é dito ali não desempenha mais papel algum soa, pelo menos, exagerado. Ademais, em 1813, as “Ideias platônicas” são mencionadas no contexto do princípio de fundamento do ser (terceira figuração) e têm papel fundamental na metafísica da Natureza, na metafísica do Belo e na caraterologia. O que nisso podemos encontrar de mais surpreendente é que Schopenhauer afirme não haver “precedência” ou “prerrogativa” de uma figura em relação à outra (W I, § 15, p. 88), o que está de acordo com o conselho dado no prefácio à primeira edição sobre a necessidade de se ler a obra duas vezes (W I, p. VIII). A mesmíssima observação aparecia na seção da Dissertação sob a rubrica “A ordem sistemática”. Isso pode ser admitido desde que entendamos Vorzug como relativo ao fato de nenhuma figura ser preferível ou mais vantajosa no que concerne estritamente à demonstração da validade do princípio de fundamento em geral, que consiste em determinar as relações necessárias entre fundamento e consequência conforme a especificidade dos objetos em questão. Afinal, o simples fato de os conceitos dependerem da intuição já coloca o princípio de fundamento do conhecer em uma posição relativamente subordinada, como enfatiza o próprio Schopenhauer, quando se pretende ir além de seu próprio domínio, ou seja, usar a lógica ou a matemática para fundamentar processos naturais, leis da matemática pura ou o comportamento humano, justificando-se assim a ordenação do livro I. Isso, contudo, já escapa ao nosso tema. De todo modo, a presente tentativa de explicitação da estrutura da obra serve como contraponto ao que mais adiante diz Koβler (2020, p. 13), a saber, que o fato de que “o próprio Schopenhauer não [dar] nenhuma explicação sistemática para a conexão entre os quatro livros e apela[r] para a intuição do leitor” implica que “não é de se esperar que a discussão conduza a uma interpretação conciliadora [verbindlichen]”. Isso justifica a apresentação de minha “intuição”, até porque Schopenhauer, naquele contexto, opõe ao “sistema” e à estrutura arquitetônica da exposição o seu “pensamento único”. Portanto, deve um pensamento ser exposto sob a forma de sistema para que haja conciliação, Verbindung? Sabemos, por experiência, que essa conclusão não decorre de sua premissa.
[3] Trad. bras.: SCHOPENHAUER, 2013, p. 67-68.
[4] P. ex., W II, cap. 1, p.14.
[5] Não são poucas as ocasiões em que Schopenhauer admite expressamente referir-se a conceitos de outrem de acordo com sua própria compreensão, que ele afirma ser a mais acertada.
[6] É necessário ter em conta que, nesse trecho, o termo não tem o sentido de objeto, como quando o autor diz que representação é o mesmo que objeto (p.ex., W I, § 5, p. 16: “[...] diese beiden, Vorstellung und Objekt, die eben Eines sind [...]”). Apesar de essa afirmação ser de grande relevância no que tange à tese de que a representação não se distingue do objeto representado (a não ser como produções discursivas que vertem o seu objeto em palavras ou artísticas que copiam as Ideias), não havendo “objeto em si”, mais exato seria dizer que o objeto, enquanto tal, não como coisa em si, não é senão o que se mostra ao sujeito como sua aparência. Por isso mesmo vale dizer, ainda que de passagem, que consiste em uma inconsequência considerar as Ideias como algo que exista independentemente do intelecto genial, já que não há objeto sem sujeito, ainda que “puros”. Não é nesse sentido que Schopenhauer pode ser aproximado da doutrina platônica, que considerava as Ideias preexistentes ao mundo, apesar de coexistentes ao demiurgo – logo, um sujeito. Na condição de objeto, a Ideia não pode ser posta fora da forma de toda representação.
[7] P. ex., W I, p. 38.
[8] SCHOPENHAUER, SW III, p. 294, 360, 377 (esta, a mais significativa sob todos os aspectos, propriamente inaugural, apesar de os parênteses em que se lê “das Ding an sich und die Erscheinung” consistirem em acréscimo de 1854) e 387. Trad. bras.: SCHOPENHAUER, 2018, p. 45, 128, 149 e 162.
[9] Trad. bras.: SCHOPENHAUER, 2003a, p. 238.
[10] Comparar com W I, p. 125-126 (grifos meus). Entre as muitas e profundas modificações sofridas por Q, chama a atenção a correspondência entre essa anotação e a nova redação da seção que abre o capítulo sobre a quarta figuração do princípio de fundamento, embora não possamos nos ocupar disso em detalhe na presente ocasião. Além de contar com a inclusão da expressão für Jeden, o sujeito volitivo é tornado o único objeto imediato para o sujeito cognoscente, devendo, todavia, desde então, o objeto imediato ser compreendido não mais como representação, objeto a priori da consciência, mas como vontade para a autoconsciência de cada um. Em suma, o sujeito volitivo (objeto de conhecimento por meio de ações motivadas) passa, implicitamente, a corresponder ao próprio corpo agora revelado como vontade, não mais como parte de relações causais. Cf., na segunda edição de Q, §§ 22 e 40.
[11] Nas obras completas, página 40 do quinto volume. Trad. bras.: SCHOPENHAUER, 2013, p. 68.
[12] Esta primeira já pode ser reconhecida nas obscuras páginas finais da Dissertação de 1813. Que Schopenhauer ainda não tinha isso completamente claro para si mesmo é testemunhado por afirmar ter chegado a “dois resultados principais”, ao passo que, em verdade, ambos constituíam apenas um, sob dois pontos de vista opostos, a saber, o transcendental e o empírico/racional, nesse caso, sobre nossa faculdade de conhecimento. Já com relação a isso encontramos a incompreensão de Chenet em seu comentário na edição crítica francesa (p. 310-312), amparando-se em Guéroult (referido em nota), afirmando serem esses resultados inconciliáveis. O que passa despercebido aos críticos é o que se segue. Visto do lado subjetivo, o princípio do fundamento é um juízo sintético a priori, mas, como todo juízo, tem sua formulação abstrata a posteriori, pois é da experiência que se tira o conteúdo dos conceitos envolvidos. Sua validade a priori decorre, como sua indemonstrabilidade, de que o princípio seja reconhecido como vigente em todo experienciar e pensar como sua condição transcendental de possibilidade – a forma subjetiva. De sua homogeneidade é deduzida a especificidade. Todavia, o exame de cada objeto de cada uma de nossas quatro faculdades, elas mesmas não inventadas, mas determinadas segundo a especificidade de seus respectivos objetos – eis o que faz a filosofia crítica –, irredutíveis entre si em suas especificidades, ainda que umas pressuponham outras (v. a ordem sistemática), resulta em que a formulação homogênea do princípio se configure como uma síntese (indução) das quatro figuras descobertas em separado em virtude mesmo da pluralidade de faculdades – a partir do material objetivo com que operam. É precisamente por isso que as palavras finais, de início, obscuras, fazem referência à querela entre realistas e nominalistas e Schopenhauer se coloca ao lado dos últimos, pois o caráter subjetivo do princípio em sua formulação geral não permite que se o tome por um fundamento absoluto, mas meramente relativo aos objetos da experiência possível em geral e ao que é inerente aos conceitos de suas formas puras (os predicabilia a priori explicitados exaustivamente no capítulo 4 de W II), assim como o caráter objetivo das leis que regem nossas faculdades não permite supor que se tratem de algo independente do sujeito. Em resumo, os dois resultados são, em verdade, um: a primeira formulação diz respeito ao ponto de vista subjetivo e, a segunda, ao objetivo, i.e. das aplicações específicas do princípio a casos dados.
[13] “Fundamento” é preferível a “razão”, não apenas pela equivocidade dessa última palavra, que tanto é usada para se referir a proporção e medida como a motivo, causa, correção e justificação, o que é criticado por Schopenhauer desde o início do tratado, por exemplo, com relação ao uso indiscriminado de aitía por Aristóteles, crítica essa mais detalhada na segunda versão de Q, §6. O principal é que está em jogo, na palavra Grund, o constituir-se como o solo firme, a base, o ponto de apoio que sustenta o caráter necessário do que se segue do fundamento. O emprego de Grund é não apenas preciso, mas técnico, e isso vem explicitado por Schopenhauer, corroborando essa opção, em Q, §29 (§31 na primeira versão, com formulação ligeiramente diversa), precisamente na apresentação do princípio do fundamento do conhecer, dizendo: “Sendo, no entanto, sempre algo sobre o que o juízo se apoia ou repousa, o nome alemão Grund é adequadamente escolhido.”. Em anotação à mão em seu exemplar da segunda edição, acrescenta o mais decisivo: “Em latim e em todas as línguas dele derivadas, o nome [fundamento] de conhecimento [Erkenntnisgrund[es]] coincide com o da própria razão [Vernunft], portanto, amb[o]s são chamados ratio, la ragione, la razón, la raison, the reason”. (SW III, p. 213; cf. p. 55. Trad. bras.: SCHOPENHAUER, 2019, p. 241; modificada). O princípio de especificação exige que o todo (fundamento) não seja reduzido a uma de suas espécies.
[14] Trad. bras.: SCHOPENHAUER, 2013, p. 47.
[15] Essa afirmação já não se encontra na Edição do Jubileu, apenas o que a precede, acerca da tripla relação de Kant com seus predecessores. Reaparece, por exemplo, em W II, cap. 18, p. 214, e em P I [SW IV], “Fragmentos”, § 13, p. 100 (Trad. bras.: SCHOPENHAUER, 2003b, p. 76; 2007, p. 125).
[16] Com efeito, tamanho passo não pode ser atribuído a Berkeley, a quem, do ponto de vista de seu estrito idealismo, ou melhor, realismo das ideias, teria faltado formular a tese da idealidade de tempo e espaço, bem como o reconhecimento da causalidade como intrínseca ao entendimento finito.
[17] A despeito de algum traço acerca dessa proposta ser encontrável em 1812 (N I, p. 20), por questões de cunho moral – aliás, é nesse contexto que a palavra “imanência” é utilizada na primeira edição, não por acaso –, é claramente rechaçada em anotações de 1816 (N I, p. 408), 1828 (N III, p. 383) e 1834 (N IV, p. 193). Desse modo, diferente do que diz Koβler (2020, p. 10) na Introdução à Edição do Jubileu, a formulação feita em 1812 parece efêmera, tempestivamente abandonada ou contornada até que Schopenhauer tenha conseguido, pela nova concepção de demarcação como Ergänzung, conciliá-la com a Ética, algo que apenas a filosofia transcendental poderia conquistar. Dito de outro modo, uma metafísica imanente que se pretenda favorável a uma ética precisa distinguir o real do efetivo, ou seja, do meramente existente como representação. Mas o transcendental diz respeito a meras formas. Uma vez que a imanência consiste apenas no que é dado, o necessário, o discurso moral só pode ser descritivo e pragmático, o que é insuficiente, pois só leva em consideração a vontade afirmada e produz conformidade ou mesmo indiferença ao sofrimento e à morte. Isso explica por que a “imanência” deve ser lida com alguma reserva no § 53, justificando a imensa parcimônia no uso do termo no sentido mais estrito de contraposição a hipóteses transcendentes, em respeito aos limites críticos. Isso, por sua vez, aparece resolvido em um fragmento de 1838 (N IV, p. 252) , pouco após o lançamento de N, período que parece decisivo para a virada schopenhaueriana, ano da reedição da KrV em sua primeira versão, descoberta por Schopenhauer em 1826 (2020, Z 12, p. 313) (v. KOβLER, 2020, p. 14). Ver também, na Edição do Jubileu, p. 202, anotação Z 37, correspondente à ocorrência no § 53 (mas cujo teor é aproveitado em W II, cap. 17, p. 204), segundo a qual a metafísica, como ciência do todo da experiência, deveria partir não da forma, mas do conteúdo concreto (Stoff) da experiência – deve-se ter em conta o significado mais imediato da experiência mediante o movimento interno da vontade, não o material efetivo fornecido pela forma do entendimento. Nesse sentido, não parece de modo algum casual que, justamente quando afirma ser sua filosofia um “dogmatismo imanente”, no § 14 dos “Fragmentos” (SW IV [P II], p.148-150; trad. bras.: 2003b, p. 118-119; 2007, p. 186-188), Schopenhauer confesse que ocorreu algumas vezes por certo tempo de a concordância entre seus princípios lhe parecer faltar. O todo da questão não pode ser explorado a fundo na presente ocasião, cabendo um simples destaque como indicativo para desenvolvimento futuro. Por ora, deixa-se suficientes referências aos leitores.
[18] Trad. bras.: SCHOPENHAUER, 2013, p. 36.
[19] Há no início da seção a nada insignificante supressão de um parágrafo. Na primeira edição, apoiado na Crítica da filosofia teórica, de Schulze, Schopenhauer considera supérflua a expressão kantiana “sentido interno”, amparada, inclusive, em uma suposição contraditória. Em seu lugar, dá preferência a “autoconsciência” (cf. p.ex. P I, “Fragmentos”, § 13 [SW IV, p. 115; trad. bras.: 2003b, p. 90; 2007, p. 146]). Na segunda versão de Q, a expressão “sentido interno” mantém-se amplamente utilizada com relação ao que nos é conhecido segundo a forma do tempo, mas, no que concerne ao conhecimento da vontade, é quase sempre substituída por “autoconsciência”, que se torna faculdade correlata.
[20] Vale lembrar que a Realidade é uma categoria que remete à forma afirmativa dos juízos qualitativos e que Schopenhauer já a havia reduzido à causalidade compreendida como a efetividade de um objeto percebido como presente no tempo e no espaço (W I, § 4), subsumindo, desse modo, as categorias de Existência (à qual Schopenhauer frequentemente se refere como “efetividade”) e Necessidade (W I, p. 549-556), que remetem, respectivamente, aos juízos assertóricos e apodíticos. Do ponto de vista da reflexão, a certeza produzida pela intuição é apodítica, não lhe cabendo, nesse sentido, negação. Com isso, a crítica de Schopenhauer se mostra precisa e consistente.
[21] O espaço do presente artigo não nos permite aprofundar em detalhes esse argumento segundo o qual Kant estaria defendendo, contraditoriamente, uma Natureza constituída por conceitos. Do trecho, que se encontrava ao fim da seção que contrasta Estética e Lógica Transcendentais, reproduzimos o seguinte extrato, que também pode ser encontrado na página 317 da edição do Jubileu: “Denn alsdann steht die anschauliche Welt unabhängig vom Verstande ganz fertig da, und nur das abstrakte Denken bleibt den Kategorien übrig. Aber dieses muß sich denn doch nothwendig nach der anschaulichen Welt, nicht aber diese nach jenem richten, welches letztere uns dennoch so oft gesagt wird. Nur wenn durch Anwendung der Kategorien die Welt als Anschauung entstände, wäre Kant berechtigt zu sagen, die Natur richte sich nach dem Verstande und dessen Gesetzen: aber wenn die ganze anschauliche Welt ganz fertig, ohne Beihülfe des Verstandes gegeben ist; dann muß umgekehrt das Denken sich nach der Erfahrung richten, und der Verstand kann keine von dieser unabhängige Begriffe a priori haben, weil er sonst nicht mit der Natur übereinstimmte, es sei denn daß man eine harmonia præstabilita zwischen dem Verstande und der Natur annehme, eine so überflüssige als grundlose Annahme, da es einfacher und aus der innern Erfahrung Jedem gewiß ist, daß die abstrakten Begriffe, durch die Reflexion, der angeschauten Welt gemäß entstehn.”.
[22] Trad. bras.: SCHOPENHAUER, 2019, p. 237.
[23] Schopenhauer, no §11 do W I, p. 62, reserva essa palavra para designar “sentimentos corporais”. Nas Reflexões (LX E 28), encontramos registrada a seguinte anotação de Kant em seu exemplar da primeira edição: “Sensação é o propriamente empírico [a posteriori] de nosso conhecimento e o real das representações do sentido interno, ao contrário de sua forma, o tempo. Portanto, a sensação encontra-se fora de todo conhecimento a priori.” (KANT, 2003, XXIII, p. 27). Trata-se sempre, então, do real empírico do sentir, muito embora, sendo subjetivo, não se confunda com a existência objetiva dos objetos que o produzem por causalidade.
[24] Trad. bras.: SCHOPENHAUER, 2003a, p. 65, n. 34.
[25] Trad. bras.: SCHOPENHAUER, 2003a, p. 238.
[26] Trad. bras.: SCHOPENHAUER, 2003b, p.74-75; cf. 2007, p.123.
[27] Trad. bras.: SCHOPENHAUER, 2015, p. 496 (trad. modificada).