Universidade Federal de Santa Maria

Voluntas, Santa Maria, v.12, n.2, p. 01-31, mai./ago., 2021

DOI: 10.5902/2179378666403

ISSN 2179-3786

Recebido: 23/06/2021 Aceito: 21/10/2021 Publicado: 28/12/2021

 

O pensamento de Wittgenstein

Em que medida Wittgenstein seria fundacionista?

To what extent is Wittgenstein a foundationalist?

Hugo Ribeiro Mota I

I Doutorando em Filosofia, Universidade de Oslo, Departamento de Filosofia, Clássicos, História da Arte e das Ideias, Oslo, Noruega

e-mail: hugormota.os@gmail.com  - ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9010-1064

RESUMO

Sobre a Certeza (1969) de Ludwig Wittgenstein carrega considerações importantes sobre como justificamos nosso conhecimento. Em particular, a obra nos apresenta às assim chamadas hinge propositions. Diante da multiplicidade de interpretações desse conceito, encontramos de maneira pervasiva a discussão sobre se elas implicariam em um fundacionismo. Se as ideias presentes nos trabalhos da fase madura de Wittgenstein são comumente consideradas anti-fundacionistas, então por que esse não seria o caso também em Sobre a Certeza? Por um lado, autores como Stroll (1994) compreendem que há um tipo de proposta fundacionista. Por outro, autores como Williams (2005) defendem o anti-fundacionismo. A partir da análise de ambas as posições, argumentamos que uma leitura anti-fundacionista é mais adequada. Por fim, possibilitados pelo anti-fundacionismo, apresentamos nossa leitura antidogmática cujo objetivo é ressaltar que a obra tem como propósito nos ensinar a fazer filosofia sem ignorar ou desqualificar a diversidade de culturas e perspectivas existentes.

Palavras-chave: Wittgenstein; Sobre a Certeza; Fundacionismo

ABSTRACT

Ludwig Wittgenstein’s On Certainty (1969) carries important considerations about how we justify our knowledge. In particular, the work introduces us to the so-called hinge propositions. Faced with the multiplicity of interpretations of this concept, we pervasively encounter the discussion about whether they imply a foundationalism. If the ideas present in Wittgenstein's later works are commonly considered anti-foundationalist, then why would this not also be the case in On Certainty? On the one hand, authors such as Stroll (1994) understand that there is a type of foundationalist proposal. On the other hand, authors like Williams (2005) defend anti-foundationalism. From the analysis of both positions, we argue that an anti-foundationalist reading is more appropriate. Finally, enabled by anti-foundationalism, we present our antidogmatic reading whose objective is to emphasize that the work has the purpose of teaching us how to do philosophy without ignoring or disqualifying the diversity of existing cultures and perspectives.

Keywords: Wittgenstein, On Certainty, Foundationalism

INTRODUÇÃO

A palavra “certeza” nos remete a algo seguro, confiável. A estabilidade e a garantia de “ter certeza de algo” em nossas vidas podem nos deixar mais tranquilos sobre onde estamos e o que devemos fazer a seguir. Na filosofia e na ciência, a certeza muitas vezes é posta como o fim (ou o começo) da busca pelo conhecimento, justamente porque, após alcançada, a certeza garantiria estabilidade às nossas investigações. Podemos dizer, assim, que tanto na vida cotidiana quanto na empreitada científica, ter certeza é algo importante. Porém, qual o papel que nossas certezas cumprem em relação à possibilidade de fundamentação do conhecimento? Consideraremos neste artigo as contribuições de Sobre a Certeza (1969) de Ludwig Wittgenstein a essa questão[1].  Especificamente, discutimos a viabilidade de interpretações que afirmam que a obra proporia alguma forma de fundacionismo epistêmico. Em resumo, defendemos que adotar uma interpretação anti-fundacionista seria uma maneira mais adequada de compreendê-la, mesmo que esta abordagem não seja isenta de críticas — essa interpretação, por sua vez, abre caminho para o que chamamos de leitura antidogmática de Sobre a Certeza.

O fundacionismo é uma visão sobre a estrutura da justificação ou do conhecimento. Para o fundacionista, existe uma hierarquia entre nossas crenças, de modo que certas crenças são capazes de justificar outras, mesmo elas próprias não sendo justificadas por outras. Essas crenças fundacionais podem ser injustificadas ou podem justificar a si próprias por serem autoevidentes, por exemplo. A partir dessa breve definição de fundacionismo, podemos compreender que um anti-fundacionismo seria a defesa da impossibilidade de se fundamentar o conhecimento a partir de crenças básicas. Essa impossibilidade se justificaria diante de um compromisso em compreender a realidade enquanto um conjunto de contingências e particularidades as quais não podemos coerentemente unificar em conceitos fundamentais ou universais.

Importa notar que, por mais que seja possível apontar afinidades entre anti-fundacionismo, relativismo epistêmico e anti-realismo, as diferenças são cruciais. Esclarecendo de maneira breve, a afinidade com o relativismo se manifesta de imediato, afinal, caso o conhecimento não seja sustentado a partir de algo como um fundamento comum a todos, então, se ainda houver possibilidade de conhecimento, este deve estar sustentado a partir de um chão contingente e relativo ao ponto de vista ao qual estamos inseridos. Ora, pode até ser que o apoio em elementos contingentes justifique esta relação, entretanto deve-se notar que um compromisso anti-fundacionista não necessariamente implica a ideia de que existem diferentes sistemas epistêmicos, cada qual com sua própria perspectiva. Em relação ao anti-realismo, a afinidade se expressa no sentido de que ambos possuem enquanto motivação central o combate à ideia da metafísica tradicional de que existem (ou que devem existir) fundamentos essenciais aos quais temos acesso de alguma maneira. Ainda assim, poderíamos imaginar plausivelmente a existência de uma abordagem anti-fundacionista que tenha como objetivo apontar para as bases empíricas e contingentes do conhecimento, sendo, portanto, realista

O debate entre intérpretes fundacionistas[2] e anti-fundacionistas[3] de Sobre a Certeza chama a atenção pois, por um lado, a partir do Tractatus Logico-Philosophicus (1921), Wittgenstein poderia ser interpretado como um fundacionista clássico: ao investigar os limites da linguagem em termos de identificar sua essência e ao tentar descrever a constituição da substância do mundo, Wittgenstein teria se aproximado de um posicionamento idealista transcendental mesclado com um realismo empírico[4].  Por outro lado, caso se esteja tratando das Investigações Filosóficas (1953), o autor poderia ser compreendido como um anti-fundacionista: ao exclamar pela volta a terra firme e tratar a linguagem não mais em termos de uma essencialidade fundamental, mas sim como uma contingencialidade dinâmica[5]. Como Sobre a Certeza foi um trabalho elaborado após as Investigações, se esperaria que o filósofo manteria sua posição anti-fundacionista. No entanto, alegadamente existem muitos trechos da obra que podem ser interpretados em prol de uma proposta fundacionista. Não obstante, outras passagens do texto — por vezes as mesmas utilizadas para sustentar um fundacionismo — também dão força para as interpretações anti-fundacionistas.

Para alcançarmos o objetivo deste artigo, na primeira seção tratamos do problema do regresso epistêmico, introduzindo brevemente o trilema de Agripa, com o intuito de estabelecermos o contexto no qual o problema surge, e considerando como um fundacionista lida com ele. Também destacamos a possibilidade de uma nova saída ao trilema a partir de propostas inspiradas nas considerações de Wittgenstein. Por conseguinte, na segunda seção, consideramos a leitura fundacionista de Stroll (1994) e a anti-fundacionista de Williams (2005). A partir desse diálogo, argumentamos que uma leitura anti-fundacionista é mais adequada. Por fim, na terceira seção, realizamos uma exposição da nossa proposta de uma leitura antidogmática. Nosso objetivo é oferecer uma leitura que ressalte que a obra possui uma cuidadosa abordagem investigativa a qual visa nos ensinar uma maneira de fazer filosofia que não ignore ou desqualifique a diversidade de culturas e perspectivas existentes.

1 PROBLEMA DO REGRESSO EPISTÊMICO

Ao longo da História da Filosofia o fundacionismo foi amplamente aceito e defendido. Por exemplo, Aristóteles argumentou que nem todo conhecimento é demonstrativo, afirmando que devem existir conhecimentos independentes de demonstrações. Boa parte dos filósofos dos períodos medieval e moderno concordavam com Aristóteles, sustentando que todo conhecimento deveria repousar em princípios primeiros ou em verdades autoevidentes. René Descartes, por exemplo, sustentou que todo conhecimento deve repousar sobre uma base segura de verdades indubitáveis, inaugurando a teoria do conhecimento moderna. Também importa ressaltar a presença do fundacionismo na tradição da filosofia analítica do século XX. Essa presença fica explícita tanto no logicismo de Frege, o qual pretende basear a matemática em axiomas lógicos autoevidentes, quanto no empirismo de Russell, que identifica nos dados dos sentidos os fundamentos do conhecimento.

O problema do regresso epistêmico é uma das principais dificuldades que o fundacionista busca resolver por meio da adoção dessa perspectiva epistemológica. O problema tradicionalmente assume a forma de uma cadeia epistêmica: uma crença em uma proposição pode ser epistemicamente justificada por uma crença em outra proposição, que é epistemicamente justificada por uma crença em ainda outra proposição, e assim por diante, ad infinitum. Como a cadeia não possui um elo final a partir do qual a justificação surge, parece que não pode haver justificativa alguma. Em última instância, o resultado deste problema é que o próprio conhecimento, enquanto crença verdadeira justificada, não seria possível.

1.1 Trilema de Agripa e as correntes da epistemologia contemporânea

Com o intuito de esclarecer e contextualizar o problema do regresso epistêmico, central para a epistemologia contemporânea, apresentamos o Trilema de Agripa. Esse famoso trilema descreve três possíveis alternativas sobre a concepção da estrutura de justificações, atribuídas ao cético pirrônico[6] grego que (supostamente) viveu no Século I, Agripa. De modo geral, a argumentação de Agripa é apresentada na forma de cinco Modos[7] dispostos na seguinte ordem. Toda tentativa de oferecer justificação a uma crença termina, invariavelmente, em um deles:

1.    Modo do Conflito ou do Desacordo: diante de conflitos ou desacordos irresolúveis, a única resposta possível para o pirrônico é a suspensão de juízo;

2.    Modo da Relatividade: devido à relatividade subjetiva daqueles que julgam, devemos suspender nossos juízos sobre a verdadeira natureza das coisas;

3.    Modo do Regresso ao Infinito ou do Infinitismo: quando se demonstra que não há um ponto de partida para determinado argumento, então devemos suspender os juízos;

4.    Modo do Dogmatismo ou da Hipótese: toda hipótese é uma mera asserção injustificada, de modo que, se aceitamos uma hipótese, em verdade qualquer proposição passa a ser aceitável;

5.    Modo da Circularidade: a suspensão do juízo é também o desfecho caso apelemos para uma prova circular, na qual o que se quer demonstrar deve ser desde o início pressuposto.

Os três últimos modos são os que constituem o trilema de Agripa. No entanto, importa ressaltar que os Modos do Conflito e da Relatividade são os que fornecem pressão de justificação naquele que pretenda contrariar o cético. De acordo com o cético pirrônico, portanto, quando pretendemos justificar uma crença através de outras crenças, as três alternativas para justificação são bloqueadas:

I.     Nossas crenças não podem ser fundadas por um encadeamento infinito de justificações (Modo do Infinitismo);

II.    Nossas crenças não podem ser fundadas por um encadeamento circular de justificações (Modo da Circularidade);

III.  Nossas crenças não podem ser fundadas por uma crença infundada (Modo do Dogmatismo).

Assim, o pirrônico aponta para essas derradeiras alternativas sobre a justificação de nossas crenças argumentando que elas implicam que, em última instância, não teríamos justificação alguma para nos assegurarmos de nossas crenças originalmente estabelecidas, logo, conhecimento enquanto crença verdadeira justificada seria impossível. Tradicionalmente, é possível encontrar três respostas diferentes para o trilema. Cada uma dessas respostas está ligada a uma das três principais correntes epistemológicas da atualidade, conhecidas por infinitismo, coerentismo e fundacionismo.

O infinitismo afirma que um encadeamento infinito de justificações pode fundamentar nossas crenças, portanto, recusa-se que a alternativa I (Modo do Infinitismo) seria incapaz de justificação plena. Já o coerentismo, tomando a alternativa II (Modo da Circularidade), defende a tese de que as nossas crenças constituiriam uma espécie de rede. Essa rede permitiria que as crenças que a constituem se sustentem mutuamente, desde que não haja conflitos entre as crenças. Por fim, o fundacionismo recusa a conclusão que os céticos tiram da alternativa III (Modo do Dogmatismo), afirmando que existem dois tipos de crenças: fundacionais e não-fundacionais. Sendo assim, as crenças fundacionais serviriam de base para as não-fundacionais e seriam crenças que se auto justificam, ou que não precisam de justificação, ou que são justificadas, por exemplo, pela experiência, que não precisaria ser justificada.

1.2 Hinge Epistemology e as metáforas de Sobre a Certeza

De acordo com a descrição acima das correntes da epistemologia contemporânea, podemos afirmar que não há uma saída definitiva para o trilema. Diante disso, a pergunta que surge é: será que uma nova saída seria possível? Na visão de alguns leitores de Sobre a Certeza, sim, a obra forneceria uma nova maneira de lidar com o problema do regresso epistêmico, evitando o ceticismo radical. Por mais que se trate de um trabalho que o autor não viveu o suficiente para finalizar, a partir dele inaugurou-se uma abordagem epistemológica atualmente conhecida como Hinge Epistemology[8]. Trata-se de uma nova concepção da nossa estrutura de justificações, centrada no conceito de hinge proposition. Essa expressão possui algumas variações a depender do autor e da maneira que ele interpreta a própria natureza das hinges[9].

Classificamos essas interpretações em dois grupos: o epistêmico e o não-epistêmico. Para o primeiro, hinges podem ser justificadas mesmo sem evidências empíricas que as comprovem diretamente e podem até se tornar objeto de conhecimento, se o conhecimento se estender a proposições para as quais não possuímos justificativas evidenciais. Já para o segundo, as hinge propositions constituem a estrutura ou o quadro de referências a partir do qual realizamos julgamentos, não sendo elas mesmas passíveis de verdade ou falsidade.

Identificamos que as passagens mais relevantes para compreendermos como essas interpretações se sustentam são aquelas nas quais Wittgenstein faz uso de metáforas — e isto não é por acaso: em nossa visão, o filósofo desenvolve muito de sua própria argumentação a partir de metáforas[10]. Por essa razão, a seguir apresentaremos algumas das metáforas importantes para a questão tratada neste artigo e desenvolveremos brevemente nossa interpretação delas.

A metáfora das dobradiças[11] é frequentemente utilizada por intérpretes para introduzir o conceito de hinge propositions. Esse é o caso pois ela é bastante intuitiva: assim como o movimento de abrir e fechar de uma porta necessita de uma dobradiça (hinge) que a mantenha fixa na parede, as hinge propositions devem permanecer fixas (enquanto agimos) para que nossas atividades sejam possíveis — “If I want the door to turn, the hinges must stay put” (OC, §343).

Consideramos que a metáfora dos eixos[12] possua um grau de precisão maior que a metáfora das dobradiças na compreensão da natureza das hinge propositions. Esse é o caso pois pode-se pensar que deve sempre existir algo externo às certezas para que elas permaneçam fixas, como sempre deve haver uma parede na qual a dobradiça está vinculada. No caso da metáfora dos eixos, fica claro que é o “estar-em-movimento” que provoca que alguma parte de um sistema fique imóvel. Em outras palavras, o eixo do sistema é definido a partir de sua própria dinâmica. Nesse sentido, esse eixo não é imóvel por alguma característica (ontológica ou metafísica) especial. Também não é o caso do eixo se tornar imóvel por conta de alguma relação causal necessária: qualquer perturbação pode afetar o eixo. Isso tanto pode implicar na substituição do eixo, de modo que o sistema permaneça funcionado, quanto pode tornar o sistema disfuncional, sem eixo algum. Entendemos que, de acordo com a metáfora dos eixos, deve haver uma relação de reciprocidade dinâmica, funcional, contingente e intrassistêmica entre as hinge propositions e as demais crenças de nosso sistema epistêmico. É essa relação que garante a estabilidade do próprio sistema. Não haveria, portanto, diferença ontológica entre o eixo e as coisas que giram de acordo com esse eixo. Por essa razão, deve ser salvaguardada a possibilidade de revisarmos nossas hinges.

Essa reciprocidade também pode ser exibida a partir da metáfora da “casa que sustenta seus alicerces” (OC, §246-8). Trata-se de uma metáfora bastante utilizada na história da filosofia, principalmente na teoria do conhecimento moderna. Descartes buscava um ponto fixo para posicionar uma alavanca arquimediana e então erguer toda a construção do conhecimento. Kant, por sua vez, procurava pelos alicerces fundamentais a partir dos quais seria possível erigir com segurança o edifício do conhecimento humano. A diferença desta metáfora de Wittgenstein é sutil, porém decisiva. A metáfora é iniciada pelo questionamento de potenciais declarações proferidas por um filósofo que acaba de encontrar os fundamentos de todas as suas crenças:

Here I have arrived at a foundation of all my beliefs.” “This position I will hold!” But isn't that, precisely, only because I am completely convinced of it? — What is ‘being completely convinced’ like? (OC, §246).

Wittgenstein continua com mais perguntas sobre o que significaria “estarmos completamente certos de algo”, especificamente sobre que tipo de dúvidas seriam “permitidas” nesse estado de certeza:

What would it be like to doubt now whether I have two hands? Why can't I imagine it at all? What would I believe if I didn't believe that? So far I have no system at all within which this doubt might exist. (OC, §247).

Enfim, o autor declara: “I have arrived at the rock bottom of my convictions” (OC, §248). Até aqui, pode parecer que Wittgenstein nada dista dos filósofos modernos preocupados com a origem do conhecimento. O mais importante vem a seguir: “One might almost say that these foundation-walls are carried by the whole house” (OC, §248). Ora, então não se trata de uma busca por alicerces que irão servir de base para a elevação da casa do conhecimento. A imagem que devemos ter em mente é a de uma casa que já está aí, construída, e que os alicerces dependem dela para existirem. Não mais o foco deve ser na “fundamentalidade” dos alicerces que precedem cronologicamente e possibilitam a existência da casa. Devemos dar um passo para trás para darmos uma visada mais ampla, a fim de enxergarmos a relação de reciprocidade entre os elementos em jogo: a casa só existe por conta dos alicerces, assim como os alicerces só recebem sua função por conta da existência da casa. Trazendo para os termos técnicos: nossas práticas e crenças cotidianas são mantidas por certas convicções ou certezas, as hinge propositions, do mesmo modo que essas proposições só podem cumprir a função de hinge enquanto as nossas práticas e crenças as legitimam enquanto tais.

Por fim, a metáfora do leito do rio (OC, §96-9) pode ser lida de modo a reforçar nossas considerações extraídas da metáfora dos eixos. Nossas certezas não são estáticas: elas estão situadas em um movimento dinâmico de mudança e transformação, um estado de fluxo constante.

It might be imagined that some propositions, of the form of empirical propositions, were hardened and functioned as channels for such empirical propositions as were not hardened but fluid; and that this relation altered with time, in that fluid propositions hardened, and hard ones became fluid. The mythology may change back into a state of flux, the river-bed of thoughts may shift. (OC, §96-7).

Mesmo com esse turbilhão de mudanças, de acordo com Wittgenstein, continuamos sendo capazes de distinguir a cada momento entre o movimento das águas no leito do rio e a mudança no trajeto do rio. Porém, essa distinção não é tão precisa quanto se poderia esperar, por exemplo, de uma distinção conceitual filosófica tradicional.

Uma das consequências que podemos extrair dessa metáfora é a de que, a depender do contexto de seu uso, uma proposição pode desempenhar a função de hinge, assumindo as características mencionadas anteriormente, ou então pode desempenhar o papel de uma proposição ordinária, de cunho empírico — isto é, passaria a poder ser posta em dúvida: “the same proposition may get treated at one time as something to test by experience, at another as a rule of testing” (OC, §98). A argumentação que Wittgenstein nos oferece para refletirmos acerca da possibilidade de duvidar ou comprovar a hinge de que temos duas mãos é a seguinte:

If a blind man were to ask me “Have you got two hands?” I should not make sure by looking. If I were to have any doubt of it, then I don’t know why I should trust my eyes. For why shouldn’t I test my eyes by looking to find out whether I see my two hands? What is to be tested by what? (Who decides what stands fast?). (OC, §125).

Wittgenstein nos esclarece que o ato de olhar para as próprias mãos com o intuito de verificar ou comprovar que de fato possuímos mãos não parece fazer sentido: se chegamos ao ponto de termos que comprovar para nós mesmos isso, então que confiança nos restaria para a veracidade das imagens que nossos olhos nos permitem enxergar? Como faríamos, então, para comprovar que nossos olhos não estão nos enganando? Ora, o problema aqui não parece estar na formulação da pergunta se temos duas mãos, nem na resposta afirmativa (ou negativa), mas sim na ideia de que seria preciso oferecermos alguma justificativa que sustentasse essa resposta.

Enfim, é possível interpretar a partir do parágrafo §99 que existiriam certezas mais ou menos suscetíveis a essa movimentação que modifica sua função:

And the bank of that river consists partly of hard rock, subject to no alteration or only to an imperceptible one, partly of sand, which now in one place now in another gets washed away, or deposited. (OC, §99).

Concordamos com Secco e Pereira (2017, p. 305) quando descrevem essa metáfora como esplêndida e instrutiva. Os autores afirmam que ela nos mostra como seria a distinção entre proposições empíricas e hinge propositions, a saber, que se trata de uma diferença em relação à função que essas hinges desempenham em nosso sistema de proposições.

A princípio, pode-se pensar que os defensores de uma leitura não-epistêmica também seriam anti-fundacionistas, porém isso não é uma regra. Por exemplo, tanto Stroll (1994) quanto Moyal-Sharrock (2004, 2016) compreendem que Sobre a Certeza possui uma espécie de fundacionismo. Autores vinculados a interpretações epistêmicas também nem sempre são a favor de um fundacionismo, como Williams (2005), que explicitamente defende um anti-fundacionismo, ou mesmo Pritchard (2011), que propõe uma leitura externalista epistêmica de Sobre a Certeza e rejeita a ideia de que as hinges cumpririam todas as condições impostas pelo fundacionismo clássico para serem consideradas crenças fundacionais. Adiante, apresentaremos as posições de Stroll e Williams para então oferecermos nossas considerações acerca desse debate, cuja conclusão anti-fundacionista nos encaminhará a uma sugestão de como poderia ser desenhada uma saída Wittgensteiniana ao trilema de Agripa.

2 FUNDACIONISMO VERSUS ANTI-FUNDACIONISMO

Nesta seção, trataremos em detalhe da pergunta que intitula nosso artigo: em que medida seria Wittgenstein um fundacionista? Para tanto, analisaremos principalmente a proposta fundacionista de Avrum Stroll (1994) e a resposta direta de Michael Williams (2005). Identificamos o núcleo de cada posição e oferecemos nosso veredito. Independentemente da aceitação de nossa análise da discussão, ao final nosso objetivo será enfatizar que, se há algo que devemos aprender com Wittgenstein, é que honestidade, cautela e respeito intelectual são características que devem ser valorizadas na investigação filosófica.

2.1 O fundacionismo de Stroll

A leitura fundacionista de Stroll (1994) influenciou muitas outras, de modo que a argumentação de outros autores que também compreendem que Sobre a Certeza possuiria alguma forma de fundacionismo não possui muitas diferenças significativas da sua. Sinteticamente, a visão de Stroll acerca da natureza das hinge propositions é a de que elas seriam proposições sem fundamento ou justificação, mas com o importante papel de fundar todas os nossos jogos de linguagem — “certitude stands in a foundational relationship to the language game itself” (STROLL, 1994, p. 142). Esse seria o caso devido ao caráter indubitável dessas proposições.

De acordo com Stroll, o que definiria nossos jogos de linguagem seria a possibilidade de colocar em questão os diversos elementos que neles são usados. Assim, ele argumenta, “where doubt is inapplicable we are dealing with matters that do not belong to the language game” (STROLL, 1994, p. 138). Ora, se isto é coerente com o pensamento de Wittgenstein, então o que possibilitaria ou fundamentaria nossos jogos de linguagem não poderia estar no interior dos próprios jogos, logo, também não poderia ser duvidado. Por esse motivo, Stroll (1994, p. 138) afirma que “the foundations of the language game stand outside of and yet support the language game”.

Ele sustenta sua leitura nas diversas ocasiões nas quais Wittgenstein teria utilizado uma terminologia “explicitamente fundacional”, assim como a partir de algumas metáforas, em especial a metáfora das dobradiças (OC, §341). Desse modo, Stroll determina que a “tese principal” de Sobre a Certeza seria a de que o que permanece fixo e seguro para nós não é sujeito a justificação, prova, adução de evidências ou dúvida, assim como não é verdadeiro nem falso. O autor descreve duas maneiras as quais poderíamos compreender que as hinges permanecem fixas para nós, a saber, de modo absoluto ou de modo relativo:

a proposition that is exempt from doubt in some contexts may become subject to doubt in others, and when it does it plays a role within the language game. This is the relativized form of certitude. But some propositions — that the earth exists, that the earth is very old — are beyond any doubt; their certitude is absolute. (STROLL, 1994, p. 138).

Stroll se preocupa em responder a questionamentos similares aos que nós estabelecemos na introdução deste artigo, a saber: afirmar que Wittgenstein propõe um fundacionismo em Sobre a Certeza não nos levaria a uma inconsistência com seus trabalhos anteriores, como as Investigações Filosóficas, nos quais ele parece advogar uma forma de fazer filosofia mais descritiva que explicativa? Para Stroll, um fundacionismo Wittgensteiniano não seria tão próximo assim da forma tradicional de fundacionismo. Para ilustrar de maneira clara a comparação entre o fundacionismo clássico e o fundacionismo Wittgensteiniano, Stroll elenca quatro condições que constituiriam o que ele chama de modelo conceitual de toda proposta fundacionista tradicional:

1.    O fundamento (F) e o restante de nossas crenças (R) possuem uma relação assimétrica e estratificada (F fundamenta R, mas não o inverso);

2.    F possui fundamentalidade (fundamenta, mas não precisa ser fundamentado, pois é evidente por definição);

3.    F é simples, enquanto R é complexo;

4.    Essa composição pode ser descrita como uma pirâmide invertida[13].

Ora, esse modelo parece se aplicar muito adequadamente a teorias fundacionistas tradicionais, como a de René Descartes. Observamos no fundacionismo cartesiano que a estratificação do conhecimento está baseada em uma hierarquia assimétrica (satisfazendo a condição 1) entre proposições epistêmicas mais simples, a saber, os princípios claros e distintos (evidentes por definição, satisfazendo a condição 2), e proposições epistêmicas mais complexas (relação entre F simples e R complexo, satisfazendo a condição 3). Por fim, podemos sem muitas dificuldades elaborar uma estrutura piramidal invertida na qual o Cogito (e as demais certezas primeiras) é o fundamento F infundado de todo conhecimento R (satisfazendo a condição 4).

Stroll compreende que o fundacionismo cartesiano, bem como todo fundacionismo clássico, apela para o que ele chama de doutrina das fundações homogêneas. Esse apelo surgiria diante da possível objeção de que o fundamento determinado pelo filósofo fundacionista, ele mesmo, estaria dependendo de alguma outra coisa. A resposta cartesiana, afirma Stroll, seria a de que essa objeção estaria operando uma confusão categorial em relação ao conceito de dependência, tentando relacionar o cogito, isto é, algo pertencente à categoria do conhecimento, a aspectos linguísticos ou fisiológicos, que não fariam parte dessa mesma categoria: “when I talk about dependence and say that the cogito depends on nothing, I mean that it depends on no other piece of knowledge” (STROLL, 1994, p. 145). É nesse ponto que o fundacionismo Wittgensteiniano se diferenciaria de toda sorte de fundacionismo clássico: aquilo que é fundamentado, a saber, os jogos de linguagem, não pertencem à mesma categoria que o fundamento, a saber, as hinge propositions. Stroll considera que existiriam duas formas de interpretar o fundacionismo de Wittgenstein:

1.    Primeiro, teríamos a interpretação de que as hinges devem ser colocadas no papel de fundamento — essa leitura teria sustentação principalmente nas duas primeiras partes de Sobre a Certeza;

2.    Depois, também encontraríamos uma segunda interpretação na qual o que deveríamos identificar como fundamento na verdade seriam diversos elementos “não-intelectuais”, tais como “acting, being trained in communal practices, instinct” (STROLL, 1994, p. 146) — essa interpretação alternativa ganharia espaço e quase dominaria a discussão nas últimas duas partes da obra.

A pergunta que leva adiante o aprofundamento da leitura de Stroll acerca do fundacionismo de Wittgenstein é a seguinte: “How do you know that F is certain and especially more certain than anything that could be adduced in its support?” (STROLL, 1994, p. 147). Tradicionalmente, o fundacionista veria nessa pergunta um desafio similar ao do regresso epistêmico, no sentido de que, pressionado diante da possibilidade de regresso ao infinito, seria preciso postular algo que funcionasse como ponto de parada. No entanto, de acordo com Stroll, dada a forma de fundacionismo que Wittgenstein estaria trabalhando, o problema do regresso sequer surgiria:

for Wittgenstein’s form of foundationalism the question is not applicable and, in fact, embodies a category mistake. One cannot sensibly ask of that which is certain whether it is known (or not known) or true (or false); for what is meant by certitude is not susceptible to such ascriptions. The sceptical question thus need not be answered. (STROLL, 1994, p. 148).

Entretanto, será que compreender que as hinge propositions seriam o fundamento infundado dos jogos de linguagem é de fato coerente com a letra Wittgensteiniana? Parece-nos que estabelecer essa relação a partir de uma leitura fundacionista geraria, mesmo que contra a vontade de Stroll, um engessamento indesejado desses elementos. Caso tenhamos em mente que o que determina que uma proposição pode ser considerada enquanto hinge é o papel que ela desempenha em determinados contextos, então prendê-las em uma estrutura rígida não parece ser adequado. O que estamos, portanto, colocando em questão, é a divisão sugerida por Stroll entre modos relativos e absolutos de classificar as hinge propositions. De acordo com nossa leitura das metáforas de Sobre a Certeza, por mais que imaginar contextos nos quais as hinges deixem de desempenhar este papel seja mais difícil em alguns casos que noutros, isso não significa que poderíamos sem maiores problemas afirmar que existiria algo de absoluto em jogo.

Para além disso, levando em consideração que a condição de estratificação seria necessária para toda forma de fundacionismo, será que o suposto fundacionismo Wittgensteiniano atenderia a esta condição? A começar, Stroll somente parece pressupor que, diante de sua interpretação de que haveria uma distinção categorial entre certeza e conhecimento, então isso também seria um indício de que a relação entre fundamento (hinges) e fundamentado (jogos de linguagem) seria de estratificação. Ora, se tomamos o conceito de estratificação definido pelo autor, isto é, “the notion that the epistemic corpus is not all of a piece but has within it different levels or strata”, e consideramos a sua afirmação de que “our formula that R depends on F, but not conversely, captures this notion” (STROLL, 1994, p. 148), então podemos começar a encontrar aqui um possível problema. A ideia de que poderíamos distinguir níveis ou estratos entre os elementos que constituem o fundacionismo Wittgensteiniano nos parece partir da suposição de que a relação entre hinges e jogos de linguagem seria de “mão única”, por assim dizer.

Em nossa visão, se levarmos a sério a metáfora dos eixos e a metáfora da “casa que sustenta seus alicerces”, o que temos, na verdade, é uma relação de reciprocidade ou de retroalimentação. Se estivermos corretos sobre nossa interpretação dessas metáforas, as conclusões que elas nos trazem são as de que as hinges: (a) não são fixas por conta de algum elemento externo a elas, mas por uma relação de reciprocidade funcional, contingente e intrassistêmica que garante a estabilidade do conjunto de hinges; e (b) devem poder ser revisadas ou modificadas, como parte do processo dinâmico da estabilidade desse conjunto.

Tendo essas conclusões em mente, consideramos que não haveria uma relação hierárquica aqui, mas sim uma relação não-hierárquica de reciprocidade dinâmica entre hinge propositions e jogos de linguagem, no sentido de que todos os elementos desempenham papéis de igual importância para a manutenção e estabilidade da relação, mesmo que seja possível identificarmos estratos a partir dos quais podemos classifica-los provisoriamente. Diante de uma revisão de nossas hinges, nossos jogos de linguagem e nossas práticas se alteram, assim como a partir de uma mudança na configuração de nossos jogos de linguagem, deverá haver uma modificação naquilo que funciona como eixo para nós.

Por fim, será que as hinges seriam autoevidentes e incorrigíveis, isto é, será que elas preenchem as condições de crenças fundacionais? Não nos parece ser razoável afirmar que as hinge propositions seriam autoevidentes, dado que elas mesmas não teriam nada de intrinsecamente especial que as diferencie das demais proposições. A diferença não seria interna às proposições, mas sim no papel desempenhado por elas em determinado contexto. Em relação à condição da incorrigibilidade, essa também não parece adequada caso desejemos aceitar a possibilidade de revisão, inclusa em nossa leitura de reciprocidade entre hinges e jogos de linguagem.

2.2 O anti-fundacionismo de Williams

Michael Williams (2005) realiza uma avaliação das interpretações fundacionistas de Sobre a Certeza, principalmente se referindo à versão de Stroll. De acordo com Williams, por mais que a leitura de Stroll de que Wittgenstein seria fundacionista possua certo apoio textual, apenas esse apoio ainda assim não seria suficiente. Compreendemos que sua posição muito se sustenta nas metáforas dos eixos e do leito do rio.

Williams argumenta que a leitura de Stroll possui quatro pressupostos implícitos que, caso examinados mais atentamente, não deveriam ser sustentados diante das considerações presentes em Sobre a Certeza. Esses pressupostos surgem justamente da caracterização geral que Stroll sugere do fundacionismo enquanto uma pirâmide invertida: [14]

1.    Universalidade: as fundações do conhecimento seriam as mesmas para todos;

2.    Especificidade: seríamos capazes de definir de modo preciso aquilo que se encontra na base daquilo que se localiza na estrutura superior;

3.    Independência: seria possível cortar fora o topo da pirâmide, fazendo restar, sem causar nenhum tipo de consequência negativa, somente a parte mais basilar;

4.    Adequação: haveria algum tipo de conexão lógica entre as crenças fundacionais e não-fundacionais.

Diante desse contexto, Williams defende que Wittgenstein, na verdade, excluiria da noção de hinge todas essas quatro características tradicionalmente atribuídas aos fundamentos. De acordo com o autor, (1) e (2) são intimamente relacionadas, pois para que seja possível encontrar uma categoria de crenças que possa ser considerada básicas de maneira universal, é preciso de um esforço de análise demarcatória das nossas crenças em geral. Nesse sentido, ele afirma que a divisão entre crenças básicas e não básicas deve ser teoreticamente rastreável. Ora, isso significa que seria preciso analisar o próprio conteúdo das crenças básicas para realizar essa demarcação. Na visão de Williams, Wittgenstein não seria simpático a essa abordagem, pois, para ele, as nossas diversas hinges não estão associadas a nenhum tipo particular de conteúdo.[15]

O autor baseia a sua interpretação nos parágrafos §25 a §29 de Sobre a Certeza. Nessas passagens, Wittgenstein estaria se remetendo a um tema também discutido nas Investigações Filosóficas[16]: o uso da linguagem não pode ser guiado por regras explicitamente formuladas, pois tais regras estariam, elas próprias, abertas a interpretações ou usos errados. A consequência dessa posição de Wittgenstein, afirma Williams, é a de que ele desaprova o tipo de entendimento teorético que os fundacionistas almejam.

Em suas críticas mais especificamente direcionadas à condição (1) de universalidade, Williams aponta de antemão para a heterogeneidade[17] das hinge propositions enquanto um indício de que elas não poderiam todas fundarem o conhecimento, ao menos não do modo requerido pela condição de universalidade do fundacionismo clássico. Uma maneira de demonstrar essa heterogeneidade está na ideia de que não seria propriamente possível cometer um erro em relação a uma hinge. A princípio, esta ideia pode parecer como uma espécie de denominador comum a todas as hinges, afinal, todas elas seriam “imunes ao erro”. Entretanto, o que ocorre caso nos debrucemos sobre como essa impossibilidade de erro se manifesta em hinges de categorias distintas[18], na verdade somos levados a reconhecer que até nesse ponto em comum, as coisas não são tão universais quanto o fundacionista requereria que fossem. Nas palavras de Williams “‘not being subject to mistake’ fails to pick out the kind of property that would offer a unifying explanation of how it is that some judgements stand fast” (WILLIAMS, 2005, p. 54).

Em relação a (3), Williams argumenta que os nossos jogos de linguagem não seriam o que são se fossem permitidas dúvidas onde presentemente elas estão excluídas. Esse seria o caso pois, em certos contextos, admitir dúvidas onde elas não têm lugar poderia deixar-nos sem a capacidade de pensar sobre certos temas ou, em última instância, sem capacidade de julgar em geral. Os argumentos de Williams aqui se sustentam nos seguintes trechos de Sobre a Certeza:

We do not learn the practice of making empirical judgments by learning rules: we are taught judgments and their connection with other judgments. A totality of judgments is made plausible to us. (OC, §140).

When we first begin to believe anything, what we believe is not a single proposition but a whole system of propositions. (Light dawns gradually over the whole.) (OC, §141).

Williams argumenta que devemos compreender que nem toda a responsividade ao nosso ambiente é uma questão de formar crenças. O autor ilustra essa ideia a partir do exemplo de uma criança que é capaz de produzir o som “Mamãe” quando sua mãe aparece. De acordo com ele, nesse caso a criança não precisaria possuir nenhuma crença por trás dessa vocalização. Isso significa que, inicialmente, nossos primeiros passos em direção a linguagem são vazios de conteúdo semântico. Esse é o caso pois, de acordo com o pensamento Wittgensteiniano, “meaning (as use) depends on the connection of judgements with other judgements, as well as with perception and action” (WILLIAMS, 2005, p. 55). Ora, um dos problemas da proposta de Stroll, afirma Williams, é que a metáfora da pirâmide esconde esta interdependência semântica essencial de hinges e não-hinges. O autor insiste que “there is little point to thinking of the game as a whole as resting on anything. It is there, like our life” (WILLIAMS, 2005, p. 55).

Por fim, as razões pelas quais uma epistemologia Wittgensteiniana rejeitaria também a condição (4) de adequação racional, de acordo com Williams, estaria relacionada com o seu ceticismo acerca da universalidade das hinge propositions. Neste ponto, o autor ressalta como exemplo o parágrafo §92, no qual somos apresentados a uma situação bastante peculiar, a saber, o “debate” entre Moore e um rei que acredita que a Terra surgiu no mesmo dia de seu nascimento:

Men have believed that they could make rain; why should not a king be brought up in the belief that the world began with him? And if Moore and this king were to meet and discuss, could Moore really prove his belief to be the right one? I do not say that Moore could not convert the king to his view, but it would be a conversion of a special kind; the king would be brought to look at the world in a different way. (OC, §92).

O ponto de Williams em trazer à tona esta passagem é o de questionar a ideia de que, porque todos os seres humanos supostamente compartilhariam certas maneiras de agir, como, por exemplo, a capacidade julgar, então todos também compartilharíamos certas concepções que, de um ponto de vista, são consideradas enquanto parte de um senso comum quase universal — como, por exemplo, a convicção de que a terra existe há muitos anos. Ora, Moore e o rei teriam de partilhar muitas certezas a fim de estabelecerem algum tipo de conversa. Ainda que este fosse o caso, argumenta Williams, “it is less than obvious that this common ground would give Moore a way to argue the king out of his odd convictions” (WILLIAMS, 2005, p. 56).

Williams considera que a contribuição de Wittgenstein para a epistemologia não seria a de oferecer uma versão melhorada de uma corrente epistemológica tradicionalmente estabelecida. Assim, Wittgenstein não teria por objetivo reabilitar uma das saídas do trilema de Agripa, mas sim rejeitar que estas sejam as únicas possibilidades disponíveis.[19] Com efeito, para finalizar a sua crítica ao fundacionismo em geral, Williams se apoia nas observações decisivas de Wilfrid Sellars:

Above all, the picture is misleading because of its static character. One seems forced to choose between the picture of an elephant which rests on a tortoise (What supports the tortoise?) and the picture of a great Hegelian serpent of knowledge with its tail in its mouth (Where does it begin?). Neither will do. For empirical knowledge, like its sophisticated extension, science, is rational, not because it has a foundation, but because it is a self-correcting enterprise which can put any claim in jeopardy, though not all at once. (SELLARS, 1963, p. 170).

Consideramos esses apontamentos de Sellars extremamente relevantes para compreendermos Sobre a Certeza. Em especial, destacamos a sua ideia de que, em vez de termos uma imagem estática de fundação que garante a firmeza de um castelo, devemos pensar que o conhecimento na verdade é, como afirma Sellars, uma empreitada que se autocorrige constantemente. Essa autorregulagem seria feita a partir de uma relação de trocas constantes e dinâmicas entre as nossas práticas e nossas certezas. Para que exista uma estabilidade real, a relação deve ser de reciprocidade entre todos os elementos que compõem as nossas vidas. Williams organiza sua conclusão a partir da consideração de que essa imagem estática do conhecimento na verdade constituiria o solo comum onde pisam o cético e epistemólogo tradicional. É por causa deste terreno comum que o fundacionismo deve ser compreendido enquanto uma resposta antagônica e direta ao ceticismo. Em um certo sentido, ambos seriam “dois lados de uma mesma moeda”. Em contraste a isso, afirma Williams, “Wittgenstein encourages us to look behind the sceptic’s apparently innocent question; and this is the ultimate reason why Wittgenstein isn’t a foundationalist” (WILLIAMS, 2005, p. 58).

3 EM QUE MEDIDA HAVERIA EM SOBRE A CERTEZA UMA PROPOSTA FUNDACIONISTA?

Se as ideias presentes nos trabalhos posteriores de Wittgenstein são comumente consideradas anti-fundacionistas, então por que esse não seria o caso também em Sobre a Certeza? Seria o caráter anti-metafísico e pragmatista de sua filosofia compatível com um fundacionismo epistêmico?

Antes de apresentarmos nossa resposta, trataremos brevemente do interessante posicionamento tomado por Crispin Wright (1985). De modo direto, Wright (1985, p. 469), afirma que “Wittgenstein’s epistemology in On Certainty is explicitly anti­foundationalist”. Para sustentar isso, ele se baseia nos parágrafos §163-6 e §204. Interessantemente, esses mesmos trechos são mencionados e utilizados por Stroll como combustível para sua leitura fundacionista. Acreditamos que isto reforça a reflexão proposta por Wright: Sobre a Certeza está situado em um embate entre fundacionismo e anti-fundacionismo. Ele chama esse embate de “dilema fundamental”[20].

Concordamos com Wright quando ele afirma que Sobre a Certeza estaria recheado de embates entre as perspectivas fundacionista e anti-fundacionista. Ele identifica que, “structurally, the thought would be that there can indeed be propositions at the termini of chains of evidence, which, as the foundationalist supposes, are certain, and whose certainty involves no further appeal to empirical theory” (WRIGHT, 1985, p. 469). Ora, caso paremos por aqui, esse pensamento Wittgensteiniano poderia muito bem ser entendido como favorável a um fundacionismo. No entanto, de acordo com a avaliação de Wright, se tivermos que escolher apenas por uma das opções, o anti-fundacionismo seria mais condizente, pois comete menos erros. Para o autor, Sobre a Certeza estaria mais próximo de um anti-fundacionismo por conta da característica das hinge propositions de poderem desempenhar papéis diferentes a depender do contexto no qual elas se encontram. No entanto, o próprio Wright não acredita que uma visão anti-fundacionista seja a mais interessante caso desejemos avançar na Epistemologia. Em verdade, ele argumenta que o aparentemente interminável conflito entre fundacionismo e anti-fundacionismo estaria prejudicando esses avanços, e que Sobre a Certeza, no modo como expõe e participa desse embate, estaria ao menos nos apontando para uma possibilidade de rompê-lo.

Enquanto núcleo das propostas fundacionistas, identificamos uma motivação de evitar o ceticismo radical a partir do estabelecimento de uma interpretação clara e assertiva sobre a existência de fundamentos que serviriam de ponto de parada do regresso epistêmico. Essas propostas não parecem ter receio em apontar para maneiras universais ou absolutas de se considerar as hinge propositions.

No cerne das leituras anti-fundacionistas, por outro lado, parece haver uma valorização da importância do contexto para o pensamento de Wittgenstein, mas sempre buscando evitar que essa valorização implique em um relativismo epistêmico[21]. A partir disso, encontramos nessas propostas uma maior ênfase nos aspectos pragmáticos e contingentes das hinge propositions.

Consideramos, portanto, que a atitude de Wittgenstein diante do fundacionismo não deve ser vista nem simplesmente como a de mais um crítico, nem como a de um seguidor com uma novíssima versão para salvaguardar a ideia de que possuímos fundações seguras para o conhecimento. Assim, em concordância principalmente com as leituras de Wright e Williams, compreendemos que a saída de Wittgenstein ao trilema de Agripa seria a recusa do trilema.

3.1 Uma leitura antidogmática

O objetivo de Wittgenstein em Sobre a Certeza é oferecer uma visão diferente da tradicional acerca da Epistemologia, a saber, uma visão antidogmática. À primeira vista, a abordagem antidogmática que identificamos em Sobre a Certeza pode parecer impedir a identificação de teses, de modo que a filosofia de Wittgenstein poderia ser aproximada a algum tipo de ceticismo mais radical cujo objetivo seria avaliar as diferentes posições acerca de um mesmo tema e mostrar como, em geral, nossas pretensões de conhecimento são injustificadas — não corroboramos com esta aproximação, exceto no caso de se considerar um ceticismo moderado que permita que certas formas de conhecimento sejam legitimamente justificadas, porém está para além do escopo deste artigo discutir esta questão. Para expormos com maior detalhamento o antidogmatismo Wittgensteiniano, a seguir apresentaremos como ela pode ser extraída a partir de nossa leitura dos parágrafos §608 a §612 da obra.

A começar, Wittgenstein se questiona acerca do que devemos considerar uma boa razão ou uma razão adequada para guiarmos nossas ações: “Is it wrong for me to be guided in my actions by the propositions of physics? Am I to say I have no good ground for doing so? Isn't precisely this what we call a ‘good ground’?” (OC, §608). Para avaliar essa questão, ele imagina um cenário no qual um outro grupo de pessoas tomasse como regra para ação outro tipo de coisa que não proposições da física (ou proposições científicas em geral): “Supposing we met people who did not regard that as a telling reason. Now, how do we imagine this? Instead of the physicist, they consult an oracle. (And for that we consider them primitive.)” (OC, §609). Qual seria a diferença entre guiar-se a partir das regras legitimadas por um físico (ou cientista) ou a partir de regras emitidas por um oráculo? — isto é, a diferença entre um sistema epistêmico científico e um sistema epistêmico religioso-mitológico. Neste ponto, observamos que o comentário de Wittgenstein de que consideraríamos este outro grupo de pessoas como “primitivos” não deve ser entendido como uma afirmação de que fazer isso está correto. Na verdade, partindo do ponto de vista antidogmático, ele estaria apenas descrevendo uma possível (e plausível) reação de pessoas cientificamente educadas ao se encontrarem com um povo que não teve essa mesma educação.

O filósofo então continua a tentar entender qual seria, então, a diferença entre consultar um físico ou consultar um oráculo: “Is it wrong for them to consult an oracle and be guided by it? — If we call this “wrong” aren’t we using our language­game as a base from which to combat theirs?” (OC, §609). A conclusão que conseguimos extrair daqui — indo na contramão do que Coliva (2010) defende, por exemplo — é a seguinte: não deveríamos julgar a perspectiva do outro grupo como “errada”, pois isto seria, na verdade, uma forma etnocêntrica ou dogmática de se relacionar com o diferente. Assumindo que nós ainda assim decidimos combater a visão diferente da nossa, estaríamos certos ou errados em tomar essa ação? O que Wittgenstein afirma sobre isso é que “there are all sorts of slogans which will be used to support our proceedings” (OC, §610). O uso da expressão “all sorts of slogans” nos soa depreciativo do seguinte modo: caso de fato tomemos a decisão de combater o outro grupo em suas crenças, facilmente obteremos em nosso próprio sistema uma ou mais maneiras de “justificar” nossos atos. Mas essa “justificação” seria simplória e vaga, com efeitos exclusivamente retóricos.

Se encaminhando para a descrição de como poderia ser o desfecho desse conflito entre grupos de perspectivas diferentes, Wittgenstein argumenta: “where two principles really do meet which cannot be reconciled with one another, then each man declares the other a fool and heretic” (OC, §611). A atitude pejorativa que ele prevê em cada grupo em relação ao seu adversário só reforça para nós que Wittgenstein não endossaria essa forma de resolução do conflito, justamente por redundar em um fechamento dogmático performado por cada grupo. Aqui, então, chegamos ao final das passagens selecionadas:

I said I would ‘combat’ the other man, — but wouldn’t I give him reasons? Certainly; but how far do they go? At the end of reasons comes persuasion. (Think what happens when missionaries convert natives.) (OC, §612).

Ao falar sobre os limites da argumentação, dos limites da utilidade de se oferecer razões, Wittgenstein nos pinta uma imagem pessimista em relação ao desfecho do conflito: já que os dois grupos estão dogmaticamente fechados para qualquer tipo de comunicação (não sem justificativas, mesmo que justificativas que somente fazem sentido para eles mesmos), então o que resta é a possibilidade de que um persuada o outro a ver o mundo de outro modo — mesmo que para isso seja necessário o uso de violência, como fica claro em sua menção ao processo de aculturação realizado na conversão de nativos por missionários religiosos.

Em suma, a maneira que compreendemos este importante trecho de Sobre a Certeza é como uma cautionary tale: Wittgenstein estaria nos mostrando uma imagem de como são (ou podem ser) difíceis (e pouco racionais) as interações interculturais humanas como uma espécie de apelo para a tolerância e para que realizemos sempre um esforço antidogmático. Em outras palavras, Wittgenstein estaria nos advertindo sobre os perigos do dogmatismo no que diz respeito à vida em comunidade e entre comunidades. Diferentemente do que temos recorrentemente vivido na recentíssima história brasileira, por exemplo, a partir de constantes ataques à democracia e a valores relacionados à equidade e à justiça social, devemos nos posicionar socialmente (e epistemologicamente) a favor da diversidade e contra as opressões e distorções estruturais mantidas por sistemas epistêmicos racistas, machistas e etnocêntricos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esperamos ter obtido sucesso em nossa empreitada de apresentar e avaliar as diversas posições acerca da epistemologia presente em Sobre a Certeza. Se este tiver sido o caso, então também desejamos que estejam claras as razões pelas quais defendemos como veredito a tese de que Wittgenstein não deve ser compreendido como fundacionista, mas sim como um pensador favorável ao anti-fundacionismo.

Na seção 1, iniciamos a discussão acerca do suposto fundacionismo Wittgensteiniano. Inicialmente, introduzimos o trilema de Agripa para ajudar na contextualização das três principais correntes da epistemologia contemporânea. Em sequência, buscamos compreender como o pensamento de Wittgenstein em Sobre a Certeza se encaixaria diante dessa discussão. Na seção 2, consideramos que, além de seu resultado principal de prover um veredito sobre a pergunta “em que medida seria Wittgenstein um fundacionista?”, nele também desenvolvemos algumas críticas em relação às propostas fundacionistas analisadas. Por fim, na seção 3, consideramos a possibilidade do trabalho de Wittgenstein servir ao mesmo tempo como um exemplo do conflito entre teses fundacionistas e anti-fundacionistas e como uma narrativa que teria por fim a promessa de superar este conflito. A leitura antidogmática aqui exposta está em estágios iniciais de desenvolvimento, portanto seu detalhamento ainda é insuficiente.

Como brevemente mencionado ao longo do artigo, iremos desenvolver em outro trabalho nossa análise e classificação das metáforas, de modo que a breve exposição aqui feita poderá ser mais esclarecida nesse momento posterior. Além disso, no futuro também levaremos adiante a nossa leitura antidogmática para tratarmos sobre como o pensamento Wittgensteiniano pode nos auxiliar a compreender desacordos profundos.

Agradecimentos

Agradeço pelas contribuições de meu orientador de mestrado, prof. Dr. Marcos Silva, assim como a toda as valiosas críticas dos professores que compuseram a banca de avaliação da dissertação, prof. Dr. Marcelo Carvalho, prof. Dr. Eros Carvalho e prof. Dr. Luiz Carlos Pereira. Este artigo foi fruto de minha pesquisa de mestrado, a qual fora desenvolvida com apoio financeiro da CAPES.

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Contribuições de autoria

1 – Autor: Hugo Ribeiro Mota

Contribuição: Autoria total



[1] Esclarecemos que ao longo do artigo citaremos as obras de Wittgenstein utilizando suas siglas em inglês, seguidas do número da seção ou parágrafo referido. Assim, “PI” se refere às Philosophical Investigations (Investigações Filosóficas), “OC” se refere a On Certainty (Sobre a Certeza).

[2] McGinn (1989), Conway (1989), Stroll (1994) e Moyal-Sharrock (2004).

[3] Wright (1985), Richter (2001), Williams (2005), Coliva (2010), Pritchard (2011) e Silva (2015).

[4] Cf. HACKER, 1986, p. 63.

[5] Cf. PI, §107.

[6] O adjetivo “pirrônico” se dá pela referência ao cético Pirro de Elis (aproximadamente 360-270 a.C.). Pirro é um personagem obscuro que não deixou nenhum texto escrito. Suas ideias chegaram até nós com base em fragmentos da obra de seu discípulo Timon (320-230 a.C.) e de sua biografia apresentada por Diógenes Laércio. A principal fonte do ceticismo grego de tradição pirrônica é a obra de Sexto Empírico (séc. II ou III). Nos textos de Sexto Empírico está disposta grande parte dos argumentos céticos, dos quais alguns terão grande impacto em teorias filosóficas contemporâneas. Para mais sobre o ceticismo pirrônico, ver Annas & Barnes (1985).

[7] Cf. Etcheverry, 2009, p. 23.

[8] Em português, traduz-se literalmente para “epistemologia das dobradiças”. Alguns também utilizam “epistemologia dos eixos”, por compreenderem que a metáfora dos eixos (OC, §152) é mais precisa que a metáfora das dobradiças (OC, §341) para exprimir a natureza das hinges.

[9] As traduções desses termos para a língua portuguesa ainda variam bastante, muitas vezes também por questões interpretativas — as mais comuns atualmente são “proposições fulcrais” ou “proposições axiais”. Em geral, utilizaremos os termos em inglês.

[10] Em um artigo futuro, desenvolveremos com maior profundidade esta posição, apresentando também uma tentativa de classificar algumas das metáforas da obra em quatro categorias: mecânicas ou arquitetônicas, geográficas, naturalistas e normativas.

[11] “The questions that we raise and our doubts depend on the fact that some propositions are exempt from doubt, are as it were like hinges on which those turn” (OC, §341).

[12] “I do not explicitly learn the propositions that stand fast for me. I can discover them subsequentlv like the axis around which a body rotates. This axis is not fixed in the sense that anything holds it fast, but the movement around it determines its immobility” (OC, §152).

[13] Cf. Stroll, 1994, p. 143-145.

[14] Cf. Williams, 2005, p. 50.

[15] Cf. Williams, 2005, p. 51-52.

[16] “Speaking of the application of a word, I said that it is not everywhere bounded by rules. But what does a game look like that is everywhere bounded by rules? whose rules never let a doubt creep in, but stop up all the gaps where it might? — Can’t we imagine a rule regulating the application of a rule; and a doubt which it removes — and so on?” (PI, § 84).

[17] “Some certainties are perceptual judgements about objects in our surroundings (‘Here is one hand’). Others are general propositions, belonging to the scaffolding of our Moorean common sense (‘The Earth has existed for many years past’). Still others are presuppositions of quite specialized, thus potentially culturally specific, forms of inquiry (history, geology, physics)” (WILLIAMS, 2005, p. 53).

[18] “In some cases, denying a basic certainty may result in a breakdown of intelligibility: we have no idea what the person could be thinking. In other cases, it may be a sign of mental disturbance. In yet others, it may indicate a view of the world that diverges seriously from our own” (WILLIAMS, 2005, p. 54).

[19] “Both the foundationalist and the coherentist pictures of knowledge must be set aside” (WILLIAMS, 2005, p. 55).

[20] Cf. Wright, 1985, p. 468.

[21] Williams (2005) e Coliva (2010) enfatizam a necessidade de evitar-se o relativismo e oferecem distintas estratégias argumentativas para desvencilhar o pensamento Wittgensteiniano desta perspectiva epistemológica. Está para além do escopo deste artigo expor minha análise de suas estratégias, porém expresso que minha posicao é a de que o relativismo epistêmico não precisa ser evitado, mas sim repensado. Para interpretações relativistas de Sobre a Certeza e da hinge epistemology, confira Kusch (2016) e Ashton (2019).