DOI: http://dx.doi.org/10.5902/2179378661434

Submissão: 13/10/2020 Aprovação: 21/12/2020 Publicação: 15/01/2021

 

by-nc-sa


Filosofia, ciência e magia

 

Fichte e a estrutura da magia

 

Fichte and the structure of magicy

 

Federico Ferraguto

Professor de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná

(PUC-PR)

federicoferraguto@yahoo.it

 

Resumo: O artigo visa discutir a recepção fichteana do mesmerismo e avaliar criticamente a interpretação fichteana do rapport como instrumento para desenvolver uma reflexão em torno das condições de possiblidade para a elevação ao ponto de vista transcendental. A minha tese é que Fichte opera uma assimilação seletiva do magnetismo animal, mas recusa os seus elementos fundamentais. Em especial, Fichte explora a possibilidade de entender a Wissenschaftslehre como uma abordagem filosófica que pretende superar os limites que definem a concretude do sujeito. Porém, ao reestruturar e repensar a abordagem do magnetismo animal como forma de interação linguística, ele se aproxima das modernas concepções da magia como potencialização da liberdade e da performance humana. Para demonstrar esta tese irei fornecer uma problematização da estrutura da magia entre a época moderna e contemporânea a partir do problema da comunicação do saber (§ 1); irei situar neste contexto a reflexão fichteana sobre a estrutura da doutrina da ciência como saber incomunicável (§ 2); irei problematizar a recepção fichteana do mesmerismo no Diário sobre o magnetismo animal de 1813 (§ 3); irei aplicar os resultados desta problematização à leitura da reflexão fichteana acerca da relação entre percepção e atenção nas lições sobre os Tatsachen des Bewusstseins de 1811 (§ 4).

Palavras-chave: Fichte, J.G.; Magnetismo animal; Magia; Intersubjetividade; Filosofia transcendental

 

Abstract: The paper aims to discuss the Fichtean reception of mesmerism and critically evaluate the Fichtean interpretation of rapport as an instrument to develop a reflection around the conditions of possibility for elevation to the transcendental point of view. My thesis is that Fichte operates a selective assimilation of animal magnetism, but rejects its fundamental elements. In particular, Fichte explores the possibility of understanding the Wissenchaftslehre as a philosophical approach that aims to overcome the limits that define the concreteness of the subject. However, in restructuring and rethinking the approach of animal magnetism as a form of linguistic interaction, he approaches modern conceptions of magic as a potencialization of freedom and human performance. To demonstrate this thesis I will problematize  the structure of magic between modern and contemporary age from the problem of communication (§ 1); place in this context the Fichtean reflection on the structure of the doctrine of science as incommunicable knowledge (§ 2); problematize the Fichtean reception of mesmerism in the Diary on animal magnetism of 1813 (§ 3); apply the results of this problematization in the reading of the Fichtean reflection on the relationship between perception and attention in the lessons about the Tatsachen des Bewusstseins of 1811 (§ 4).

Keywords: Fichte, J.G; Animal magnetism; Magic; Intersubjectivity; Transcendental Philosophy

 

Magia e estrutura da magia

 

Por mais que possa parecer estranho, o fenômeno da magia desempenha um papel fundamental no desenvolvimento da filosofia da natureza no romantismo. A reflexão sobre a estrutura da magia leva à tona aqueles impulsos culturais que amadurecem em torno da possibilidade de achar uma estrutura oculta, metafísica e profunda que permitiria acomunar homem e natureza. A possibilidade de dinamizar a natureza e, com base nisso, de naturalizar a consciência, aparece também em todas aquelas posições que, no limiar do século XIX, amadurecem em torno das questões que dizem respeito à estrutura do sistema nervoso e das doenças da alma. De Kielmeier, Couvier, Döllinger, aos dois Wenzels, a questão dos transtornos mentais se insere em um contexto em que a retomada das doutrinas médicas de Sömmering e da escola vienense é acompanhada por uma discussão sobre a frenologia de Gall e a fisionomia de Lavater. Em todos esses casos, o estudo das funções nervosas do ser humano tende a exibir uma série de entrelaçamentos entre a alma e o corpo que mina o esquema consolidado da psicologia empírica.

Trata-se de uma atitude presente, por exemplo, nos escritos de 1807-1808 de J.Ch. Reil, que considerava a loucura uma forma de rebaixamento do organismo a níveis inferiores de desenvolvimento ou, ainda, uma forma diferente de operar nos diversos sujeitos concretos de uma mesma força espiritual[1] que culminará no Lehrbuch der Störungen des Seelenslebens oder Seelensstörungen und ihrer Behandlung de. J.Ch.A. Heinroth[2]. Uma posição importante neste contexto é ocupada por Hüfeland, um intelectual de considerável profundidade e capaz das mais amplas influências no ambiente cultural da Goethezeit, inclusive nos principais autores que podemos arrolar sob o termo de “idealismo alemão”[3]. De fato, entre 1811 e 1812, Hüfeland começou a dar notícias, em seu Journal der praktischen Heilkunde[4], de experimentos para tratamentos relacionados a distúrbios da faculdade imaginativa, e retomou essas questões em uma palestra realizada em 1812 na Academia de Ciências de Berlim intitulada Geschichte der Gesundheit, nebst einer psychischen Karakteristik des jetzigen Zeitalters[5].

O texto de Hüfeland parece interessante inicialmente pela sua coerência com o esquema estabelecido acima: o estado de saúde da raça humana e, acima de tudo, o aparecer de doenças psíquicas não podem ser reconduzidos para causas exclusivamente psicológicas, mas atestam uma interação complexa de forças espirituais e físicas que, ao longo da história da humanidade, mudam seu equilíbrio, a ponto de marcar a preponderância das primeiras sobre as últimas. O progresso da humanidade é, neste sentido, também caracterizado por uma certa passividade. Com a diminuição das forças físicas, não são as forças do espírito a serem levantadas, e sim as da receptividade, da motilidade do espírito, da excitabilidade e da fantasia[6]. A consequência mais grave deste processo, paradoxalmente de progresso e degeneração, é a que se concretiza em um Hingeben an den Gefühlen, isto é, naquele entregar-se às determinações dos sentidos que, ao mesmo tempo, é a causa de uma distorção do carácter moral de um povo[7]. A “arrogância do sistema nervoso” e, portanto, da imaginação, devem ser substituídas por uma harmonia entre as forças espirituais e corporais que surgem da consciência de que a interação entre corpo e espírito visa alcançar um mundo superior[8], ou uma nova vida[9], em que o enfraquecimento do corpo é sublimado em um aumento do caráter moral do ser humano[10]. Como veremos mais adiante, a posição de Hüfeland é muito próxima à de Fichte especialmente porque identifica a loucura (Wahnsinn) com aquela determinação da consciência em que a imaginação adquire tal preponderância sobre as determinações corporais que ela mesma se torna, não apenas ordenadora, mas também criadora das determinações da realidade.

Embora já descartado em seu valor científico neste contexto, o mesmerismo, ou magnetismo animal[11], continua sendo objeto de prática e de discussão filosófica[12]. De prática, na medida em que, como veremos mais adiante, a reflexão de Fichte sobre o magnetismo animal é determinada por uma experiência direta de tratamento. De discussão filosófica, na medida em que a prática do magnetismo identifica o fenômeno global da magia e esta, por sua vez, se caracteriza em função da problematização da relação entre alma e corpo[13]. Em especial, como atesta o tratamento fundamental de Hegel na Enciclopédia de 1830[14], a magia e, com efeito, o magnetismo animal, identificam dois tipos de problemas. O primeiro diz justamente respeito à luta da alma com o corpo, visando a emancipação da própria alma. O segundo tem a ver com as condições de possibilidade de uma comunicação puramente espiritual realizada sem recurso a mediações linguísticas ou conceituais[15]. O tratamento oferecido por Hegel na Antropologia da Enciclopédia, por sua vez, levanta o problema da transição de uma concepção fisicalista da magia, encarnada na posição de Mesmer, a uma que poderíamos definir como espiritualista, típica de Puységur[16]. Nesse caso, o fenômeno do magnetismo se caracteriza por uma abertura do sujeito doente ao outro de si que se expressa especificamente no ato da fala e na comunicação.

Não estranha, portanto, a alusão a este contexto problemático que pode ser encontrada em um dos textos fundamentais da linguística transformacional dos últimos 50 anos: The structure of magic, de Bandler e Grinder. Para estes dois autores, de fato, a estrutura essencial da magia, transmitida ao longo dos séculos e articulada em figuras progressivamente novas e diferentes, é hoje encarnada pela relação entre psicoterapeuta e paciente e tem essencialmente a ver com a comunicação linguística[17]. A estrutura da magia deve, portanto, ser buscada na construção de um meta-modelo que permita que os resultados das diferentes escolas terapêuticas, formuladas em termos de “cura, crescimento, iluminação, modificação de comportamento”, sejam reconduzidos até o sucesso de uma transação linguística guiada e orientada pelo próprio terapeuta. Essa transação teria então duas características fundamentais: 1) estaria “baseada em intuições que todo falante nativo já pode ter” e, 2) estaria definida por um modelo explícito que pode ser aprendido[18]. A linguagem humana é uma forma de produção de representações do mundo. Transformar e orientar a transação linguística entre duas pessoas pode levar a uma reestruturação da maneira como vivenciamos a realidade e a trazemos de volta às nossas necessidades[19].

Supondo que essa ressignificação da questão geral da magia na época romântica seja aceitável, podemos concluir que o fenômeno mágico não é relevante apenas na sua dimensão metafísica. Ao contrário, é relevante porque nos instiga a refletir sobre como a comunicação baseada em conceitos dados pode abrir novos horizontes, não imediatamente implícitos no significado consolidado das palavras que usamos e que já sempre possuímos.

 

 A doutrina da ciência como saber incomunicável

 

Questões desse tipo definem especificamente o horizonte da reflexão fichteana sobre a estrutura e a constituição da Wissenschaftslehre (de agora em diante: WL) em seu ciclo tardio de Berlim[20]. Entre 1809 e 1814, Fichte tende a se concentrar no problema da completude da WL, questão tão urgente para o seu desenvolvimento quanto inconveniente para esta última apresentar-se como um pensar em ato que se resolve - e se dissolve - em uma abordagem metódica para a interpenetração racional da realidade[21]. Do ponto de vista dos temas filosóficos básicos que a WL contribui para desenvolver, o problema da completude da WL converge para uma reflexão cuidadosa sobre a relação entre a concatenação necessária que identifica as conexões internas à WL como saber absoluto e o irredutível elemento fático que torna possível sua apresentação concreta (Darstellung). A reflexão sobre a facticidade, entendida justamente como o espaço teórico em que se situam as margens de reflexão sobre o saber, se transfigura nos últimos anos da atividade filosófica de Fichte na meditação sobre a questão do início da WL, sobre a sua “ditabilidade” ou comunicação, sobre as questões relativas à possibilidade de “ensinar” a WL e, portanto, assume a forma da elaboração de diferentes formas de introdução à WL ou elevação ao ponto de vista transcendental[22].

Nesse contexto, Fichte apresenta não apenas uma reflexão consistente sobre a Kunst des Philosophierens, ou seja, sobre os requisitos que todo aspirante a filósofo deve possuir para compreender, desenvolver e expor uma filosofia rigorosa, acabada e consequente[23]. O objetivo da maiêutica em ação na introdução à WL é iniciar o Lehrling (o discípulo e ouvinte da WL) ao pensamento autônomo, ao Selbstdenken, a fim de permitir-lhe uma compreensão autônoma da diferença entre o ponto de vista da WL e o da consciência comum. Atuar o Selbstdenken significa - para o Lehrling - adquirir uma arte específica de filosofar e - para o Wissenschaftslehrer - implementar estratégias retóricas, linguísticas e argumentativas específicas que objetivam empurrar o ouvinte para o filosofar autônomo. Só a partir de um exercício real e prático do filosofar, tomado como prática de vida gradualmente adquirida, é possível que o Lehrling tome consciência da diferença entre a consciência comum e o ponto de vista transcendental, conseguindo elevar-se a este último e desenvolver um “novo sentido”. A reflexão sobre a possibilidade da introdução à WL, portanto, transfigura na sua necessidade de fato, ou na sua atuação real[24]. Isso motiva a reflexão subsequente de Fichte sobre a estrutura da linguagem científica e sobre a possibilidade de comunicar o conhecimento definido pela ciência. Essa reflexão tem um resultado paradoxal. Por um lado, na medida em que o conhecimento é tal, pode e deve ser comunicado. Por outro lado, a comunicação linguística distorce e fixa o dinamismo da linguagem, impedindo que aqueles que participam da exposição da WL compreendam o seu significado autêntico. A ciência é incomunicável[25]. A sua dimensão intrinsecamente vital não fica comprometida apenas se cada um reproduzir independentemente em si as suas conexões, recriando-as através de uma reformulação contínua da linguagem em que está exposta. Por isso Fichte pode escrever na WL de 1811:

Toda linguagem é originalmente sensível; no sentido mais baixo, para a experiência do sentido externo. Quando o significado mais elevado é revelado ao homem, não nasce uma nova linguagem; a antiga deve ser usada de forma figurada (sinnbildlich), isto é, por meio de uma imagem do sentido externo, é designada uma imagem do sentido interno que surge por analogia. Esse uso metafórico não tem limites além dos do pensamento[26].

Somente por meio de um uso figurado (sinnbildlich) da linguagem é possível satisfazer a necessidade já apresentada na lição introdutória de 1810 transcrita por August Twesten, segundo a qual o conhecimento da doutrina da ciência é produzido a partir de uma concepção autônoma do fundamento de nosso conhecimento perceptivo:

Para que surja a própria ciência, então, o fenômeno deve necessariamente ser percebido, e o que poderia ser a sua base deve ser conceituado provisoriamente de forma sintética, isto é, antes que a intelecção possa surgir: ambas as coisas acontecem, porém, apenas graças à própria atividade; finalmente, o próprio entendimento deve ser intuído, mas novamente cada um é capaz disso apenas por si mesmo. Segue-se que a ciência não pode ser comunicada a ninguém e que todos devem necessariamente produzi-la em si mesmos[27].

Na medida em que essa ideação é um ato que não pode ser realizado por outros, o conhecimento científico responde a uma atividade individual, a respeito da qual o Wissenchaftslehrer só pode fornecer estímulos e exemplos. O elemento perceptivo e sensível representa o momento inicial para a formação de uma linguagem. No entanto, isso não significa que a linguagem histórica não seja suscetível a variações ou mudanças de acordo com o uso criativo que identifica a formação de uma ciência diferente do conhecimento histórico. O uso criativo anima os vínculos de uma linguagem histórica, pois possibilita uma interpenetração e uma fusão entre a linguagem ordinária, baseada apenas no sentido externo, e a linguagem científica, que do sentido externo avança para a definição de um horizonte diferente e novo.

Esta passagem não representa o resultado de um procedimento arbitrário, mas é declarada conforme a natureza da consciência que, em sua unidade de sentido externo e interno, não pode ser limitada à mera percepção ou ao simples uso ordinário de uma língua. Assim, para além de um aparente contraste com as concepções de linguagem propostas em chave anti-transcendental por Herder e Jacobi[28], o uso criativo de uma linguagem objetiva inicialmente tornar a linguagem ordinária um instrumento para verificar com maior consciência as ligações entre pensamento e realidade. Essa consciência se desdobra em uma maior aderência pragmática da linguagem aos seus significados e é marcada por uma intenção operacional, pois se refere a um crítico “saber fazer” ao invés de um ver ou perceber acabado. Para a comunicação eficaz da ciência, diz Fichte,

Não basta compreender o professor no plano gramatical e lógico, porque ele pode, como vimos, transmitir ao aluno apenas um sistema de imagens; é o próprio Lehrling que deve encontrar o sentido das imagens e construir os pensamentos ainda desconhecidos de acordo com a regra dada pela relação entre as representações[29].

A descrição dos requisitos necessários para a elevação ao ponto de vista transcendental passa, assim, a envolver uma disciplina particular através da qual o Lehrling aprende a encontrar e dar sentido às imagens exibidas pelo Wissenschaftslehrer. Nestas páginas, o cumprimento do Selbstdenken coincide com a aniquilação (Vernichtung) do próprio ser e com o “sacrifício (Hingeben) ao princípio criativo” que é o “princípio comum que forma toda a humanidade”, o qual, à luz da desconstrução da lógica comum realizada por exemplo na segunda Logica transcendental de 1812, pode ser pensado como a lei que unifica pensamento e intuição[30]. As noções de Vernichtung e Hingeben levam Fichte para duas conclusões fundamentais. A primeira é que o discurso proferido por aquele que se abandona ao princípio deve (soll) ser a reprodução deste último e não o resultado de uma cogitação arbitrária. A segunda é, precisamente, que essa reprodução não pode ser objeto de comunicação (Mitteilung) ou transmissão interpessoal precisamente em virtude da resolução de cada vontade individual na natureza categórica do princípio. A dificuldade consiste em pensar sem contradição a compreensão de um princípio comum a toda a humanidade de parte de um indivíduo que, ao mesmo tempo, assume essa compreensão como condição para poder desconsiderar a própria humanidade. Em outras palavras, trata-se de explicar a implosão daquela relação interpessoal, que constitui o ponto de partida para a construção da WL, justamente no momento em que o Lehrling adquire as competências para conduzir o seu diálogo com o Wissenschaftslehrer da forma mais apropriada[31].

Uma vez que a ligação entre a universalidade da ciência e a incomunicabilidade da linguagem é justificada, uma questão parece permanecer em aberto: como é possível que a formação autônoma de Lehrling reflita tanto sua própria liberdade quanto um princípio que a transcende, sugerido, mesmo que não imposto, pelo Wissenschaftslehrer? Ou, em outras palavras, se a transição para novas formas de experienciar a realidade ocorre por meio de uma transação linguística guiada, como é possível distinguir manipulação de orientação?

 

Fichte e o magnetismo

 

Esses problemas implícitos na construção do ciclo berlinense tardio da WL, mas evidentes desde a exposição da WL nova methodo de 1796-1799, refletem-se na recepção fichteana do mesmerismo e, mais em geral, do magnetismo animal. O contato de Fichte com essa prática médica se dá, pelo menos em sua fase inicial, mais por necessidades pessoais do que por uma autêntica curiosidade filosófica. Na verdade, foi o próprio Hüfeland, depois de ter-lhe diagnosticado uma forma de hiperstenia, que mediou seu relacionamento com outro médico, Karl Christian Wolfart. Este último, doutor em medicina e professor extraordinário de física na recém-fundada Universidade de Berlim em 1810, participou como defensor de Mesmer no julgamento instaurado contra o método por ele proposto e, entre outubro e novembro de 1812, conviveu com ele algumas semanas durante das quais aprendeu os fundamentos do magnetismo animal e participou da revisão das Allgemeine Erläuterungen über den Magnetismus und den Somnambulismus, divulgada na revista que o próprio Wolfart dirigia, o Asklepion. O fichteano Tagebuch über den magnetismos é uma expressão clara do contato direto de Fichte com Wolfart.

Escritas entre meados de setembro de 1813 e o final de outubro do mesmo ano, as pouco mais de cinquenta páginas de anotações fichteanas são inspiradas pelas visitas feitas na casa de Wolfart para se submeter a um tratamento, consistem de comentários e observações sobre as experiências vivenciadas por outros pacientes e se dedicam a refletir sobre os casos clínicos relatados por Puysegur, a comentar trechos das Allgemeine Erläuterungen de Mesmer e relacionar a prática magnética com o ponto de vista desenvolvido no contexto da doutrina da ciência[32]. Uma rápida olhada nas partes do texto de Mesmer comentadas por Fichte é suficiente para entender como a recepção fichteana do magnetismo animal se concentra principalmente nos fundamentos da abordagem proposta por Mesmer e nos fenômenos que têm a ver com os que estão no limiar entre a dimensão puramente física e inconsciente da existência humana (como o sono) e sua dimensão consciente, atestada pelo exercício da liberdade[33]. A investigação desses fenômenos é, então, realizada a partir da problematização de três questões, todas relacionadas à definição da ligação intersubjetiva como uma relação entre duas liberdades, que se materializam no exercício da vontade. A primeira dessas questões diz respeito à possibilidade, típica da prática magnética, de se apropriar da liberdade do outro. Fichte se pergunta, nesse sentido, se “é possível, portanto, fazer da minha liberdade a liberdade de alguém” ou se não é antes um desfalque[34].

A segunda é uma implicação direta da primeira e tem a ver com a possibilidade de aproximar a prática magnética ao processo de introdução da doutrina da ciência, com a consequente reflexão sobre a diferença entre o paciente do tratamento magnético, caracterizado por uma passividade da vontade e de um estado de semiconsciência, e o Lehrling, que, ao se aproximar da WL deve antes de tudo deixar de lado a sua individualidade e a sua vontade, mas, ao mesmo tempo, é caracterizado por uma receptividade fundamental atestada por sua curiosidade[35]. Disto deriva - terceira questão - o problema de compreender como a vontade do magnetizador, assim como a do Wissenschaftslehrer, podem influenciar a do paciente e a do Lehrling respectivamente[36].

A resposta a essas perguntas ocorre no Tagebuch por meio da crítica de algumas passagens fundamentais das Erklärungen de Mesmer relacionadas à maneira como Mesmer entrelaça a dimensão sensível da existência humana, a suprassensível e a linguagem como mediação entre as duas. Do ponto de vista do magnetismo animal, a linguagem não pode ser admitida como um instrumento capaz de expressar e comunicar nossos pensamentos. Na verdade, a comunicação linguística seria caracterizada por conexões mecânicas, incapazes de refletir o dinamismo do fluído e da matéria sutil postulada pelo magnetismo. Portanto, seria melhor “pensar sem linguagem”[37]. Para Fichte, entretanto, tal concepção acaba sendo inaceitável. O ponto de vista de Mesmer estaria baseado em uma interpretação do “sono crítico” como uma concepção que não é simplesmente negativa, mas, sim, como “aquele estado de espírito” no qual o ser humano inicia sua vida, a completa em sua formação e a termina[38]. A condição da planta, entendida como a base original para qualquer desenvolvimento posterior, ou, pode-se dizer, como vida pura, é neste sentido a meta final de todo ser vivo[39]. Para isso, continua Mesmer, o estado de vigília, definido pelo uso dos sentidos externos, nada mais seria do que uma condição funcional para a manutenção de nossa existência física. Assim, “pode-se até admitir que acordamos apenas para poder dormir novamente”[40].

Para Fichte, entretanto, é impossível que uma condição desse tipo possa revelar-se compatível com a “atividade livre e espiritual”[41]. Na verdade, do ponto de vista da WL, um agente seria livre apenas na medida em que ele estivesse ciente do fundamento e do propósito de suas ações. Quando essa consciência esteja faltando, nem mesmo seria possível falar de um eu. Este último, de fato, não pode ser reconduzido para uma determinação material. Em vez disso, é a mera forma, regra ou ordem que define a espontaneidade do eu como tal. Deste ponto de vista, o sono crítico não é uma condição original da existência humana. Ele reflete apenas a dimensão sensível dela. O sonambulismo, portanto, define a natureza deste último como determinada exclusivamente pela sensibilidade. Despertar-se, portanto, não significa, como queria Mesmer, agir com o único objetivo de se alimentar, mas “aparecer desperto na universalidade objetiva”[42], ou na renúncia consciente de si mesmo (Hingabe) diante de um princípio superior, fonte de toda racionalidade e origem da evidência[43]. Segue-se que o único verdadeiro despertar-se é aquele dado pela “vida em Deus” ou por “ser livre nele”[44]. Fichte também poderia concordar com Mesmer ao argumentar, como ele faz por exemplo nos Tatsachen des Bewusstseins, que a comunicação autêntica nunca é uma transmissão linguística direta, mas é definida pela mediação de um “terceiro ausente” diante do qual o indivíduo se perde e se prepara para compartilhar algo que o define, embora não pertença a ele[45]. É verdade: mesmo no estado de sono crítico, os indivíduos não estão mais presos nos limites espaciais e temporais que definem a vigília e refletem os limites impostos por nossa sensibilidade[46]. Mas, permanece o fato de que em tal condição nenhuma comunicação em sentido estrito pode ocorrer. A relação entre médico e paciente é diferente daquela que caracteriza a WL e também daquela que esta última coloca na base da definição da consciência concreta como individualidade[47]. Em ambos os casos, é decisiva a condição de atenção caracterizada pela perda da individualidade e pela disposição do Lehrling a receber as “imagens” fornecidas pelo Wissenschaftslehrer. Nessa receptividade, o Lehrling não é puramente passivo, mas é movido pela tarefa de captar livremente sua própria visão[48]. Desse modo, o Lehrling torna-se autoconsciente e circunspecto (Besonnen): consciente de exercer uma compreensão no próprio ato de compreender[49]. Mas, como já vimos, esse processo de consciência extrapola os limites da linguagem ordinária e encontra na possibilidade da sua manipulação criativa “o ar ou a luz” que torna a própria comunicação possível[50].

Tal como acontece com outras posições concorrentes (incluindo a de Schelling e Jacobi), pode-se dizer que mesmo em relação ao mesmerismo, Fichte realiza um processo de assimilação seletiva[51]. Ele usa sua linguagem e trabalha seus conceitos para definir e expor os elementos básicos que caracterizam a WL de uma forma renovada.

 

Percepção e atenção.

 

As ferramentas por meio das quais Fichte reconhece e critica o magnetismo animal, entretanto, não estão vinculadas a um momento específico, mas refletem uma longa meditação sobre as formas pelas quais, por meio da doutrina da ciência, é possível aumentar a liberdade consciente de quem a compreende. Um exemplo das estratégias implementadas por Fichte já se encontra nos dois primeiros capítulos do curso sobre os Fatos da Consciência de 1810-11. As poucas páginas dedicadas à percepção externa que ocupam o primeiro são muito úteis para esclarecer esses aspectos, tanto do ponto de vista dos conteúdos como dos procedimentos com os quais a investigação é conduzida. Fichte trata de esclarecer fenomenologicamente o fato da percepção externa a fim de expor a sua estrutura fenomênico-numênica, isto é, reconduzi-la à sua verdade genética superior. A esse respeito, Fichte tenta conscientizar os seus ouvintes por meio de dois procedimentos aparentemente muito semelhantes, mas de valor decididamente diferente: um experimento e um exemplo[52]. O experimento parte da segunda antinomia kantiana e diz respeito à divisibilidade infinita de um corpo. Fichte pergunta aos seus ouvintes se um corpo que pode ser percebido, pode ser infinitamente divisível também. A resposta, se formulada do ponto de vista da consciência comum, pode certamente ser afirmativa: o corpo é infinitamente divisível. A infinita divisibilidade do corpo, entretanto, nunca pode ser percebida como tal. Pode ser sempre e somente inferida a partir da visão de algo definido, finito e fechado. No entanto, a consciência comum deixa em aberto a questão do ato do “inferir” a divisibilidade infinita do corpo a partir de sua finitude. Colocada nesses termos, a resposta não pode ser satisfatória. O saber da consciência comum se contradiz: afirma que o corpo perceptível é infinitamente divisível, mas de fato percebe um corpo finito e fechado. A conclusão do experimento mental que Fichte propõe aos ouvintes não acarreta imediatamente uma ruptura epistemológica com respeito à consciência comum, mas determina um esclarecimento e um aprofundamento graduais da resposta que ela pode fornecer. A experiência tem, de fato, a tarefa de esclarecer, tanto do ponto de vista conceitual como do linguístico, o status quaestionis que diz respeito ao fato da percepção exterior e, ao fazê-lo, tem a função de expor as formações de sentido implícitas na construção do saber ordinário.

Uma diferenciação mais marcada da tendência expositiva das lições fichteanas em comparação com o saber ordinário ocorre no exemplo que segue imediatamente o experimento. O status quaestionis exposto no experimento remonta ao trabalho daqueles que conduzem a pesquisa, que reduz as determinações fáticas do conhecimento à construção autônoma do sujeito. A estrutura do exemplo, embora muito semelhante à do experimento, difere dela por serem os dados de que o experimento parte produzidos pelo sujeito que conduz a investigação[53]. O exemplo usado é famoso e é o de “traçar uma linha”, que Fichte usa desde a exposição da doutrina da ciência de 1801. Seu propósito é instigar o ouvinte a construir uma linha entre dois pontos para induzi-lo a afirmar que entre seus dois extremos, assim como entre dois pontos tomados à vontade na linha, há outros pontos infinitos. A infinidade de pontos construtíveis no horizonte revelado pelo exemplo é entendida independentemente de um dado externo e em virtude da construção imaginativa. Este último tem dois objetivos. O primeiro é mostrar que a infinidade de pontos só pode ser intuída. O segundo é afirmar que essa intuição não pode ser concebida a priori, mas realizada no próprio ato da construção. É possível perceber um corpo como extenso e infinitamente divisível porque se assume que a atividade intuitiva é compreensível como uma capacidade infinita de se ligar a pontos infinitos. O exemplo, portanto, mudou radicalmente o ponto de vista da pesquisa ao introduzir um nível semântico diferente, no qual a percepção externa pode ser entendida como uma expressão da capacidade (Vermögen) da dinâmica interna do saber se ligar a um ponto e como base para unificar a intuição e o pensamento ou, em termos kantianos, a estética transcendental e analítica dos conceitos. Intuição e pensamento não representam as duas faculdades distintas de um sujeito pressuposto. Eles refletem duas modulações distintas da única atividade que identifica a consciência ou, como Fichte também a chama, da única vida do saber[54]. Pensamento e intuição são, na verdade, duas partes inseparáveis de um único “estado de consciência”. A intuição se refere ao fato de que o conhecimento, como tal, é sempre saber de algo e é sempre uma expressão de um vínculo da atividade de compreensão em um determinado ponto. O pensamento, por outro lado, é o envolvimento imediato de uma atividade de conceituação e generalização implícita em qualquer compreensão dada. A relação entre intuição e pensamento, a partir de um simples fato que caracteriza a estrutura psicológica de um sujeito empírico, se transfigura no vínculo que identifica a estrutura “substantiva” do saber. As determinações do saber são entendidas por Fichte como funções dessubjetivadas que o caracterizam como fenômeno da razão, ou como unidade noemática de determinações cujo aspecto noético pode, e deve, desconsiderar a inclusão temática imediata de um eu determinado empiricamente. Desse modo, os ouvintes podem compreender que a análise do saber pode e deve ir além da descrição de uma subjetividade empírica e pode se colocar em um “novo” terreno para a investigação do saber. Reciprocamente, o exemplo também esclarece que essa abertura do novo é sempre uma revelação reflexiva. O acesso ao novo horizonte da busca filosófica não pode ocorrer sem a intervenção ativa de um nós que participa da formação do plano de imanência no qual a pesquisa transcendental ocorre. O exemplo deve ser formulado e compreendido. A tarefa exposta no exemplo deve ser resolvida adquirindo uma perspectiva diferente para a análise dos fatos da consciência. Finalmente, as habilidades adquiridas com a resolução da tarefa devem ser postas ao serviço de investigações posteriores.

A primeira dessas investigações tem a ver com a “passagem” do tratamento da percepção externa para a interna, por meio da construção de um metanível que nos permite aprofundar as estruturas conceituais que surgiram na análise da percepção externa e trazê-las de volta ao vínculo da liberdade, a ser entendido não como “uma propriedade inerente a algo que subsiste em si mesmo”, mas como “um ser autônomo em si mesmo”[55]. Na verdade, toda liberdade se define a partir de um limite. Este último não lhe é imposto de fora, mas a caracteriza como um contínuo “libertar-se”[56]. Nesse sentido, o objeto da percepção pode ser entendido como o resultado da força figurativa (Bildungskraft) ou imaginativa (Einbildungskraft) que é liberada após uma intuição particular[57]. No plano definido pelos Fatos da consciência é indiferente falar de afecção ou de autoafecção, de figuração de um dado objeto ou de figuração da figura como objeto. O campo aberto pela análise dos fatos da consciência é de fato definido pela irrupção de “um novo ser superior e espiritual completamente diferente do que pode pensar o entendimento comum condicionado pela matéria” e que vai além da compreensão da liberdade como propriedade de algum substrato ou sujeito pressuposto[58]. A imaginação, de fato, permite estabelecer um distanciamento entre a percepção pontual e real e o saber, o que nos permite reter apenas a “forma” da percepção, ou seja, o fator limitante presente na afecção. A imaginação, movendo-se nesse intervalo, exibe a oscilação contínua da liberdade entre a limitação pontual do afeto e as infinitas possibilidades do saber se re-determinar em função da afecção[59].

Sua oscilação é, de fato, capaz de estabelecer uma série temporal e um horizonte de compreensão completamente alternativos ao fluxo natural do dado perceptivo[60]. Mas reduzida a um mero Schweben da imaginação, a atividade do saber não seria muito diferente de um estado mental de natureza patológica. A patologia mental, segundo Fichte, não corresponde apenas à renúncia a um contato afetivo com o mundo. O estado patológico é autentico, quando a ordem dos artifícios do louco assume uma configuração semelhante à ordem afetiva que surge do mundo exterior[61]. O Schweben da imaginação não constitui os objetos do mundo; é apenas a função que define as perspectivas para compreender racionalmente o significado deles. A mobilização da vida do saber não “rompe” com a sequência das determinações sensíveis, mas integra em seu horizonte a própria possibilidade de que o fluxo das determinações sensíveis possa ser detido e, de certa forma, controlado[62]. A reelaboração reflexiva do dado afetivo se dá, de fato, em duas fases. A primeira consiste na detenção intencional da causalidade imediata da percepção e, portanto, na retenção da forma de limitação afetiva como autolimitação da liberdade. A segunda consiste na elevação reflexiva do saber, que se expressa principalmente como uma obra ideal da imaginação. Os dois momentos podem e devem ser sinteticamente unificados: a possibilidade de um vínculo imediato deve ser entendida como legítima. Mas essa legitimidade não pode ser compreendida sem a consciência de poder escolher, e dissolver, o vínculo junto com dado pontual da percepção. A imaginação deve ser sempre capaz de se ligar a um ponto diferente daquele dado e concretizar uma possibilidade que “aparece” já na fase de interrupção do fluxo perceptivo e causal. Fichte pode então se perguntar como é possível que uma consciência que não é causa possa perceber externamente por meio de seu ser. “A solução da questão”, escreve o filósofo, é que “embora a consciência não seja mais prisioneira daquele primeiro estado, ela pode, no entanto, devolver-se (wieder hingeben) a ele com liberdade. Ela pode-se transformar em algo que é causalidade por meio de seu ser puro: uma doação (hingeben) universalmente conhecida pelo nome de atenção”[63]. Nesse contexto introdutório, a atenção é vista como um perder-se do saber em um objeto específico que simultaneamente permite que a vida do próprio saber emerja. E mesmo neste caso, justamente na medida em que proporciona uma análise mais aprofundada da percepção interna, a atenção é entendida como um orientar-se do saber enquanto esquematização livre de um dado. Nas lições sobre os Fatos da Consciência de 1810-11, a atenção aparece em um contexto pragmático muito preciso e sua função também o é. Por um lado, a atenção possibilita a discussão da percepção interna. Por outro lado, ela legitima a possibilidade de tematizar a percepção externa em um contexto transcendental e oferece um sentido orgânico ao uso do exemplo que Fichte havia utilizado no primeiro capítulo. A atenção exibe concretamente aquela estrutura da consciência em virtude da qual é possível despertar aqueles que participam das aulas introdutórias para conexões diferentes daquelas que definem o ponto de vista da consciência comum e muito próximas da estrutura da busca da WL in specie. Não há dissolução ou suprassunção de um lado no outro. Em vez disso, há uma integração e uma síntese que mantém a autonomia e a ação mútua dos dois horizontes conceituais em relação aos quais a atenção desempenha a função de dobradiça constitutiva. A capacidade de prestar atenção torna-se a ferramenta para avaliar a gradatividade da passagem da condição ingênua e dispersa que caracteriza a consciência comum para a vida desperta típica da problematização filosófica e científica[64]. E então, através do conceito de atenção Fichte pode esclarecer tanto a possibilidade do “retorno” do ponto de vista transcendental ao da vida ordinária, quanto as razões pelas quais esse retorno nunca pode ser uma regressão ou, como Fichte escreveu no início do segundo capítulo, uma aberração. A elevação ao ponto de vista transcendental, se ocorrer, é definitiva. Ao mesmo tempo, porém, quem se eleva ao ponto de vista transcendental também tem a faculdade de retornar, ou se devolver, à vida ordinária; e pode fazê-lo com maior consciência e, portanto, com uma eficácia mais clara. Esta passagem, que qualifica o escopo da introdução à WL como um problema filosófico-especulativo e como um método para a definição, também pedagógica, dos procedimentos necessários para alcançar a Fertigkeit para a WL também esclarece a razão pela qual Fichte, dois anos depois, fundamenta sua reflexão sobre a incompatibilidade entre a doutrina da ciência e o magnetismo animal no conceito de atenção. Em primeiro lugar, o fenômeno da atenção mostra como a vida ordinária não é um elemento que a filosofia pode e deve superar, mas representa a mediação fundamental para conduzir uma meditação sobre a estrutura originaria da realidade. Essa estrutura, porém, não é vista como algo estático, mas como um horizonte dinâmico que pode - e deve - ser transformado e fortalecido pelo exercício da liberdade a que a filosofia inicia a consciência. Ou seja, a filosofia deve tornar-se filosofar, transfigurando-se, de conhecimento dado, em prática flexível e autônoma. Esta, podendo se renovar constantemente, assume uma função paradoxalmente essencial para a realização de uma reflexão transcendental: tornando operacionalmente visível o que já está implícito na vida ordinária, abre um espaço de ação em seus horizontes em vista de sua modificação eficaz. Através da mediação oferecida pela vida ordinária e graças ao instrumento da comunicação, o Wissenschaftslehrer não se apropria da liberdade do outro, mas a estimula e a destaca como horizonte de uma ação autônoma segundo modelos progressivamente racionais. Este não é o lugar para discutir como essa passagem representa o pré-requisito para a reflexão fichteana do retorno da filosofia à vida em termos de uma Tatbegründung[65]. No entanto, parece claro que o sistema da WL apresenta um ponto de vista muito diferente do identificado com a necessidade de superar a concretude da vida que caracteriza o magnetismo animal.

 

Referências

 

BAADER, F. Systemideeund Interpersonalitätstheorie in Fichtes Wissenschaftslehre. In E. Fuchs, Der transzendentalphilosophische Zugang zur Wirklichkeit Stuttgart-Bad Cannstatt: Fromman-Holzboog, 2000.

 

BANDLER, R.,GRINDER, J. La struttura della magia. Roma: Astrolabio. 1981.

 

BERTINETTO, A. L’essenza dell’empiria. Napoli: Loffredo, 2001.

 

BERTINETTO, A. Logik, Metaphysik, Wissenschaftslehre: Die Institutionis omnis philosophiae J. G.Fichtes. Fichte-Studien v. 34 p. 343--357, jan  2009. Disponível em : https://brill.com/view/title/29641

 

BISOL, B. Körper Freiheit und Wille. Die transzendentalphilosophische Leiblehre J. G. Fichtes. Würzburg: Ergon 2011.

 

BREAZEALE, D. How to make an Idealist: Fichtes “Refutation of Dogmatism” and the Problem of the starting point of the Wissenschaftslehre . The Philosophical Forum, 1987-1988..

 

BREAZEALE, D. The “Standpoint of Life” and the “Standpoint of Philosophy” in the context of Jena Wissenschaftslehre. In A. Mues, Transzendentalphilosophie als System Stuttgart-Bad Canstatt: Fromman-Holzboog, 1989.

 

BREAZEALE, D.Philosophy for Beginners: A Comparative Reading of Fichte’s Cristal Clear Public Report on the True Nature of the Latest Philosophy and Schelling’s Lectures on the Method of University Study. In Ch. Asmuth, Schelling. Zwischen Fichte und Hegel Amsterdam: Rodophi, 2000.

 

BREAZEALE, D.“Der Blitz der Einsicht” and “Der Akt der Evidenz”. A Theme from Fichte’s Berlin Introduction to Philosophy. Fichte-Studien, .v. 31  p. 1-15, jan 2007. Disponível em: https://www.academia.edu/9187568/_Der_Blitz_der_Einsicht_and_der_Akt_der_Evidenz_A_Theme_from_Fichtes_Berlin_Introductions_to_Philosophy_Fichte_Studien_31_2007_1_15

 

COGLIANDRO, G. La dottrina morale superiore di Fichte. Milano: Guerini, 2005.

 

CRABTREE, A. Animal magnetism, early hypnotism, and psychical research: 1766-1925; an annotated bibliography. New-York: Kraus, 1988.

 

CRABTREE, A. From Mesmer to Freud: Magnetic Sleep and the Roots of Psychological Healing. New Haven: Yale University Press, 1993.

 

D’ALFONSO, M.Vom Wissen zur Weisheit. Fichtes Wissenschaftslehre 1811. Amsterdam-New York: Rodophi, 2005.

 

DILTS, R., GRINDER, J., DELOZIER, J., & BANDLEr, R.. Neuro-Linguistic Programming: Volume I: The Study of the Structure of Subjective Experience. Cupertino: Meta Publications, 1980.

 

ENNEMOSEr, J. Geschichte des thierischen Magnetismus. Leipzig: Brockhaus 1844.

 

FERRAGUTO, F. Filosofare prima della filosofia. Hidelsheim: Olms,2010.

 

FERRAGUTO, F. Non multa sed multum. Fichte e a Fundação da Unviersidade de Berlim. In Ferrer,D. A filosofia da história e da cultura em Fichte (p. 169-186). Coimbra: Imprensa universitária de Coimbra, 2019.

 

FICHTE, J. J.G. Fichtes Ultima inquirenda. Stuttgart-Bad Cannstatt: Frommann-Holzboog, 2000.

 

FICHTE, J. G. Saemtliche Werke. Berlin: De Gruyter, 1845.

 

FICHTE, J. G. Gesamtausgabe der Bayerischen Akademie der Wissenschaften. Stuttgart-Bad Cannstatt: Fromman Holzboog, 1962-2013.

 

FORBES, J. Ueber Somnambulismus, Hellsehen und thierischen Magnetismus. Wien: Kaulfus 1846.

 

FURLANI, S.. L’ultimo Fichte. Milano: Guerini, 2004.

 

GERTEN, M. Geistige Blindtheit und der Sinn für Philosophie. Das systematische Problem einer Einleitung in Fichtes Wissenschaftslehre. Fichte-Studien, 2007.

 

HÜFELAND, C. Geschichte der Gesundtheit. Berlin: Realschul-Buchhandlung, 1812.

 

HAGNER, M.Das Ende von Seelensorgan, Über einige Beziehungen von Philosophie und Anatomie im frühen 19 Jahrhundert. In E. Florey, & O. Briedbach, Gehirn-Organ der Seele? Zur Ideengeschichte der Neurobiologie (p. 3-21). Berlin: Akademie Verlag, 1993.

 

HEGEL, G. F. Enciclopédia das Ciências Filosóficas. São Paulo: Loyola, 1995.

 

IVALDO, M.Vita originaria, appercezione e compito. Sull’ultimo domandare di Fichte. Annuario Filosofico, Milão, Itália 2003.

IVALDO, M. Fichte: l’orizzonte comunitario dell’etica (le lezioni del 1812). p. 37-54Teoria, 2006 Disponível em: http://www.rivistateoria.eu/media/2006_1/03Ivaldo.pdf .

 

IVALDO, M. Libertà e Ragione. Mursia: Milano, 1992.

 

JULIA, D. La question de l’homme et le fondement de la philosophie. Aubier: Paris, 1964.

 

KOTTMANN, R. Leiblichkeit und Wille in Fichtes Wissenschaftslehre nova methodo. Münster: Königshausen, 1998.

 

LAUTEMANN, W. Interpretation und Kritik einiger Grundbegriffe der Spätphilosophie Fichtes dargestellt an den Einleitungsvorlesungen in die Wissenschaftslehre von 1813. Frankfurt a. M.: Diss, 1970.

 

LAUTH, R. L’idea globale della filosofia in J. G. Fichte. In R. Lauth, La filosofia trascendentale di J. G. Fichte (p. 23-67). Napoli: Guida, 1986.

 

LUCAS, H. The “Sovereign Ingratitude” of Spirit toward Nature: Logical Qualities, Corporeity, Animal Magnetism, and Madness in Hegel’s ‘Anthropology,The howl of Minerva. Montreal, Canada, 1992.

 

MARION, J. Esquisse d’un concept phénoménologique du sacrifice. Archivio di Filosofia, 2008.

 

MESMER, F.  Abhandlung über die Entdeckung des tierischen Magnetismus. Karlsruhe: Macklot, 1781.

 

MESMER, F. Allgemeine Erläuterungen über den Magnetismus und den Somnambulismus. Von Mesmer. Als vorläufige Einleitung in das Natursystem. Asklepieion, 1812.

 

OLIVETTI, M.. L’esito teologico della filosofia del linguaggio di Jacobi, Padova. Padova: Cedam, 1970.

 

ÖSTERREICH, P. L., & TRAUB, H. Der ganze Fichte. Die populäre, wissenschaftliche und metaphilosophische Erschliessung der Welt. Stuttgart: Cotta, 2006.

 

PETER, J. De Mesmer à Puységur. Magnétisme animal et transe somnambulique, à l’origine des thérapies psychiques. Revue d’histoire de XIXe siècle, 2009

 

PETRY, M. Hegels Philosophie des Subjektiven Geistes. Dordecht: Reidel, 1978.

 

Pfeifer, K. Medicine der Goethezeit. Cristoph Wilhelm Hufeland und die Heilkunst des 18 Jahrhunderts. Köln-Weimar-Wien: Böhlau 2000.

 

POGGI, S.. Il genio e l’unità della natura. Bologna: Il mulino, 2000.

 

PUYSÉGUr, A. d. Mémoires pour servir à l’histoire et à l’établissement du magnétisme animal. Tolouse: Cellot, 1786.

 

PUYSÉGUR, A. d. Suite des mémoires sur la découverte du magnétisme animal. Toulouse: Cellot, 1809.

 

RÖMELT, J. “Merke auf dich Selbst”. Das Verhältnis des Philosophen zu seinem Gegenstand nach dem “Versuch einer neuen Darstellung der Wissenschaftslehre” v. 1 p. 73-98 Fichte-Studien, 1990. Disponível em: https://doi.org/10.5840/fichte199014

 

RAMETTA, G.. Le strutture speculative della dottrina della scienza. Genova: Pantograf, 1995.

 

RAMETTA, G. Doctrine de la Science et Doctrine de l’état. La dissolution de la théologie politique chez le dernier Fichte. In. Goddard, J. C. Fichte. La Philosophie de la maturité. Paris: Vrin, 2003.

 

RAUSKY, F.. Mesmer ou la révolution thérapeutique. Paris: Payot, 1977.

 

REIL, J. Gesammelte kleine physiologische Schriften. Wien, 1811.

 

SCHLUN, B. v. Science and the imagination: mesmerism, media and the mind in nineteenth-century English and American literature. Berlin: Galda + Wilch Verlag, 2007.

 

TRAUB, H. Mut zum “Übermuth!” Der Ursprung des Philosophierens bei J. G. Fichte. In C. De Pascale, Fichte und die Aufklärung (p. 263-283). Hildesheim: Olms, 2003.

VERRA, V. Dopo Kant. Il criticismo nell’età preromantica. Torino: Edizioni di Filosofia, 1957.

 

VON MANZ, H. J. G. Fichtes kritische Lektüre von Franz Anton Mesmers „Allgemeine Erläuterungen über den Magnetismus und den Somnambulismus” als Ausgangspunkt für eigene naturphilosophischen Überlegungen. Fichte-Studien, 2016.

 

ZÖLLER, G.. Fichte Lesen. Stuttgart: Fromman Holzboog, 2013.

 



[1] REIL, Gesammelte kleine physiologische Schriften.

[2] Leipzig 1818. Para aprofundamentos acerca da conexão entre filosofia da natureza, psicologia e magnetismo, cf. HAGNER, Das Ende von Seelensorgan, Über einige Beziehungen von Philosophie und Anatomie im frühen 19. Jahrhundert; POGGI, Il genio e l’unità della natura, 545-606.

[3] Cf. a respeito PFEIFER, Medicine der Goethezeit. Cristoph Wilhelm Hufeland und die Heilkunst des 18 Jahrhunderts. Köln-Weimar-Wien: Böhlau.

[4] No tomo XXIX, 5, 1811.

[5] Geschichte der Gesundheit, nebst einer psychischen Karakteristik des jetzigen Zeitalters (Berlin, 1812).

[6] HÜFELAND, Geschichte der Gesundtheit, 21.

[7] HÜFELAND, Geschichte der Gesundtheit, 22, 27, 32-33.

[8] HÜFELAND, Geschichte der Gesundtheit, 1812, 4- 6.

[9] HÜFELAND, Geschichte der Gesundtheit, 1812, 8.

[10] HÜFELAND, Geschichte der Gesundtheit, 1812, 34-35.

[11] Cf., em especial, MESMER, Abhandlung über die Entdeckung des tierischen Magnetismus.

[12] Não iremos neste artigo repercorrer a história do magnetismo animal, nem ofereceremos um tratamento detalhado desta prática. Para aprofundamentos cf. PETER, De Mesmer à Puységur. Magnétisme animal et transe somnambulique, à l’origine des thérapies psychiques; FORBES, Ueber Somnambulismus, Hellsehen und thierischen Magnetismus; ENNEMOSER, Geschichte des thierischen Magnetismus; CRABTREE, Animal magnetism, early hypnotism, and psychical research: 1766-1925; an annotated bibliography; CRABTREE, From Mesmer to Freud: Magnetic Sleep and the Roots of Psychological Healing; RAUSKY, Mesmer ou la révolution thérapeutique; VAN SCHLUN, Science and the imagination: mesmerism, media and the mind in nineteenth-century English and American literature.

[13] Um tratamento aprofundado da concepção fichteana do corpo encontra-se em BISOL, Körper Freiheit und Wille. Die transzendentalphilosophische Leiblehre J. G. Fichtes; KOTTMANN, Leiblichkeit und Wille in Fichtes Wissenschaftslehre nova methodo.

[14] Cf. a respeito PETRY, Hegels Philosophie des Subjektiven Geistes; LUCAS, “The “Sovereign Ingratitude” of Spirit toward Nature: Logical Qualities, Corporeity, Animal Magnetism, and Madness in Hegel’s ‘Anthropology’”.

[15] HEGEL, Enciclopédia das Ciências Filosóficas, 118-119: “A magia absoluta seria a magia do espírito como tal. Também este exerce nos objetos uma ´infecção´ mágica, atua magicamente sobre um outro espírito. Mas nessa relação, a imediatez é apenas um momento; a mediação que opera pelo pensamento e pela intuição, como pela linguagem e pelos gestos, forma nele o outro momento (…) a magia consiste em uma influência imediata do espírito sobre um outro espírito”.

[16] Cf. PUYSEGUR, Mémoires pour servir à l’histoire et à l’établissement du magnétisme animal; PUYSEGUR,  Suite des mémoires sur la découverte du magnétisme animal.

[17] BANDLER-GRINDER, La struttura della magia, 12: “Ao longo dos tempos os poderes e os prodígios de quem pratica a magia são testemunhados pela poesia e pela história. A presença de magos [...] sempre seduziu o homem inspirando-lhe um temor reverencial. Na época moderna o manto do mago está, na maioria dos casos, nas costas daqueles dinâmicos profissionais da psicoterapia, cujo trabalho nos aparece tão surpreendente que inspira em nós uma emoção forte, incredulidade e absoluta confusão... como o saber de todo mago, em toda época, um saber acumulado e propagado de geração em geração, mesmo tendo perdido ou adquirido algo, guardou uma estrutura básica, assim a magia destes magos terapêuticos tem uma estrutura”.

[18] BANDLER-GRINDER, La struttura della magia, 59.

[19] Cf. a respeito também DILTS-GRINDER-DELOZIER-BANDLER, Neuro-Linguistic Programming: Volume I: The Study of the Structure of Subjective Experience.

[20] Vou indicar aqui apenas algumas contribuições relevantes no panorama da Fichte-Forschung sobre esta temática: RAMETTA, Le strutture speculative della dottrina della scienza; BERTINETTO, L’essenza dell’empiria; FURLANI, L’ultimo Fichte; COGLIANDRO, La dottrina morale superiore di Fichte; D’ALFONSO, Vom Wissen zur Weisheit. Fichtes Wissenschaftslehre 1811.

[21] A respeito, e para uma compreensão da articulação geral da doutrina da ciência, em introdução, filosofia primeira, ciências especiais, filosofia popular e aplicação cf. o ainda válido LAUTH, L’idea globale della filosofia in J. G. Fichte.

[22] Já JULIA, La question de l’homme et le fondement de la philosophie, 158, destaca como a maior parte das lições berlinenses de Fichte leve como título o termo ´introdução´. Tenho tratado este aspecto de forma ampla em Ferraguto, 2010.

[23] O objetivo de construir o “correto ouvinte” da doutrina da ciência aparece claro nas Institutionis omnis philosophiae de 1805, FICHTE, Gesamtausgabe, II, 9, ou nas Ideen für die innere Organisation der Universität Erlangen (1806), FICHTE, Gesamtausgabe, II, 9, e no Deducierter Plan einer zu Berlin zu erreichtenden höheren Lehranstalt (1807), FICHTE, Gesamtausgabe, II, 11. Para uma análise deste aspecto cf. BERTINETTO, Logik, Metaphysik, Wissenschaftslehre: Die Institutionis omnis philosophiae J. G. Fichtes. Uma análise etimológica e histórico-cultural do significado da elevação ao ponto de vista transcendental cf. TRAUB, Mut zum “Übermuth!” Der Ursprung des Philosophierens bei J. G. Fichte; um tratamento geral do embasamento retórico da WL e do impacto das estratégias retóricas envolvidas na formação Kunst des Philosophierens foi dado por ÖSTERREICH-TRAUB, Der ganze Fichte. Die populäre, wissenschaftliche und metaphilosophische Erschliessung der Welt; BREAZEALE, “Der Blitz der Einsicht” and “Der Akt der Evidenz”. A Theme from Fichte’s Berlin Introduction to Philosophy; BREAZEALE, How to make an Idealist: Fichtes “Refutation of Dogmatism” and the Problem of the starting point of the Wissenschaftslehre; BREAZEALE, The “Standpoint of Life” and the “Standpoint of Philosophy” in the context of Jena Wissenschaftslehre; BREAZEALE, Philosophy for Beginners: A Comparative Reading of Fichte’s Cristal Clear Public Report on the True Nature of the Latest Philosophy and Schelling’s Lectures on the Method of University Study.

[24] FICHTE, J.G. Fichtes Ultima inquirenda, p. 6. Cf. para uma interpretação desse conceito cf. GERTEN, Geistige Blindtheit und der Sinn für Philosophie. Das systematische Problem einer Einleitung in Fichtes Wissenschaftslehre.

[25] Uma forma deste paradoxo já foi discutida por LAUTEMANN, Interpretation und Kritik einiger Grundbegriffe der Spätphilosophie Fichtes dargestellt an den Einleitungsvorlesungen in die Wissenschaftslehre von 1813, 9-12.

[26] FICHTE, Gesamtausgabe, II, 11, 104-105.

[27] FICHTE, Gesamtausgabe, IV, 4, 26.

[28] Refrencias para Herder e Jacobi foram encontradas, no que diz respeito a este trecho, pelos editores da Gesamtausgabe fichteana. Sobre Herder cf. VERRA, Dopo Kant. Il criticismo nell’età preromantica, 153-241; sobre a filosofia da linguagem de Jacobi cf.  OLIVETTI, L’esito teologico della filosofia del linguaggio di Jacobi, 90-91; sobre a relação entre Herder e Jacobi acerca da concepção da linguagem como abstração cf. Olivetti, L’esito teologico della filosofia del linguaggio di Jacobi, 15-28.

[29] FICHTE, Gesamtausgabe, IV, 4, 24.

[30] FICHTE, Gesamtausgabe, II, 12, 222-223.

[31] Tenho tratado este aspecto nas suas dimensões históricas e nas suas implicações teóricas em FERRAGUTO, F. Non multa sed multum. Fichte e a Fundação da Unviersidade de Berlim. In Ferrer,D. A filosofia da história e da cultura em Fichte (p. 169-186). Coimbra: Imprensa universitária de Coimbra, 2019.

[32] Nesse sentido, o Tagebuch não constitui um texto unitário. Para uma visão geral e uma divisão esquemática das passagens e temas que a constituem, bem como para uma contextualização mais ampla da experiência fichteana, cf. VON MANZ, J. G. Fichtes kritische Lektüre von Franz Anton Mesmers Allgemeine Erläuterungen über den Magnetismus und den Somnambulismus” als Ausgangspunkt für eigene naturphilosophischen Überlegungen.

[33] Cf. VON MANZ, J. G. Fichtes kritische Lektüre von Franz Anton Mesmers Allgemeine Erläuterungen über den Magnetismus und den Somnambulismus als Ausgangspunkt für eigene naturphilosophischen Überlegungen, 247.

[34] FICHTE, Saemtliche Werke, XI, 301.

[35] FICHTE, Saemtliche Werke, XI, 311.

[36] FICHTE, Saemtliche Werke, XI, 311.

[37] MESMER, Allgemeine Erläuterungen über den Magnetismus und den Somnambulismus. Von Mesmer. Als vorläufige Einleitung in das Natursystem, 254.

[38] MESMER, Allgemeine Erläuterungen über den Magnetismus und den Somnambulismus. Von Mesmer. Als vorläufige Einleitung in das Natursystem, 296.

[39] MESMER, Allgemeine Erläuterungen über den Magnetismus und den Somnambulismus. Von Mesmer. Als vorläufige Einleitung in das Natursystem, 1812, 298.

[40] MESMER, Allgemeine Erläuterungen über den Magnetismus und den Somnambulismus. Von Mesmer. Als vorläufige Einleitung in das Natursystem, 1812, 298.

[41] FICHTE, Saemtliche Werke, XI, 323.

[42] FICHTE, Saemtliche Werke, XI, 324.

[43] FICHTE, Saemtliche Werke, XI, 301.

[44] FICHTE, Saemtliche Werke, XI, 324.

[45] Nos Fatos de Consciência, a questão não é abordada nos termos de uma dedução, mas nos de uma descrição de um fato. Fichte assume que “além de mim existem seres iguais a mim” (FICHTE, Gesamtausgabe, II, 11, p. 66). A questão não é, portanto, “como posso chegar a admitir seres racionais fora de mim?”, mas como é possível pensar em uma multiplicidade de sujeitos que se reconhecem como tais sem cancelar o pressuposto em que se baseia toda a descrição das determinações da consciência concreta: o conhecimento não é o produto de um único indivíduo, mas a expressão de uma vida unitária que no individuo se encontra em uma articulação especifica. No “fato” da existência de outros sujeitos fora de mim, é necessário poder pensar que “uma vida se divide em várias vidas, que devem ser essencialmente iguais umas às outras (...), portanto aquela vida una tem que ser repetida em várias formas e posta várias vezes” (FICHTE, Gesamtausgabe, II, 11, 66-67). Em outras palavras, a formação de um “nós”, ou seja, a divisão da vida em suas múltiplas formas, nada mais é do que o instrumento pelo qual a própria razão se constitui como autoconsciência. O outro eu é entendido como uma forma ligada ao pensamento que o eu tem de si próprio como veículo para a manifestação da vida, do conhecimento, ou da razão. A divisão, por sua vez, é funcional e preliminar à recomposição consciente da unidade. A recomposição, de fato, não é predeterminada pela vida, que em si mesma não pode ser entendida como fundamento do qual emanam o eu e os outros. Em vez disso, a recomposição requer um gesto fático por parte de cada indivíduo, que Fichte chama de “reflexão livre”. Refletir sobre si mesmo significa reconhecer imediatamente o outro e, ao mesmo tempo, reconhecer-se como expressão de uma unidade para cuja articulação consciente tanto o eu quanto o outro contribuem, já que todos os outros são sempre também pensados como eu. O reconhecimento do outro e o exercício da atenção são apenas duas formas diferentes de considerar a mesma relação irredutível entre o saber e o sujeito concreto. A perda de si que ocorre no exercício da atenção é a expressão da necessidade de desenhar um modelo de compreensão do real por meio - e no pensamento - do outro. Só assim a formação imaginativa pode ser avaliada à luz de um critério do qual todo eu é portador. Mas, pensar no outro significa para Fichte também entendê-lo, antes de mais nada, como uma expressão daquela vida-Una para cuja articulação o eu contribui. Uma análise teórica do conceito de “terceiro ausente” é fornecida por MARION, Esquisse d’un concept phénoménologique du sacrifice.

[46] MESMER, Allgemeine Erläuterungen über den Magnetismus und den Somnambulismus. Von Mesmer. Als vorläufige Einleitung in das Natursystem, 299.

[47] Trata-se de uma passagem fundamental exposta por Fichte já no Naturrecht de 1797, onde o filósofo se propõe mostrar como a autocompreensão do ser racional finito, que neste caso assume o sentido relevante de “homem”, tem como ponto de partida a atribuição a ele de uma causalidade livre (§ 1) e, portanto, da capacidade de determinar o mundo fora de si (§ 2). Para que isso aconteça, o ser racional também deve admitir outro ser racional fora de si, cuja função essencial é ´solicitar´ o ser racional a se autodeterminar. Desse modo, outros fornecem ao ser racional finito o primeiro conceito com base no qual ele projeta sua própria autodeterminação. Como ´autodeterminação´ também significa compreender a si mesmo como uma potência de autodeterminação, aparece então evidente que o primeiro conceito com base no qual o outro ser racional se compreende, e em referência ao qual ele exerce sua causalidade livre, é um ´convite´ (Aufforderung) para se autodeterminar (§ 3, FICHTE, Gesamtausgabe, I, 3, 33). Desse modo, o eu se encontra livre em virtude do reconhecimento da liberdade dos outros. Entre as muitas interpretações desse conceito, vou indicar a mais sistemática e clara dada por BAADER, Systemideeund Interpersonalitätstheorie in Fichtes Wissenschaftslehre. Para uma leitura da relação intersubjetiva concebida na fase jenense de Fichte cf.. IVALDO, Fichte: l’orizzonte comunitario dell’etica (le lezioni del 1812) e IVALDO, Libertà e Ragione.

[48] Esta passagem destaca a conexão estrutural entre autoconsciência e consciência de uma tarefa, que define o modelo pelo qual Fichte re-problematiza, nesta fase da sua atividade filosófica, o conceito kantiano de apercepção, sobre o qual cf. IVALDO, Vita originaria, appercezione e compito. Sull’ultimo domandare di Fichte (fine 1813-inizio 1814).

[49] FICHTE, Saemtliche Werke, XI, 301-2. O que retoma de forma explícita a teoria fichteana do postulado, apresentada nas exposições tardias de Jena, para comprovar a unidade do pensamento de Fichte, para além da diversidade das formulações do seu núcleo fundamental. Sobre o postulado cf., entre as muitas contribuições, RÖMELT, “Merke auf dich Selbst”. Das Verhältnis des Philosophen zu seinem Gegenstand nach dem “Versuch einer neuen Darstellung der Wissenschaftslehre” (1797/98).

[50] FICHTE, Saemtliche Werke, XI, 301-2.

[51] Sobre este aspecto do estilo de Fichte cf. Zöller, Fichte Lesen, 1 e 21.

[52] FICHTE, Gesamtausgabe, II, 11, 23.

[53] FICHTE, Gesamtausgabe, II, 11, 23.

[54] FICHTE, Gesamtausgabe, II, 11, 26.

[55] FICHTE, Gesamtausgabe, II, 11, 27.

[56] FICHTE, Gesamtausgabe, II, 11, 30.

[57] FICHTE, Gesamtausgabe, II, 11, 32.

[58] FICHTE, Gesamtausgabe, II, 11, 28.

[59] FICHTE, Gesamtausgabe, II, 11, 28.

[60] FICHTE, Gesamtausgabe, II, 11, 31.

[61] FICHTE, Gesamtausgabe, II, 11, 34.

[62] FICHTE, Gesamtausgabe, II, 11, 32.

[63] FICHTE, Gesamtausgabe, II, 11, 33.

[64] FICHTE, Gesamtausgabe, II, 11, 33-34.

[65] Cf. a respeito RAMETTA, Doctrine de la Science et Doctrine de l’état. La dissolution de la théologie politique chez le dernier Fichte.