Universidade Federal de Santa Maria

Voluntas, Santa Maria, v.12, n.1, p. 01-19, jan/abril., 2021

DOI: 10.5902/2179378663949

ISSN 2179-3786

Recebido: 22/01/2020 • Aceito: 08/04/2021 • Publicado: 26/04/2021

Nietzsche na fenomenologia

Entre Nietzsche, Heidegger e o fim da metafísica: uma aproximação a partir da noção de vontade de poder

Between Nietzsche, Heidegger and the end of metaphysics: an approach from the notion of will to power

Marina Coelho I

I Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil

E-mail: marinacoelho95@gmail.com  - ORCID:    https://orcid.org/0000-0002-2918-9025

RESUMO

Partindo da interpretação heideggeriana de Nietzsche pretendemos pensar a questão do fim da metafísica nos situando na interseção entre esses dois pensadores. Para isso, concentraremos nossa análise na discussão sobre a vontade de poder. A maneira pela qual Heidegger interpretou Nietzsche como o filósofo do fim da metafísica, inserindo-o radicalmente nessa tradição, e o sentido que deu para a noção de vontade de poder é foco de discordâncias entre intérpretes “pós-heideggerianos” de Nietzsche. Por isso, trataremos de apresentar também uma outra versão da doutrina da vontade de poder, partindo de Müller-Lauter e dialogando com outros intérpretes, pois é nossa intenção mostrar que uma nova concepção da vontade de poder aliada à interpretação de uma ontologia não-essencialista em Nietzsche pode desvincular o filósofo de ter seu pensamento adequado à metafísica e ao mundo da técnica, tal como pensou Heidegger

Palavras-chave: Heidegger; Nietzsche; Fim da Metafísica; Vontade de poder

ABSTRACT

Starting from Nietzsche's Heideggerian interpretation, we intend to think about the question of the end of metaphysics, placing us in the dispute between these two thinkers. For this, we will focus our analysis on the discussion about the will to power. The manner in which Heidegger interpreted Nietzsche as the philosopher of the end of metaphysics, inserting him radically into this tradition, and the meaning he gave to the notion of the will to power is the focus of disagreements between Nietzsche's “post-Heideggerian” interpreters. Therefore, we will also try to present another version of the doctrine of the will to power, starting from Müller-Lauter and dialoguing with other interpreters, as it is our intention to show that a new conception of the will to power combined with the interpretation of a non-essentialist ontology in Nietzsche it can detach the philosopher from having his thought adequate to metaphysics and to the world of technique, as Heidegger thought.

Keywords: Heidegger; Nietzsche; End of metaphysics; Will to power

A interpretação de Heidegger sobre Nietzsche é considerada um marco nos estudos sobre o autor de Zaratustra. Heidegger teve importância fundamental no intento de colocar Nietzsche como um pensador central na tradição filosófica, mais propriamente como o filósofo do fim da metafísica ocidental. Isso porque Heidegger empreendeu uma cuidadosa busca por conceitos-chave na obra de Nietzsche, de modo que esses conceitos figuram como um campo gravitacional, dando certa unidade à obra, o que não havia sido feito até então de forma coesa.

Entretanto, a interpretação de Heidegger não é somente influente para os estudos sobre Nietzsche, mas está de forma determinante ligada ao desenvolvimento da chamada viravolta do pensar[1] de Heidegger, como afirma Stein: "Nietzsche foi a decisão em que culminou a metafísica e ao mesmo tempo a decisão que jogou Heidegger decididamente no passo de volta"[2]. O passo de volta (Schritt zurück) é o adentramento na história da metafísica com o propósito da desobstrução ontológica (Destruktion) que tem por objetivo pensar o impensado pela tradição, ou seja, o ser em sua verdade.

Heidegger, ao pensar o esquecimento da questão do ser como traço fundamental da metafísica ocidental, incumbiu-se da tarefa de meditar sobre a filosofia de Nietzsche, pensador que teria dissolvido a cisão metafísica entre sensível e suprassensível, invertido o platonismo e mostrado que a questão do ser é uma “ficção vazia” [3]. Ao pensar o ser da metafísica como uma ficção vazia, Nietzsche abre a possibilidade de pensar a questão do ser mais originariamente. Desse modo, por um lado, Nietzsche exaure as possibilidades historiais da metafísica, enquanto história da gradual substituição do ser pelo ente, fechando o que Heidegger denomina história do primeiro início da filosofia, mas, com isso a filosofia de Nietzsche possibilita que a questão do ser seja colocada de forma fundamental a partir do pensamento de um outro início, como Heidegger tenta fazer a partir de 1930. No entanto, podemos afirmar que os dois filósofos se encontram juntos na questão de confrontar a metafísica de maneira radical, cada um a seu modo, para buscar uma outra forma de pensar filosoficamente[4].

Para Heidegger, Nietzsche é o momento final da metafísica no sentido de completude, como afirma Heidegger: “A filosofia de Nietzsche é o fim da metafísica, uma vez que retorna ao início do pensamento grego, assume esse início à sua maneira e assim fecha o anel formado pelo curso do questionamento sobre o ente como tal na totalidade” [5].

Nesse sentido, Heidegger concebe a vontade de poder como pensamento do ser do ente na totalidade que desdobra as possibilidades finais da tradição metafísica entendida como história do esquecimento do ser. Agora, o ser do ente passa a ser interpretado a partir da inversão do platonismo, doutrina determinante na visão dos dois filósofos para o início do pensamento metafísico. Contudo, para Heidegger, trata-se de uma inversão que permanece metafísica na medida em que essa inversão consiste em pensar o devir como eternamente presente, através da unidade do pensamento da vontade de poder e do eterno retorno do mesmo. Essa unidade dos dois pensamentos, que se dá no domínio dos entes, permite pensar a vontade de poder não apenas com base na inversão do platonismo, mas também a vontade de poder como consumação da metafísica moderna enquanto subjetividade incondicionada[6], identificando essa filosofia com o arcabouço teórico do mundo da técnica[7].

Pode-se dizer que a interpretação heideggeriana de Nietzsche foi um dos motivos da chamada Nietzsche renaissance pelo foco filosófico que deu à obra de Nietzsche em meados do século XX, o que acabou impulsionando o renovado interesse da filosofia francesa e dos chamados "filósofos da diferença” pela obra do autor de Zaratustra, tendo como uma porta de entrada as leituras heideggerianas desse autor. A retomada dos estudos acerca de Nietzsche a partir do novo fôlego lançado pela leitura de Heidegger foi conduzida por Foucault, Deleuze e Derrida[8] e, recentemente, essa relação entre interpretações de Nietzsche e sua obra é revista por autores distintos da tradição francesa, como Vattimo e Müller-Lauter. Além disso, a relação Nietzsche-Heidegger configura, para muitos filósofos vinculados à área de ontologia, a possibilidade de fazer filosofia de uma forma pós-metafísica.

Entretanto, cabe a nós, numa visão sintética da proposta de Heidegger e daquilo que é atualmente discutido por intérpretes de Nietzsche, investigarmos os limites da interpretação heideggeriana e sugerir alternativas de leitura. Para tanto, é preciso mostrar como é possível ler o pensamento da vontade de poder de forma não metafísica e também vinculada a uma ontologia não essencialista. Por consequência, deve-se neutralizar a leitura de Heidegger acerca da filosofia de Nietzsche como uma metafísica da subjetividade incondicionada, abrindo uma outra visão de Nietzsche como filósofo do fim da metafísica.

Nietzsche, Heidegger e a metafísica

A questão da metafísica, para os dois filósofos, parte de um ponto em comum; ambos consideram, a seus respectivos modos, que a metafísica inicia-se com a tradição socrático-platônica. Metafísica, para Nietzsche, diz respeito à doutrina dos dois mundos platônica, desenvolvida a partir de uma visão teórica e duplicada do mundo, onde o suprassensível é fundamento ontológico do sensível. Nietzsche, a partir da constatação da perda do caráter vinculativo da metafísica tradicional e dos valores oriundos dessa tradição, depara-se com o problema de radicalizar a crítica a esse tipo de pensamento, invertendo o modo de pensar platônico de forma que não apenas se inverta a hierarquia dos mundos, mas que possibilite ao autor abrir um novo horizonte interpretativo[9]. Para isso, Nietzsche precisa tanto elevar a crítica metafísica a um patamar em que assuma todas as consequências que a “destruição” das hipóteses do mundo duplicado acarretam, quanto elaborar uma filosofia positiva, que pretendemos tratar aqui como uma ontologia anti-essencialista do devir.

No pensamento de Heidegger, a metafísica inicia-se com Platão[10] na medida em que a physis é identificada com a ideia e, assim, o ser passa a ser pensado, no sentido de sua permanência, enquanto um ente, sendo esse modo de pensar re-atualizado ao longo da história do esquecimento do ser, ou seja, ao longo da história da metafísica. A metafísica pensa o ser enquanto ousia, aquilo que permanece, que é estável: “No começo de sua história ilumina-se o ser como emergência (physis) e como desencobrimento (alétheia). A partir daí, o ser recebe a marca da presença e da constância no sentido da perduração (ousia)” [11]. Para Heidegger, na determinação do ser como ousia a verdade do ser enquanto desvelamento (alétheia) é obscurecida e toma-se o partido dos entes, estabelecendo a distinção entre o-que-é e o fato-de-ser (essentia-existentia). Segundo Heidegger, em Platão, o estabelecimento do ser dos entes como presença, duração, ousia, se dá por meio da ideia, ou seja, da essentia. Já em Aristóteles, a ousia significa energeia e a ênfase é colocada na existentia. 

A interpretação do ser do ente como presença constante, e sua distinção entre essentia (o uno que unifica os entes a partir do koinon), e existentia (o modo de ser dos entes particulares), perpassa as diferentes maneiras de dizer o ser dos entes em sua verdade, até o esgotamento de suas possibilidades com Nietzsche, que unifica, com a inversão do platonismo, as estruturas essentia-existentia de modo que acabam por desaparecer. No acabamento da metafísica a proveniência da distinção essentia-existentia, derivada da verdade do ser enquanto alétheia, torna-se ainda mais encoberta, inaugurando a era do domínio incondicionado sobre os entes.

O NIETZSCHE DE HEIDEGGER E A HISTÓRIA DA METAFÍSICA

Heidegger, portanto, procura identificar na filosofia de Nietzsche as bases tradicionais da metafísica que retém a humanidade num pensamento sobre a totalidade do ente. No entender de Heidegger, a metafísica, em geral, se baseia na resposta a essas perguntas:  

A entidade (o que o ente é enquanto tal) [essentia], a totalidade do ente (o fato de e o modo como o ente é na totalidade) [existentia] e, em seguida, o modo essencial da verdade, a história da verdade, e, por fim, a humanidade transposta para a sua guarda circunscrevem o elemento quíntuplo, no qual se desdobra e se retoma sempre uma vez mais a essência una da metafísica[12].

Em sua interpretação de Nietzsche, os pensamentos identificados com essa estrutura são respectivamente a vontade de poder, o eterno retorno do mesmo, justiça, niilismo e o além-do-homem, que se desdobram em outros temas de Nietzsche e, assim, configuram um todo, de certa forma homogêneo para Heidegger. Sintetizamos a seguir o modo como Heidegger interpreta esses conceitos basilares da filosofia nietzschiana.

Vontade de poder, conforme pensa Heidegger, é vontade que se quer a si mesma, pois o poder não é senão a essência da vontade. A vontade de poder não faz referência a um ente determinado, visto que ela é a própria essência dos entes. Por isso, a vontade de poder não pode ser uma faculdade, algo psíquico ou mesmo a causa de efeitos, pois essas determinações é que são posteriormente fundadas na vontade de poder. "O querer mesmo é um assenhoramento sobre...que se estende para além de si; querer é em si mesmo poder. E poder é o querer que é constante em si. Vontade é poder e poder é vontade" [13].

O eterno retorno do mesmo, para Heidegger, compreende como os entes são, o seu fato-de-ser (existentia). Nesse sentido, o eterno retorno é pensado em relação direta com a vontade de poder, já que ele é o modo de ser dos entes que possuem na vontade de poder sua essência. Esse modo de ser é o retornar eternamente da vontade de poder em direção à sua própria essência, intensificando-a. Com o eterno retorno do mesmo, a vontade de poder, enquanto expressão do mundo como vir-a-ser, é levada à constância, à permanência.

A vontade de poder enquanto conhecimento é a esquematização do caos em categorias lógicas por uma necessidade prática que não condiz com a essência caótica e deveniente do mundo. Conhecimento, para Nietzsche, é, portanto, um erro quando expressa uma tentativa de fixar o devir. A vontade de poder enquanto arte mergulha constantemente na sensibilidade e faz com que novas perspectivas apareçam, para além dos limites daquilo que é fixado. Por isso, a vontade de poder enquanto arte, para Heidegger, está em consonância com o real. O conhecimento fixa o devir e a arte "cria possibilidades para o auto-ultrapassamento da vida e de suas respectivas limitações"[15]. Dessa forma, essas duas dimensões da vontade de poder, para Heidegger, requerem-se mutuamente. Essa requisição mútua Heidegger denomina "assimilação e direcionamento da vida humana para o caos: homoiosis" [16]. Somente a verdade enquanto assimilação, homoiosis, pode justificar e dar a direção na qual a subsistência do ente, sua verdade, é estabelecida. A verdade, enquanto homoiosis em Nietzsche, é denominada justiça.

A justiça repousa sobre si, como realização da vontade de poder; a justiça emprega o caráter poético e criador da arte para o abrir de novas possibilidades da aparência, e fixa e esquematiza essas perspectivas enquanto valores provisórios para o comando em virtude de si mesma. Por isso, a justiça é um assenhorar-se sobre, um alçar-para-além-de-si, na interpretação de Heidegger. A justiça é o desdobramento da vontade de poder como aquilo que tudo abarca, que não pode ser ultrapassado por qualquer outro horizonte, nem transcendido por qualquer outra perspectiva, pois ela é o criar, avaliar, aniquilar das perspectivas, a própria vida é justiça. Justiça é um “poder panorâmico” e esse  poder que caracteriza a justiça é denominado por Heidegger como força, e força como violência.

Na interpretação de Heidegger sobre Nietzsche, o niilismo é a história em que nada mais há com o ente supremo, a história em que o ente supremo não pode mais fundar nenhuma verdade e também a história em que o mundo sensível é desvalorizado em prol dos entes suprassensíveis que hoje perderam o seu valor vinculativo. Nietzsche exige, portanto, que esses valores suprassensíveis se invertam, e o mundo, a esfera do sensível, seja visto a partir da vontade de poder. Todavia, para Heidegger, o niilismo nietzschiano aponta para um niilismo mais originário proveniente do esquecimento do ser. O niilismo é a história em que nada mais há com o ser. A história da metafísica, a história de como o ser é esquecido e tomado enquanto um ente. O niilismo é, portanto, a "história da verdade do ente"[17].

O além-do-homem, para Heidegger, diz respeito à humanidade requerida por Nietzsche para exercer o domínio incondicionado sobre os entes, a partir da inversão do platonismo. O além-do-homem é a subjetividade requerida para estabelecer os valores de comando e domínio a partir da ampla perspectiva da justiça. Todavia, essa subjetividade que estabelece valores de super-elevação em consonância com a vontade de poder, não está mais presa a um sujeito egoico, mas é um movimento em torno de si mesma. A vontade de poder estabelece valores provisórios em vistas de sua auto-elevação. Para que o poder não se dissipe com a dissolução desses valores provisórios, a vontade de poder retorna sobre a sua própria essência de forma incondicionada. O além-do-homem, para Heidegger, nada mais é que uma caricatura do homem da ratio técnica, o homem que é requisitado a exercer domínio sobre todos os entes em função do aumento de poder incondicionado, ou seja, da ausência de finalidade.

Nesse sentido, pode-se observar como a vontade de poder, que retorna a si mesma pelo eterno retorno, é determinante para toda metafísica de Nietzsche, segundo Heidegger. É por isso que sua explicitação, mais do que os outros quatro termos, é central para percebermos o movimento do pensar heideggeriano em relação a Nietzsche, e também para criticá-lo. Nietzsche, ao suprimir pela unificação a diferença entre essentia e existentia - de maneira que o que resta é um mesmo plano, o do devir (essentia-vontade de poder), retornando sobre si mesmo em sua constância (existentia-eterno retorno do mesmo) -, não retorna à originária physis (vir-a-ser, emergência daquilo que a cada vez se presenta) mas intensifica a estrutura do platonismo.  Nessa conjunção, Nietzsche, para Heidegger, continua estabelecendo o ser como constância daquilo que se presenta, a saber, do devir. Desse modo, o pensamento do retorno e da vontade de poder devem pensar de maneira coesa e una a mesma coisa, a saber, o ente na totalidade.

Portanto, Nietzsche, para Heidegger, é o fim de uma tradição começada com Platão que pensa o ser tendo em vista o ente. Não o fim como se daria num pensamento teleológico, pois não há metas determinadas nessa história, pois a história da metafísica é concebida como um errar por diversas determinações do ser dos entes numa estrutura concebida desde o platonismo que se faz grávida de possibilidades. Na leitura de Heidegger, Nietzsche é o fim porque é o esgotamento de todas as possibilidades abertas com o modo de pensar metafísico. Tendo em vista que o autor de Zaratustra, com sua filosofia, interdita a pergunta pelo ser do ente e, por isso, impede teoricamente que esse tipo de pensar, o metafísico, prossiga seus desdobramentos.

UM OUTRO CAMINHO PARA PENSAR NIETZSCHE

Contudo, “teria Heidegger suportado a radicalidade do pensamento de Nietzsche?”[18]. Será que com uma interpretação que visava a unidade do pensamento do autor de Zaratustra e sua incontornável inserção na história da metafísica, não teria Heidegger sufocado um pensamento plural, cheio de máscaras e dinâmico que teria já elaborado a questão do fim da metafísica e, inclusive, sua tentativa de superação? Contrariamente à interpretação de Heidegger, é ponto comum entre os comentadores de Nietzsche ver sua filosofia enquanto uma destruição interna da metafísica e não o fim, no sentido de completude, como pensa o autor de Ser e Tempo. Acreditamos, portanto, que, a partir de nossa leitura de Nietzsche, e da leitura de comentadores que se ocuparam da tarefa de pensar a filosofia de Nietzsche depois de Heidegger, é possível que se abra uma nova forma de pensar, com Nietzsche, o fim da metafísica sem inseri-lo invariavelmente nesse modo de pensar. Para isso, em meio a tantas leituras possíveis que se fizeram acerca da filosofia de Nietzsche, escolhemos pensá-la numa perspectiva ontológica.

Essa “visão ontológica” da filosofia de Nietzsche, que é diferente de uma ontologia tradicional, nunca foi propriamente expressa pelo filósofo nesses termos, mas pode ser encontrada na concepção que Nietzsche tem de mundo ou vida. Essa concepção se encontra dispersa por sua obra, mas, principalmente, é trabalhada em livros como Assim Falou Zaratustra, Crepúsculo dos Ídolos, nos fragmentos póstumos e no escrito Sobre a verdade e a mentira no sentido extra-moral. No que diz respeito aos seus comentadores, essa perspectiva é sustentada, de acordo com nossa pesquisa, por autores como Eugen Fink (1988), Jean Granier (1966, 1970), Gianni Vattimo (2010), e, no Brasil, por Eduardo Nasser (2015), Silvia Pimenta Velloso Rocha (2003) e Alexandre Marques Cabral (2015) - todos com o enfoque ontológico, porém, sustentando perspectivas distintas.  Além de ser discutida por muitos outros pesquisadores, visto ser um tema recorrente atualmente nas publicações da revista alemã Nietzsche Studien.

De maneira geral, o que se compreende pela visão ontológica de Nietzsche é aquilo que ele denomina vir-a-ser ou devir. A expressão mais bem acabada que Nietzsche forjou para explicar aquilo que compreende pelo devir é vontade de poder. A ontologia de Nietzsche, diferente do que pensa Heidegger, não pode sustentar que a vontade de poder seja a essência do mundo, pois ela se forja em conflito com ontologias essencialistas, e toda a sua filosofia se faz no sentido crítico de elementos da filosofia que tendem a realizar a imobilização do devir. Dessa forma, podemos ver a ontologia de Nietzsche de forma diferente se evitarmos tratar a vontade de poder como uma essentia, no sentido platônico tal como pensa Heidegger, e assumirmos a interpretação da vontade de poder como o múltiplo condizente ao devir nietzschiano. Nesse sentido, assumir o devir como ser não geraria a permanência, presença, focalizada por Heidegger. 

Segundo a interpretação de Müller-Lauter (2009, 1997) a noção de vontade de poder não pode ser vista como unidade, ou como essência da verdade sobre a totalidade do ente. Ela deve ser vista como uma multiplicidade de quantas de potência em uma dinâmica de tensões entre domínio e sobrepujação[19]. Nessa perspectiva, Müller-Lauter sugere uma leitura de Nietzsche alternativa à interpretação heideggeriana que pensa a vontade de poder como essentia do ente na esteira da consumação do platonismo e, dessa forma, tenta entender Nietzsche por outro modo, a saber, como o pensador que concebe a vontade de poder no sentido da multiplicidade do devir, abolindo a identificação dessa doutrina com uma unidade que se auto-intensifica - característica que Nietzsche sempre combateu em virtude de expressar aquilo que propriamente a metafísica significa: “trata-se de metafísica quando é deduzida uma multiplicidade a partir de um primeiro, simples”[20]. Segundo o autor de A doutrina da vontade de poder em Nietzsche:

A qualidade “vontade de poder” não é Um efetivo: esse Um nem subsiste de alguma maneira para si, nem sequer é “fundamento do ser”. Só há “efetiva” unidade como organização e combinação de quanta de poder [...]  Por meio disso torna-se particularmente claro que, no caso da vontade de poder, não se trata de um princípio ou de um ens metaphysicum [21].

Na leitura de Müller-Lauter a respeito de Nietzsche, o mundo é multiplicidade de forças em combate umas com as outras organizadas em quanta de poder. As forças, dessa forma, nunca podem ser pensadas num sentido unitário e essencial, como gostaria Heidegger. A vontade de poder não se desdobra em si mesma, não move-se no âmbito de sua própria essência [22], e não chega a si mesma, intensificando-se. A vontade de poder, enquanto múltipla, é sempre mutável e permanece, dentro de arranjos provisórios de várias vontades de poder, em combate - às vezes aumentando seu domínio, às vezes diminuindo. Portanto, só se pode falar de organizações de múltiplas vontades de poder que permanecem em constante tensão, de maneira instável e não definitiva. Podemos ler a vontade de poder enquanto expressão de um pensamento que não se situa, não se fixa em nenhum lugar absoluto, não alimenta sua própria essência de forma incondicionada, mas é aniquilação, provisoriedade, possuindo, assim, um caráter abissal.

 Além disso, podemos dizer que o fim da metafísica é o fim de interpretações de mundo essencialistas que pretendem dizer o que é o mundo orientando-se por conceitos fixos e possuindo caráter de permanência, portanto, absolutos, fechados em si mesmos, em sua unidade fundamental. Heidegger, desse modo, teria inserido Nietzsche na metafísica ao pensar a vontade de poder como unidade, essentia, retornando sobre si mesma de forma incondicionada. Todavia, ao interpretarmos a vontade de poder como uma noção plural, e a isso juntarmos tudo aquilo que torna a filosofia de Nietzsche uma filosofia da plurivocidade, estaremos pensando fora da noção de essência, fundamento ou unidade que caracteriza a metafísica, e indo em direção ao pensar da filosofia como abertura de múltiplos sentidos, o que acaba caracterizando um tipo de pensar pós-metafísico.

Outro problema que mencionamos acerca da interpretação de Heidegger é a identificação da filosofia de Nietzsche com as bases filosóficas da era da técnica. Desse modo, o filósofo, ao colocar Nietzsche como arauto do mundo da técnica, valoriza a identificação da vontade de poder como vontade de domínio, de comando, análoga à noção adorniana de administração total ou à lyotardiana de sistema - que se desdobra em multiplicidade mas recolhe-se em uma unidade que tem por critério o aumento do poder -, de forma que o cálculo e o comando daquilo a ser posto como verdade, ou valor, tem preeminência numa visão de Nietzsche como pensador da subjetividade incondicionada.

A subjetividade incondicionada que Heidegger incute à Nietzsche provém de sua análise da filosofia da subjetividade moderna, contida em sua maior parte em Nietzsche II - O niilismo europeu, iniciada com Descartes em que a res extensa é determinada pela res cogitans a partir da verdade enquanto certeza, de modelo matemático[23]. Dessa forma, a subjetividade incondicionada de Nietzsche é a concepção do mundo enquanto valores calculativos concebidos em vista da super-potencialização da vontade de poder.  A vontade de poder retornando sobre si mesma enquanto subjectum (aquilo que está na base) não é dependente de uma singularização egoica, mas dispõe para si de maneira organizacional  todo vivente, liberando, assim, a desumanização do homem -  a racionalidade extrema libera poder para a animalidade, que para Heidegger significa brutalidade.

Porém, pode-se pensar a filosofia de Nietzsche atenuando a carga que Heidegger incute à concepção da vontade de poder enquanto auge da filosofia moderna -  ou seja, como uma pragmática da vontade, que organiza, impõe, e domina enquanto cálculo. Em uma outra interpretação, é possível pensar o termo vontade de poder como uma ontologia não-tradicional, enquanto construção de sentidos a partir de uma atuação artística ou imaginativa[24] sobre o devir sem fundamento, isto é, pode-se entender a vontade de poder como atuação artística que multiplica e cria sentidos que se dispersam no devir, eximindo esses sentidos provisórios de qualquer absolutização. Essa interpretação livraria Nietzsche de ter o conceito de vontade de poder associado a uma força violenta e incondicionada que forja valores relativos ao domínio e ao cálculo. Cragnolini, em seu artigo Nietzsche por Heidegger, contrafiguras para uma perda (2008), apresenta o termo “razão imaginativa” para contrastar com a razão calculativa enfatizada por Heidegger no seu entendimento da vontade de poder. A razão imaginativa, para Cragnolini, não é uma razão aparentada à razão instrumental, mas uma razão que não quer se fixar em nenhum ponto, que não pretende formar um sistema sólido. A vontade de poder, enquanto razão imaginativa, rompe com as formas fixas e, por isso, desestrutura pensamentos que se pretendem fechados, mumificados. Dessa forma, ao invés de se deter em uma unidade de sentido que possibilite o domínio e alimente a necessidade de segurança, ela rompe com respostas últimas ao multiplicar sentidos e perspectivas e se deter por ora em unidades para depois dispersar-se no fragmentário.

Assumindo a vontade de poder numa perspectiva ontológica, acreditamos que melhor se focaliza o caráter desestruturante de um mundo assumido como devir e, portanto, nada substancial, nada perpétuo, de forma que as perspectivas humanas não apreenderão uma verdade acerca do ser, pois esse vir-a-ser, todavia, não é redutível à essas perspectivas.

Sua última filosofia [de Nietzsche], assim, é um esforço de elaborar uma concepção dinâmica, processual, da realidade, abandonando a metafísica da substância, e explicando, dentro dos limites da linguagem predicativa, uma realidade que não possui uma isomorfia com ela[25].

Apesar da interpretação heideggeriana de Nietzsche ter tomado o autor de Zaratustra como o último dos metafísicos, resguardando, assim, a distância que Heidegger quis enfatizar do seu pensamento com o pensamento de Nietzsche, podemos - a partir de leituras pós-heideggerianas de Nietzsche - ver uma acentuada proximidade entre esses dois filósofos no que diz respeito à elaboração de uma filosofia pós-metafísica. Sobre o pensamento  pós-metafísico, no que diz respeito aos nossos dois autores, pode-se compreender, com Vattimo, a negação de estruturas estáveis do ser. Conforme Batista:

O ser, ou seja, aquilo que é, anteriormente pensado como fundamento, é percebido originariamente como possibilidade no processar da história, isto é, como vir-a-ser. Tanto Nietzsche quanto Heidegger, segundo Vattimo, pensam-no como evento, o que torna decisivo a compreensão de em que momento nós nos encontramos. A ontologia é agora reconhecida como hermenêutica, isto é, modo de ser da nossa condição ou situação, já que nada está fora de seu acontecer (evento), que se realiza historicamente[26].

Ou seja, ao adotarmos outra interpretação da vontade de poder, diferente da de Heidegger, que procura ver a vontade de poder como uma essência, e pensarmos esse termo como expressão de multiplicidade e de vir-a-ser, podemos enxergar uma ontologia não essencialista em Nietzsche que procura compreender o ser a partir do tempo (vir-a-ser). Além disso, a filosofia nietzschiana é marcada por suas fortes críticas à metafísica, ou seja, ao mundo da identidade, da unidade e da permanência, que nega o mundo da vida, da multiplicidade e do vir-a-ser. A metafísica acaba por inserir estruturas, fundamentos sólidos, sobre o nosso mundo, entendido por Nietzsche como um jogo de forças em constante mutação em que cada força apresenta uma perspectiva, uma interpretação. Dessa forma, a verdade tradicional é substituída pelo perspectivismo e pela interpretação, que cria seus próprios critérios de valor e de verdade, mas nunca coincide com o vir-a-ser. O vir-a-ser, para Nietzsche, é, portanto, aquilo que pode ser interpretado. Nesse sentido, a proximidade da filosofia de Nietzsche com a tentativa de Heidegger de constituir uma filosofia pós-metafísica - que não poderemos abordar aqui - pode ser vista na relevância que assume a relação entre ser e tempo ao longo da obra de Heidegger e também na relevância de sua hermenêutica, que não abrange somente o período de Ser e Tempo, mas que é exercitada, principalmente, no seu confronto com a tradição metafísica na intenção de abrir um novo campo para o pensamento.

A partir do que foi exposto, podemos concluir que Heidegger e Nietzsche entendem a metafísica de forma diferente, pois cada filosofia constitui um mundo próprio. Entretanto, essas duas filosofias se encontram de forma muito significativa na obra de Heidegger, que interpreta Nietzsche como o filósofo da completude da metafísica. O que pretendemos mostrar foi que o fim da metafísica, em Nietzsche, pode ser lido, com ajuda de alguns de seus intérpretes, de forma diferente daquilo que leu Heidegger, tendo consequências mais interessantes para o nosso tema. Nesse sentido, o fim da metafísica em Nietzsche aproxima-se, pelo menos de forma análoga, à algumas intenções de Heidegger em sua própria filosofia, como a questão de pensar uma ontologia não-essencialista, e a questão de aproximar o sentido de ser com o de  tempo. Para Cragnolini, na medida em que os caminhos, tanto de Nietzsche quanto de Heidegger, não são ligados por um fio até um fundamento, uma arché, seus caminhos são caminhos nômades que pretendem atravessar o deserto do niilismo. São caminhos laterais, afastado de vias principais, Holzwege, como denomina Heidegger. Dessa forma, tentamos delinear a questão do fim da metafísica em relação a esses dois autores, mostrando que uma saída alternativa à avaliação da completude da metafísica proposta por Heidegger, é de que este, em sua abordagem ontológica, está mais próximo de Nietzsche do que gostaria de admitir.

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Müller-Lauter, Wolfgang. A doutrina da vontade de poder em Nietzsche. Trad. Oswaldo Giacoia. São Paulo: ANNABLUME, 1997.

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NIETZSCHE, Friedrich. Assim Falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém. Trad. e notas Gabriel Valladão Silva. Porto Alegre:: L&PM, 2015.

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NASSER, Eduardo. Nietzsche e a ontologia do vir-a-ser. São Paulo: Edições Loyola, 2015

NUNES, Benedito. O Nietzsche de Heidegger. Rio de Janeiro: Pazulin, 2000.

PÖGGELER, Otto. A via do pensamento de Martin Heidegger. Trad: Jorge Telles de menezes. Lisboa: Instituto Piaget, 2001.

STEIN, Ernildo. Introdução ao pensamento de Martin Heidegger. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2011.

VATTIMO, Gianni. Diálogo com Nietzsche. Trad. Silvana Cobucci Leite. São Paulo: Martins fontes, 2010.

VATTIMO, Gianni. Fim da modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

VATTIMO, Gianni. Las aventuras de la diferencia: Pensar después de Nietzsche y Heidegger. Trad.Juan Carlos Gentile. Barcelona: Edicions 62, 1986.

Contribuições de autoria

1 – Marina Coelho

Contribuição: Escrita



[1] A chamada virada (Kehre) compreende o período a partir de 1930, portanto, posterior a Ser e Tempo (1927), em que o autor se propõe a pensar a questão do ser não mais a partir da analítica existencial do Dasein, em que o sentido se dará no tempo, mas pensar o próprio tempo como horizonte de manifestação do ser. Ou seja, não só pensar a historicidade do ser-aí em seu sentido existencial, e sim, a temporalidade do ser em seu caráter histórico.

[2] STEIN, Introdução ao pensamento de Martin Heidegger, 111.

[3] Cf. NIETZSCHE, Crepúsculo dos ídolos, 34- 40.

[1] Essa discussão sobre a proximidade do pensamento de Nietzsche e Heidegger e sua influência para os estudos da ontologia e hermenêutica contemporânea pode ser encontrada largamente em Vattimo (2010, 1996, 1986), entre outros escritos. A tese do filósofo italiano, mas também a de filósofos como Löwith, Deleuze, Derrida, Kofman, Cacciari é de que Heidegger e Nietzsche são compreendidos como movidos pelas mesmas intenções, enquanto filósofos que se propuseram a pensar o fim da metafísica e uma outra experiência para o pensar, a saber, um pensar que abandona a interpretação do ser enquanto fundamento (Grund) no sentido tradicional. Dessa forma, também Heidegger é compreendido através de Nietzsche, tanto pela influência do autor de Zaratustra na constituição do pensamento heideggeriano - existem referências de Heidegger à Nietzsche desde Ser e Tempo, até escritos posteriores a 1950, como Was heisst Denken? - quanto por Nietzsche ser um "pensador que, como Heidegger, já está a caminho de um pensamento do ser que abandonou a metafísica" (VATTIMO, Diálogos com Nietzsche, 326). Também Eduardo Nasser (2015), ao pensar a filosofia de Nietzsche enquanto uma ontologia do vir-a-ser compreende que a questão do ser enquanto temporalidade (vir-a-ser) já é esboçada em Nietzsche.

[5] HEIDEGGER,  Nietzsche I, 362 .

[1] A tese de que Nietzsche seria um filósofo da metafísica da subjetividade é principalmente evocada no segundo volume (Nietzsche II) da interpretação de Heidegger, em que ocorre uma mudança de foco. Dessa forma, enquanto no volume I o foco é posto na inversão do platonismo e na vontade de poder, no volume II há uma ênfase maior na filosofia nietzschiana enquanto expoente máximo da modernidade filosófica. A filosofia de Nietzsche, enquanto base filosófica do sentido heideggeriano de técnica, é apresentada em Nietzsche II e também em textos como A superação da metafísica e A palavra de Nietzsche: Deus está morto. Esta interpretação, segundo a qual há diferentes enfoques e momentos da leitura de Heidegger sobre Nietzsche, está de acordo com Cragnolini (2001), e também Cabral (2015).

[1] Nas preleções e escritos de Nietzsche II, Heidegger não utiliza a palavra técnica, questão que será melhor discutida em seu famoso ensaio de 1953, A questão da técnica. A palavra utilizada para se referir às consequências da filosofia de Nietzsche é maquinação (Machenschaft) e cálculo (die Berechnung). A maquinação, em suma, significa a "liberação da postura produtiva do sujeito moderno em relação ao ente na totalidade e da paulatina autonomização das estruturas de produção da realidade em relação à subjetividade racional humana" (HEIDEGGER, Nietzsche II, nota 4). Desse modo, pode-se perceber que a maquinação está profundamente ligada àquilo que será desenvolvido enquanto o pensamento da técnica.

[1] Os textos dos filósofos da Nietzsche renaissance em questão são: Nietzsche e a filosofia (2001), de Deleuze, Esporas - os estilos de Nietzsche (2013), de Derrida, e Nietzsche, Freud, Marx (1997), de Foucault. Quanto aos últimos dois filósofos, por mais importantes que suas leituras de Nietzsche sejam, é importante levar em conta as críticas, feitas por Vattimo a Derrida, e Müller-Lauter e Marton a Foucault, para nos situarmos no debate atual acerca de Nietzsche. De acordo com Vattimo (1986), Derrida, ao projetar sobre o pensamento de Nietzsche a estrutura da diferença, não está pensando a diferença ontológica, e sim estabelecendo outra superestrutura metafísica - a da diferença - enquanto presença, ontos on platônico. O que torna o escopo da relação Nietzsche-Heidegger mais interessante do que a relação Nietzsche-Derrida, é a perspectiva ontológica que enfatiza Vattimo. Quanto a crítica à leitura de Foucault, Marton (1997) pensa que, para Foucault, Nietzsche acaba sendo uma caixa de ferramentas enquanto técnica interpretativa. Todavia, pensamos que a leitura de Foucault ainda é interessante por situar Nietzsche como um dos arautos da hermenêutica moderna. No sentido em que não há mais pontos absolutos na interpretação, nem significados originais, e sim a primazia da interpretação e seu caráter inacabado em relação aos símbolos. Vattimo (2010) pensa  a leitura de Foucault como uma síntese das intenções de Nietzsche e também de Heidegger, feita de um ponto de vista nietzschiano, o que acaba abrindo pouco espaço às intenções ontológicas de Heidegger (e também de Nietzsche) – as quais pretendemos ressaltar.

[1] Cf. a interpretação de Alexandre Marques Cabral em Niilismo e hierofania: uma abordagem a partir do confronto Nietzsche, Heidegger e a tradição cristã.

[1] Essa estrutura da metafísica é desenvolvida no Nietzsche II, de Heidegger, no ensaio intitulado A metafísica como história do ser. Para outros desdobramentos da mudança inicial da metafísica de physis e alétheia para ideia e agathon cf. o texto de Heidegger intitulado A teoria platônica sobre a verdade (2009) e também o seminário A constituição onto-teo-lógica da metafísica (1979). A importância da estrutura essentia-existentia é enfatizada por Stein (2011) quando este se propõe a explicitar as bases que orientam o adentramento de Heidegger na metafísica enquanto história do esquecimento do ser. Nesse sentido, cf. também BAFFA, A forma da metafísica – sobre a história na obra tardia de Heidegger.

[1] HEIDEGGER, Nietzsche II,  310.

[1] HEIDEGGER, Nietzsche II, 196. [Colchetes nossos].

[1] HEIDEGGER, Nietzsche I, 39.

[1] A vontade de poder enquanto arte, e a vontade de poder enquanto conhecimento, constituem respectivamente o primeiro e o terceiro capítulo do Nietzsche I. O primeiro capítulo do Nietzsche II, que compreende a continuação das preleções do Nietzsche I, interrompidas em 1939, intitula-se O eterno retorno do mesmo e a vontade de poder. Com isso, pode-se notar que a vontade de poder é o conceito central que orienta as teses de Heidegger sobre Nietzsche, sendo complementada pelo eterno retorno do mesmo. Além disso, pensamos que tão central quanto a vontade de poder é a questão da inversão do platonismo que perpassa as preleções sobre a vontade de poder, e que tem na justiça, explicitada no capítulo III do Nietzsche I, a sua conclusão.

[1] HEIDEGGER, Nietzsche I, 493.

[1] HEIDEGGER, Nietzsche I, 493.

[1] STEIN, Introdução ao pensamento de Martin Heidegger, 120. No que diz respeito aos cinco conceitos fundamentais de Heidegger sobre Nietzsche, conferir também Otto Pöggeler e seu A via do pensamento de Martin Heidegger.

[1] NUNES, O Nietzsche de Heidegger, 14.

[1] Cf. Müller-Lauter, Nietzsche: sua filosofia dos antagonismos e os antagonismos de sua filosofia.

[1] MÜLLER-LAUTER,  A doutrina da vontade de poder em Nietzsche, 72

[1] MÜLLER-LAUTER, A doutrina da vontade de poder em Nietzsche, 85.

[1] A expressão é de Müller-Lauter.

[1] Cf. ELDEN, A Thousand Year Conclusion? Machination and Calculation in the Nietzsche Lectures.

[1] Também Vattimo enfatiza a vontade de poder como arte, num sentido aparentado com o enfoque da imaginação de que fala Cragnolini. Para isso, cf. Vattimo (2010, 1986).

[1] ITAPARICA, Nietzsche: crítica à metafísica como crítica à linguagem, 117.

[1] BATISTA, Nietzsche, Heidegger e o fim da modernidade: um estudo sobre Gianni Vattimo, 28.