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Universidade Federal de Santa Maria
Voluntas, Santa Maria, v. 13, n. 1, e2, 2022
DOI: 10.5902/2179378666931
ISSN 2179-3786
Submissão: 27/07/2021 • Aprovação: 11/07/2022 • Publicação: 12/09/2022
3- ERE (ER ESTREITO - NARROW) E ERA (ER AMPLO - WIDE)
4- ERG (ER GERAL – GENERAL) E ERP (ER PLENO – FULL)
Teoria de John Rawls
Equilíbrio Reflexivo e Conhecimento Moral: o caso da
teoria da justiça como equidade
Reflective Equilibrium and Moral Knowledge: the case of the theory of justice as fairness
IUniversidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, Brasil
RESUMO
O objetivo deste artigo é investigar o escopo do método do equilíbrio reflexivo e sua relação com o conhecimento moral, refletindo sobre o papel deste método na teoria da justiça como equidade de John Rawls. Para tal, iniciamos mostrando a influência do método na filosofia moral e política. Depois, a investigação tem por foco analisar a importância do equilíbrio reflexivo na teoria rawlsiana, destacando o uso do equilíbrio reflexivo estreito e amplo sobretudo nas obras “Outline of a decision procedure for ethics”, A Theory of Justice e “The independence of moral theory” e o uso do equilíbrio reflexivo geral e pleno nas obras Justice as Fairness, Political Liberalism, “Reply to Habermas” e The Law of Peoples. Na parte final do texto, a ideia é defender o equilíbrio reflexivo como um método bastante adequado para a obtenção da objetividade das crenças éticas, podendo ser interpretado como um tipo de conhecimento moral.
Palavras-chave: Equilíbrio reflexivo; Conhecimento moral; Justiça como equidade; John Rawls
ABSTRACT
The aim of this paper is to investigate the scope of the reflective equilibrium method and its relationship with moral knowledge, reflecting on the role of this method in John Rawls's theory of justice as fairness. To this end, we begin by showing the influence of this method on moral and political philosophy. Afterwards, the investigation focuses on analyzing the importance of reflexive equilibrium in Rawlsian theory, highlighting the use of narrow and wide reflective equilibrium, especially in the “Outline of a decision procedure for ethics”, A Theory of Justice and “The independence of moral theory” and the use of general and full reflective equilibrium in Justice as Fairness, Political Liberalism, “Reply to Habermas” and The Law of Peoples. In the final part of the text, the idea is to defend the reflexive equilibrium as a very adequate method to obtain the objectivity of ethical beliefs, which can be interpreted as a kind of moral knowledge.
Keywords: Reflective equilibrium; Moral knowledge; Justice as fairness; John Rawls
Passados cinquenta anos da publicação da obra mais conhecida de John Rawls, a saber, A Theory of Justice, publicado originalmente em 1971, podemos constatar que o seu impacto foi arrasador na área de filosofia moral e política, não apenas pela defesa de um modelo contratualista para justificar princípios morais, no caso princípios de justiça que têm por conteúdo a igual liberdade, a igualdade equitativa de oportunidades e o bem-comum, o que caracteriza um liberalismo igualitário ou social, mas também em razão do método ou procedimento para justificar as próprias concepções morais dos agentes. Este é o método do equilíbrio reflexivo (ER). E em que pese a controvérsia que o método suscitou, o ER se tornou o procedimento por excelência na ética normativa e aplicada, bem como na filosofia social e política, exercendo, também, alguma influência até na área do direito. E isto porque propôs deixar de lado as questões controversas sobre o significado e verdade dos conceitos e juízos morais, bem como sobre a existência ou não de propriedades éticas, identificando a objetividade moral de forma inferencial. O ponto central do método é defender que a justificação moral não dependerá de um fundamento último, mas da coerência entra as crenças morais e não morais que são relevantes para um certo tema, sendo o ponto final de um processo deliberativo em que refletimos sobre e revisamos nossas crenças. Como afirmado por Scanlon, ele é único método defensável em questões morais, sendo as outras aparentes alternativas puras ilusões (SCANLON, 2003, p. 149).[1]
Kai Nielsen define o ER como um método coerentista de explanação e justificação usado em filosofia moral, filosofia social e política, filosofia da ciência, filosofia da mente e epistemologia. A ideia central é confrontar os juízos morais particulares, os princípios gerais e as regras e práticas morais, as modificando quando da existência de alguma incompatibilidade entre elas, até que se tenha alcançado um padrão normativo consistente e coerente. Este é um processo indefinido, pois sempre novas crenças podem entrar no sistema coerente, forçando a revisão de uma ou algumas das crenças. Assim, o método se caracteriza por ser falibilista, antiabsolutista, holístico, pluralista e construtivista (NIELSEN, 2004, p. 546).
Em que pese sua forte influência na ética, este método surgiu inicialmente com Nelson Godman, em seu clássico texto Fact, Fiction, and Forecast, publicado em 1955, com a abordagem da justificação das regras de lógica indutiva ou dedutiva. A ideia central defendida por ele é que podemos justificar as regras inferenciais em lógica as colocando em equilíbrio com o que julgamos serem inferências aceitáveis em um conjunto significativo de casos. Assim, nenhuma regra inferencial seria aceitável como princípio lógico se não for compatível com o que tomamos por instâncias aceitáveis de raciocínio inferencial. Dessa forma, os princípios de inferência dedutiva são justificados por sua conformidade com as próprias práticas dedutivas. E estas práticas podem e devem ser revisadas à medida em que se avança e recua na tentativa de identificação dos princípios provisórios para a prática, eliminando as inconsistências que são reveladas por estudos psicológicos e nossas experiências diárias. A ideia era se contrapor ao fundacionismo, evitando a justificação dos princípios em crenças autojustificadas.[2]
Este método de justificação holístico e antifundacionista foi adotado por Rawls na ética normativa, aplicando-o sobre as crenças morais, ou melhor, sob um domínio específico da moralidade, a saber, o da justiça social. Assim, iniciamos com os juízos sobre a justiça que se tem grande confiança e segurança (juízos ponderados) e um conjunto de princípios que explicam estes juízos. Por exemplo, as convicções de que a intolerância religiosa e a discriminação racial são injustas são juízos proferidos sem distorções, considerando nossa realidade social democrática, é claro e, assim, os princípios de justiça de igual liberdade, igualdade equitativa de oportunidades e o princípio da diferença explicam estas convicções ou, dito de outra forma, eles descrevem nosso senso de justiça (RAWLS, 1971, pp. 46-47/41-42 rev.). Posteriormente, testamos estes princípios em diferentes casos, de forma a verificar se eles geram outros juízos que estamos preparados para endossar e, se for o caso, revisamos os princípios ou os juízos quando não obtivermos consistência. Por exemplo, julgar que a taxação progressiva fere o direito de propriedade parece incoerente com o princípio liberal da propriedade privada e com o princípio da decisão democrática, princípios que, em princípio, são aceitos pelos agentes por serem básicos em uma democracia liberal, o que exigirá a revisão desta crença. Todo este processo está aberto à revisão, sendo um ideal que continua indefinidamente.[3]
O ER é um exemplo de um modelo em filosofia moral cuja característica central é a sua atitude revisionista, uma vez que nenhuma crença moral está imune à revisão e qualquer crença pode ser descartada se ela for incoerente com novas informações ou com um novo sistema de crenças morais coerentes, o que demonstra um profundo afastamento do dogmatismo e absolutismo ao defender a ideia de um agente moral como alguém que deve sempre estar disposto a revisar suas crenças e considerar seriamente o ponto de vista das outras pessoas. E isto parece mais adequado a um projeto que busca identificar uma concepção de justiça para ordenar a estrutura básica em uma sociedade democrática e pluralista.[4]
Ainda sobre a relevância do método, é importante fazer referência ao texto “Toward Fin de siecle Ethics: Some Trends”. Em sua reconstrução do percurso histórico da metaética no século XX, Darwall, Gibard e Railton, apontam que o ER, assim como proposto por Rawls, teve o mérito de ter superado a investigação ética que estava reduzida apenas a uma análise lógica da linguagem moral, como se pode observar nas investigações sobre o significado e verdade dos conceitos e juízos morais ou sobre a existência ou não das propriedades morais, tais como as conduzidas por Moore, Schilick, Hare, Stevenson, entre outros, o que praticamente paralisou a discussão sobre questões morais e políticas substanciais em razão de uma forte postura anticognitivista, tomando os juízos morais apenas como expressões de sentimentos ou como forma de aprovação subjetiva, não os considerando como objetivos. Quando Rawls propôs testar os princípios morais (de justiça) com base na coerência com nossos juízos ponderados e com as teorias em equilíbrio reflexivo ele oportunizou uma alternativa em epistemologia moral, reintroduzindo a ética normativa em um domínio cognitivo, o que caracterizou, para os autores em tela, a grande expansão da metaética no final do século vinte, pois oportunizou investigações posteriores muito frutíferas sobre a normatividade, razões, escolha racional, teoria dos jogos, bem como sobre justificação prática (DARWALL; GIBBARD; RAILTON, 1992, pp. 121-124).
Entretanto, mesmo com a grande aceitação do ER, principalmente na filosofia prática, ainda existem muitas críticas que questionam a validade do método. Os principais problemas identificados são de conservadorismo e relativismo. Uma acusação já bem conhecida desde a publicação de A Theory of Justice, é que a pretensão coerentista do método seria problemática porque tomaria como base as intuições morais, isto é, as convicções ponderadas, e isto poderia implicar em conservadorismo, de forma que os juízos morais apenas refletiriam os próprios preconceitos dos agentes. Este é o problema sobre a credibilidade inicial das crenças.[5] Outra preocupação é que o antifundacionismo do método poderia implicar em relativismo, uma vez que ele é dependente da revisibilidade das crenças, não contando com crenças básicas, autojustificadas e, assim, o método não alcançaria a objetividade pretendida. Apenas obter coerência entre diversas crenças não seria suficiente para se chegar ao conhecimento moral.[6]
Dito isto, o objetivo do texto é refletir sobre o escopo do ER, investigando em que sentido ele pode implicar em conhecimento moral, uma vez que pretende alcançar a objetividade nas avaliações éticas. E como Rawls o utilizou em sua teoria, queremos compreender melhor qual o seu papel na construção e justificação dos princípios da justiça como equidade, considerando se as críticas endereçadas ao método são pertinentes ou não. Para tal, iniciamos abordando a influência do ER na ética normativa, filosofia política, bioética e no direito. Posteriormente, investigamos o papel do ER na teoria da justiça de Rawls, identificando inicialmente o uso do ER estreito (narrow) e amplo (wide), sobretudo nas obras “Outline of a decision procedure for ethics”, A Theory of Justice e “The independence of moral theory” e, posteriormente, analisando o uso do ER geral (general) e pleno (full), especialmente nas obras Justice as Fairness, Political Liberalism, “Reply to Harbermas” e The Law of Peoples. Por fim, defenderemos o ER como um método adequado para se obter objetividade dos julgamentos morais, possibilitando um tipo de conhecimento moral que é muito relevante para subsidiar nossas decisões, sobretudo em situações de incerteza.
Como já dito anteriormente, a despeito das muitas críticas que foram e ainda são endereçadas ao ER, sobretudo com a acusação de conservadorismo e relativismo, podemos facilmente perceber a grande influência que este método exerceu e ainda exerce nas áreas de ética normativa, ética aplicada, em especial a bioética, filosofia social e política e, também, na filosofia do direito, sendo uma referência relevante, até mesmo, para algumas teorias de responsabilidade moral, como é o caso da teoria semicompatibilista defendida por Fischer e Ravizza. Gilbert Harman, por exemplo, faz esta constatação ao identificar que o modelo holístico e antifundacionista do ER consta como uma das três principais tendências em filosofia moral e política dos últimos cinquenta anos, usando a estratégia de harmonizar os juízos particulares e princípios morais entre si na tentativa clara de alcançar um ajuste mútuo. O ponto central desta tendência foi, ao invés de reivindicar um tipo de intuicionismo ou de naturalismo, defender que podemos encontrar uma justificação objetiva das crenças através da correção de nossas intuições ponderadas sobre certos casos particulares pela coerência com certos princípios gerais e vice-versa. A ideia básica é que progredimos na investigação realizando um ajuste mútuo em nossas próprias concepções normativas. E os exemplos desta tendência antifundacionista seriam para ele, além da própria teoria da justiça de Rawls, a concepção de direito como integridade de Ronald Dworkin, a ética das virtudes naturalística de John McDowell, além de diversas éticas das virtudes, tal como as propostas por Stuart Hampshire e Rosalinda Hurthouse.[7] Eu ainda acrescentaria à lista, a teoria neocontratualista de T. M. Scanlon e as propostas neopragmatistas de Hilary Putnam e Richard Rorty.[8]
Como bem apontado por Harman, a concepção de direito como integridade defendida por Dworkin é um importante exemplo da influência antifundacionista do ER. E isto porque Dworkin defende princípios morais e políticos como fornecendo interpretações de nossas práticas políticas e jurídicas. Por exemplo, ele diz que certas maneiras de entender a integridade e santidade da vida humana se harmonizam com nossas práticas atuais e fazem com que as práticas sejam boas práticas de acordo com nossa compreensão. Tal como Rawls, Dworkin inicia como as nossas visões e práticas atuais sobre um domínio específico, neste caso o direito, ao invés de definições ou outros princípios autoeviedentes. Importante ressaltar que o projeto de Dworkin, como crítico tanto do positivismo como do jusnaturalismo, tem por base o interpretativismo, cujos elementos centrais são fornecidos pelos conceitos de integridade e coerência. Em Law’s Empire, por exemplo, ele defende a tese de que o raciocínio jurídico é um exercício de interpretação construtiva, de forma que (i) o Direito constitui a melhor justificativa do conjunto de nossas práticas jurídicas e que (ii) é a narrativa que faz essas práticas as melhores possíveis. Assim, decisões jurídicas interpretam a prática jurídica contemporânea como uma política em processo de desenvolvimento, identificando os valores de integridade, continuidade e coerência (DWORKIN, 1986, pp. vii-x). E, em Justice in Robes, Dworkin afirma que a objetividade não depende de pressupostos metafísicos realistas, de forma que a verdade objetiva de uma proposição dependeria de um fundamento em uma realidade que iria além das próprias razões substantivas. Para ele, as razões substantivas, tomadas em conjunto e mutuamente confirmadas, são suficientes para assegurar a objetividade (DWORKIN, 2006, pp. 259-261).[9]
A respeito da ética normativa, podemos mencionar a teoria das virtudes defendida por Stuart Hampshire que se valeu claramente do modelo holístico do ER. Em Two Theories of Morality, ele compara duas concepções radicalmente distintas de moralidade, a saber, as teorias de Aristóteles e Spinoza. E o ponto central da análise é a investigação sobre a relação entre intuições e teorias morais a partir da sua compreensão das características da ética aristotélica. Assim, para ele, a ética é análoga às teorias que tratam das práticas resultantes de um processo de habituação, como os jogos. Também, que uma concepção de um melhor tipo de vida e uma lista de virtudes necessárias para viver tal vida são elementos essenciais de uma teoria moral e que os valores são irredutivelmente plurais. E o mais importante, que o raciocínio prático, incluindo o raciocínio moral, envolve o equilíbrio e a reconciliação das considerações diversas e, muitas vezes, divergentes. A ideia defendida por ele é que o papel de uma teoria moral é, então, articular a estrutura das diversas crenças morais que os agentes têm boas razões para defender. Dito de outro modo, a teoria deve auxiliar o agente a descobrir as crenças que são equivocadas em razão de não serem consistentes com a própria estrutura das crenças. E, dessa forma, a teoria pode ser usada para corrigir as intuições morais, assim como a teoria e as intuições devem ser confrontadas e harmonizadas para se obter um equilíbrio reflexivo (HAMPSHIRE, 1977, pp. 1-95).[10]
Importante fazer referência que o ER é um método bastante utilizado em ética normativa, especialmente quando se faz necessário arbitrar entre as concepções divergentes dos agentes sobre o bom, o correto, o justo e, sobretudo, sobre as nossas obrigações morais. A esse respeito, quero destacar uma teoria geral sobre a responsabilidade moral que faz um uso muito particular do procedimento em tela. Em Responsibility and Control (1998), Fischer e Ravizza defendem uma teoria semicompatibiista da responsabilidade moral, tomando a concepção strawsiana de responsabilidade, uma vez que, para eles, ser moralmente responsável é ser um candidato apropriado das atitudes reativas, tais como ressentimento, indignação, gratidão e até mesmo culpa. Esta teoria toma por escopo tanto as ações e omissões, bem como as consequências dos atos, incluindo, também, o caráter dos agentes. Eles defendem que o agente é responsável moralmente por seu comportamento apesar da verdade do determinismo causal. E, assim, a responsabilidade moral não requer o tipo de controle que envolve a existência de possibilidades alternativas genuinamente abertas ao agente, o que eles classificam de controle regulativo (regulative control), mas requer o controle de direcionamento (guidance control) na sequência efetiva da ação, isto implicando uma capacidade do agente de responder às razões, devendo apresentar uma regularidade para reconhecer as ações morais (FISCHER; RAVIZZA, 1998, pp. 34-46).
Agora, uma questão relevante é saber como eles procedem na construção de tal teoria. E a resposta é que eles fazem uso da metodologia do ER. Iniciam dizendo que se deve tentar articular as concepções compartilhadas de responsabilidade moral contidas em uma sociedade democrática. Então, se supõe que haja um acordo suficiente sobre estas questões de obrigação moral – em um certo nível de reflexão – para justificar o engajamento sobre estas concepções compartilhadas. Nas palavras dos autores: “Nosso método será, então, similar ao método rawlsiano de buscar um ‘equilíbrio reflexivo’ em um domínio relevante” (FISCHER; RAVIZZA, 1998, pp. 10). E adoção do ER significará que se inicia identificando os juízos ponderados sobre os casos particulares, casos reais e hipotéticos, em que um agente tem responsabilidade moral sob tal caso. Então, se explora os padrões destes juízos e se tenta encontrar princípios mais gerais que os sistematizem e os iluminem. Com isso, estes juízos intuitivos são considerados em um nível maior de generalidade, podendo, então, incluir outros princípios plausíveis e atrativos, bem como outros fatos sobre a natureza humana e a sociedade, o que remete a um ER amplo (wide) (FISCHER; RAVIZZA, 1998, pp. 10-11).[11]
E além da ética normativa, o ER parece exercer uma influência ainda maior na ética aplicada, em especial na bioética. A utilização deste método em questões de bioética, como as que tratam da correção ou incorreção do aborto, eutanásia, medicina reprodutiva e melhoramento humano, apenas para exemplificar, tem tido grande sucesso em razão de uma grande expectativa que ele possa mostrar um ponto comum normativo que nos levaria ao consenso, em que pese a grande controvérsia envolvida nestas questões. Por exemplo, uma das teorias mais influentes na bioética, a saber, o principialismo de Beauchamp e Childress, expressamente diz fazer uso desta metodologia ao buscar um ajuste apropriado entre as crenças em um nível maior de generalidade. Em Principles of Biomedical Ethics, é afirmado que o objetivo do ER é produzir um equilíbrio entre todas as crenças (morais, empíricas e teóricas), fazendo um ajuste constante e buscando a coerência entre elas, de forma que as intuições morais devem ser coerente com os princípios, como os de autonomia, não-maleficência, beneficência e justiça e com as virtudes de cuidado, compaixão, discernimento, confiabilidade e integridade etc., e com as teorias morais, como a deontológica, utilitarista, ética do cuidado, entre outras.[12]
Importante destacar que na obra Principles of Biomedical Ethics, o ER é introduzido como um modelo integrador. Na seção intitulada “An Integrated Model Using Reflective Equilibrium”, os autores defendem que tanto um procedimento de cima para baixo quanto de baixo para cima precisam de complementação, pois os princípios precisam ser especificados para os casos e estes precisam de justificação a partir dos princípios. A ideia geral é que nem dedutivistas e nem indutivistas estariam corretos, uma vez que não haveria uma ordem fixa de influência ou dependência do geral para o particular e vice-versa. Por isso, os autores argumentam que para a bioética poder avançara, se faz necessário um modelo integrador como o do ER, de forma a estabelecer coerência entre as intuições, os princípios e as teorias morais (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2009, pp. 381-387).[13]
Um último comentário sobre a influência do ER também na ética aplicada. Em recente artigo, Savulescu et al. defendeu o método do ER, de forma a usá-lo para acomodar a preferência pública sobre como os veículos autônomos devem decidir em situações de emergência, em tensionamento com os princípios de certas teorias éticas, como o utilitarismo, deontologia e contratualismo. Ele chamou este método de Equilíbrio Reflexivo Coletivo na Prática (Collective Reflective Equilibrium in Practice – CREP). Em CREP, os dados coletados e tabulados sobre as preferências públicas ao redor do mundo, com a utilização da plataforma on line Moral Machine, devem servir apenas como input em um processo deliberativo público que busca pela coerência entre as atitudes, comportamentos e princípios éticos, e não como a última palavra sobre a questão, uma vez que as intuições morais podem expressar preconceitos, vieses e interesses pessoais e/ou corporativos (SAVULESCU et al., 2021, pp. 1-2). A ideia é ver se os juízos ponderados sobrevivem se confrontados aos princípios éticos do utilitarismo, kantismo e contratualismo. E, em caso de inconsistência, devemos revisar nossas crenças iniciais que temos grande confiança para alcançar uma situação de reflexão adequada. De posse disto, eles propõem uma política pública que teria por critério normativo salvar preferencialmente os seres humanos e salvar o maior número de pessoas. Por sua vez, a preferência em salvar os jovens poderia ser objeto de posterior deliberação, pois demandaria pesquisa empírica adicional e a preferência pelas mulheres seria descartada por ser rejeitada pelas três teorias éticas, o que significaria realizar uma revisão nas convicções morais (SAVULESCU et al., 2021, pp. 5-12).
Mas, como é a teoria da justiça como equidade a referência central do uso do ER em filosofia moral e política, vamos investigar detalhadamente as características deste procedimento na teoria rawlsiana.
3- ERE (ER ESTREITO - NARROW) E ERA (ER AMPLO - WIDE)
Uma diferença que penso ser fundamental para compreender o papel específico do ER na nova teoria moral (contratualista) criada por Rawls, chamada de justiça como equidade (justice as fairness), que se pretende mais adequada do que as teorias morais utilitaristas, kantianas (deontológicas) ou mesmo as perfeccionistas (como a teoria das virtudes) para a tarefa de estabelecer (criar) princípios morais de justiça para ordenar a estrutura básica da sociedade é a distinção entre o ERE e o ERA. No ERE, a coerência ou consistência deve ser alcançada entre certas crenças morais ponderadas e um ou alguns princípios éticos, de forma que as crenças justifiquem os princípios ou que os princípios justifiquem as crenças por sua consistência interna. Já no ERA, a coerência deve ser alcançada entre as crenças morais ponderadas, os princípios éticos e mais um conjunto de princípios gerais e as crenças pertencentes às teorias científicas, como as que procuram explicar o funcionamento social, econômico e psicológico, por exemplo. E importa frisar, esta justificação se dá em nível pessoal, na forma que um agente estaria justificado em acreditar que tal coisa é correta em um certo domínio. Esta distinção é importante porque já antes da publicação de A Theory of Justice, Rawls utilizava o ERE em suas investigações sobre um procedimento de decisão em ética.
Em “Outline of a Decision Procedure for Ethics”, que sintetizou sua tese de doutorado, “A Study in the Grounds of Ethical Knowledge: Considered with Reference to Judgments on the Moral Worth of Character”, Rawls faz uso do ERE, tendo uma abordagem mais científica e menos política da questão de como justificar as decisões éticas. O ponto central foi defender que podemos identificar a objetividade da moralidade não na existência de entidade morais ou nas emoções como causas dos juízos éticos, mas através de um método confiável para validar uma regra moral que será a evidência da decisão ética correta. Estabelecendo uma analogia com o método científico, a ética terá o papel de criar um procedimento indutivista, descobrindo critérios razoáveis para determinar a correção de uma proposição moral. E este critério será dado por princípios morais razoáveis, que são os reconhecidos por juízes competentes (RAWLS, 1951, p. 177). Importante destacar que, para Rawls, este procedimento que visa esclarecer como devemos pensar e decidir em casos morais conflitantes tem três etapas.
A primeira etapa consiste em definir uma classe de juízes morais competentes (competent moral judges), entendidos como aqueles que: (i) possuem um certo grau de inteligência, (ii) têm conhecimento de certos fatos relevantes sobre si e o mundo, (iii) são razoáveis e (iv) tem um conhecimento empático dos interesses humanos nos casos conflitantes. E a pessoa razoável é definida da seguinte maneira: (1) tem uma disposição de usar o critério de lógica indutiva para determinar o que é apropriado acreditar; (2) mostra uma disposição para encontrar razões contra e a favor de uma certa linha de conduta, quando confrontado com uma questão moral; (3) exibe um desejo de tratar as questões com a mente aberta, significando a capacidade de reconsiderar as próprias posições a partir das evidências apresentadas em uma discussão; (4) sabe ou tenta saber suas predileções emocionais, intelectuais e morais e se esforça para levar isso em conta na reflexão do mérito da questão, o que implica em ter consciência da influência dos preconceitos e vieses cognitivos nas avaliações e não é fatalista sobre estes efeitos. Assim, os juízes morais competentes são definidos não pelos princípios que escolhem, mas pelas características que possuem, a saber, as capacidades de inteligência e conhecimento e as virtudes de razoabilidade e empatia/imparcialidade (RAWLS, 1951, pp. 178-179).
Na segunda etapa, se deve selecionar uma classe de juízos morais ponderados (considered judgments), que são definidos como os que são imunes às condições distorcidas, como ter receio de punição ou retaliação, que são precedidos de uma investigação cuidadosa, que mantêm a integridade do juiz, que são de fácil julgamento na vida cotidiana, que são estáveis, certos e intuitivos com respeito aos princípios éticos (RAWLS, 1951, pp. 181-183). E a terceira etapa consiste em descobrir e formular uma explicação satisfatória do alcance destes juízos ponderados de juízes competentes, sendo este “(...) processo visto como um dispositivo heurístico que pode gerar princípios razoáveis e justificáveis (RAWLS, 1951, p. 184).[14]
Com isso se chega ao teste para verificar se um juízo em um caso particular é racional. Em outras palavras, se evidencia a racionalidade do juízo mostrando que, dados os fatos e os interesses em conflito, o juízo é capaz de ser explicado por um princípio ou conjunto de princípios justificáveis. Mas, o que faz os princípios serem razoáveis e justificáveis? Rawls apresenta quatro critérios para tal: (i) eles explicam os juízos ponderados de juízes competentes, (ii) a razoabilidade do princípio é testada pela sua capacidade de ser aceito por juízes morais competentes após pensarem livremente nos seus méritos, (iii) verificando se ele funciona em casos de difícil solução e (iv) verificando se ele se mantém em contraposição a uma subclasse de juízos ponderados de juízes competentes (RAWLS, 1951, pp. 187-189).
Agora, deixam-me ilustrar o método com um caso de aplicação para a sua melhor compreensão. O problema da justificação da punição é um exemplo de uma questão de difícil solução e que apresenta posições conflitantes, como a utilitarista (preventivista) e a retributivista, por exemplo, entre outras. Então, se um princípio ou conjunto de princípios pode ser formulado evidenciando uma capacidade de resolver este problema, tendo a aceitação de todos ou quase todos juízos competentes, então, este princípio passaria no teste neste caso específico (RAWLS, 1951, p. 188). Em “Two concepts of rules”, Rawls propõe que a instituição da punição se justifica por seu efeito preventivo e que o ato particular punitivo só se justificaria se centrado na culpa do agente. E, assim, o princípio da punição com fins preventivistas que proíbe a punição do inocente se justifica pela coerência com os nossos juízos ponderados. E isto porque um legislador ideal não criaria uma regra que permitisse punir um inocente com fins preventivos porque (i) haveria um risco de abuso do poder discricionário das autoridades e (ii) estaria em descordo com nossos juízos ponderados, que tomam como correto punir apenas o culpado (RAWLS, 1955, pp. 4-13). Este princípio é razoável porque explica os nossos juízos ponderados, sendo aceito por juízes competentes após reflexão adequada e porque resolve o problema ao congregar elementos normativos das duas teorias mais influentes do debate.
Como isso, podemos identificar a defesa de um tipo de racionalismo ético com o ERE, considerando este racionalismo não com a posição de que existem princípios morais aceitáveis que podem ser justificáveis pela razão teórica sozinha, mas, analogamente à razão indutiva, com a concepção de que existem princípios para justificar decisões éticas, ambas relacionadas a nós mesmo e aos outros, em que os princípios são capazes de satisfazer o teste de aceitabilidade de pessoas competentes.[15]
Diferentemente dos textos anteriormente referidos, em A Theory of Justice Rawls emprega o método de ERA, como podemos verificar nas seções 4 e 9, em que ele agrega para além da coerência entre os juízos ponderados e os princípios éticos, as crenças de sociedade cooperativa e pessoas morais contidas na teoria contratualista da justiça, de forma que os princípios serão tomados como objetivos se os envolvidos (partes) no acordo (posição original) puderem aceitá-los a partir de uma situação de simetria (véu da ignorância) e serão testados por sua coerência com os juízos ponderados, expressando o nosso próprio senso de justiça. E esta distinção já responde ao alegado problema de conservadorismo, o que implicaria que os princípios de justiça expressariam apenas os preconceitos dos agentes e não o justo.
Rawls diz que o objetivo de sua teoria é estabelecer os termos da cooperação equitativa que devem orientar agentes morais, que são livres e iguais, em sua escolha dos princípios de justiça para orientar as principais instituições políticas, econômicas e sociais de uma sociedade democrática. Nessa concepção, a perspectiva apropriada para escolher entre concepções conflitantes de justiça é a de um contrato social hipotético em que as partes contratantes têm o conhecimento restrito de sua situação específica, bem como de suas motivações mais profundas, não sendo influenciados pela sorte natural e circunstâncias sociais. Como esta situação de escolha é equitativa (fair) para todos, Rawls chama de justice as fairness a concepção que daí emerge. Sob estas restrições (situação de simetria), Rawls postula que os contratantes escolheriam princípios mais razoáveis que garantiriam a igual liberdade, a igualdade equitativa de oportunidades e o princípio que permitiria a desigualdade apenas se ela melhorar a situação dos menos favorecidos (RAWLS, 1971, pp. 17-19/15-17 rev.).
Além disso, há uma condição adicional para justificar os princípios de justiça, a saber, eles devem se harmonizar com as nossas convicções ponderadas de justiça em ERA, convicções que intuitivamente temos grande confiança, como as que afirmam que “(...) a intolerância religiosa e a discriminação racial são injustas” (RAWLS, 1971, p. 19/17 rev.) E Rawls destaca que estas convicções são pontos fixos provisórios (provisional fixed points) que presumimos que qualquer concepção de justiça deve satisfazer. Mas, em não havendo coerência, devemos modificar estas restrições de escolha na situação contratual ou revisar nossos juízos existentes, ou até mesmo os juízos que tomamos provisoriamente como pontos fixos. A ideia é que fazendo essa revisão, podemos encontrar uma descrição da situação de escolha que tanto expresse as condições razoáveis como assegure os princípios que sejam coerentes com nossos juízos ponderados Por exemplo, podemos revisar nossas convicções sobre a correta distribuição de riqueza e autoridade à luz dos princípios éticos que acomodam nossas convicções morais mais firmes (RAWLS, 1971, p. 20/18 rev.). Nas palavras de Rawls:
Chamo a essa situação de equilíbrio reflexivo. É um equilíbrio porque, finalmente, nossos princípios e juízos coincidem; e é reflexivo uma vez que sabemos a quais princípios nossos juízos se conformam e as premissas de sua derivação. (...) Por enquanto, fizemos tudo ao nosso alcance para tornar coerentes e justificar nossas convicções de justiça social. Alcançamos uma concepção da posição original (RAWLS, 1971, p. 20-21/18 rev.).[16]
Essa condição significa uma garantia adicional de que o resultado do processo deliberativo sobre os termos equitativos de cooperação na posição original conta realmente com um enfoque na justiça e não em outro domínio. O modelo de construção – contrato – nos ajuda a determinar quais princípios devemos escolher entre as visões concorrentes de justiça, mas a justificação no seu uso para garantir a estabilidade social deve vir do ERA. E isso porque Rawls defende que os princípios propostos não sejam verdades necessárias ou derivados de tais verdades, como deduzidos de premissas autoevidentes. Ao contrário, a justificação dos princípios “(...) é uma questão de apoio mútuo de várias considerações, de tudo se encaixando em uma visão coerente” (RAWLS, 1971, p. 21/19 rev.).
Na seção 9 de A Theory of Justice, fica mais fácil compreender que o método que está sendo adotado por Rawls é o de ERA. E isso porque, para ele, o papel da teoria moral é descrever nossa capacidade moral (gramática moral) ou, no presente caso, o papel é descrever nosso senso de justiça, que são expressos pelos juízos ponderados dos agentes. Rawls diz que: “(...) Uma concepção de justiça caracteriza nossa sensibilidade moral quando os juízos que fazemos cotidianamente estão de acordo com estes princípios” (RAWLS, 1971, p. 46/41 rev.). O ponto defendido é que não podemos entender nosso senso de justiça até sabermos sistematicamente uma ampla gama de casos que serão abarcados pelos princípios. E no artigo “The independence of moral theory, Rawls diz explicitamente que “(...) porque nossa investigação é filosoficamente motivada, estamos interessados em quais concepções as pessoas afirmariam quando alcançassem um equilíbrio reflexivo amplo (wide) e não apenas estreito (narrow)”, isto implicando investigar que princípios as pessoas aceitariam se tivessem a oportunidade de considerar outras concepções plausíveis de justiça (RAWLS, 1975, p. 8).[17]
Note-se que os juízos ponderados são os que expressamos quando nossa capacidade moral é exercida sem distorções. Isso representa descartar juízos feitos com hesitação ou com pouca confiança, bem como descartar os juízos feitos quando estamos aborrecidos ou ameaçados. Assim, se pode dizer que a justiça como equidade é a hipótese de que os princípios escolhidos na posição original são idênticos aos que se encaixam com nossos juízos ponderados e, então, estes princípios descrevem nosso senso de justiça (RAWLS, 1971, 48/42 rev.).[18] Dessa forma, se pode observar que do ponto de vista de uma teoria moral, a melhor concepção de um senso de justiça de uma pessoa é o que se harmoniza com seus juízos em todos os níveis de generalidade, isto é, quando a pessoa pesou várias concepções propostas e revisou seus juízos de acordo com os princípios. Em ERA, ampliamos o campo de crenças morais e não morais relevantes, incluindo a teoria social geral, para incluir uma descrição das condições sob as quais seria justo para pessoas racionais e razoáveis escolherem entre princípios concorrentes, bem como a evidência de que os princípios resultantes constituem uma concepção viável de justiça, ou seja, que as pessoas poderiam sustentar seu compromisso com tais princípios. O argumento é que seria a justiça como equidade que emergia em ERA, e não alguma concepção utilitarista ou perfeccionista (RAWLS, 1971, p. 49-50/43 rev.).[19]
4- ERG (ER GERAL – GENERAL) E ERP (ER PLENO – FULL)
Pelo que vimos anteriormente, embora haja distinções relevantes entre o ERE formulado de maneira mais científica e o ERA formulado a partir de uma teoria contratualista, é importante compreender seus pontos de contato, a saber, que os princípios de justiça (que são princípios morais razoáveis) se justificam por sua aceitabilidade por pessoas racionais e razoáveis (ou juízes morais competentes) e por sua coerência com os juízos morais ponderados assegurados por estes agentes e, também, por sua capacidade de resolver o problema em uma situação difícil em que há conflito, no caso um conflito sobre a abrangência e significado da justiça social. E esta constatação é relevante para entender um pressuposto central da teoria moral-política desenvolvida por Rawls: sua ideia original foi conectar a descrição com a prescrição, isto é, ele buscou conectar os aspectos normativos da justificação dos princípios de justiça com os aspectos descritivos da explicação das diversas práticas de justiça, conectando os valores a partir de uma regularidade dos próprios fatos, estabelecendo a objetividade moral a partir da construção de um ponto de vista normativo que todos podem aceitar por sua razoabilidade, o que já torna possível responder a objeção de que este modelo construtivista implicaria em relativismo. E esta conexão entre fatos e valores, penso, fica ainda mais clara em suas obras posteriores, como no Political Liberalism e The Law of Peoples.[20]
Por exemplo, na Conferência III do Political Liberalism, Rawls diz que:
Dizer que uma convicção política é objetiva implica em dizer que existem razões, especificadas por uma concepção política razoável e reconhecida mutuamente, suficientes para convencer todas as pessoas razoáveis que isto é razoável (RAWLS, 1996, p. 119).
O construtivismo político não busca algo para estabelecer a razoabilidade da afirmação de que a escravidão é injusta, como se a razoabilidade dela precisasse de algum tipo de fundamento. Podemos aceitar provisoriamente, embora com confiança, certos juízos ponderados como pontos fixos, como os que tomamos como fatos básicos, como a escravidão ser injusta. Mas apenas temos uma concepção política totalmente filosófica quando tais fatos forem coerentemente conectados entre si por conceitos e princípios aceitáveis para nós sob a devida reflexão (due reflection) (RAWLS, 1996, p. 124).
O ponto a ser destacado é que estes fatos básicos, tal como considerar a escravidão injusta, bem como considerar a tirania, a exploração, a perseguição religiosa como injustas, são tomados como pontos fixos provisórios, que são compreendidos como uma referência normativa factual para o estabelecimento da justiça como equidade. Não é sem razão que Rawls inicia o Political Liberalism descrevendo as características de sociedades democráticas que se instituíram a partir da modernidade com a defesa das ideias de liberdade, igualdade, tolerância, democracia etc. Assim, a partir de um tipo de descrição de certas práticas, se pode identificar certas ideias normativas centrais, como a da sociedade equitativa de cooperação social ao longo do tempo, que congrega as ideias de sociedade bem-ordenada e a de cidadãos como livres e iguais. E são estas ideias que serão pressupostas na posição original (PO) para a escolha dos princípios. Com isso, a normatividade será encontrada nas próprias práticas de justiça de sociedades democráticas. Entretanto, ela precisa ser testada. Aqui aparece a clara função do ER: “Expressamos isto dizendo que uma concepção de justiça, para ser aceitável, deve estar de acordo com nossas convicções ponderadas, em todos os níveis de generalidade, sobre uma reflexão adequada, ou o que eu chamei em outro lugar de ‘equilíbrio reflexivo’” (RAWLS, 1996, p. 8).[21] E, importante notar, como afirmado em “Reply to Habermas”, que este ER deve ser compreendido como um ponto ao infinito que nunca poderemos alcançar, mas que podemos chegar próximo “(...) no sentido de que através da discussão, nossos ideais, princípios e juízos pareçam mais razoáveis para nós” (RAWLS, 1996, p. 385).
Assim, Rawls abandona a sugestão de que todas as pessoas poderiam convergir no mesmo ERA compartilhado em sua adesão à concepção de justiça como equidade. Essa importante mudança ocorre em razão do reconhecimento dos limites da razão (the burdens of judgment) e do fato do pluralismo razoável (reasonable pluralism). O ponto da mudança está no reconhecimento de que a complexidade, a incerteza e a variação das experiências humanas levam a razão, quando exercida em condições de liberdade, que é protegida pelos princípios de justiça, a um pluralismo inevitável de visões morais, religiosas e filosóficas abrangentes. Ao invés de apostar que a estabilidade seria alcançada quando os agentes defendessem os princípios de justiça em ERA, agora Rawls se contenta em considerar a estabilidade como resultado de um consenso sobreposto (overlapping consensus) ou de um ERG, o que significa que os cidadãos podem apoiar os dois princípios morais a partir do seu comprometimento com certas doutrinas abrangentes (religiosas, morais, metafísicas) diferentes, mas que podem conviver entre si, isto é, através de vários ERA.[22]
Importante frisar que a necessidade de chegar a um acordo na forma de um consenso sobreposto a partir de pontos de vista diversos surge internamente sob as condições de liberdade e os limites da razão e é evidenciado ainda pelas diferentes perspectivas que podemos obter de uma visão global das questões. Como dito corretamente por Daniels, Rawls impôs três condições básicas aos princípios da justiça. Primeiro, eles devem ser escolhidos entre alternativas plausíveis em condições justas para todos os contratantes, isto é, devem ser escolhidos na PO. Em segundo lugar, o que as partes escolhem deve corresponder aos nossos juízos morais ponderados e outras crenças em ERA. E, em terceiro lugar, os princípios devem incluir uma concepção estável de justiça, que é política, de forma que as pessoas se comprometeriam com eles em consenso sobreposto, isto é, a partir de seus diversos comprometimentos abrangentes, o que é o mesmo que um ERG. Entretanto, para os agentes estarem plenamente justificados em adotar a concepção política de justiça como equidade, concepção obtida em ERG, eles devem incorporar isto em ERA, de forma a incluir suas próprias doutrinas abrangentes. E isto apenas contará como uma concepção razoável se a concepção pública de justiça for coerente com suas outras crenças em ERA.[23]
Em “Reply to Habermas”, Rawls esclarece o significado do ERG, bem como do ERP. Ao negar a acusação de Habermas de que a PO seria monológica, ele ressalta o aspecto intersubjetivo da justificação empregada na justiça como equidade, uma vez que a conjectura da PO deve ser testada por: (i) um ERA em diferentes níveis de generalidade, (ii) um ERG para garantir a estabilidade ou um consenso sobreposto e (iii) um ERP, que conecta o ERA e o ERG. Rawls explica que o ERA é alcançado quando um cidadão considerou cuidadosamente as concepções alternativas de justiça e a força de seus argumentos e pode justificar sua crença nos princípios da justiça como equidade por sua coerência com seus juízos morais ponderados e suas convicções mais gerais. O problema é que em sociedades plurais, há um desacordo moral e religioso generalizado, de forma que muitos agentes podem chegar a conclusões diferentes estando em ERA. Lembrando que uma sociedade bem-ordenada é efetivamente regulada por uma concepção política de justiça, que é freestanding (autossuficiente), podemos imaginar cada cidadão desta sociedade como tendo alcançado um ERA distinto. Por exemplo, pessoas com credos religiosos diversos, sendo ou cristão, judeu, islâmico, budista ou mesmo ateu, bem como tendo posições teóricas distintas sobre a moral, sendo utilitarista, kantiano ou niilista, ou mesmo sendo realista ou antirrealista, podem concordar com os mesmos princípios de justiça a partir de seus juízos ponderados distintos, mas que serão coerentes com os princípios.
Dado que os cidadãos reconhecem que eles aceitam a mesma concepção pública de justiça, eles também alcançam um ERG. E isso porque, como explicado por Rawls “(...) a mesma concepção é afirmada nos juízos ponderados de cada um” (RAWLS, 1996, p. 384). Com isso, os cidadãos chegam a um ERP, que é o mesmo que chegar a uma situação que conecta o ERA e o ERG. Dessa forma, em tal sociedade, não apenas existiria um ponto de vista público do qual todos os cidadãos podem deliberar sobre questões de justiça política, mas também este ponto de vista seria mutuamente reconhecido em ERP, o que implica que este equilíbrio é inteiramente intersubjetivo (RAWLS, 1996, nota 16, pp. 384-385).[24]
Nessa parte final da seção, penso ser relevante expor o funcionamento do ER tal como ele opera na teoria de justiça global desenvolvida por Rawls. Em The Law of Peoples, ele propõe uma ampliação de seu modelo contratualista para especificar as regras do direito internacional. Inspirado na ideia de uma federação pacífica de povos, se estende o conceito de justiça de nível interno, de sociedades liberais nacionais, para um nível externo, denominado por sociedade dos povos, o que incluí os povos decentes, que são caracterizadas por “hierarquias de consulta decente”, isto é, são povos que respeitam os direitos humanos, mas que não assumem a igualdade de gênero e a democracia como valores centrais. Para tanto, se realiza a primeira PO, em que as partes nas sociedades nacionais escolhem os princípios de justiça que garantem a igual liberdade, a igualdade equitativa de oportunidades e o bem-comum com o princípio da diferença. Em um segundo nível dessa PO, as partes, que são representantes dos povos, deliberam e escolhem oito princípios de justiça: Os povos (1) são livres e independentes, devendo ser respeitadas por outros povos; (2) devem observar tratados e compromissos; (3) são partes iguais dos acordos que os vinculam.; (4) devem observar um dever de não-intervenção; (5) têm o direito a autodefesa, mas nenhum direito de instigar guerras por outras razões que não a autodefesa; (6) devem honrar os direitos humanos; (7) devem observar certas restrições específicas na conduta da guerra; (8) têm o dever de ajudar outros povos que vivem em condições desfavoráveis (RAWLS, 1999, p. 37).[25]
A controvérsia em questão é que estes princípios de justiça apenas garantiriam questões de civilidade e humanidade, sendo limitados no quesito de justiça global, isto é, no que diz respeito a um princípio de justiça distributiva entre os povos e, também, no que diz respeito a afirmação do valor incondicional da democracia (SEN, 2009, p. 26). A crítica principal ao texto, numa perspectiva cosmopolita global, foi a de não ter estendido ao nível internacional aquilo que a justiça como equidade defendeu no plano interno, isto é, uma perspectiva igualitarista (TAN, 2001, p. 495). Agora, importa perguntar porque isso ocorreu?
No meu entender, em primeiro lugar, pelo reconhecimento do fato do pluralismo razoável, o que significa compreender que vivemos em um mundo plural, que congrega muitas concepções abrangentes distintas, mas que podem conviver entre si. Por isso, o objetivo do direito dos povos, é inclusivo, querendo incluir, neste acordo, as sociedades bem-ordenadas, bem como aquelas hierarquicamente decentes, garantindo a autonomia dos povos, considerando que a autonomia é o critério normativo central compartilhado pelos povos (RAWLS, 1999, p. 85).
Em segundo lugar, em razão do ER, o que significa que os princípios que emergem da PO sob o véu da ignorância dependem amplamente dos juízos ponderados cumulativos no âmbito moral relevante, que devem ser aceitos por agentes (Povos) racionais e razoáveis. Para Rawls: “A concepção de contrato social do direito, mais do que qualquer outra concepção conhecida por nós, deve tomar em conjunto, em uma visão coerente, nossas convicções políticas ponderadas e juízos políticos (morais) em todos os níveis de generalidade” (RAWLS, 1999, p. 58).
Com uma melhor compreensão do uso do ER no Direito dos Povos, penso que podemos reconhecer que a teoria rawlsiana é fortemente dependente do contexto. No âmbito nacional de sociedades democráticas-liberais, por exemplo, se parte dos valores comuns de liberdade, igualdade, bem-comum, democracia etc. Mas, e no âmbito do direito internacional, quais seriam os valores comuns? Nesse domínio, Rawls pensa que devemos olhar para a cultura política pública global que reúne para além de povos democráticos-liberais, povos que respeitam os direitos humanos, mas que são provenientes de uma tradição teocrática e hierárquica. E assim, os princípios escolhidos expressariam nosso senso de justiça universal com os valores de autonomia, reciprocidade, humanismo, justiça, benevolência, entre outros, que podem ser endossados por sua razoabilidade após uma reflexão adequada ou em um ER global (RAWLS, 1999, p. 86).[26]
Nesta última parte do texto, quero tematizar brevemente a questão de se alcançar um estado de ER seria equivalente a ter conhecimento moral ou não. Se tomarmos o conhecimento de forma tradicional, como crença verdadeira justificada, a resposta à questão é certamente negativa, uma vez que a objetividade moral que resulta do ER é intersubjetiva, não se valendo de uma instância independente de fatos morais que seria a base correspondentista das verdades morais objetivas. Entretanto, como a questão do conhecimento ainda é uma questão em aberto, haja visto os exemplos de Gettier que, em “Is Justified True Belief Knowledge?”, mostram que se pode ter crença verdadeira justificada aleatoriamente[27], e dado que a história da filosofia moral nos revela que a noção de verdade ética é problemática, penso que o ER nos possibilita identificar os critérios normativos mais relevantes para nós a partir da maximização da coerência e do reconhecimento de sua razoabilidade. É claro que o método é insuficiente para identificar critérios normativos absolutos, uma vez que a revisibilidade/reflexibilidade é sua marca central. Entretanto, ele se mostra consistente com o ritmo e com a direção do progresso moral ao longo da história e com o fenômeno do desacordo ético entre as pessoas, sendo bastante eficiente para nos ajudar a decidir em casos morais difíceis que estão circunscritos pelo pluralismo razoável, isto é, circunscritos por diversas concepções morais, religiosas e filosóficas.[28]
No fim, é possível pensar que chegar a um estado de uma reflexão adequada, em que nossas convicções morais ponderadas estão em coerência com certos princípios éticos reconhecidos pela tradição e com certas crenças científicas aceitas como válidas pela comunidade é equivalente a ter conhecimento moral, compreendendo o conhecimento neste domínio em termos de graus e não em termos de tudo ou nada. E, claro, o conhecimento em tela não seria o mesmo que ter uma crença verdadeira justificada, mas algo como chegar a uma crença justificada em ERA.[29] Penso que esta perspectiva pode ser claramente compreendida na forma com que Rawls argumenta sobre a objetividade dos princípios de justiça. Eles são objetivos no sentido em que seriam aceitos por cada pessoa independentemente de suas preferências ou desejos pessoais, estando o conceito de objetividade referido à ideia de que a correção de certas crenças é universal, especificamente neste domínio prático, podendo ser interpretado como um sentido mínimo de objetividade.[30]
Nesse sentido, o método tem um caráter fortemente anti-essencialista sobre as intuições ou convicções dos agentes, sobre os fatos e os princípios morais e, mesmo, sobre a metodologia que possibilita o conhecimento. Como dito por Walden: “O (...) equilíbrio reflexivo deve ser entendido não como um método particular que apresenta teses sobre a natureza da evidência, sobre a metodologia e os critérios para o sucesso epistêmico, mas como o que resta de nossos métodos quando negamos que podemos fazer isso” (WALDEN, 2013, p. 255). Entretanto, nos oportuniza um roteiro bastante relevante para investigarmos casos morais e políticos difíceis, em que não há consenso, postulando uma solução que pode ser aceita por todos por sua razoabilidade, sobretudo, considerando que vivemos em sociedades democráticas.
A conclusão é que ao tratar de um caso difícil e em que há forte desacordo tanto entre as pessoas como entre as próprias teorias éticas, como é o caso do tratamento da justiça em nível nacional e global que foi realizado por John Rawls, chegar em um sistema coerente de crenças entre nossos juízos morais ponderados, certos princípios éticos aceitos pela tradição e, ainda, com certas teorias científicas validadas pela comunidade, em uma reflexão adequada, é já apresentar uma justificação dos princípios de justiça pelo respaldo que se obtém pelo “(...) apoio mútuo de muitas considerações, de tudo se encaixando em uma visão coerente” (RAWLS, 1971, p. 21/19 rev.), e isto pode ser tomado como um tipo de teste que nos garante a objetividade, sendo já um certo antídoto contra o ceticismo, mas que nos deixa atentos para o perigo do dogmatismo. É claro que seria mais seguro poder contar com uma teoria ética que nos mostrasse de forma absoluta o certo e o errado, o bem e o mal, o justo e o injusto, de forma que contaríamos com verdades morais objetivas que seriam evidências incontestáveis para nossas decisões e comportamento. Mas, como isto não está disponível para nós até o momento, se engajar em uma investigação reflexiva e holística sobre um certo domínio da moralidade, parece ser ainda tudo o que nos resta.
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Contribuição de autoria
1 – Denis Coitinho Silveira
Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Filosofia na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS)
https://orcid.org/0000-0002-2592-5590 • deniscoitinhosilveira@gmail.com
Contribuição: Redação – rascunho original
Como citar este artigo
SILVEIRA, D. C. Equilíbrio Reflexivo e Conhecimento Moral: o caso da teoria da justiça como equidade. Voluntas Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v. 13, n. 1, e2, 2022. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179378666931. Acesso em: dia mês abreviado. ano.
[1] De Paul é outro ardoroso defensor do método, dizendo que “O melhor que podemos fazer é refletir sobre as coisas e confiar nas conclusões a que chegamos” (DePAUL, 2006, p. 618). De forma similar, Walden afirma que: “Esta é a única concepção de normatividade que nos resta, uma vez que descobrimos que um tipo de absolutismo é impraticável” (WALDEN, 2013, p. 254). A esse respeito, também, ver Floyd, 2017, p. 2; Daniels, 1979, pp. 256-257; Nielsen, 1994, pp. 89-101.
[2] Godman reconhece que o método é circular, mas que a circularidade é virtuosa. Em suas palavras: “Principles of deductive inference are justified by their conformity with accepted deductive practice. Their validity depends upon accordance with the particular deductive inferences we actually make and sanction. If a rule yields unacceptable inferences, we drop it as invalid. Justification of general rules thus derives from judgments rejecting or accepting particular deductive inferences. This looks flagrantly circular. (...) But this circle is a virtuous one. The point is that rules and particular inferences alike are justified by being brought into agreement with each other. A rule is amended if it yields an inference we are unwilling to accept; an inference is rejected if it violates a rule we are unwilling to amend” (GOODMAN, 1983, pp. 61-62).
[3] Daniels explica que a descrição do nosso senso de justiça é um processo exploratório e deliberativo por meio do qual descobrimos os princípios que podemos justificar como restrição ao nosso comportamento, o que não significa que nossa concepção do que a justiça requer permaneça fixa. Ver Daniels, 2016. Scanlon, por sua ver, explica o método do ER como contendo três estágios: (i) se inicia identificando um conjunto de juízos ponderados sobre a justiça, sendo os juízos que parecem corretos sob certas condições, não estando influenciados por condições distorcidas; (ii) se tenta formular princípios que sejam expressões destes juízos; (iii) em caso de divergência, se deve modificar os juízos ou os princípios para se obter consistência. Ver Scanlon, 2003, pp. 140-141. Ver, também, o artigo de Tersman sobre o recente trabalho sobre o equilíbrio reflexivo e o método em ética (Tersman, 2018).
[4] Andreazza destaca corretamente que muitos filósofos tomam o ER como exemplo de uma epistemologia moral “(…) cuja grande virtude é a capacidade para acomodar o que podemos chamar de uma atitude revisionista: nenhuma crença moral é imune à revisão e qualquer crença moral está sujeita a ser descartada se se mostrar incoerente com novas informações ou com um novo sistema de crenças morais” (ANDREAZZA, 2015, pp. 473-474). Sobre a característica da revisibilidade, ver, também, Scanlon, 2003, p. 149; Daniels, 1996, p. 28; Brink, 1989, pp. 130-131.
[5] Brandt critica o método do ER porque ficções coerentes ainda continuam sendo ficções e, no caso moral, parecem apenas refletir nossos próprios preconceitos. Ver Brandt, 1979, pp. 16-22. Sua acusação é que o coerentismo acaba fazendo uso de um tipo de intuicionismo, mas não ofereceria nenhuma distinção epistemológica para creditar mais credibilidade a certas convicções morais. O ponto central é que essa abordagem implicaria conservadorismo epistêmico. Ver Brandt, 1990, pp. 265-272.
[6] Sobre esta crítica, ver artigo de Thomas Kelly e Sarah McGrath, “Is the reflective equilibrium enough?” (2010, pp. 334-341). Ver, também, as críticas de Hare, 1973 e Singer, 1974.
[7] Para Harman a segunda tendência foi o uso das intuições sobre casos particulares para se chegar a certos princípios morais, como se pode verificar nas discussões sobre os trolley problems desenvolvidas por Foot e Thomson, enquanto a terceira tendência foi o aumento da interação entre pesquisas científicas e filosóficas sobre a moralidade. Harman também observa que McDowell defende uma posição antifundacionista em sua ética das virtudes naturalística, apelando para o que ele chama de reflexão “neurathiana”, ponderando que mesmo na ética nós somos como navegadores que devemos arrumar o barco em mar aberto, não podendo contar com crenças autoevidentes para a justificação. Ver Harman, 2003, pp. 415-420.
[8] Putnam propõe seguir um modelo pragmatista em ética, entendendo a objetividade sem objetos, isto é, sem ter que contar com objetos metafísicos que sustentariam a verdade dos juízos morais, assumindo uma posição falibilista. Assim, a ética estaria ligada à solução de problemas práticos e deve ser guiada por vários apoios mútuos. Ver Putnam, 2004, pp. 15-32; 52-70. Rorty também advoga pelo pragmatismo para enfrentar os problemas morais e políticos, compreendendo a objetividade como intersubjetividade ou solidariedade e não como fundada em uma realidade independente da linguagem humana, defendendo expressamente o antirrepresetacionismo. Ver Rorty, 1991, pp. 1-34. Por sua vez, Scanlon defende uma teoria neocontratualista que especifica o critério moral pela justificação pública e razoabilidade, de forma que o que faz uma ação ser certa ou errada é o que pode ser justificado para outros sobre fundamentos que eles não podem razoavelmente rejeitar, não vinculando a objetividade em alguma realidade metafísica. Ver Scanlon, 1998, p.1-13; 198-247.
[9] É importante destacar que esta reflexão sobre objetividade é feita na parte do livro em que Dworkin analisa a importância da concepção de justiça de Rawls para o direito (Rawls and the Law). E ao refletir sobre a verdade e objetividade, faz menção à concepção de objetividade advogada por Rawls em Political Liberalism, que não se baseia na verdade perceptiva, mas tem por centro a coerência entre os juízos ponderados tomados como fatos básicos e os conceitos e princípios que são aceitáveis por nós sob uma reflexão apropriada. Para Dworkin: “Substantives reasons are enough. But they must not be isolated reasons. Our arguments for objectivity are sufficient only if they are sufficiently systematic and mutually and reciprocally examined” (DWORKIN, 2006, p. 260).
[10] Em Morality and Conflict, Hampshire argumenta que a moralidade não pode ser definida apenas por princípios racionais e universais. Ao contrário, diz que ela deve estar fundada em ideais conflitantes e mutáveis, valores peculiares a um tempo e cultura específicos, sendo essencial ao raciocínio moral os conflitos. Ver Hampshire, 1984, p. 116.
[11] Como classificado por Daniels, um ER amplo (wide) se caracteriza por testar a coerência de certas crenças morais em um nível maior de generalidade, o que implica testar a coerência destas crenças não apenas com certos princípios morais, mas com outros princípios mais gerais, além de testar sua coerência com certos fatos não morais que são encontrados em determinadas teorias, como fatos sobre a natureza humana e organização social e econômica. A ideia central é que um sistema coerente mais abrangente pode evitar o conservadorismo, uma vez que as convicções ponderadas dos agentes são contrastadas com crenças científicas. Na próxima seção, faremos uma distinção mais detalhada entre ER estreito (narrow) e amplo (wide). Nas palavras de Fischer e Ravizza: “We shall be seeking deeper, more general explanations of the patterns in those judgments, explanations that are satisfying and can fit the core of truths of the natural and social sciences. In other words, we shall be seeking what Norman Daniels has called a ‘wide reflective equilibrium’” (FISCHER; RAVIZZA, 1998, p. 11).
[12] Eles destacam que os juízos morais ponderados de um sistema coerente devem ter uma história rica em experiências morais significativas, o que implica que devem ser adquiridos, testados e modificados ao longo do tempo e isso reforça a confiança de que eles são credíveis e confiáveis. Argumentam que a fonte destes juízos ponderados confiáveis, necessários para a justificação, é a moralidade comum. Como exemplo desta moralidade comum está a fonte dos princípios básicos que exigem que respeitemos as pessoas (autonomia), que levemos em consideração seu bem-estar (beneficência e não-maleficência) e que as tratemos justamente (justiça). Dessa forma, eles unem o modelo do ER com a moralidade comum. Ver Beauchamp e Childress, 2009, p. 401-403.
[13] Sobre a influência do ER no principialismo de Buchamp e Childress, ver Dall’Agnol, 2011, pp. 151-156. Além de apontar as características centrais do procedimento nesta teoria bioética em questão, o autor também endereça uma importante crítica a ela: que o método do ER seria incoerente com a defesa de uma moralidade comum (eterna), uma vez que o fundacionismo seria inconsistente com o coerentismo do ER. Ver Dall’Agnol, 2011, p. 156. Ainda sobre um aspecto crítico, Arras pondera que a vantagem do ER estaria em sua característica inconclusiva, isso se explicando pelo método ser muito abrangente, uma vez que envolve crenças em todos os níveis de generalidade, além de ser indeterminado, pois não haveria uma direção evidente de como obter a coerência integral entre crenças divergentes e até mesmo contraditórias. Ver Arras, 2007, p. 55.
[14] Importante destacar que o objetivo de Rawls era desenvolver uma investigação ética com a tarefa específica de descobrir e validar princípios éticos, identificando a objetividade destes princípios em sua razoabilidade, sendo descobertos por sua aceitabilidade e validados por sua reflexividade, especificando a autoridade normativa no sentido coletivo do correto de homens e mulheres livres e iguais, com a característica de falibilidade. Para Rawls: “The view of moral authority, as adopted in the present essay, is that it can finally be located only in the collective sense of right of free and intelligent men and women. Even then, such an authority is not final, or infallible” (RAWLS, 1950, p. 8). A ideia básica é que juízos racionais de pessoas razoáveis são fundamentais para estabelecer uma base adequada para o conhecimento ético. Estes juízos ponderados serão o material do qual se construirá os princípios, servindo tanto como base para a explicação e construção, quanto como um teste para qual seja a teoria proposta. Ver Rawls, 1950, pp. 8- 68. Ver, também, Rawls, 1946, pp. 29-48.
[15] A ideia epistemológica básica é que a ética deve examinar cuidadosamente as instâncias das decisões morais intuitivas, aceitáveis e razoáveis. E como as instâncias adequadas para a epistemologia serão encontradas em teorias científicas reconhecidas, as instâncias adequadas para a ética serão encontradas nas decisões que resultam das discussões mantidas por eticistas, juristas e outras pessoas que tenham pensado cuidadosamente no assunto. O ponto central é que as evidências devem ser aceitáveis sob os cânones do procedimento indutivo. Ver RAWLS, 1951, p. 194. Sobre uma análise deste aspecto de cientificidade da ética em Rawls, ver Reidy, 2014, pp. 12-23.
[16] Rawls observa em nota de rodapé que este processo de ajuste mútuo de princípios e juízos ponderados não é peculiar à filosofia moral, fazendo referência à obra de Nelson Goodman, Fact, Fiction, and Forecast, em que se pode verificar este procedimento de justificação dos princípios de inferência dedutiva a indutiva. Ver RAWLS, 1971, nota 7, p. 20/18 rev.
[17] John Mikhail identifica duas funções diferentes do ER nas seções 4 e 9 de A Theory of Justice. Na seção 4, o ER teria a função de resolver as discrepâncias que podem surgir entre os juízos ponderados e os princípios escolhidos na posição original, sendo melhor entendido como um ERE. Na seção 9, por sua vez, Rawls caracteriza o ER diferentemente, não apenas como uma situação de equilíbrio para justificar os princípios, mas também como uma situação que surge após a pessoa ter tido oportunidade de avaliar e refletir sobre as concepções de justiça concorrentes a partir de seu próprio senso de justiça, o que pode implicar na revisão dos juízos iniciais, o que caracterizaria um ERA. Ver Mikhail, 2011, p. 11-26.
[18] Importante reconhecer que para Rawls as restrições da posição original são justas para todos os contratantes, uma vez que eles são livres e iguais, o que implica que podem formar e revisar suas concepções de bem e têm um senso de justiça. Há também um apelo ao ideal de uma sociedade bem-ordenada na qual os princípios de justiça desempenham um papel particular como princípios públicos para reconciliar disputas. Similarmente, há uma descrição dos bens primários que seriam necessários para que os agentes que não conhecem suas próprias preferências reais decidam quais princípios seriam melhores para eles escolherem. Ver Daniels, 2016.
[19] Em “The independence of moral theory”, Rawls esclarece que o ERA não implicaria em conservadorismo porque: (i) Ele pressupõe a revisibilidade das crenças, uma vez que os juízos ponderados devem ser tomados em todos os níveis de generalidade; (ii) Ele requer que os agentes façam a revisão com convicção e confiança e que possam afirmar estes princípios por sua aceitabilidade na prática; (iii) O método satisfaz certas condições de racionalidade, uma vez que exige a análise de outras concepções de justiça. Assim, o ERA garante a objetividade dos princípios por sua coerência com nossa sensibilidade moral em todos os níveis de generalidade, o que conduzirá à coerência inclusive com certas crenças científicas. Ver Rawls, 1975, pp. 7-10.
[20] Rawls defende que a objetividade moral é entendida em termos de uma construção de um ponto de vista normativo-social que todos poderiam aceitar em razão de sua razoabilidade. E a razoabilidade é um critério normativo muito usual para pautar as relações sociais nas sociedades democráticas contemporâneas. E para além do próprio procedimento de construção dos princípios não há fatos morais, estando a própria verdade ou correção relacionadas apenas ao próprio procedimento adequado de construção – a justiça procedimental pura. E isto claramente se opõe ao intuicionismo, que defende a separação dos fatos e valores, e ao naturalismo, que quer identificar o fundamento dos valores nos fatos. Ver Freeman, 2007, pp. 29-42. Para uma crítica da tentativa rawlsiana de conectar fatos e valores, ver De Maagt, 2017, p. 447.
[21] Rawls destaca em nota de rodapé que uma característica específica do ER é que ele inclui nossas convicções ponderadas em todos os níveis de generalidade e que nenhum nível, sejam os princípios abstratos, sejam os juízos ponderados em casos específicos, podem ser vistos como fundacionais; entretanto, todos têm uma credibilidade inicial. Ver Rawls, 1996, nota 8, p. 8.
[22] É esclarecedor considerar que a ideia do ER é de uma teoria sob as condições das quais as crenças morais são justificadas, mas é também associada ao método para se obter tais crenças. Tersman compreende que o ER é um estado que se chega resolvendo as inconsistências entre nossas concepções morais mais profundas e certos princípios morais aceitos por sua razoabilidade, o que oportuniza a revisão destas crenças de forma que elas propiciam um apoio mútuo entre si. Ver Tersman, 2018, pp. 2-4.
[23] Daniels observa corretamente que para os indivíduos estarem em um equilíbrio reflexivo político é necessário que os cidadãos estejam em ERG conectado com um ERA. Ele define o equilíbrio reflexivo político da seguinte maneira: é um equilíbrio reflexivo amplo que inclui elementos da razão pública e uma disposição de se engajar em métodos políticos de justificação dos princípios. Assim, as afirmações sobre justiça podem ser tomadas como objetivas sem pressuposição da verdade, apenas contando com a razoabilidade e coerência. Ver Daniels, 2016.
[24] Em Justice as Fairness, Rawls destaca que a ideia de justificação conectada com ERP é não fundacionista, tem um objetivo prático e é racionalmente reflexiva da seguinte forma: nenhum conjunto específico de juízos ponderados de justiça política são tomados como tendo o peso integral da justificação pública. Assim, os juízos ponderados de todos os tipos e níveis devem ter uma razoabilidade intrínseca ou aceitabilidade, para as pessoas que persistem após a reflexão apropriada. Ver Rawls, 2001, pp. 29-32. Para ele: “The most reasonable political conception for us in the one that best fits all our considered convictions on reflection and organizes them into a coherent view. At any given time, we cannot do better than that” (RAWLS, 2001, p. 31).
[25] Destaca-se que as partes (1) são razoavelmente e equitativamente situadas como povos livres e iguais, (2) são racionais, (3) deliberam sobre o conteúdo do Direito dos Povos, (4) sua deliberação se dá em termos de razões corretas (restritas pelo véu da ignorância), (5) esta seleção se baseia nos interesses fundamentais dos povos e isto implica no não conhecimento do tamanho do território ou da população, de seus recursos naturais ou no nível de desenvolvimento econômico. O critério adotado é o da reciprocidade para a obtenção de uma cooperação contínua entre os povos, fundamentada em um reconhecimento mútuo de legitimidade (RAWLS, 1999, pp. 32-35).
[26] Importante destacar que a especificidade do uso do ER por Rawls surge da especificidade do seu projeto de identificar um consenso sobreposto e não de considerações abstratas sobre a essência do método. A esse respeito, Walden afirma corretamente que Rawls especifica um tipo particular de juízos, os juízos ponderados, como o input de seu procedimento, porque estes juízos são o local apropriado do consenso sobreposto buscado, sendo sua confiança nestes juízos um reconhecimento de uma restrição pragmática sobre o uso do ER em filosofia política, a saber, que a autoridade normativa da justiça será derivada de sua aceitabiliade” (WALDEN, 2013, p. 257).
[27] Um dos exemplos é de Smith e Jones: A proposição “O homem que conseguirá o emprego tem dez moedas em seu bolso” dita por Smith é verdadeira, mas não é conhecimento, uma vez que quem consegue o emprego é ele mesmo e não Jones, como ele acreditava e estava justificado em sua crença em razão das evidências testemonial e perceptual e, por sorte, ele também possuía dez moedas em seu bolso. Ver Gettier, 1963, p. 122.
[28] O fenômeno do progresso moral pode ser compreendido como uma expansão do círculo ético, isto é, envolve uma ampliação do status moral básico para classe de indivíduos que eram previamente excluídos do cuidado e equidade, como os outros povos, etnias diferentes, as mulheres, os animais não humanos e mesmo a natureza. Exemplos disto são o fim da escravidão, a conquista igualdade de gênero, a criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a condenação à crueldade com animais etc. Pode ser visto como uma correção nas distorções de juízos morais tribalistas em direção a uma maior inclusividade. Sobre o tema, ver Buchanan, 2020, pp. 1-34.
[29] Como afirmado por Kai Nielsen, o ERA, em que os juízos morais e políticos ponderados estão coerentemente alinhados com uma série de princípios éticos reconhecidos como razoáveis e com uma série de terias científicas relevantes em um mundo democrático, nos oportuniza a intersubjetividade e a reflexividade sustentável que nos possibilita obter a objetividade moral. Ver Nielsen, 2004, p. 548. Floyd também argumenta que a última defesa do ER é que ou se pode construir uma alternativa que tenha um argumento convincente de sua superioridade, ou se deve continuar utilizando esse método em razão de seus resultados serem mais eficientes. Ver Floyd, 2017, p. 12.
[30] O ponto que quero frisar é que a justiça como equidade é formulada com o postulado de que podemos ter um tipo de objetividade prática, podendo ser compreendida como intersubjetiva, isto é, como um ponto de vista social, que é distinta da objetividade científica, que toma por pressuposto uma referência evidencial perceptiva. Nas palavras de Rawls: “This standpoint is also objective and express our autonomy (§ 78). (…) Thus to see our place in society from the perspective of this position is to see it sub specie aeternitatis: it is to regard the human situation not only from all social but also from all temporal points of view. The perspective of eternity is not a perspective from a certain place beyond the word, nor the point of view of a transcendent being; rather it is a certain form of thought and feeling that rational persons can adopt within the world” (RAWLS, 1971, p. 587/514 rev.).