Universidade Federal de Santa Maria
Voluntas, Santa Maria, v.12, e02, Ed. Especial: Schopenhauer e o pensamento universal, 2021
https://doi.org/10.5902/2179378665741
ISSN 2179-3786
Submissão: 11/05/2021 • Aprovação: 27/09/2021 • Publicação: 28/12/2021
2 O SISTEMA DA FILOSOFIA ELEMENTAR DE REINHOLD EM CONTRAPONTO COM O SISTEMA KANTIANO
3 REPRESENTAÇÃO E VONTADE NA COMPREENSAO DE MUNDO DE SCHOPENHAUER
Schopenhauer e o pensamento universal
Schopenhauer, Reinhold e Kant na relação da teoria da representação e da liberdade da vontade
Schopenhauer, Reinhold and Kant in the relation of theory of representation and freedom of will
I Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil
RESUMO
Reinhold, em sua Filosofia elementar, e Schopenhauer, com sua obra principal O mundo como vontade e representação, se consideram herdeiros de Kant e ambos falam em fatos muito semelhantes sobre os méritos inegáveis e as deficiências da Crítica da razão. No entanto, esforçam-se para apresentar uma filosofia kantiana revisada por meio de uma construção de conceitos de nível superior, mas mantendo a convicção de que as coisas em si mesmas formam um dos pilares fundamentais do sistema. Assim, o intuito deste trabalho é conferir, sobre o pano de fundo kantiano, a aproximação entre os dois pensadores alegada por Martin Bondeli em sua obra Reinhold e Schopenhauer: zwei Denkwelten im Banne von Vorstellung und Wille.
Palavras-chave: Reinhold; Schopenhauer; Kant; Representação; Vontade
ABSTRACT
Reinhold, in his Elementary philosophy, and Schopenhauer, with his main work The world as will and representation consider themselves to be Kant's heirs and both speak in very similar facts about the undeniable merits and shortcomings of the critique of reason. However, they strive to present a revised Kantian philosophy through the construction of higher-level concepts, while maintaining the conviction that things in themselves form one of the fundamental pillars of the system. Thus, the aim of this work is to check, on the Kantian background, the approximation between the two thinkers alleged by Martin Bondeli in his work Reinhold und Schopenhauer: zwei Denkwelten im Banne von Vorstellung und Wille.
Keywords: Reinhold; Schopenhauer; Kant; Representation; Will
É bastante viável pensar que Reinhold exerce certa influência sobre o pensamento de Schopenhauer, assim como de outros pensadores pós-kantianos. De acordo com Bondeli (2015, p. 9 ss.), o jovem Schopenhauer assistiu às palestras de Schulze em 1810 e 1811 e, naturalmente, sabia que este professor havia sido um crítico cético da Filosofia elementar de Reinhold e de Kant nas décadas anteriores. Nas seções d’O mundo como vontade e representação[2], que criticam a filosofia de Kant e pós-kantiana, Schopenhauer faz referências ao Aenesidemus, texto de Schulze publicado em 1792, o qual trata detalhadamente da Filosofia elementar de Reinhold. Além disso, a crítica kantiana de Schopenhauer é claramente influenciada por problemas e argumentos de Schulze a partir do Aenesidemus. Portanto, há indicações, inclusive de outros interpretes[3], de que Schopenhauer estava ciente dos esforços de Reinhold para criar um novo sistema de crítica da razão baseado na teoria da representação.
Não há muitas referências a Reinhold na obra publicada de Schopenhauer, e as raras menções são mais contextualizadas à discussão pós-kantiana, aludindo o autor da Filosofia elementar como uma figura de destaque neste período que, em paralelo com os ataques de Schulze à crítica de Kant, assumiu a defesa desta filosofia. No entanto, Schopenhauer sublinha que Reinhold não obteve sucesso em sua própria filosofia, embora reconheça que sua teoria elementar pode ser considerada “não apenas como uma continuação de Kant, mas também como a pedra angular dos sistemas de Fichte, Schelling e Hegel” (P I, SW V, p. 96). Em outro texto, Reinhold aparece de forma um pouco mais detalhada como o “primeiro aluno” de Kant que interpretou a lei moral de seu mestre como um fato da consciência moral e, desse modo, iniciou o caminho para o fundamento dessa lei como “empírica” (Preisschrift, SW IV, p. 139). Fora do contexto da Filosofia elementar, entretanto, Bondeli lembra que Reinhold é citado diversas vezes por Schopenhauer a partir do escrito posterior: Beyträge zur leichtern Übersicht[4], do período de 1801 a 1803.
É essencial apresentar uma conexão crítica entre as filosofias de Kant, Reinhold e Schopenhauer para uma melhor compreensão das doutrinas da Filosofia elementar e d´O mundo como vontade e representação. Semelhante a Karl Leonhard Reinhold (1757-1823) em suas pertinentes apresentações de um sistema de Filosofia elementar, que começou com o Versuch einer neuen Theorie des menschlichen Vorstellungsvermögens (REINHOLD, 1963)[5], de 1789, Arthur Schopenhauer (1788-1860), na primeira edição de sua obra principal publicada em 1819: O mundo como vontade e representação[6], colocou em discussão uma abrangente reinterpretação teórica da vontade e da representação da Crítica da razão da de Kant. Nos dois casos, um conceito de representação caracterizado como uma relação básica entre sujeito e objeto, compreendendo a representação como um fato (Tatsache) da consciência, desempenha um papel fundamental. A concepção posterior de Reinhold sobre a liberdade da vontade, na qual é relevante a comparação entre o impulso interessado e o desinteressado, levam à suposição de que paralelos entre esse pensador e Schopenhauer provavelmente existam também em relação à questão da vontade, já que, nos textos de 1792, Reinhold considerava a representação e a liberdade da vontade como dois princípios fundamentais do seu sistema de Filosofia elementar. Posto isso, surge uma inevitável associação com os dois pilares básicos da compreensão de mundo de Schopenhauer, vontade e representação.
Em suma, os dois pensadores consideram o conceito de vontade um ponto de partida indispensável e, em suas explicações desse conceito, manifestam visões muito aguçadas sobre a liberdade da vontade, além de considerações particulares do impulso teórico sobre a ação moral. Diante deste quadro, Bondeli levanta duas questões: a) em seu desenvolvimento crítico de Kant, Schopenhauer não só se reportou a este, mas também a Reinhold?; b) até onde vai o terreno comum entre a Filosofia elementar e a representação desenvolvida em O Mundo?
No que diz respeito à primeira pergunta, deve-se lembrar também que Schopenhauer, em um exemplar dos Parerga und Paralipomena, refere-se a uma passagem da décima carta da segunda edição das Briefe über die Kantische Philosophie[7], de Reinhold, publicadas em 1792 (Cf. P I, SW V, e HN, V, p. 137s). A concepção de Reinhold sobre o conceito kantiano de vontade e liberdade da vontade, e também sobre uma visão kantiana da ação moral, que formam o núcleo desta edição, não deveriam ser desconhecidas por Schopenhauer, que ocasionalmente rejeitava o pensamento de Reinhold, mas definitivamente o avaliou e o apreciou suficientemente. Por fim, deve-se notar que, anteriormente, o jovem Schopenhauer tentou por um tempo estabelecer contatos pessoais com a influente Universidade de Jena, na qual Reinhold ensinou e propagou a filosofia de Kant. Em 1813, ele enviou a Reinhold, que trabalhava na Universidade de Kiel desde 1794, um exemplar de sua dissertação Sobre a quadríplice raiz do princípio de razão suficiente[8], que posteriormente foi designada como subestrutura d’O Mundo, sua obra principal (BONDELI, 2015, p. 2s).
Para responder à segunda pergunta formulada (b), Bondeli reconstrói conceitualmente, embora sem pretensões abrangentes ou conclusivas, como ele diz, as concordâncias e diferenças factuais da Filosofia elementar de Reinhold e da doutrina sobre O Mundo de Schopenhauer. Após uma primeira análise crítica da comparação da filosofia de ambos com Kant, o intérprete ressalta a argumentação e os resultados para a pergunta do fundamento do conhecimento e da liberdade da vontade. No entanto, deve ficar claro desde o início que, apesar dos pontos em comum, não há uma simetria no pensamento dos dois pensadores.
2 O SISTEMA DA FILOSOFIA ELEMENTAR DE REINHOLD EM CONTRAPONTO COM O SISTEMA KANTIANO
As teorias da faculdade de conhecimento e de desejar, que devem seguir o plano sistemático de Reinhold de acordo com a parte fundamental da representação teórica, foram formuladas de um modo geral no terceiro livro do Versuch. A teoria do conhecimento contém sua estrutura principal de acordo com as teorias da sensibilidade, do entendimento e da razão; orientando-se, assim, na subdivisão de Kant da doutrina dos elementos da Crítica da razão pura em estética, analítica e dialética transcendentais. A teoria da faculdade de desejar, apresentada pela primeira vez na forma das Grundlinien[9] no final Versuch, e depois implementada nas Briefe II, consiste em determinações sobre moralidade e direito natural. O acento enfaticamente antideterminista e antifatalista da liberdade da vontade se mostra de importância sistemática nesta parte teórico-prática, pois Reinhold assegura a lei moral dentro da estrutura de seu próprio edifício de pensamento moral-filosófico.
Como assume que a liberdade de vontade estabelece o fundamento da moralidade (Moralität), Reinhold não pode, no entanto, afirmar igualmente a lei moral no sentido de um primeiro fato (Faktum), isto é, no sentido de um dado que é completamente compreensível por si mesmo e não por outra coisa. Na sua opinião, o estatuto de um primeiro fato (Tatsache) depende unicamente da faculdade da vontade livre entendida como fato da pura autoconsciência. Com isso, Reinhold defende que a lei moral é algo existente (e não meros pensamentos), e já que pertence à faculdade da razão pura prática, existe como algo que é essencialmente uma atividade que corresponde à “natureza autoativa da razão” (REINHOLD, 2007 e 2008, p. 65), e, considerada do ponto de vista do sujeito que quer (wollend Subjekt), em última análise, representa algo dado, algo que a razão prescreve ou “dá” à vontade no sentido de um fundamento causal (REINHOLD, 2007 e 2008, p. 65).
Não se pode ignorar que Reinhold, em relação à abordagem sistemática, apoia-se bastante em Kant na questão de qual modo a lei moral alcança sua obrigatoriedade. Assume com Kant a tomada de partido por um sentido autônomo da validade da razão moral, no entanto, não sem reservas. É evidente, por mais que ele concorde com a Crítica na determinação dos fundamentos materiais do princípio moral[10], coloca um contraponto sobre uma compreensão excessivamente reduzida da razão pura prática (REINHOLD, 1963, p. 99-117; 2007 e 2008, p. 64-66), pois no máximo essas determinações podem ser relevantes no contexto da questão de quais motivos são propícios ao cumprimento da lei moral, como os chamados “Triebfedern” da lei moral.
Entre esses contrapontos está a teoria do impulso de Reinhold, desenvolvida no contexto da teoria da faculdade de desejar, onde ocorre o confronto entre o impulso sensível interessado e o moral desinteressado (REINHOLD, 1963, p. 564 ss.; 2007 e 2008, p. 220261). Nesse confronto, o impulso desinteressado se equipara à faculdade da razão pura prática ou à instância da lei moral. Em Kant, em comparação, embora seja verdade que haja afirmações sobre uma vontade moral pura, cujo significado se desenvolve da negação do “interesse” (KANT[11], não há nenhum esforço para adotar um impulso desinteressado que fosse equivalente à lei moral ou à razão pura prática. Existe apenas a admissão de forças motrizes (Triebfedern) que são adequadas para o cumprimento da lei moral. Segundo Kant, esses são sentimentos de dever (Pflicht) e respeito (Achtung).
Os textos de Reinhold indicam que seu objetivo é fundar volitivo-teoricamente[12] a faculdade moral e, portanto, a concepção da lei moral de uma maneira que ele acredita não ter sido abordada por Kant, ou abordada de forma inadequada. Segundo Reinhold, o impulso desinteressado prova ser o alicerce adequado dessa fundação moral, pois, uma vez que pode ser reconhecido como razão pura prática, pode ser fixado de acordo com a sua existência na experiência interior da pessoa que quer e, de acordo com sua essência, está para uma vontade que quer a lei moral e, assim, manifesta-se nesta lei. A lei moral pode, portanto, ser compreendida como expressão do comportamento moral, racional, que afirma o lado da faculdade de nossa vontade. Que a lei moral deva ser um fato da razão pura, como Kant alegara, pode ser demonstrada de maneira mais convincente pelo impulso desinteressado. Outro contraponto com Kant surge com o papel que Reinhold atribui ao sentimento moral, pois acredita, de modo não diferente de Kant em seus comentários sobre as “forças motrizes da razão pura prática”[13], que há sentimentos morais, como os de dever e respeito que são “causados pela razão”[14] e, como tais, devem ser provados, porque promovem o cumprimento da lei moral de maneira excelente. Mas Reinhold dá um passo além. De acordo com suas reflexões fundamentais da Filosofia elementar, um sentimento moral também é levado em consideração no que diz respeito à fundação da lei moral. Isso é evidente no contexto de suas percepções teóricas cada vez mais centrais sobre a relação entre o entendimento comum e a razão filosofante desde 1792 (REINHOLD, 2007 e 2008, p. 308; 2003 e 2004, p. 1-72).
A pretensão de juízos fundamentados só pode ser satisfeita se levado em conta o fato de que a razão filosofante, como faculdade de fazer juízos, depende inevitavelmente do entendimento comum como instância de convicções fundadas em sentimentos. O entendimento comum e a razão filosofante são considerados como dois lados mutuamente coordenados, porque estão ligados à mesma faculdade fundamental (REINHOLD, 2007 e 2008, p. 309).
Na estrutura sistemática da Filosofia elementar de Reinhold, a teoria da faculdade de representação, como um ponto de partida comum, precede a crítica da razão teórica e a crítica da razão prática, reformuladas respectivamente como a teoria do conhecimento e a teoria da faculdade de desejar. A teoria da faculdade de representação é um sistema de conceitos em que a concepção do representar ou consciência está no topo. É estruturada de forma tripartite em sujeito representante, objeto representado e a própria representação como uma conexão que se relaciona com ambos e ao mesmo tempo se diferencia deles (sujeito e objeto). “Essa estrutura é afirmada de acordo com sua existência como um fato original da consciência humana, de acordo com seu conteúdo articulado no sentido de um princípio supremo que se afirma como evidente e universalmente válido” (BONDELI, 2015, p. 16). Trata-se da “proposição da consciência (Satz des Bewustseins)”, que em uma versão de 1790 diz: “Na consciência, a representação distingue-se do sujeito e do objeto e está relacionada a ambos pelo sujeito” (REINHOLD, 2003 e 2004, p. 167).
Assim, ao colocar a proposição da consciência no topo do sistema revisado da crítica da razão, que se desenvolveu em uma Filosofia elementar, Reinhold não só unifica o conceito de conhecimento de Kant em um sentido definitivo, mas também o apresenta como um sistema mais rigoroso e completo. Com base nas modificações da relação sujeito-objeto, as formas da pura intuição sensível (espaço e tempo) são deduzidas no âmbito da intuição; a tabela das formas do juízo e a tabela correspondente das categorias e esquemas são deduzidas no âmbito do entendimento. No âmbito da razão, o sistema de Ideias tem sua concepção reconstruída em um modelo semelhante ao de Kant. Os níveis da intuição, entendimento e razão também são apresentados, pois são baseados em um fundamento teórico de representação comum, de modo que neles a relação sujeito-objeto e as relações ligadas entre forma e matéria, unidade e multiplicidade, espontaneidade e receptividade são estruturadas de maneira especial. Entre outras coisas, isso significa que uma faculdade de espontaneidade e unidade é assumida no âmbito da intuição sensível, mas que não deve ser confundida com um entendimento que intui, principalmente porque se trata de mostrar que as diferentes faculdades (intuição e intelecto), em seu relacionamento complementar, são pressupostas desde o início. Já em Kant, o conhecimento válido, no levantamento do conhecimento fenomenal, só é possível no caso de uma tal referência ao objeto (Objekt) (BONDELI, 2015, p. 35).
Ao apresentarmos a teoria da representação, ainda que bastante resumidamente, percebemos que ela se inicia com a definição das partes individuais da estrutura da consciência, ou melhor, da representação como faculdade, das confrontações correspondentes à relação sujeito-objeto, isto é, entre forma e matéria, unidade e diversidade, faculdade de espontaneidade e faculdade de receptividade. A forma sistemática em que Reinhold apresenta a questão mostra que a concepção inicial da representação é considerada no sentido de um conceito genérico. Isso significa que todas as determinações do sistema da teoria da representação, bem como das teorias do conhecimento e da faculdade de desejar devem ser entendidas como subsumidas nessa concepção. Dito de outro modo, elas são tipos de representações ou conceitos subsequentes e, portanto, dependem do conceito genérico de representação. Reinhold adota um constructo por meio do qual a concepção inicial da representação aparece não apenas como base, mas também como o primeiro elo de uma cadeia ordenada de conceitos e como uma instância que serve para fundamentar o conhecimento.
Todavia, é preciso explicar como a faculdade da vontade pode ser pensada como parte da estrutura da representação, sendo esta o princípio supremo e, ao mesmo tempo, princípio da parte teórica da Filosofia elementar. Ao realizar os planos dessa filosofia, Reinhold parte dos resultados que já estão disponíveis em Kant, mas defende que a vontade humana livre deve ser compreendida principalmente como a faculdade de decidir a favor ou contra a lei moral, que também deve ser entendida como uma demanda do impulso desinteressado. Ao contrário de Kant, que estabelece mutuamente a liberdade e a lei moral como base para agregar o ser e o conhecimento, Reinhold está convencido de que o conceito de vontade livre deve preceder o conceito de lei moral. Na sua opinião, a “lei moral” pode “apenas ser corretamente pensada como a lei da vontade, mas não a vontade sem o conceito correto de liberdade” (REINHOLD, 2007 e 2008, p. 361). De acordo com esta tendência, Reinhold prossegue na fase de 1792 para instaurar a liberdade da vontade na fundação da parte prática do sistema de filosofia pura em geral, onde a representação e liberdade da vontade são consideradas como os dois pilares de todo o seu sistema.
3 REPRESENTAÇÃO E VONTADE NA COMPREENSAO DE MUNDO DE SCHOPENHAUER
Schopenhauer, no entanto, não estava preocupado em apresentar a crítica prático-teórica da razão kantiana no sentido de um novo sistema baseado na faculdade fundamental ou primeiro princípio, como o de Reinhold, muito menos em expandir para um sistema geral de filosofia. Antes, seu objetivo, com base em Kant, era refletir o mundo como ele realmente é, o mundo em seus principais modos de existência, fundamentos, dinâmicas e potencial para uma mudança espiritual (ROEHR, 2013). No entanto, o fato de Schopenhauer basicamente subdividir o mundo em áreas da representação e da vontade, e discutir ambos os conceitos de mundo de maneira definitiva e sistemática, certamente levam a um parentesco com o projeto de pensamento da Filosofia elementar.
Os primeiros parágrafos d’O Mundo já trazem um vasto conjunto de formulações para o conceito de representação que lembram a interpretação de Reinhold desse conceito em conexão com o evidente princípio da consciência. Schopenhauer começa com a frase: “O mundo é minha representação. Este princípio (Satz) é uma verdade para todo ser vivo e pensante...” (W I, SW II, p. 3). Reproduzindo o argumento de Bondeli[15]: a observação de uma “verdade”, que se aplica a todos os seres viventes e “cognoscentes”, significa que por princípio (Satz) se entende que, onde quer que exista uma relação de conhecimento com o mundo, onde quer que exista uma “representação” que está relacionada ao “representante”, ou seja: “que tudo o que está aí para o conhecimento, portanto, o mundo inteiro, apenas o é em relação ao sujeito, intuição do intuinte, em uma palavra, representação” (W I, SW II, p. 3s). O mundo como representação tem, portanto, “duas metades essenciais, necessárias e inseparáveis. Uma é o objeto, que tem por forma o espaço e o tempo e, através dela, a multiplicidade. A outra metade é o sujeito, que não reside no espaço e no tempo, pois é completo (ganz) e indivisível em todo ser representante” (W I, SW II, p. 6). Todo o mundo da representação é universal e, originalmente, um relacionamento entre sujeito e objeto.
A referência factual a Reinhold é ainda mais insinuada nessas explicações de Schopenhauer sobre o conceito de representação, uma vez que é afirmado desde o início que a verdade indubitável do representar deve ser entendida como a primeira “forma de toda a experiência possível e imaginável”. Essa primeira forma deve preceder as formas do “tempo, espaço e causalidade”, “pois todas essas já pressupõem aquela” (W I, SW II, p. 3). Assim sendo, embora Schopenhauer, divergindo de Reinhold, não quisesse ter um princípio da consciência (Satz des Bewustseins), mas um princípio da razão (Satz vom Grunde) como centro de seu sistema, seguiu a mesma direção de Kant ao aplicar seu axioma da representação como fundamento da faculdade de conhecimento, ou seja, como base das formas da pura intuição sensível e das categorias. Afinal, cabe a todas essas afirmações que Schopenhauer, por um lado, imputa a Kant uma certa “negligência” do princípio sobre o mundo como representação (W I, SW II, p. 4), por outro lado, reconhece a sua importância no que diz respeito à determinação do sujeito e do objeto como as duas metades da representação.
Ora, Reinhold também tinha a mesma opinião sobre os méritos e deficiências de Kant no uso do conceito de representação. Mas o que permanece estranho é o fato de Schopenhauer não mencionar o kantiano Reinhold, que recentemente deu a essa descoberta uma expressão conceitual bastante marcante na formulação da proposição da consciência; em vez disso, preferiu informar ao leitor sobre o surgimento da “verdade”, segundo a qual o mundo é representação, em “Berkeley” e nos “sábios da Índia”
Já no final do primeiro parágrafo d’O Mundo e continuando repetidas tentativas nos seus quatro livros, Schopenhauer também aborda a importante distinção entre fenômeno e coisa em si, que está sistematicamente conectada à representação como a relação sujeito-objeto. Nesta questão também há uma proximidade impressionante com Reinhold porque ambos concordam com a tese kantiana da incognoscibilidade da coisa em si, e ambos se queixam que Kant não a defendeu com consistência suficiente baseada no conceito da representação. Ambos percebem que, de acordo com o problema de Kant, a coisa em si não está apenas em um contexto antidogmático, mas também em um contexto reconhecidamente realista, e presumem, em suas explicações sobre a coisa em si perante a relação forma e matéria, que a coisa em si seja a mera matéria (Stoff ou Materie), isto é, algo que não é “forma”, que não tem a “forma da representação” (W I, SW II, p. 144s). Com isso, inclui-se a hipótese de que uma ação afetante em nossa capacidade de representação não saiu apenas de uma matéria já enformada, mas também da mera matéria, ainda não enformada. No entanto, apenas a primeira ação pode ser explicada ou tornada visível, a partir da matéria já enformada, e não a última. Quando Schopenhauer fala que, na representação intuitiva, além das realizações formais do intelecto relativas às funções legais também a “percepção sensível” provém do sujeito, ambos são “de origem subjetiva” (P I, SW V, p. 86), de modo que ele compreensivelmente tem em vista uma matéria que podemos experimentar e, por isso, já enformada. Obviamente, não se deve esquecer que todas as diferenciações de Schopenhauer estão no contexto de sua concepção fundamental de que a coisa em si pertence ao mundo como vontade ou não é nada além da vontade: “A coisa em si é apenas vontade” (W I, SW II, p. 131). A expressão “vontade” nesse contexto representa uma vontade em si, uma vontade que também é fundamentalmente diferente da vontade manifesta. Em outras palavras, essa vontade só é cognoscível em suas manifestações, não em si mesma. No entanto, de acordo com Schopenhauer, e isso explica a associação primária da coisa em si com o mundo da vontade, existe uma exceção em um ponto. Na sua opinião, há um “reconhecimento imediato de que todos têm de sua própria vontade” (W I, SW II, p. 219). Isso não é uma manifestação da vontade em si, mas algo que a vontade em si manifesta de si mesma em uma representação, pois a coisa em si não existe sem a sua manifestação: são correlatas.
Essa evidente interpretação da coisa em si como vontade em Schopenhauer delata mais uma vez que seu caminho se entrelaça com o do autor da Filosofia elementar. Muito embora Reinhold, ao atribuir exclusivamente a vontade ao sujeito e não ao mesmo tempo à uma força material, encontre-se em uma base diferente e muito mais subjetiva que Schopenhauer.
“A decisiva marca característica distintiva aqui é a possível validade do princípio da razão, que geralmente Schopenhauer resume de tal maneira que nada que existe, exista sem fundamento, sem um porquê” (W I, SW II, p. 30). Portanto, assim como o mundo da representação está sujeito a esse princípio e a coisa em si permanece intacta, o mesmo vale para o mundo da vontade pois, todas as manifestações (ou fenômenos) da vontade estão sob o ditame do princípio da razão, mas não a vontade em si, a qual pode ser chamada como sem fundamento (grundlos) (W I, SW II, p. 127)[16]. Como o princípio da razão é uma peculiaridade do mundo da representação, isso significa que todas as manifestações da vontade correspondem a uma vontade representada, uma vontade para a qual a estrutura sujeito-objeto é assinalada.
O conceito de vontade de Schopenhauer representa uma multiplicidade de atos individuais de vontade e também representa uma estrutura gradual de produtos da vontade, as chamadas “objetivações”. Os níveis de objetivações da vontade que caracterizam o seu objeto e descrevem o curso de desenvolvimento das formas naturais para as espirituais, a partir das quais resulta que a vontade de viver não é um privilégio de níveis mais altos, mas apenas pode ser falada com o nível espiritual em que a vontade se reconhece, a “autoconsciência” de uma consciência de “liberdade” (W I, SW II, p. 135). Assim, a vontade é capaz de se manifestar como vontade livre somente em um indivíduo autoconsciente, e ela pode refletir sobre si mesma e se questionar somente nesse nível. O âmbito das ideias e da vontade, no qual Schopenhauer se concentra a partir deste estágio, é marcado por uma aproximação da vontade representante com a vontade em si. No pensamento se mostra o pensamento de um querer que reconhece e um reconhecer que quer. Um querer e um reconhecer deste tipo são sinônimos de uma “autossuprassunção da vontade” (W I, SW II, p. 478) que, na medida em que ela sai da vontade mesma, corresponde a uma forma (Form) mais elevada de afirmação. E o pensamento para exceder a estrutura sujeito-objeto peculiar ao mundo da representação é imposto com a aproximação da vontade representante e a vontade em si. Assim, é anunciada uma forma (Gestalt) de querer ou reconhecer na qual “sujeito e objeto não são mais distintos” (W I, SW II, p. 21) e, quando nos referimos diretamente à nossa própria vontade, dispomos de um autoconhecimento que podemos afirmar como acesso direto à própria vontade em si.
Quando Schopenhauer menciona exemplos ou méritos em seus comentários sobre o conceito de vontade, ele nomeia principalmente Platão e Kant (W I, SW II, p. 185 e Preisschrift, SW IV, p. 175), mas não menciona Reinhold, embora também aqui haja inconfundíveis afinidades entre ambos. Na verdade, em Reinhold não há primazia da vontade perante a representação nem uma extensão do conceito de vontade às forças naturais comparável a Schopenhauer. Há, no entanto, um acordo quanto à primazia da faculdade da vontade em relação a essa faculdade com outros desempenhos de faculdade ou instâncias da razão prática. Como Reinhold, Schopenhauer está convencido de que a faculdade da vontade é o fundamento da faculdade da moralidade. Como alega Bondeli (W I, SW II, p. 185 e Preisschrift, SW IV, p. 32), essa prioridade da faculdade da vontade torna-se cognoscível em duas direções significativas. Por um lado, é usada nos discursos sobre o conceito de liberdade. Quando Reinhold e Schopenhauer falam sobre liberdade em um sentido moralmente relevante, partem de um ponto de vista sistemático sobre a autoconsciência e sobre a vontade ou faculdade de agir do homem, e não é como em Kant, uma lei moral a ser entendida como uma ratio cognoscendi da liberdade. Por outro lado, a referida prioridade da faculdade da vontade é expressa na relação da vontade com a instância da lei moral. Reinhold e Schopenhauer são da opinião de que a lei moral não pode ser entendida adequadamente sem o pressuposto de um impulso (Trieb) moral da vontade.
Mas, pergunta Bondeli, por que Schopenhauer toma partido de uma compreensão teórica da representação que se desvia substancialmente da de Reinhold? Como Reinhold, ele compreende seu axioma de representação como um fundamento que deveria ser importante para a faculdade do conhecimento, mas ele não exprime esse axioma no conceito, como faz Reinhold, como um princípio da consciência, mas o coloca em um contexto peculiar com o princípio da razão.
No entanto, apesar dessa diferente abordagem, emerge uma clara consonância factual entre ambos devido ao ponto de partida pela representação teórica. Como Reinhold, Schopenhauer também se esforça para destacar, além da diferença, a unidade dos respectivos componentes em suas descrições do desempenho das faculdades, através das quais a intuição e o entendimento se distinguem no caso do conhecimento. Assim, Schopenhauer enfatiza que as “representações intuitivas”, tanto das intuições “puras” quanto das “empíricas”, não existem em si mesmas, sem referência a um trabalho do entendimento, o qual ele chama de ‘artesão’ (W I, SW II, p. 519)[17]. Por conseguinte, as representações intuitivas não devem ser apresentadas de forma separada, mas sim sinótica e, por conseguinte, de modo que torne transparente “qual parte tem aí o entendimento” (W I, SW II, p. 511).
Mas voltando à pergunta formulada acima, por que em Schopenhauer o axioma da representação deve ser interpretado como um princípio da razão? Bondeli recorre à Dissertação, onde Schopenhauer inicia sua investigação sobre as distinções da constituição do fundamento, ou melhor, entre o fundamento do conhecimento e o fundamento real. “Se o primeiro é um conceito ou princípio, então o segundo é uma coisa real ou uma ação real. Se o fundamento do conhecimento dá uma resposta à questão se algo é ou o que algo é, então o fundamento real [dá a resposta] à questão: por que algo é”[18]. Além disso, partindo do conceito de causalidade, Schopenhauer faz uma classificação para o fundamento real, o qual deve cair em um fundamento do ser ou persistência e um fundamento do acontecer ou tornar-se. Neste último, o fundamento físico, ou seja, a causa é levantada do motivo ou motivação (Motiv oder Beweggrund) relevante em caso de ação. Isso resulta em uma razão quadríplice, que o autor relaciona às classes correspondentes de objetos de conhecimento. Finalmente, o fundamento do conhecimento, na medida em que deve ser entendido com mais detalhes no significado de um fundamento da verdade, também é subdividido em quatro, distinguindo entre verdade “lógica”, “empírica”, “transcendental” e “metalógica” (G, SW I, pp. 106-110).
Assim, na Dissertação é dito que o “princípio de razão suficiente”, em sua generalidade, expressa o fato de “que todas as nossas representações estão conectadas entre si em uma legalidade e formalmente determináveis a priori, que não é algo que exista para si independentemente, também nada único e separado pode se tornar um objeto para nós” (G, SW I, p. 27). Interpreta por este meio um pensamento que Kant manteve com o princípio fundamental das analogias da experiência. “A experiência só é possível pela representação de uma conexão necessária das percepções” (KANT, KrV B 218), como um princípio da razão. Já na Dissertação, a relação sujeito-objeto é trazida à tona quando se pensa a conexão legal das representações, mas somente em O Mundo é que o autor afirma que essa relação deve finalmente ser entendida no sentido de uma razão e, portanto, baseada em uma certa leitura do princípio da razão. Em uma crítica severa a Kant, afirmou:
Peço que das categorias joguemos onze pela janela e conservemos apenas a da causalidade, mas compreendendo que a sua atividade já é a condição da intuição empírica, que não é meramente sensível, mas intelectual, e que o objeto assim intuído, o objeto [Objekt] da experiência, é uno com a representação, da qual ainda só a coisa em si deve ser distinguida (W I, SW II, p. 531)[19].
Ou seja, uma atividade de causalidade já existe com a intuição, está presente desde o início com o axioma da representação, com o sujeito representante que se refere a um objeto. Nesse caso, Schopenhauer se refere à categoria da causalidade não apenas no sentido físico, mas também sobre a atividade da causalidade, que deve ser entendida no sentido de um fundamento transcendental e que pertence à faculdade do sujeito que representa e reconhece. Esse tipo de causalidade também é imprescindível e, portanto, a priori e apodítico.
Com isso, Schopenhauer quer evitar que a invariabilidade de um conteúdo da representação ou de uma condição da representação seja interpretada como objeto, e também não aceita conduzir uma prova transcendental onde uma invariabilidade das condições da experiência leve a objetos da experiência. Obviamente defende que a invariabilidade das representações não deva ser fixada a uma série de categorias e realizações anteriores de unidade e síntese do sujeito, mas só e unicamente fixada à causalidade de nossa atividade de sujeito. “Por essa razão, estende a causalidade além de sua localização para o âmbito das formas subordinadas à própria forma e, assim, eleva-a até uma causalidade original. E é exatamente por isso que o axioma da representação ou a relação sujeito-objeto é chamado de princípio da razão”[20]. E também é por isso que o autor opera repetidamente com tempo, espaço e causalidade baseado em afirmações sobre a relação sujeito-objeto, porque se trata de “formar (gestalten) ” o princípio da razão (W I, SW II, pp. 8, 30, 143, 151s).
Com essas explicações sobre o trabalho principal, o princípio da razão de Schopenhauer se mostra não mais apoiando-se no princípio das analogias da experiência de Kant, mas em Reinhold, através do teorema da prova da possibilidade da experiência kantiana que é complementada pelo princípio da consciência. Como Reinhold, Schopenhauer considera necessário incluir a relação sujeito-objeto na reflexão sobre a possibilidade de experiência, como Reinhold, ele coloca essa relação no topo dessa reflexão. Como Reinhold, ele está convencido de que essa reflexão é sobre uma determinação transcendental do conhecimento, ou seja, uma determinação com a qual uma reivindicação de verdade ou validade é resgatada. Com esse resultado, Bondeli conclui que se pode considerar que Schopenhauer não vai muito além de Reinhold nessa questão, já que ele opera apenas com uma terminologia ligeiramente alterada ou acentua os fatos de maneira diferente. Parece que Schopenhauer queria enfatizar a ‘primariedade’ ou originalidade da relação sujeito-objeto e, portanto, referia-se principalmente a ela como “razão (Grund)”, enquanto Reinhold colocou grande ênfase na sua estrutura e a formulou como um princípio da consciência[21].
Reinhold estabelece um paralelo entre os conceitos de vontade e de liberdade da vontade, que decorrem do princípio da consciência com o conceito de representação, e assume uma estrutura original de relações e distinções consistindo em três instâncias, as quais devem ser avaliadas como três “fatos da consciência” (REINHOLD, 2007 e 2008, p. 384): o primeiro é o sujeito que quer; o segundo trata-se da lei moral ou do impulso desinteressado, e o terceiro é o impulso sensível ou interessado, que tem uma natureza para o imoral, ou pelo menos uma natureza não ética. Pode-se dizer, assim, que a lei moral é uma “lei da liberdade” (REINHOLD, 2007 e 2008, p. 68, 54), já que, por um lado, o sujeito que quer é confrontado com a demanda da lei moral, por outro, com a demanda do impulso sensível. Dito de outro modo: a vontade pode ser adequadamente pensada como vontade livre somente quando apresentar a predisposição para considerar a possibilidade de que o sujeito que quer pode se manifestar a favor ou contra, tanto da lei moral quanto do impulso sensível. Isso pressupõe a tese de que a vontade do sujeito, que se decide a favor do impulso sensível, também é descrita como livre antes dessa decisão, isto é, não só a vontade pura, mas também a impura são dois modos de ação igualmente possíveis da vontade livre (REINHOLD, 2007 e 2008, p. 272, 188). Reinhold, portanto, determina efetivamente a liberdade da vontade como “a capacidade da pessoa de se determinar pela satisfação ou não de um desejo, de acordo com a lei prática ou contra ela” (REINHOLD, 2007 e 2008, p. 271 ss., 188). Segundo essa proposta, a lei moral e o impulso sensível são componentes sem os quais a liberdade da vontade, como a liberdade do sujeito que quer, não poderia ser pensada. Nesse sentido, para a correta compreensão da liberdade da vontade, é necessário distinguir entre o sujeito que quer, a lei moral e o impulso sensível como partes da liberdade da vontade, sendo inevitável uma referência do sujeito que quer aos outros dois componentes, embora esse sujeito deva ser considerado um componente prioritário da relação tripartite. Consequentemente, a compreensão da liberdade da vontade deve ser inferida a partir do sujeito que quer e de sua faculdade de autodeterminação (REINHOLD, 2007 e 2008, p. 271 ss., 188). Com base nesse resultado, é óbvio que Reinhold, no Versuch, refuta os deterministas e alega fundamentos para a existência da liberdade da vontade, não como Kant na KpV, que parte do famoso “Faktum”[22] da lei moral, mas do próprio sujeito que quer. Apela-se para uma “evidência de autoconsciência” (REINHOLD, 2007 e 2008, p. 359), que é suportada pelo sentimento de liberdade, e para um “fato da consciência” (REINHOLD, 2007 e 2008, p. 361, 238) que se anuncia na consciência moral.
Isso significa que, em sua escolha e decisão no confronto com as demandas da lei moral e do impulso sensível, o sujeito que quer deve ser autodeterminado e independente em sua escolha e decisão nesse confronto, pois somente assim o sujeito é livre em sua vontade. Isso expressa a convicção de que a autodeterminação não se aplica apenas no caso da liberdade de ação, isto é, de poder fazer o que se quer, mas também no caso da liberdade da vontade. Assim, diante deste contexto, Reinhold se permite afirmar que a liberdade da vontade não implica apenas a independência da pessoa do impulso sensível, mas também a “independência da pessoa da necessidade pela própria razão prática” (REINHOLD, 2007 e 2008, p. 272, 188). Tal afirmação toma uma direção diferenciada da de Kant, que equipara a vontade livre com a vontade moral, ou reduz a autonomia da vontade livre a um entendimento de autonomia da lei moral ou da razão prática.
Por conseguinte, em comparação a Schopenhauer, Reinhold se desvia deste quando alega a autoconsciência como fundamento da prova da liberdade da vontade, mas ambos entram em compasso na medida em que a questão da liberdade não é discutida com base na lei moral, mas sim em uma relação entre a liberdade da vontade e a autoconsciência. Entretanto, Bondeli aponta algo importante em relação aos dois pensadores. De acordo com Schopenhauer, se as leis da natureza a que a vontade humana está sujeita não estiverem relacionadas com o domínio da razão teórica, os motivos ou fundamentos relacionados com o caráter da pessoa que quer devem ser atribuídos ao domínio da razão prática. A pessoa que quer só é livre de acordo com seus sentimentos e, portanto, sente-se livre porque, do seu ponto de vista, os motivos e os fundamentos de caráter não são suprimidos pela aparente coerção que sentimos no caso das leis naturais (Preisschrift, SW IV, p. 93).
Reinhold também atribui imputabilidade ou responsabilidade à autoconsciência, e também ele concorda que esses conceitos são a verdadeira entrada na questão da liberdade moralmente relevante. Mas, diferente de Schopenhauer, ele defende exatamente a liberdade da vontade, da minha vontade, de uma vontade que percebemos em nós na autoconsciência. De seu ponto de vista, não somos responsáveis por nosso ato simplesmente, mas por nosso ato deliberadamente executado, não por nosso caráter simplesmente, mas por nosso caráter impregnado de vontade. A vontade humana não pode ser abstraída nem do ato nem do caráter. Schopenhauer, por outro lado, provavelmente tentaria argumentar que a autoconsciência que acompanha a (minha) ação e o (meu) caráter é suficiente para poder afirmar imputabilidade, a qual não têm de ser colocada na vontade. Se for esse o caso, no entanto, do ponto de vista de Reinhold, Schopenhauer seria mais uma vez capaz de resistir a autoconsciência do ponto principal. Por um lado, a justaposição de ação e caráter, por outro, a vontade é de importância secundária[23].
A liberdade da vontade humana schopenhaueriana enfatiza a dependência de motivos e fundamentos de caráter por considerar a vontade humana como um fenômeno empírico e, quando se trata de decisão perante uma alternativa, analisa de imediato o que foi alcançado e rapidamente apreende a decisão a ser tomada. Reinhold, por sua vez, embora não desconsidere a vontade também como um fenômeno empírico, defende que a vontade humana deva ser compreendida em seu estatuto transcendental e, no que diz respeito ao momento da escolha ou decisão, a ênfase vai para a independência e autodeterminação do sujeito que quer.
No entanto, a situação geral do problema muda quando se leva em consideração o conceito de Schopenhauer de uma liberdade na autonegação da vontade. Já vimos, em sua obra principal, o desdobramento do conceito de vontade e uma marcante distinção entre a vontade que se manifesta e a vontade em si, tendo como marca crucial nessa distinção a validade do princípio da razão, sob o qual está apenas a primeira, e não a vontade em si. Esta é livre. Além disso, essa diferenciação se constituiu em relação aos níveis de objetivação da vontade no sentido de uma aproximação da vontade que se manifesta com a vontade em si, e o pensamento de autonegação da vontade acompanha tanto a distinção quanto a aproximação dos dois modos da vontade.
O que emerge da vontade humana negada, que por causa de sua autonegação é ao mesmo tempo uma vontade afirmada em um novo nível, é um “silêncio da vontade (Quietiv des Wollens)” (Preisschrift, SW IV, p. 477). O sujeito que quer se torna parte da vontade em si e, assim, experimenta um acalmamento de sua vontade anterior. É assim que a contradição é resolvida: essa autonegação da vontade humana se apresenta de tal maneira que, ao mesmo tempo, o sujeito que quer possa mudar para um novo estado. Devido à negação da vontade, o sujeito perde seu caráter anterior e renasce em um novo nível superior. É como se “uma nova pessoa substituísse a antiga” (Preisschrift, SW IV, p. 479). No entanto, alcançar esse renascimento não está totalmente dentro da esfera da influência da vontade. O sujeito é dependente de um efeito da graça, que se manifesta como um conhecimento superior que está se tornando parte dele. Nesse ponto, a vontade humana não está mais ligada a motivos ou fundamentos de caráter, mas posta por si mesma. Então, no final, essa liberdade de indiferença da vontade humana pode ser vista não apenas para si, mas ao mesmo tempo em relação a um efeito de graça (BONDELI, 2015, p. 71).
A conclusão tirada dessa análise é que existe outro ponto de contato significativo entre Schopenhauer e Reinhold na concepção da liberdade. As semelhanças factuais existem não apenas no caso de uma abordagem da relação entre liberdade e autoconsciência separada da lei moral, não apenas no caso da suposição de que imputabilidade deve ser entendida como a chave para um entendimento moralmente relevante da liberdade, mas também no que diz respeito à liberdade da vontade. Afinal, não é apenas a concepção de que a liberdade da vontade humana, por sua própria natureza, é uma liberdade de indiferença sobre a qual existe um consenso. Há também uma tendência comum no que diz respeito à afirmação e avaliação desse tipo de liberdade. O contraste entre Reinhold como defensor e Schopenhauer como contestador da liberdade de vontade humana não se aplica em todos os aspectos. A relação antípoda se dissolve assim que Schopenhauer se volta para o tema da autonegação da vontade humana, para quem, sob o pressuposto normal da afirmação da vontade, a liberdade da vontade humana é uma ilusão; portanto, a vontade humana é uma efetividade justamente onde ela se nega.
Em geral, tal como Reinhold, no que diz respeito à faculdade da vontade humana, Schopenhauer fala no âmbito de autonegação da vontade de uma liberdade da vontade humana como liberdade de indiferença. Em ambos se pode falar na relação que traz na proposta o pensamento de indiferença no sentido de uma liberdade refletida da diferença. Pois, como Reinhold, Schopenhauer assume que a liberdade é ao mesmo tempo com e sem fundamento, de modo que não se pode afirmar que a liberdade seja confundida com mera aleatoriedade, mas que também existem diferenças nessa tendência comum. Para Reinhold, o fundamento que desempenha um papel na liberdade da indiferença é a reflexão precedente de uma decisão sobre os fundamentos causais, para Schopenhauer, esse fundamento é, ao contrário, um conhecimento mais alto que pode ser atribuído à vontade na autonegação. Em Reinhold, a vontade humana livre é soberana, completamente determinada por si mesma; em Schopenhauer, uma vontade que, apesar de toda a autodeterminação, permanece dependente de um efeito da graça.
Voltemos às semelhanças entre os dois pensadores no que diz respeito à suposição de que a faculdade da vontade é primária. Nos dois autores predomina a opinião de que a lei moral não pode ser entendida adequadamente sem a exigência de um impulso moral da vontade. Para ambos, portanto, a vontade é o fundamento não apenas da faculdade da liberdade diante da alternativa da lei moral ou do impulso sensível, mas também da faculdade moral, da faculdade de se comportar eticamente e de obedecer a lei moral. Olhando mais atentamente, verificamos que, em ambos os casos, a direção tomada é para uma vontade teórica e para o papel do sentimento moral que leva em conta o fundamento da faculdade moral. Também é evidente que Schopenhauer é mais decisivo nessa direção e chega a conclusões mais radicais que Reinhold, porque o ponto de vista kantiano da ética da razão e a lei moral permanece sendo referência indispensáveis no empreendimento fundamental de Reinhold. Schopenhauer, por outro lado, questiona essa ética da razão ao estilo kantiano, mas, em última análise, considera a lei moral kantiana apenas como um instrumento ético, que deve ser substituído por uma lei da motivação, cujo foco está no sentimento de compaixão.
De acordo com Reinhold, partimos do princípio de que, para a concepção de Kant da lei moral, esta última poderia, inicialmente, aquecer-se com base nas suas conclusões moral-teológicas. Em Schopenhauer, não há paralelo. Embora ele aprove as críticas de Kant à teologia especulativa, não concorda com seu novo fundamento das ideias de existência de Deus e da imortalidade da alma baseadas na lei moral. E é exatamente desse ponto que surgem as críticas extremamente veementes e concentradas de Schopenhauer à concepção de Kant da lei moral. Semelhante a Reinhold em suas reflexões moral-filosóficas de 1792, Schopenhauer rejeita o ponto de vista kantiano do sentimentalismo ético, mas ao fazê-lo é muito mais radical que Reinhold, porque, para Schopenhauer, não é uma lei moral (como o imperativo categórico kantiano), mas apenas uma “lei da motivação” que pode formar o princípio da ética. Porque a ação moral, como qualquer tipo de ação, requer um fundamento (Grund) para ser entendida como um motivo (Preisschrift, SW IV, p. 121). No caso da ação moral, o motivo pode consistir apenas em nossa faculdade do sofrimento e compaixão. O caminho para a ética conduz inevitavelmente ao nosso sofrimento que, quando interagimos com outras pessoas, permite a compaixão. Assim como o sofrimento, a compaixão não é apenas um sentimento, mas ao mesmo tempo um impulso (Impuls) orientador da ação, portanto um “motivo”. Schopenhauer também chama esse impulso de Triebfeder.
Quando se trata do fato da razão pura kantiano, curiosamente Schopenhauer se refere a Reinhold, a quem cita várias vezes em Beyträgen zur leichtern Uebersicht. Como em princípio se constata no Versuch, Reinhold deve ter reproduzido a posição expressa de Kant e dos kantianos ortodoxos sobre a lei moral como de um “fato da consciência” (Preisschrift, SW IV, p. 139) e, portanto, inicia um desenvolvimento que deveria ser igualmente criticado e saudado. O julgamento de Schopenhauer sobre Reinhold é, portanto, ambíguo. Por um lado, repreende-o por causar interpretações erradas e, por outro, reconhece-o por fornecer informações valiosas. No entanto, notável para a comparação entre os dois pensadores é que Schopenhauer, ao fazer de um sentimento (Gefühl) ou impulso a base da moral, chama Reinhold como fiador de sua acepção em alguns aspectos. Com toda discordância na questão do fato empírico ou não empírico da lei moral, há uma clara direção fundamental comum. O filósofo elementar Reinhold geralmente associa a lei moral a uma teoria do impulso e, especialmente, ao impulso desinteressado. Às vezes, ele tematizava o impulso desinteressado como algo que, no comum e são entendimento humano, se anuncia como um sentimento. Isso está inteiramente no sentido de Schopenhauer.
Com suas críticas à lei moral, Schopenhauer, seguindo Reinhold, enfatiza a relevância do sentimento moral em relação à pulsão (Antrieb) e ao contexto de fundamentação da lei moral; em contraste com Reinhold, no entanto, ele traz esse sentimento como uma instância independente e não como uma perspectiva do entendimento comum, que pode ser integrada à faculdade da razão. Também como Reinhold, favorece uma abordagem teórica do impulso (Trieb) para o entendimento da lei moral e, enquanto este quer entender expressamente o impulso decisivo para a ação moral como puro ou racional e não como um impulso empírico, é evidente para Schopenhauer que apenas um impulso empírico pode ser entendido, todo o resto seria um ferro de madeira. Com a lei da motivação adotada por Schopenhauer, na qual a compaixão é colocada no centro, surge um outro ponto significativo de comparação. Na verdade, Reinhold não fala sobre sofrimento e compaixão. É preciso até admitir que, como Kant, ele ocasionalmente descreve a compaixão como uma forma oculta ou passiva de egoísmo (Egoismus) e, portanto, gostaria de se abster de torná-la frutífera para sua ideia de ação moral[24].
Quando Reinhold fala sobre a supremacia do impulso interessado, e as consequências fatais dele resultantes, ele quase cai naquele tom pessimista que Schopenhauer geralmente dá em suas descrições do deplorável mundo egoísta, mas, obviamente, a crítica egoísta de Schopenhauer é mais abrangente. Quando Reinhold pede para decidir-se contra o impulso interessado, ele não o condena como tal. Somente critica o impulso interessado que domina e desloca o impulso desinteressado. Se as forças desinteressadas são capazes de manter o impulso interessado sob controle, e se elas conseguirem transformar esse instinto em um estado (Zustand) que não contradiga a lei moral, isso até as ajudará em ter razão (REINHOLD, 2007 e 2008, p. 393). Schopenhauer, por outro lado, considera o egoísmo um instinto fundamental colossal e onipresente, que se expressa em um nível superior como interesse e afirmação da vontade (Preisschrift , SW IV, pp. 196–203).
Pensando de forma geral com Bondeli, o que separa fortemente Reinhold e Schopenhauer é o fato de que Reinhold não vê motivo para questionar o significado, a indispensabilidade da lei moral. Para ele, é indiscutível a conotação do impulso desinteressado e da lei moral. Schopenhauer, por sua vez, está convencido de que a lei moral deve ser substituída por uma lei da motivação. É óbvio que essa diferença tem a ver com um âmbito operacional da ética. O partidarismo de Reinhold por um impulso desinteressado, que é classificado como racional e se constitui como uma contrapartida teórica do impulso da lei moral, é sintomático para uma ética que leva em conta tanto a motivação quanto o estabelecimento de um procedimento racional de tomada de decisão e que, além disso, existe uma pretensão clara de validade e publicidade geral. Esse partidarismo corresponde ao perfil de Reinhold como um Illuminati e iluminista agindo em um círculo acadêmico, um iluminista que se colocou em cena ao longo da vida como iniciador de pactos morais e reformas intelecto-culturais. A posição de Schopenhauer, no entanto, está para uma ética que promete muitas questões de motivação e poucas questões de procedimento, e que não visa especificamente criar publicidade. Nela reflete uma cabeça crítica cética, desmascaradora, pós-esclarecimento, um solitário em comparação com o professor bem-conectado de Kiel. No entanto, este professor bem relacionado em Kiel e respeitado em Jena amargou por muito tempo o esquecimento público, enquanto a filosofia de Schopenhauer, embora tenha demorado para se afirmar, permaneceu em evidência.
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Contribuição de autoria
1 – Ivanilde Fracalossi:
Bacharel, Mestre, Doutora e Pós-doutoranda em Filosofia.
https://orcid.org/0000-0003-1554-5225 • ivcfracalossi@gmail.com
Contribuição: Escrita – Primeira Redação
Como citar este artigo
FRACALOSSI, Ivanilde. Schopenhauer, Reinhold e Kant na relação da teoria da representação e da liberdade da vontade. Voluntas Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v. 12, e02, 2021. DOI 10.5902/2179378665741. Disponível em: https://doi.org/10.5902/2179378665741. Acesso em: dia mês abreviado. ano.
¹Agradeço a leitura e sugestões profícuas da Profa. Maria Lucia Cacciola, do Grupo de pesquisa da UFSCar: “Kant e a História da Filosofia”, liderado pelo Prof. Paulo Licht dos Santos, bem como a discussão da apresentação do texto no IX Colóquio Internacional Schopenhauer, ocorrido em abril de 2021.
[2] Para a menção de Schopenhauer sobre o Aenesidemus, ver W I, SW II, p. 516; e também P I. SW V, p. 96.
[3] Como as de FISCHER, 2010, p. 249s, quem enfatizou um ponto de vista comum porque ambos os pensadores procuram um ponto de partida filosófico na faculdade de representação e compreendem a representação como um fato da consciência. Também KLEMMT, 1958, p. 588, chamou a atenção para semelhanças e diferenças entre os dois pensadores no que diz respeito à estrutura da relação sujeito-objeto e, em resposta às “deficiências” da Filosofia elementar de Reinhold anteriormente apontadas, defende a tese de que em Schopenhauer “certos aspectos negativos da teoria da representação de Reinhold continuam a funcionar de maneira muito instrutiva”. E mais recentemente, JANAWAY, 1989, p. 141s, menciona de uma forma nada leve, que em Schopenhauer a relação sujeito-objeto, instituída com a proposição da consciência de Reinhold, continuou em uma variante cada vez mais idealista.
[4]REINHOLD, 2003-2004. Schopenhauer possuía os cinco primeiros cadernos dessa obra em sua biblioteca particular (Cf. HN V, p. 137).
[5] Daqui em diante, Versuch.
[6] Daqui em diante, O Mundo
[7] Daqui em diante, Briefe II.
[8]Daqui em diante, Dissertação. Cf. Carta de Schopenhauer a Reinhold de 24 de novembro de 1813. In: Schopenhauer: GBr, 8s.
[9] Grundlinien der Theorie des Begehrungsvermögens.
[10] Cf. KANT, KpV. Akademieausgabe V, pp. 39–4. São determinações da razão empírico-prática, como impulsos, inclinações e sentimentos; determinações da razão teórica ou tecno-prática, como a representação da perfeição, a ideia de um fim ou um supremo bem.
[11] Cf. KANT, Grund. Akademieausgabe IV, 397S. NÃO NAS REFERÊNCIAS). – BAND IV, PP. 397 SS
[13] Cf. KANT, KpV. Akademieausgabe V, pp. 71-89.
[14] Cf. ibid. p. 76.
[15] BONDELI, Reinhold e Schopenhauer: zwei Denkwelten im Banne von Vorstellung und Wille, p. 23.
[16] Se considerarmos que da vontade em si sai uma afecção que leva às manifestações, então “sem fundamento” não pode significar que a concepção do fundamento não desempenhe aqui nenhum papel importante. A vontade em si é sem fundamento no sentido de que não está sujeita ao princípio da razão. Mas não é sem fundamento no sentido de que ela mesma não funcione como um tipo de razão.
[17] Schopenhauer não presume aqui a relação de Kant da “intuição empírica” no sentido de uma referência a objetos através da “sensação” (Cf. KrV A 20s / B34s), mas uma intuição empírica no sentido da percepção da sensação já ordenada pelo tempo, espaço e causalidade. Ou seja, para ele, o entendimento de Kant é considerado insuficiente.
[18] Idem, p. 41.
[19] O discurso que emerge nesta citação sobre uma intuição, que também deve ser entendida como “intelectual”, não é, evidentemente, isento de problemas por causa de certas vertentes da tradição dessa expressão. Mas é evidente que Schopenhauer não quer dizer aquela intuição intelectual que Kant transcreveu no aspecto crítico como um entendimento que intui ou uma posição do conhecimento das coisas em si. Nem Schopenhauer está preocupado com essa intuição intelectual, que em Fichte e Schelling significa uma autorrelação imediata do eu em termos afirmativos.
[20] BONDELI, Reinhold e Schopenhauer: zwei Denkwelten im Banne von Vorstellung und Wille, p. 47.
[21] Idem, p. 44.
[22] Cf. KpV. Akademieausgabe , V, pp. 42s.
[23] BONDELI, ibid., p. 61.
[24] Reinhold também se viu confrontado com a opinião de que um potencial ético valioso se encontra presente em um egoísmo passivo, sofrido. Cf. BONDELI, 1995, p. 232s.