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Universidade Federal de Santa Maria

Voluntas, Santa Maria, v. 13, n. 1, e8, 2022

DOI: 10.5902/2179378666972

ISSN 2179-3786

Submissão: 29/07/2021 Aprovação: 10/10/2022 Publicação: 13/01/2023

I 5

II 11

III 18

IV.. 21

CONSIDERAÇÕES FINAIS. 29

REFERÊNCIAS. 31

 

Teoria de John Rawls

Rainer Forst leitor de John Rawls

Rainer Forst a John Rawls’ reader

Matheus Garcia de MouraI Ícone

Descrição gerada automaticamente

I Universidade Estadual Paulista, Araraquara, SP, Brasil

RESUMO

O artigo visa discutir o papel que a obra de John Rawls possui para o projeto teórico de Rainer Forst. Trata-se de acompanhar as principais leituras que Forst realiza sobre esse autor e discutir algumas consequências que podem ser delas depreendidas para seu modelo crítico. Assim, em primeiro lugar, discute-se a tentativa de Forst em aproximar os critérios de reciprocidade e universalidade, de seu princípio de justificação, à teoria de Rawls, ao mesmo tempo em que acusa Rawls de que sua configuração da posição original atribui conteúdos substantivos aos princípios de justiça, que, na verdade, só poderiam ser concebidos como um princípio fundamental de justificação (I). Em seguida, observa-se a leitura que Forst realiza sobre o debate entre Habermas e Rawls, a fim de extrair uma alternativa a ambos. Novamente Forst faz um movimento de aproximação e crítica a Rawls (II). Em um terceiro momento, examina-se outra tentativa de aproximação e superação à obra de Rawls, mas dessa vez através da distinção entre duas imagens da justiça (III). Por fim, o artigo apresenta duas interpretações gerais sobe essas leituras: que existem certas constantes nos argumentos que unem e que pretendem superar Rawls; e que contém possíveis problemas, com consequências que ocasionam certos entraves para sua teoria em sua pretensão de ser crítica.

Palavras-chave: Forst R.; Rawls J.; Teoria Crítica; Construtivismo; Justiça

ABSTRACT

The article aims to discuss the role that John Rawls' work has for Rainer Forst's theoretical project. It is about following the main readings that Forst performs about this author and discussing some consequences that can be inferred from them for his critical model. Thus, firstly, is discussed Forst's attempt to bring the criteria of reciprocity and universality, from his principle of justification, closer to Rawls', while accusing Rawls that his configuration of the original position attributes substantive contents to the principles of justice, which, in fact, could only be conceived as a fundamental principle of justification (I). Next, Forst's reading of the debate between Habermas and Rawls is observed, in order to extract an alternative to both. Again Forst makes a move to approach and criticize Rawls (II). In a third moment, another attempt to approach and overcome the work of Rawls is examined, but this time through the distinction between two images of justice (III). Finally, the article presents two general interpretations of these readings: that there are certain constants in the arguments that unite and that intend to overcome Rawls; and that contains possible problems with consequences that cause certain obstacles to his theory in its claim to be critical.

Keywords: Forst R.; Rawls J.; Critical Theory; Constructivism; Justice

INTRODUÇÃO

Rainer Forst é um dos teóricos políticos que mais têm recebido destaque nas recentes discussões, acerca do pensamento moral, político e social, ao tratar de questões como tolerância, direitos humanos e relações de poder e dominação. Dentre os trabalhos mais relevantes do autor estão: Contextos da justiça (2010), O direito à justificação (2012), Justificação e crítica (2018) e Normatividade e poder (2015) (apenas para citar aqueles que já foram mais debatidos pela literatura)[1]. Entendidas direta ou indiretamente enquanto questões de justiça, essas discussões estão no cerne dos principais trabalhos do autor. Uma de suas análises centrais se refere à questão de saber como deve ser uma teoria da justiça, em seus princípios e conteúdos normativos, no que diz respeito à organização “mais justa” da pluralidade de valores distintos de “bem” que permeiam as sociedades democráticas contemporâneas[2]. Nessa questão, recolocada recentemente sob novos termos a partir de John Rawls e da recepção de sua obra, Forst procura uma alternativa que, por um lado, evite a formulação de um universalismo “vazio” e “abstraído” de conteúdos sociais concretos e, por outro lado, evite também concepções de justiça que predeterminem de maneira excessiva valores específicos para a fundamentação dos princípios de justiça válidos a todos os cidadãos de uma determinada sociedade. Em segundo lugar, mantendo certa relação com essa discussão, Forst também analisa o debate entre Jürgen Habermas e John Rawls, acerca de quais seriam os fundamentos de uma teoria da justiça liberal de caráter kantiano, a fim de propor como alternativa uma teoria crítica da justiça sensível aos contextos sociais[3]. Além disso, Forst também procurou defender que a justiça, que aparece em grande parte da literatura recente, pode ser distinguida em duas “imagens” de apreensão às situações práticas políticas e sociais[4]. Forst defende que existe uma imagem mais atenta às relações e estruturas intersubjetivas da justiça, do que a imagem mais recorrente de justiça “alocativa” pode perceber.

O que esses três tópicos têm em comum, nas análises de Forst, é o papel concedido a John Rawls. Desde Contextos da justiça até escritos mais recentes, é possível observar Rawls enquanto uma das principais referências teóricas de Forst. Seja para defendê-lo de críticas injustificadas (ou “injustas”), para reforçar certos argumentos, e para criticá-lo, o autor de Uma teoria da justiça esteve presente em suas considerações. Dessa forma, o presente texto tem por objetivos acompanhar os principais comentários de Forst em diálogo com Rawls e compreender possíveis consequências que esses encontros com o filósofo estadunidense possuem para seu próprio projeto teórico. Primeiro, apresentaremos as considerações ao pensamento de Rawls que Forst elabora em Contextos da justiça (2010), ao debater a teoria daquele autor com seus diversos críticos, indicando suas vantagens e limitações. Nesse ponto, veremos a tentativa de Forst aproximar Rawls de seus critérios de reciprocidade e universalidade, ao mesmo tempo que procura criticar o autor por ficar preso no recurso mental da posição original (I). Na sequência, observaremos a interpretação dada por Forst à controvérsia entre Rawls e Habermas, e como aquele autor busca uma alternativa entre ambos. Nessa parte, sob argumentos semelhantes ao do primeiro momento, novamente Forst realiza uma aproximação e depois indicações de insuficiências na teoria de Rawls (II). No próximo passo, acompanharemos a proposta que distingue entre duas “imagens da justiça”, e a nova vinculação que Forst apresenta de seu paradigma ao de Rawls – dessa vez se vinculando a ele em uma apreensão dos casos de arbitrariedade social que suas teorias seriam capazes de conferir, e retomando a crítica de que faltaria ao filósofo o direito fundamental à justificação (III). Por fim, apresentaremos dois comentários que podem ser derivados dessas leituras. Por um lado, é possível depreender que existe uma constante no posicionamento que Forst admite em relação a Rawls, tanto nas tentativas de aproximação quanto em suas críticas a esse autor. Por outro lado, discutiremos possíveis problemas que suas leituras sobre Rawls possuem em suas tentativas de aproximação, e o que isso pode implicar para o seu projeto teórico (IV). Com isso pretendemos defender a ideia de que Forst fica agarrado a um movimento hesitante ora de aliança, ora de ruptura a Rawls, o impelindo para um afastamento de potenciais críticos que sua teoria possui.

I

Em Contextos da justiça, Rawls desempenha um papel fundamental na análise que Forst elabora sobre a controvérsia liberal-comunitarista. Não poderia ser diferente, uma vez que é com Uma teoria da justiça, em 1971, que se inaugura um novo paradigma para se pensar a justiça, sobretudo na tentativa de elaborar uma teoria liberal do contrato social, a partir de uma perspectiva kantiana, com o objetivo de “reconciliar liberdade individual e igualdade social”[5] nos complexos cenários de pluralidade ético-social da modernidade. É sobre os comentários à obra de Rawls que Forst realiza uma reconstrução minuciosa da controvérsia, ao examinar a teoria normativa de justiça como equidade daquele autor com seus principais interlocutores.

A tese de Forst procura apreender criticamente as contribuições que os diversos autores que compõem o debate podem oferecer para pensar a justiça nas sociedades modernas. O principal aspecto dessa crítica é investigar a controvérsia a partir de uma perspectiva conceitual que leve em consideração os seus diversos âmbitos. Assim, a fim de evitar homogeneizações que limitam as compreensões particulares de cada autor ou que limitam os contextos conceituais do debate, Forst propõe uma compreensão em quatro eixos de análise. Para ele, esses quatro âmbitos devem ser diferenciados analiticamente para, em seguida, serem reunidos sob uma nova perspectiva, enquanto articulação de uma proposta de teoria da justiça que não seja “indiferente” aos contextos sociais concretos, mas que também não delimite uma importância “exagerada” (predeterminada) a esses contextos. A perspectiva adotada por Forst distingue as questões do debate em “contextos da justiça”, de acordo com os planos da “ética”, do “direito”, da “política” e da “moral”. Os problemas que podem ser distinguidos nessa divisão heurística, apresentam uma nova perspectiva para apreensão do debate, tornando possível compreender de forma mais atenta cada âmbito segundo o qual as questões sobre a justiça se referem. Em suma, ao investigar os “contextos” separadamente, e, depois, novamente interrelacionados, Forst pretende demonstrar “[...] a compatibilidade dos direitos individuais com o bem da comunidade, da universalidade política com a diferença ética, do universalismo moral com o contextualismo”, sem que para isso sejam realizadas oposições que não correspondam à realidade dessas práticas[6]. Por fim, “a estrutura básica da sociedade pode ser considerada justa (ou justificada) à medida que é ‘justa’ para as pessoas em todas essas dimensões”[7].

Ao desenvolver as questões que permeiam o debate nessas quatro esferas analíticas, Forst chegou a uma distinção entre práticas de justificação particulares a cada contexto, que devem requerer normativamente a existência de um princípio de justificação como critério para tratamento da justiça moderna. Por sua vez, esse princípio deve ser assegurado enquanto um direito a todos os seres humanos – o direito à justificação. Toda sua argumentação, na separação dos quatro contextos da justiça, que pode ser depreendida das principais questões que demarcam o debate entre liberais e comunitaristas, leva à proposição de que o direito fundamental à justificação entrelaça o debate em torno da justiça moderna em todos esses contextos. Assim, enquanto um dos conceitos fundamentais da obra de Forst, o princípio de justificação, sob os critérios de “reciprocidade” e “universalidade”, deve ser assegurado a todos os sujeitos, a fim de que eles possam justificar suas demandas entre si[8].

Esses dois critérios (de reciprocidade e universalidade) que o princípio de justificação exige, são emprestados por Forst da proposta pluralista de justificação pública, formulada por Thomas Nagel. Por um lado, a justificação pública é necessária quando um indivíduo pretende promover alguma norma ainda não vigente enquanto validade universal para todos os outros sujeitos, e dessa maneira esse conteúdo deve passar pela validade racional-moral de todos os outros concidadãos (critério de reciprocidade). Isso significa que nenhum ator social pode reivindicar privilégios sobre outros e projetar seus próprios interesses e necessidades sobre eles[9]. Assim, deve haver uma “igualdade de status e o imperativo do respeito concreto pelas pessoas morais como indivíduos”[10]. O que não puder assim ser justificado, pode ser vivido particularmente (de maneira “privada”), sem que nenhum valor ético específico seja imposto aquelas pessoas que dele não concordarem, e desde que não ultrapasse os limites das normas morais. Isso implica que as normas morais, que formam a base comum a todos os indivíduos, devem ser aceitas por todos, independentemente de suas opções de vida particulares. Por outro lado, isso também significa que todos devem ter “o mesmo direito de exigir justificativas”[11], de outro modo, alguns atores poderiam ser excluídos da possibilidade de realizar objeções aos demais, isto é, seriam impossibilitados de serem autores da comunidade moral de justificação (critério de universalidade)[12]. Em síntese,

[...] por meio de um limite de reciprocidade e universalidade, poder-se-ia dizer, as pessoas são protegidas de serem forçadas a adotar modos de vida que não podem ser exigidos recíproca e universalmente; mas normas que não podem ser rejeitadas por tais razões devem ser aceitas – nisso reside o momento deontológico da ideia de justificação pública[13].

Provavelmente um dos elementos mais substanciais dessa análise de Forst, para os objetivos aqui propostos, esteja na tentativa de aproximar Rawls de sua própria teoria de um direito moral à justificação, de acordo com esses critérios. Podemos observar que, para ele, em Rawls também estão presentes os dois critérios de reciprocidade e universalidade (constituintes de seu princípio de justificação). Forst defende que tais critérios estão ligados, em Rawls, à ideia de pessoas “razoáveis” e a um “consenso sobreposto” entre elas e, consequentemente, associados ao princípio de razão prática kantiano[14]. Assim, ele argumenta que de Rawls se depreende a ideia de que é possível avaliar pretensões éticas, para que essas possam se tornar validações morais, desde que sejam consideradas racional e razoavelmente em consonância com os critérios de reciprocidade e universalidade.

Independentemente dessa tentativa de aproximação ter sucesso ou não[15], o passo seguinte de Forst é apontar para uma atualização crítica da proposta de Rawls. Sobretudo em relação à Uma teoria da justiça, Forst defende uma pretensão moral de estabelecer os princípios da justiça recorrendo a uma atualização intersubjetiva da razão prática kantiana. A princípio, ele concorda que em Rawls (por exemplo, no parágrafo quarenta de Uma teoria da justiça) existe uma “interpretação procedimental da concepção kantiana de autonomia e do imperativo categórico dentro da estrutura de uma teoria empírica”[16]. Ele espera que os princípios possam ser justificados universalmente na estrutura básica da sociedade[17]. Assim, ele primeiro defende a tentativa de Rawls em superar as premissas metafísicas presentes nos princípios normativos kantianos, substancializando a validade moral das normas justificadas através de um procedimento de argumentação racional recíproca, que não é fixo, mas aberto “razoavelmente” a reformulações pelos participantes desse procedimento. No entanto, para além de Rawls, Forst indica a necessidade de superação também da “situação inicial” que, segundo ele, abstrai o conceito procedimental de justificação[18]. Isso sem perder a formulação construtivista de um procedimento via razão prática.

Forst quer escapar da necessidade de conceituação do experimento mental da posição original, que, para ele, ainda que incorpore compreensões sobre as pessoas moral, política e jurídica, não as diferencia claramente e, assim, carece de devida consideração acerca da “institucionalização no interior de uma comunidade política e a legitimação por meio dessa comunidade”[19]. Para Forst, procedimentos de justificação pública, em contextos políticos, satisfariam essa necessidade. Isso não significa que ele não perceba em Rawls uma dimensão política. Ao contrário, Forst reconhece que, para Rawls, somente no interior de um contexto específico podem ser determinados os conteúdos dos bens básicos a serem distribuídos em relação aos cidadãos “menos favorecidos”[20]. O princípio da diferença apresenta a dimensão contextual (material) da teoria de Rawls, que só pode ser definida em contextos políticos específicos, com a participação dos cidadãos como membros plenos da comunidade política[21]. O problema, para Forst, é a não consideração de um princípio anterior (como seu princípio de justificação) que permita a “construção” dos princípios da justiça na posição original. A “pretensão moral sobre o direito não vem de fora, mas sim lhe é erguida a partir de dentro, a saber, por meio das reivindicações daqueles que, na defesa de sua ‘pessoa’ exigem razões recíprocas estritas no caso de uma violação de seus direitos”[22]. Isso ocorreria no contexto político, espaço público de justificação de normas e práticas (seguindo Rawls, Forst chama esse espaço de “construtivismo político”)[23], e estaria relacionado com a atualização intersubjetiva da razão prática proposta por Forst. É uma “atualização” com ênfase numa contextualização intersubjetiva, sob práticas de justificação, do primeiro princípio da justiça de Rawls[24]. Nesse caso, o direito à justificação deve ser anterior à formulação intersubjetiva dos demais princípios da justiça.

A preocupação de Forst é evitar o conteúdo substantivo que pode ser depreendido do primeiro princípio (da igualdade) de Rawls, pois isso contradiria a intenção moral dos critérios de reciprocidade e generalidade do princípio de justificação. Forst quer garantir que o ancoramento dos princípios da justiça nas práticas sociais intersubjetivas não seja predeterminado substantivamente nos próprios princípios.

Como veremos ao final (IV), essa diferença encontra seu cerne no tipo de construtivismo que esses autores procuram desenvolver, ao estarem mais ou menos próximos da razão prática kantiana – justamente o ponto em que Forst alega ser sua diferenciação a Rawls, em relação à atualização intersubjetiva desse conceito. O problema é que Forst não parece reconhecer essa diferença em todas as suas dimensões.

II

Em O direito à justificação, referente a sua leitura da controvérsia entre Rawls e Habermas, Forst alega que ambos teriam na base de suas teorias uma compreensão de “justiça ‘independente’ e autônoma, que deve sua validade apenas a sua capacidade de assegurar uma justificação intersubjetiva”[25]. Embora isso não signifique que ele não continue a indicar limitações na compreensão de Rawls no nível moral de fundamentação dos critérios da justiça. Assim, ao analisar o debate entre aqueles autores, Forst quer indicar certas objeções que podem ser divididas em três níveis de justificação de acordo com a teoria de Rawls:

[...] o primeiro é o das ideias nas quais sua teoria construtivista se baseia; o segundo é o da justificação e construção dos princípios básicos da justiça com a ajuda da “posição original”; e o terceiro é o da justificação política pública e da legitimação de normas e leis geralmente válidas[26].

A partir desses três níveis de apreensão da teoria de Rawls, Forst objetiva se contrapor aos dois lados do debate entre aquele autor e Habermas, e defender seu próprio modelo como alternativa. Vejamos como Forst se posiciona a esses níveis.

Para Forst, o primeiro nível, em particular, foi o que passou por maior revisão durante o desenvolvimento da obra de Rawls, pelo menos até o Liberalismo político[27]. É nesse último que Rawls tomaria, segundo Forst, uma concepção objetiva da moral capaz de se afirmar recíproca e geralmente entre os sujeitos. Na leitura de Forst “o conceito político de justiça é inequivocamente uma concepção moral, que não vê mais a objetividade moral da perspectiva de um membro de um reino de fins, mas sim como uma intersubjetivamente justificada ‘visão (...) de algum lugar’ (Political Liberalism, 115-16), a saber, de pessoas razoáveis e racionais”[28]. Ainda que Forst afirme que há nas duas interpretações de pessoa de Rawls – a presente em Uma teoria da justiça e a segunda em Liberalismo político – uma variação que oscila entre uma “doutrina abrangente” e uma “teoria que se restringe ao político”[29].

As considerações feitas por Forst em relação a esse primeiro nível retomam a discussão iniciada em Contextos da justiça. A adoção mais enfática sobre uma concepção de pessoa política, em Rawls, desde pelo menos o artigo “Justiça como equidade”, chegaria próxima de realizar a virada intersubjetiva da razão prática que Forst defende, se aquele autor aceitasse o princípio moral à justificação como o princípio mais fundamental e necessário para a formação dos demais princípios da justiça.

            Porém, é sobretudo sobre os dois outros níveis que se encontram os principais comentários de Forst – e as críticas de Habermas. A questão de Forst é saber “se Rawls traz de forma adequada os princípios de uso público da razão nesses níveis”[30].

No segundo, Forst analisa as críticas de Habermas a Rawls sobre uma insuficiente consideração ao “significado do conceito de autonomia moral em relação à validade dos princípios da justiça”[31]. Por um lado, Forst concorda com as objeções de Habermas de que falta em Rawls uma “demanda por uma perspectiva comum e reciprocamente justificada sobre a justiça”[32]. Por outro lado, para Forst, o consenso moral que seja independente das concepções valorativas de bem, como Habermas formula[33], “corre o risco de roubar doutrinas abrangentes de seu próprio conteúdo normativo e apresentá-las como estilos de vida meramente subjetivos”[34]. Como alternativa a ambos, Forst defende que os

[...] cidadãos que refletem moralmente devem estar prontos e capazes de se engajar em uma justificação comum dos princípios de justiça, que eles aceitam com base em razões comuns e que tem prioridade (apenas) em questões de justiça sobre suas outras crenças. Devem, portanto, buscar conciliar a justiça com suas outras crenças, produzindo, por assim dizer, um equilíbrio reflexivo ético-político-moral[35].

 

            Nesse caso, a defesa de Forst parece também corresponder de certa forma a sua indicação em Contextos da justiça. Naquela ocasião sua preocupação era sobre o nível de consideração que a razão prática intersubjetiva deveria assumir no momento de formulação dos princípios da justiça – indicando como a “posição original” de Rawls parece não considerar isso tão bem, sem substantivar antecipadamente seus princípios. Nesse momento, a solução que Forst apresenta parece conduzir para o mesmo argumento: na apreensão dos contextos (ético, político e moral) que estão relacionados no instante em que as deliberações tomam forma, Forst propõe que os sujeitos podem produzir um equilíbrio reflexivo em suas manifestações; assim, eles podem tomar em consideração as diferenciações dos contextos sem que tenham que sobrepor suas doutrinas abrangentes em um ponto comum em respeito aos princípios que devem ser reconhecidos de maneira razoável[36].

            Em relação ao terceiro nível de justificação, que diz respeito a como pode ser fundamentada adequadamente a “cooriginalidade” dos direitos humanos fundamentais e a soberania popular, Forst também apresenta uma “síntese” que procura apontar para além de Habermas e Rawls. Por um lado, Forst concorda que toda teoria que possui em seu cerne um direito básico a justificação não pode evitar uma “reconstrução de dois níveis”[37] como forma de garantir ao contexto moral certa centralidade na proteção de direitos básicos. Assim, para ele, ainda que Habermas defenda esse argumento de duas fases, a relação entre direito e moralidade, a partir do princípio do discurso, permanece “excessivamente imanente à lei”[38].

Por outro lado, para Forst, a concepção de Rawls da posição original, ainda que seja colocada em uma sequência de quatro estágios “[...] não é capaz de estabelecer uma conexão interna suficiente entre direitos morais, direitos positivos e autodeterminação democrática”[39]. Assim,

[...] em vez de ver a justificação moral (de acordo com os critérios estritos de reciprocidade e generalidade) como o núcleo de toda legitimação política fundamental e, desta forma, entender os direitos e princípios básicos como condições processuais e normativas substantivas para a prática de uma autodeterminação verdadeiramente democrática, recíproca, e geral, o experimento de pensamento da posição original leva a uma formulação de princípios que, embora não "impostos externamente" ao processo de autodeterminação política, têm um conteúdo substantivo e recebem prioridade normativa sobre ele[40].

 

Dessa maneira, Forst deve concordar com Habermas de que “a autonomia política da soberania popular permanece [...] mais um órgão de execução de princípios do que a forma determinante para a construção e constituição ativa da estrutura de base política e social”[41]. Mas também concorda com Rawls, contra Habermas, de que direitos e princípios básicos devem ser moralmente justificados intersubjetivamente, mantendo seu conteúdo moral. Para ele, “o conteúdo moral deve [...] entrar na própria estrutura básica por meio de procedimentos sociais de justificação”[42].

Na verdade, como defende desde Contextos da justiça, Forst pensa uma “integração” entre os contextos de justificação moral e política, de maneira que o primeiro seja “identificado como o núcleo lógico e normativo”[43] do último, mas sem que um seja integralmente submetido ao outro[44]. Há uma distinção entre “construtivismo moral” e “construtivismo político”. Dessa maneira, ele coloca o seu modelo “construtivo”, de maneira diferente de Rawls, não como um “experimento de pensamento”, mas como uma “forma de prática social”[45]. Nesse sentido, para Forst, os direitos morais podem ser justificados em “discursos morais e processos de aprendizagem”[46], que estão sempre concretamente abertos à definição e revisão. Por isso, o que deve ser garantido é o direito fundamental à justificação – “recursivamente reconstruído” – como “núcleo interno de toda justificativa concreta”[47]. É esse direito fundamental que vai servir às práticas de justificação que formarão a estrutura básica social e política de maneira justa.

Nesse último nível, Forst indica que o construtivismo moral está ligado a uma “lista de direitos humanos”, enquanto o construtivismo político diz respeito à justificação da estrutura básica de uma sociedade[48]. Essa distinção parece estar relacionada com a diferenciação entre “justiça fundamental” e “justiça máxima”, que Forst apresenta em outros momentos de seus trabalhos. Isso remete à distinção entre os princípios “substantivos”, de Rawls, e o estabelecimento de critérios morais, “de nível superior”, em Forst[49]. Para ele, a “justiça fundamental”[50] tem o objetivo de estabelecer uma estrutura básica de justificação, numa distribuição a mais equitativa possível do “poder de justificação” entre os cidadãos, que servirá de base para assumir perspectivas de justificação mais específicas formadoras de uma estrutura totalmente justificada (“justiça máxima”)[51]. Essa asseguração mínima só é possível devido aos critérios de reciprocidade e universalidade que o princípio de justificação assume. Para Forst, semelhante estrutura básica se assemelha ao princípio da diferença de Rawls, mas numa “versão discursiva de nível superior”[52]: “este princípio não se torna (como em Rawls) um princípio particular de distribuição, mas um princípio de ordem superior para justificar distribuições potenciais”[53]. Para ele, a diferença está numa tentativa não de estabelecer uma igualdade material, mas de estabelecer um direito básico de igual justificação[54].

Em suma, as distinções que Forst apresenta em relação a Rawls nesses três níveis da discussão, em grande medida, indicam, assim como em sua tese inaugural, a separação em contextos de justiça que: a) distingue as concepções de pessoa moral e política, a fim de não recair a uma doutrina abrangente ou uma restrição ao político; b) concebe um procedimento de argumentação recíproca e universal dentro desses contextos, fugindo de uma construção hipotética; c) distingue entre construtivismo moral e construtivismo político, em uma integração que não subentenda um sobre o outro. Essas diferenças pretendem indicar como sua proposta teórica, sobretudo de acordo com uma distinção entre contextos da justiça e da adoção de um modelo intersubjetivo de razão prática, pode levar a um passo adiante para se pensar a justiça nas sociedades contemporâneas.

III

Outra leitura que Forst apresenta à teoria de John Rawls, e que o ajuda a compor os argumentos para a sua própria teoria, diz respeito a sua diferenciação em duas imagens da justiça. Para Forst[55], a justiça pode ser tratada a partir de uma “concepção alocativo-distributiva”, “orientada para o beneficiário”, ou a partir de uma concepção que leva em consideração em primeiro lugar as estruturas e relações sociais, “a posição social dos indivíduos”. A teoria de Rawls é diversas vezes criticada por corresponder somente à primeira imagem, como uma teoria que responde sobre as questões de justiça a partir do que os sujeitos podem receber, e não como os sujeitos se relacionam em sociedade. No entanto, para Forst, a teoria de Rawls, ainda que trate também de questões distributivas, está relacionada também à segunda imagem, que leva em consideração o ponto de partida social das relações de justiça – diferentemente do que os seus críticos costumam indicar[56].

Forst defende que no cerne da abordagem de Rawls está presente uma ideia de autonomia “construtiva de sujeitos de justificação livres e iguais”, segundo a qual “os indivíduos são capazes de considerar os princípios de justiça como autolegislados”, e não uma autonomia que priorize os indivíduos meramente como “beneficiários de bens necessários para sua ‘boa vida’”[57]. Assim, a imagem da justiça atrelada a Rawls estipula que a autonomia “determina ativamente a estrutura básica” da sociedade[58].

O modelo de cooperação social, de Rawls, esboça uma compreensão de como as pessoas, em uma orientação coletiva, se complementam de “forma produtiva e participam de um contexto de cooperação que inclui a todos como membros autônomos em termos políticos e sociais”[59]. Dessa maneira, para ele, uma teoria da justiça como equidade é diferente de uma teoria de justiça alocativa[60]. Isso significa que Rawls está mais preocupado, segundo Forst[61], com quem são os indivíduos da produção e distribuição dos bens, do que com “o que recebem de modo absoluto” – vide o princípio da diferença, que procura regular os termos da distribuição e evitar privilégios sociais injustificáveis. Consequentemente, para Forst, a teoria de Rawls está relacionada a uma ideia de “evitar a arbitrariedade social”[62] – ainda que, para ele, a teoria de Rawls seria insuficiente para pensar adequadamente essas relações sociais, por exemplo, enquanto relações de poder. Nesse sentido, a indicação de uma teoria discursiva que possa distinguir “justiça fundamental” e “justiça máxima”, defende Forst[63], representaria uma alternativa.

Mais uma vez Forst comenta Rawls, trazendo-o para uma aproximação entre suas propostas. O que poderia ser dito dessa vez é que Forst faz uma caracterização reduzida das imagens da justiça contidas naquele autor. Forst não nega o lado distributivo (não alocativo) da teoria daquele filósofo, e a redimensiona ao lado de uma abordagem também social da justiça. No entanto, a teoria de Rawls pretende ser mais “holística” do que Forst faz entender. Existe uma dimensão temporal de justiça, em Rawls, que se divide em pelo menos dois momentos: o tratamento das necessidades concretas no presente, para reparar desigualdades de distribuição dos bens sociais primários, e uma visão a longo prazo de estruturação e formulação dos termos e princípios da justiça, a fim de evitar a recorrência daquelas carências. A breve caracterização e diferenciação que Forst faz entre as imagens da justiça em Rawls, mesmo que trabalhe em indicar um lado social, que muitas vezes é negligenciado nesse autor, ainda assim limita os vários níveis de sua mais ampla teoria[64]. Com isso, não queremos dizer que a proposta de pensar em duas imagens da justiça, conforme Forst apresenta, é limitada (e que outras imagens da justiça deveriam ser cogitadas), mas que parecem limitadas as consequências tiradas por Forst da tentativa de alocar Rawls dentro dessa compreensão.

Outro aspecto é que dessa vez Forst se detém mais na defesa do que na crítica a Rawls. O contraponto ao autor aparece apenas como uma indicação, em referência à distinção entre “justiça fundamental” e “justiça máxima”, que, como vimos anteriormente, aparece como uma forma de dizer que em Rawls o “poder de justificação” não pode ser devidamente assegurado minimamente entre os sujeitos, porque Rawls assume um princípio particular de distribuição[65]. Não seria o caso dizer que Forst mudou nesse ponto sua percepção em relação a Rawls, pois a menção ao autor, ainda que breve, mantém a mesma crítica de antes. No entanto, é possível dizer que, por um lado, Forst quer novamente se aliar a Rawls apresentando a teoria desse autor enquanto uma apreensão do social que pode considerar os casos de arbitrariedade social, de maneira semelhante à sua própria teoria. Porém, por outro lado, Forst quer manter a crítica à desconsideração de uma base fundamental da justiça, que inclua o direito à justificação, segundo ele, necessário para regular adequadamente as relações de poder.

IV

Em relação às leituras compreendidas por Forst da obra de Rawls, podemos derivar duas observações. A primeira se delineia facilmente de nossa exposição, qual seja, que há certa constante nos argumentos de Forst em relação ao filósofo estadunidense; tanto pelo lado de procurar em Rawls tentativas de aproximação a seu próprio projeto teórico, muitas vezes defendendo-o de certas críticas, mas também pelo lado de buscar superá-lo, apontando deficiências em seu modelo.

A segunda observação, que na verdade se desdobrará em mais de um comentário, deriva da primeira, mais especificamente, dos movimentos de aproximação que Forst procura realizar em relação a obra de Rawls. Em primeiro lugar, seguindo indicações de Gordon Finlayson[66], é possível questionar a correlação entre o que Forst e Rawls compreendem sobre a noção de “reciprocidade”[67]. Mesmo que possa ser assumida uma associação entre razoabilidade e “reciprocidade” em Rawls, conforme Forst sugere, a noção de reciprocidade, para ele, possui uma interpretação moral mais forte do que naquele autor. Finlayson argumenta que, em Rawls, “reciprocidade” está ligada à “razoabilidade” apenas num sentido circunstancial, isto é, a depender da cooperação da contraparte em fazer o mesmo que se espera em relação aos acordos de justiça – Rawls não deriva um direito moral dos princípios de justiça. Em Forst, a “reciprocidade” é tomada enquanto critério moral incondicional do princípio de justificação. Para Finlayson,

[...] como Rawls, Forst associa razoabilidade intimamente com “reciprocidade”, mas ao contrário de Rawls ele interpreta requisitos que são meramente razoáveis (na visão de Rawls de “razoável”) como requisitos morais incondicionais (e, nesse sentido, kantianos). Em suma, o comentário de Forst sobre “reciprocidade” não é inócuo. É uma fortificação moral de uma ideia normativa mais fraca.[68]

 

Nesse primeiro ponto, a deliberada tarefa que Forst alega em estabelecer um princípio moral fundamental para uma teoria da justiça, indo além de Rawls, parece se afastar da tentativa, que parece a ele fundamental, de se vincular a esse autor.

            Algo semelhante acontece em outros momentos de sua leitura. Se acompanharmos a continuidade dos comentários de Finlayson, que agora tem por base a diferenciação entre construtivismo restrito e irrestrito de Sharon Street[69], podemos chegar a disparidades mais fundamentais da confrontação entre esses autores – o que parece indicar uma direção contrária aos ganhos que Forst imagina.

Como vimos, Forst procura aproximar Rawls de uma concepção procedimental kantiana, a fim de que possa aliar a proposta desse autor a sua. No entanto, de acordo com Finlayson[70], enquanto a teoria de Rawls seria mais bem “tipificada” como um procedimentalismo restrito, a teoria de Kant seria mais bem compreendida como um construtivismo “metaético” (ou irrestrito). Nessa distinção, em Rawls, os princípios da justiça são interpretados como “juízos normativos substantivos sobre justiça” (sobretudo em Liberalismo político), e não seriam entendidos enquanto “requisitos constitutivos da razão pura”, como em Kant[71].

Por sua vez, Forst em resposta à certas objeções de Sangiovanni[72], argumenta que sua teoria não corresponde a nenhum desses tipos pensados por Street[73]. Ele defende que sua proposta seria um construtivismo limitado, mais modesto. Isso significaria uma aproximação a teorias como a de Rawls e Scanlon; não no sentido kantiano, como Forst espera, mas se aproximando ao construtivismo restrito[74]. No entanto, na qualificação dos tipos de Street, um construtivismo restrito deve “dar uma explicação plausível de por que o conteúdo moral substantivo do qual depende não ameaça seu status de não metafísico e não abrangente”[75], isto é, deve partir de um certo conteúdo normativo substantivo, tratando de um subdomínio da moral – e não da moral como um todo. Para Finlayson, tanto Rawls, com a ideia de consenso sobreposto e com o assentimento aos valores implícitos na cultura política (em Liberalismo político), quanto Scanlon, por meio da ideia substantiva de um reconhecimento recíproco, parecem corresponder a esse requisito. Para Forst, no entanto, a intenção é mais irrestrita nesse caso, porque procura formular uma base de “moralidade autônoma”, ancorada na razão prática kantiana (atualizada intersubjetivamente), que estabelece os “requisitos constitutivos do princípio de justificação geral e recíproca [...] abaixo do limiar da moralidade”[76].

Se por um lado, a aproximação kantiana do construtivismo de Forst deve afastá-lo do tipo restrito, a sua vinculação a um construtivismo irrestrito também pode ser questionada, se considerarmos que Forst quer evitar que sua teoria possa ser tomada enquanto uma doutrina abrangente, no sentido compreendido por Rawls. Para Forst escapar dessa acusação ele só poderia retornar ao argumento inicial de que sua teoria não corresponderia a nenhum dos tipos de Street.

Seguindo as impressões de Finlayson, Forst teria duas possibilidades para realizar esse afastamento daqueles tipos. Poderia argumentar, por um lado, no sentido de uma aproximação ao realismo moral, ao definir o fundamento de sua proposta na defesa de um respeito moral entre as pessoas, enquanto “um insight da razão prática finita”[77]. Nesse sentido, o direito à justificação não seria produto de um construtivismo, mas quase que um dado moral. O problema dessa solução, para Finlayson[78], é que Forst pareceria, assim, contradizer suas intenções kantianas e, ao mesmo tempo, de evitar noções não metafísicas da natureza humana.

Uma segunda tentativa, proposta por Finlayson para evitar os lados restrito e irrestrito de construtivismo, evitando também a alegação de que sua teoria seja abrangente, seria Forst assumir sua concepção num argumento transcendental. Dessa forma, “Forst poderia apresentar o princípio da justificação como um princípio fracamente transcendental, que toda pessoa razoável deve invocar e, com base nisso, alegar com justiça que ele é não metafísico”[79]. Assim, o princípio de justificação poderia ser defendido não como derivado de uma doutrina abrangente específica, mas como um pressuposto que toda doutrina abrangente deveria invocar fundamentalmente[80]. Ainda que Finlayson não reconheça, Forst se manifesta sobre essa possibilidade, sobretudo na sua resposta a Stephen White: na tentativa de se defender contra uma acusação de adotar um “falso absoluto”[81], ele alega que sua “imagem” do transcendental “é uma força discursiva libertadora”, que é crítica e, portanto, é autorreflexiva sobre a adoção de qualquer base substancial predeterminada[82]. A maioria de seus críticos[83], no entanto, não confiam nessa explicação.

Assim, sem poder assumir que sua visão seja um construtivismo irrestrito ou restrito, e sem conseguir apresentar argumentos satisfatórios para evitar os dois tipos, Forst parece oscilar de um lado para outro sem chegar a uma solução segura. Por um lado, ele quer se associar a Rawls, apresentando a teoria desse autor de um ponto de vista kantiano, inclusive em relação ao Liberalismo político, obra que possui uma “interpretação amplamente estabelecida” de um afastamento de Kant[84]. No entanto, quer também se distanciar de Rawls a partir de uma proposição que pretende ir para além de Kant, com a revisão intersubjetiva da razão prática. O problema é que no intuito de superar o que ele toma como limitações na proposta do filósofo estadunidense, ele parece ocasionar uma tensão às tentativas de aproximação[85].

Assim, Forst quer ao mesmo tempo conceber uma teoria que erga as reivindicações dos sujeitos a partir de dentro das relações intersubjetivas, de maneira mais substantiva, enquanto um certo construtivismo restrito, mas também quer posicionar essas reivindicações sob um princípio moral, que recorre a razão prática kantiana, de maneira semelhante a um construtivismo irrestrito. Com isso, ele ainda quer que sua teoria não esteja vinculada a nenhum desses tipos de construtivismo, na tentativa de evitar os problemas que ele observa em cada um. Nessas tentativas, Forst torna a composição de sua teoria hesitante. Suas afirmações “não são suficientes para assegurar as credenciais não abrangentes e não metafísicas para a visão que ele busca”[86].

Esse problema parece originar da intenção contida na leitura que Forst faz da obra de Rawls, a fim de que ele possa ser aliado na defesa de seu modelo construtivista baseado na razão prática kantiana. Forst quer criticar Rawls sem perdê-lo de seu horizonte. E nessa tentativa parece haver menos uma intenção crítica de demonstração das contradições imanentes derivadas do liberalismo político desse autor, do que uma atualização “crítica interna”, com consequências pouco disruptivas em relação a essa tradição de pensamento.

Uma possibilidade de explicação a semelhante “oscilação”, e em resposta a Finlayson, talvez pudesse partir daquela diferenciação entre “reconstrutivismo” e “construtivismo”, ou entre “justiça fundamental” e “justiça máxima”, ou entre “construtivismo moral” e “construtivismo político”, ou ainda, entre uma abordagem “monista” e outra “pluralista”. Esses pares estiveram presentes em diversos momentos ao longo da trajetória de Forst. Não fica muito claro se eles querem dizer a mesma coisa em todos os casos. Por um lado, pode parecer que não seja a situação de avaliar Forst como um construtivista restrito ou irrestrito, pois ele parece discutir dois âmbitos distintos que operam simultaneamente, a depender se estamos falando da fundamentação das normas morais mais básicas (onde parece se inserir o direito à justificação) ou das demais normas que são dependentes dessa base fundamental. No entanto, por outro lado, pode ser questionado se de fato essa separação não o colocaria enquanto defensor de uma concepção abrangente (no sentido rawlsiano). Também não fica claro se existe um “procedimento” de reconstrução e formação daqueles princípios fundamentais de justiça, incluindo o princípio de justificação, sensíveis à variação histórica, como parece aludir Tolerância em conflito[87], ou se são princípios deduzíveis da natureza humana, enquanto seres racionais, como é alegado em outros momentos ao longo de seus trabalhos[88]. A resposta de Forst, como podemos ver, também parece oscilar nesse sentido.

Considerações Finais

Pudemos observar que na maioria das vezes que Forst se vale da teoria de Rawls, ele se posiciona em dois estágios: um primeiro de alinhamento e um segundo de ruptura (ou crítica). Primeiro, ele procura indicar que a abordagem de Rawls assemelha-se a sua: como na tentativa de aproximação entre os critérios de reciprocidade e universalidade em suas respectivas teorias, ou que ambos se valem de práticas discursivas de justificação para tratamento da justiça, ou que ambos estão preocupados com o nível social (e não somente distributivo) de diagnósticos da injustiça. No entanto, em sequência a essas aproximações, sempre seguem críticas no intuito de ir além de Rawls: indicando como sua própria abordagem considera mais satisfatoriamente as relações intersubjetivas de formação dos princípios da justiça, que por isso, não devem ser pré-estabelecidos em um acordo originário, mas valer-se de um fundamento moral que lhes é anterior, enquanto “justiça fundamental” e, assim, as relações de justificação, que são sempre relações de poder, podem tratar melhor da injustiça. Em síntese, apresentamos a ideia de que tanto as tentativas de aproximação quanto de afastamento parecem manter certas constantes no teor de seus argumentos que vão pelo menos desde Contextos da justiça até Justificação e crítica.

Além disso, tentamos indicar que as aproximações podem conter alguns problemas, e isso pode impactar na pretensão crítica de Forst. A partir da distinção entre construtivismo restrito e irrestrito de Sharon Street e das considerações feitas a partir disso por Gordon Finlayson, discutimos possíveis problemas que as tentativas de defesa que Forst apresenta em relação a Rawls podem conter.

Mesmo que as leituras de Forst se demonstrem plausíveis, sobre, por exemplo, uma possível leitura kantiana do Liberalismo político, e, dessa maneira, todos os conseguintes argumentos de Finlayson tiverem que ser reconsiderados, poderia ser mantida a questão fundamental que esteve subentendida no cerne de nosso argumento, a saber: por que Forst precisa aproximar sua teoria de Rawls para poder criticá-lo? Colocando em outros termos, Forst procura usar Rawls como uma escada para apresentar sua teoria da justiça, para, na sequência, apontar uma superação que parece muitas vezes mais um “complemento” à teoria desse autor do que uma crítica no sentido de uma crítica imanente da sociedade contemporânea. Marx não procurou apresentar uma superação (ou complemento) das teorias da economia política do século XIX, porque não foi sua pretensão apresentar uma teoria alternativa e, assim, competir com as demais teorias qual teria a melhor explicação sobre o funcionamento do capitalismo. Marx procurou demonstrar, entre outras coisas, como as teorias de seu tempo justificavam e naturalizavam as contradições engendradas pelo sistema capitalista. Se voltarmos à relação entre Forst e Rawls agora, parece que esse princípio fundamental que a teoria crítica derivaria de Marx não se encontra presente de maneira decisiva[89]. Seguindo a metáfora que Katrina Forrester desenvolveu em seu livro[90], Rawls operaria como uma sombra para toda a filosofia política do século XX (e provavelmente XXI). No entanto, podemos indagar se essa sombra se manifestaria somente como uma projeção inescapável, que tocaria todas essas discussões, ou também poderia muitas vezes se configurar como uma silhueta com predeterminações liberais fundamentais que obscureceriam ideologicamente o caminho da crítica.

Assim, como Forst não pode se decidir se deve se aproximar ou se distanciar de Rawls, sua proposta teórica se torna oscilante. Talvez fosse mais oportuno se Forst concentrasse seus esforços em direção ao objetivo que ele recorrentemente alude de desenvolver uma teoria crítica da justiça mais radical, seguindo a linha dos estudos sobre poder, dominação e crítica da ideologia, evitando, assim, qualquer ancoramento metafísico, e sem a necessidade de compelir aproximações a Rawls. A relutante tentativa de encontrar em Rawls um passo necessário para legitimar sua teoria – mesmo que seja ao criticá-lo –, na verdade, parece dificultar que sua proposta possa se desenvolver em bases mais sólidas, ou “mais críticas”, se considerarmos a tradição de pensamento em que ele também procura estar ancorado.

Agradecimentos

            O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Contribuição de autoria

Matheus Garcia de Moura

Doutorando e mestre pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual Paulista, Araraquara, SP, Brasil.

https://orcid.org/0000-0001-5574-3985 matheusgarcia.dm@gmail.com

Contribuição: Escrita – Primeira Redação

Como citar este artigo

MOURA, M. G. Rainer Forst a John Rawls’s reader. Voluntas Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v. 13, n. 1, e8, p. 1-29, 2022. DOI 10.5902/2179378666972. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179378666972. Acesso em: dia mês abreviado. ano.



[1] Cf.: Três coletâneas de discussão sobre seu pensamento já foram organizadas: FORST, Justice, democracy and justification; ALLEN; MENDIETA, justification and emancipation; FORST, Toleration, Power and the Right to justification.

[2] FORST, Contextos da justiça.

[3] FORST, The justification of justice. Rawls’ political liberalism and Habermas’s discourse theory in dialogue.

[4] FORST, Duas imagens da justiça.

[5] FORST, Contextos da justiça, p. 10.

[6] FORST, Contextos da justiça, p. 13.

[7] FORST, Contextos da justiça, p. 13.

[8] Vale lembrar, que o princípio de justificação, em Forst, não ocorre apenas de maneira razoável (como na posição original de Rawls); para ele, a justificação também é perpassada pelo conflito (com relações de poder e dominação) entre os agentes.

[9] FORST, The right to justification, p. 20.

[10] FORST, The right to justification, p. 20.

[11] FORST, The right to justification, p. 258.

[12] FORST, The right to justification, p. 20.

[13] FORST, Contextos da justiça, p. 56.

[14] FORST, Contextos da justiça, p. 60.

[15] Voltaremos a uma possível crítica a essa aproximação na parte final (IV) do texto.

[16] RAWLS, Uma teoria da justiça, p. 281.

[17] FORST, Contextos da justiça, p. 216.

[18] FORST, Contextos da justiça, p. 229.

[19] FORST, Contextos da justiça, p. 107.

[20] FORST, Contextos da justiça, p. 178.

[21] FORST, Contextos da justiça, p. 180.

[22] FORST, Contextos da justiça, p. 111.

[23] FORST, The right to justification, p. 6.

[24] O primeiro princípio da justiça reformulado de Rawls: “Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema total de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para todos” (RAWLS, Uma teoria da justiça, p. 333, § 46).

[25] FORST, The right to justification, p. 82.

[26] FORST, The right to justification, 82-83. Em outra passagem, Forst apresenta divisão semelhante da teoria de Rawls: “há três etapas nesta teoria construtivista: primeiro, a reconstrução reflexiva dos princípios (o racional e o razoável) e as ideias (pessoa e sociedade) da razão prática; segundo, o ‘estabelecimento’ da posição original sobre essa base; e terceiro, a construção dos princípios de justiça usando a posição original” (FORST, The right to justification, p. 216).

[27] RAWLS, Political liberalism.

[28] FORST, The right to justification, p. 85.

[29] FORST, The right to justification, p. 216.

[30] FORST, The right to justification, p. 86.

[31] FORST, The right to justification, p. 100. Ainda que uma breve apresentação dos principais argumentos do debate entre Habermas e Rawls seja necessária, não nos deteremos em suas especificidades. O que nos interessa é como Forst comenta essa discussão, sobretudo no que diz respeito a Rawls.

[32] FORST, The right to justification, p. 98.

[33] O texto analisado por Forst, em relação às considerações de Habermas a Rawls, faz parte do livro A inclusão do outro. Nesse livro Habermas continua suas reflexões presentes em Facticidade e validade, abordando questões sobre a justiça nas sociedades pluralistas modernas. Forst discorda da abordagem de Habermas que defende “o conteúdo racional de uma moral baseada no mesmo respeito por todos e na responsabilidade solidária geral de cada um pelo outro” (HABERMAS, A inclusão do outro, p. 7). Para Forst, o problema dessa formulação da moral de Habermas é excluir de maneira muito radical (e privatista) as concepções valorativas de bem, separando os “contextos” ético e moral de uma maneira muito dura.

[34] FORST, The right to justification, p. 98-99.

[35] FORST, The right to justification, p. 99.

[36] FORST, The right to justification, p. 98.

[37] FORST, The right to justification, p. 109. Em Habermas, a “reconstrução de dois níveis” significa justamente considerar “a socialização horizontal de cidadãos que se reconhecem uns aos outros em pé de igualdade e avançando em direção ao papel disciplinador que o Estado de direito exerce sobre a violência estatalmente pressuposta” (Facticidade e validade, p. 693).

[38] FORST, The right to justification, p. 109.

[39] FORST, The right to justification, p. 109. Sobre a “sequência de quatro estágios” cf.: RAWLS, Political liberalism, p. 397-398.

[40] FORST, The right to justification, p. 110.

[41] FORST, The right to justification, p. 110.

[42] FORST, The right to justification, p. 110. A distinção entre Rawls e Habermas em relação a esse nível da discussão poderia também ser apresentada numa distinção entre “princípios fundamentais do liberalismo” e “direitos democráticos de comunicação e participação”, da maneira como pontua Wellmer: “Rawls vê nos direitos democráticos de participação uma expressão específica dos direitos fundamentais liberais, que precedem, como última medida, toda e qualquer forma de participação democrática; em contraposição, Habermas reconhece na participação de todos no discurso democrático, com direitos iguais, o princípio fundamental de legitimidade ou de ‘justiça’ nas sociedades modernas, que precede todas as formulações específicas dos direitos fundamentais liberais” (WELLMER, Sentido comum e justiça, p. 77-78).

[43] FORST, The right to justification, p. 110.

[44] Segundo Forst, em suma: “o construtivismo moral e político deve, portanto, ser visto como integrado sem ser idêntico, uma vez que toda justificativa de uma estrutura de base político-social, bem como os procedimentos legislativos, deve obedecer aos critérios de reciprocidade e generalidade (ainda que em menor grau a ser determinada de acordo com a matéria que requer regulamentação). Portanto, nem a moralidade é totalmente incorporada aos procedimentos político-jurídicos institucionalizados, uma vez que estes não podem absorver totalmente todo o conteúdo do que é moralmente exigido, nem permanece externo, uma vez que os procedimentos de justificação política devem ser organizados de forma a garantir o maior grau possível de participação e igualdade justificativa” (FORST, The right to justification, p. 111-112).

[45] FORST, The right to justification, p. 111.

[46] FORST, The right to justification, p. 111.

[47] FORST, The right to justification, p. 112.

[48] FORST, The right to justification, p. 117.

[49] FORST, The right to justification, p. 197.

[50] FORST, The right to justification, p. 196.

[51] Em Justificação e crítica, Forst retoma essa argumentação de maneira semelhante ao dizer que “é preciso levar em conta a dupla natureza dos direitos humanos: como direitos morais universais e como direitos positivos concretos” (FORST, Justificação e crítica, p. 112).

[52] FORST, The right to justification, p. 197.

[53] FORST, The right to justification, p. 197.

[54] Em Justificação e crítica, Forst volta a esse argumento, mas não enfatiza mais sua distinção com o princípio da diferença de Rawls (FORST, Justificação e crítica, p. 195).

[55] FORST, Justificação e crítica, p. 56-57.

[56] Apenas para mencionar uma dessas críticas, conferir: HONNETH, A textura da justiça: sobre os limites do procedimentalismo contemporâneo.

[57] FORST, Justificação e crítica, p. 58.

[58] FORST, Justificação e crítica, p. 58.

[59] FORST, Justificação e crítica, p. 59.

[60] RAWLS, Justiça como equidade, p. 70-71.

[61] FORST, Justificação e crítica, p. 60.

[62] FORST, Justificação e crítica, p. 59.

[63] FORST, Justificação e crítica, p. 61.

[64] Agradeço o esclarecimento desse ponto ao Prof. Dr. Denílson Werle.

[65] FORST, The right to justification, p. 197.

[66] FINLAYSON, A frankfurter in Königsberg: prolegomenon to any future non-metaphysical Kant.

[67] Em relação ao critério de “universalidade”, ainda que para ambos (Forst e Rawls) a intenção seja generalizar seus critérios a todos os sujeitos, enquanto Rawls emprega uma proposta mais substantiva em seu princípio da igualdade, Forst defende um princípio moral quase ontológico do direito à justificação a todos os seres humanos. Voltaremos a esse ponto adiante.

[68] FINLAYSON, A frankfurter in Königsberg: prolegomenon to any future non-metaphysical Kant, p. 589.

[69] STREET, What is constructivism in ethics and metaethics?

[70] FINLAYSON, A frankfurter in Königsberg: prolegomenon to any future non-metaphysical Kant.

[71] FINLAYSON, A frankfurter in Königsberg: prolegomenon to any future non-metaphysical Kant, p. 591. Nesse ponto do texto entra a difícil questão: se Rawls teria abandonado ou não uma postura kantiana fundamental em Liberalismo político. Forst defende que não, e apresenta em Contextos da justiça (4.2), através de uma argumentação sobre a razão prática kantiana, a posição de que a leitura culturalista desse momento do pensamento de Rawls pode ser combatida. Aqui, ainda que não possamos aprofundar nesse ponto, partilhamos da posição já muito defendida de que Rawls teria sim modificado sua posição (cf. FINLAYSON, A frankfurter in Königsberg: prolegomenon to any future non-metaphysical Kant, p. 583-585). Os argumentos na sequência derivam dessa posição.

[72] Cf.: SANGIOVANNI, Scottish constructivism and the right to justification.

[73] FORST, Justifying justification: Reply to my critics, p. 174.

[74] Aqui seguimos a compreensão de Finlayson (A frankfurter in Königsberg: prolegomenon to any future non-metaphysical Kant, p. 594, nota 12) de que a distinção entre os dois tipos de construtivismo de Street é mutuamente exclusiva, ou se é uma ou outra – sendo o mais distante nenhuma delas, mas nunca um híbrido.

[75] FINLAYSON, A frankfurter in Königsberg: prolegomenon to any future non-metaphysical Kant, p. 596.

[76] FINLAYSON, A frankfurter in Königsberg: prolegomenon to any future non-metaphysical Kant, p. 596.

[77] FORST, The right to justification, p. 60.

[78] FINLAYSON, A frankfurter in Königsberg: prolegomenon to any future non-metaphysical Kant, p. 597.

[79] FINLAYSON, A frankfurter in Königsberg: prolegomenon to any future non-metaphysical Kant, p. 598.

[80] FINLAYSON, A frankfurter in Königsberg: prolegomenon to any future non-metaphysical Kant, p. 598.

[81] Habermas (Reply to my critics, p. 296) observa, de maneira semelhante, que os direitos morais em Forst se assemelham a um “paternalismo de uma assembleia de fundadores moralmente pré-programados que não podem proceder democraticamente porque o sistema de direitos e o procedimento democrático estabelecido inicialmente junto com esse sistema seriam uma função de suas sabedorias morais antecedentes que eles utilizam antes de quaisquer deliberações políticas”. Habermas defende que, na realidade, desde o princípio esses mesmos “fundadores”, enquanto cidadãos políticos, se articulam discursivamente para fundamentar essa base de direitos, que não poderia ser salvaguardada de antemão. Em suma, o que diferencia as abordagens de Habermas e Forst é como cada um compreende a relação entre direito, moral e política.

[82] FORST, A critical theory of politics, p. 229.

[83] Além de Finlayson (A frankfurter in Königsberg: prolegomenon to any future non-metaphysical Kant), Habermas (Reply to my critics), White (Does critical theory need strong foundations?) e Benhabib (The uses and abuses of Kantian rigorism. On Rainer Forst’s moral and political philosophy) esboçam críticas semelhantes a essa predeterminação do princípio de justificação enquanto um princípio moral, de Forst.

[84] FINLAYSON, A frankfurter in Königsberg: prolegomenon to any future non-metaphysical Kant, p. 584.

[85] Se essa “tensão” faz parte de um “comportamento crítico” (Cf.: HORKHEIMER, Teoria tradicional e teoria crítica, p. 138; NOBRE, A teoria crítica, p. 33) e/ou de uma forma de proceder “reconstrutiva” (Cf.: HONNETH, Rekonstruktive Gesellschaftskritik unter genealogischen Vorbehalt; REPA, Reconstrução e emancipação) em relação a Rawls, devido a tradição filosófica a qual Forst se insere (a teoria crítica), ou se é um ponto de irresolução em sua trajetória de pensamento é uma questão que não poderemos aprofundar aqui para além dessas indicações.

[86] FINLAYSON, A frankfurter in Königsberg: prolegomenon to any future non-metaphysical Kant, p. 560.

[87] FORST, Toleration in conflict: past and present.

[88] Cf., por exemplo: FORST, The right to justification, p. 3.

[89] Esse argumento propõe uma linha de raciocínio inicial que, no entanto, precisaria ser aprofundada em outro momento.

[90] FORRESTER, In the shadow of justice.