DOI: http://dx.doi.org/10.5902/2179378655228
Submissão: 15/09/2020 Aprovação: 22/12/2020 Publicação: 15/01/2021
Tradução
Schopenhauer e os Valores da Experiência Estética, de Vandenabeele, Bart.
VANDENABEELE, BART Schopenhuaer on the Values of
Aesthetic Experience
Renata
Covali Cairolli Achlei¹
Luan Corrêa da Silva²
¹Doutoranda
em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR
(UFPR)
²Doutor em Filosofia pela Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC. Professor substituto da
Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR
Resumo: Neste ensaio argumento que a visão de Schopenhauer dos
sentimentos estéticos do belo e do sublime mostra como uma interpretação
“dialética” que homogeneíza ambos os conceitos estéticos e reduz as
discrepâncias entre eles a meras diferenças quantitativas é falha. Minha
análise crítica revela algumas tensões importantes tanto na própria teoria
estética de Schopenhauer – que, em última instância, não é bem sucedida em
fundir as abordagens de Platão e Kant – quanto na interpretação que
injustamente reduz o valor da experiência estética a um mero estágio preliminar
da salvação ética destituída de vontade.
Palavras-chave:Belo; Sublime; Schopenhauer
A Arte não nos machuca. As lágrimas que
dividimos em um espetáculo são um tipo de emoção requintada e estéril a qual é
a função da arte despertar. Choramos, mas não estamos feridos.
Oscar Wilde
The Critic as Artist
Na
interpretação tradicional da teoria estética schopenhaueriana prevalece o
pensamento de que o prazer estético está enraizado na libertação do sujeito das
garras da vontade cega, e que tal prazer (negativo) de libertação nos prepara
para a libertação ética permanente do querer que, de acordo com Schopenhauer, é
o objetivo de uma vida verdadeiramente ética e ascética. Portanto, a estética
de Schopenhauer é frequentemente reduzida à um mero estágio preliminar de uma
ética metafísica. Gostaria de começar por desafiar esse ponto de vista.
É claro
que tal interpretação “dialética”[1]
contém uma certa plausibilidade, e o próprio Schopenhauer a apoia com
frequência. No entanto, pode-se formular um questionamento, afirmando que há
muito mais do que uma preparação para uma ética ascética na estética
schopenhaueriana. A descrição de Schopenhauer do caráter positivo do prazer
estético e do significado específico do sentimento sublime necessita de uma
interpretação de sua estética mais sutil e menos reducionista. Se não
ignorarmos a importância do prazer estético e se investigarmos suas variações
específicas, diversas tensões interessantes, que são negligenciadas com
frequência na interpretação dialética, se revelarão.
Mas não
conseguiremos uma visão clara sobre o tema do prazer estético e suas variações
se não prestarmos suficiente atenção à questão epistemológica mais importante
da estética de Schopenhauer: como podemos perceber a essência das coisas[2]? Apenas depois de respondida essa questão
poderemos indagar sobre a especificidade do prazer estético no belo e no
sublime. Aqui devo discutir alguns problemas da interpretação dialética
predominante e, também, iluminar diversas tensões nas considerações do próprio
Schopenhauer.
Após uma
análise acerca do caráter positivo do prazer estético e da importância
do sentimento do belo, tentarei mostrar que há uma importante ambivalência na
análise schopenhaueriana do sublime. Por um lado, ele considera o sublime uma
espécie de sentimento intenso do belo e até mesmo esboça exemplos de transição
do belo para o sublime; por outro lado, em sua análise de inspiração kantiana,
o sublime é tido como qualitativamente diferente do sentimento do belo. O que
ainda pode ser sentido como uma breve promessa de unidade e harmonia (até mesmo
felicidade) no sentimento do belo será exposto como ilusório na aguda “mistura”
entre prazer e dor que é o sentimento do sublime. A teoria schopenhaueriana do
sublime talvez funcione como uma dobradiça aporética em sua filosofia, a qual
(a despeito das esperanças de Schopenhauer) exclui uma transição fácil para a
ética destituída de vontade da resignação. Mas antes de buscar descobrir a
importância do sublime, façamos algumas observações de natureza mais geral[3].
Percepção Estética
Schopenhauer
argumenta que o fenômeno empírico tem um lado obscuro: “algo” que só pode ser
percebido nas sensações internas de nosso próprio corpo se retira de nossa percepção
empírica. Quando nosso corpo se move, nossos movimentos são acompanhados por
uma sensação desses movimentos corporais e do que os motiva. O objeto dessa
sensação é o que Schopenhauer chama de vontade individual. O corpo é a
fronteira entre o mundo de nossa vontade e o mundo de nossas representações. O
entrelaçamento da vontade e da representação que é anunciado no título da obra
magna de Schopenhauer, O Mundo como Vontade e Representação, encontra
seu mais íntimo emaranhado no corpo. Consequentemente, Schopenhauer com
frequência chama o corpo de objeto imediato ou objetidade
imediata (Objektität) da vontade, porque nós
temos uma afecção de nosso próprio corpo que não é uma representação
espacialmente ordenada[4].
Essa “compreensão” afetiva – as sensações de dor e desejo, por exemplo – é
imediata, uma vez que é de natureza puramente temporal e não é determinada por
espaço e causalidade[5].
Esse conhecimento duplo que temos de nosso próprio corpo oferece uma visão de
suas atividades e seus movimentos com base em seus motivos. Nós não possuímos
esse tipo de conhecimento de outros objetos reais[6].
A hipótese metafísica de
Schopenhauer é que a realidade como um todo é, em
última instância, nada menos do que a perceptível manifestação de uma vontade
cega e irracional. Desde que estamos, como indivíduos, amarrados ao tempo e ao
espaço, e como é necessário que se considere o núcleo da realidade como uma
vontade não-empiricamente apreensível, inconsciente e irracional, é impossível
que um indivíduo tenha conhecimento imediato da vontade. A vontade é o núcleo
imperceptível do fenômeno, assim como os movimentos corporais são exponentes
perceptíveis dos atos imperceptíveis da vontade.
Todo ato verdadeiro
de sua vontade é imediata e inevitavelmente um movimento de seu corpo; ... A
ação do corpo nada mais é do que o ato da vontade objetificado, i.e., traduzido
em percepção[7].
(WWR I, § 18, 100)
Então,
uma rota peculiar se faz necessária, que ofereça uma visão transcendental
daquilo que estará sempre escondido do ponto de vista empírico. Esta rota se
desenvolve através da percepção estética ou intuição (Anschauung).
A intuição estética possui importância cognitiva na filosofia de Schopenhauer:
ela possibilita que se obtenha informações sobre algo que não pode ser
inteligível de forma empírica ou por conceitos lógicos. A percepção estética
oferece um tipo de entendimento notável que não pode ser traduzido em conceitos
determinados. Tal percepção estética não deve ser identificada como uma mera
intuição distante e mística de um objeto esotérico qualquer. Schopenhauer situa
explicitamente o místico no domínio da religião e da ética, conectando-o com a
resignação (Quietismus) e o asceticismo (Askesis)[8].
A percepção estética é uma forma peculiar de se experienciar coisas na qual
nossas capacidades cognitivas funcionam de uma maneira incomum[9].
Uma
experiência estética consiste em duas partes inseparáveis: a autoconsciência do
espectador, não como indivíduo, mas como puro sujeito do conhecer desprovido de
vontade, e o objeto, não como um objeto particular, mas como Ideia (platônica)[10].
O primeiro reforça o desinteresse de toda percepção estética:[11]
Quando uma causa
externa ou uma disposição interna de repente nos eleva para longe do fluxo do
querer, e retira o conhecimento da escravidão da vontade, a atenção não é mais
dirigida aos motivos do querer, mas, sim, compreende as coisas livres de sua
relação com ele. Portanto, considera-se as coisas sem interesse, sem
subjetividade, de forma puramente objetiva. (...) Então, de uma só vez, a paz,
sempre buscada mas sempre fugidia naquele caminho do
querer, se nos apresenta espontaneamente, e tudo está bem conosco. (WWR
I, § 38, 196).
Ademais,
Schopenhauer acrescenta, “estamos completamente satisfeitos com a impressão que
nos causa um objeto de arte somente quando ele transmite algo que, a despeito
de toda nossa reflexão sobre ele, não conseguimos reduzir a um conceito” (WWR
II, 409). A transição para um conceito claramente definido é, obviamente,
segundo Schopenhauer, uma degradação. Uma intuição estética de forma alguma
contribui para o conhecimento conceitual, mas, sim, isola o objeto percebido de
suas conexões meramente empíricas e práticas através de sua percepção como um
objeto ideal. Esse tipo de percepção é particularmente o trabalho da imaginação
e é uma libertação das limitações impostas pelo princípio de razão suficiente
que domina o raciocínio lógico.
É crucial
para um entendimento apropriado do que Schopenhauer quer dizer exatamente com a
intuição estética a importante distinção entre conceito e Ideia. Schopenhauer
insiste com frequência que conceito e Ideia se separam por milhas de distância.
O conceito é
abstrato, discursivo, completamente indeterminado em sua esfera, determinado
apenas por seus próprios limites, apreensível e inteligível apenas por aquele
que possui a faculdade da razão, comunicável por palavras sem qualquer outro
tipo de assistência, totalmente esgotado em sua definição. A Ideia, por outro
lado, definível talvez como a representante adequada do conceito, é
absolutamente perceptiva (anschaulich), e
embora represente um número infinito de coisas individuais, ainda assim é
completamente definida. Nunca é conhecida dessa forma pelo indivíduo... (WWR
I, § 49, 233-34).
Apesar do
importante papel epistêmico da contemplação livre de vontade, não pode haver
dúvidas de que na intuição estética é percebida uma Ideia e não um conceito. A
intuição de uma Ideia não nos oferece conhecimento abstrato. A. L. Cothey adequadamente chama essa atividade estética de
“contemplação perceptiva”[12].
Quando uma Ideia é intuída, a percepção de um objeto particular não termina:
ganha-se intuição de tal Ideia na e através da percepção de um fenômeno
particular[13].
Schopenhauer insiste fortemente nessa diferença entre conceitos e Ideias.
Ideias só atraem aquele que se eleva de todo desejar individual e que se tornou
puro sujeito do conhecer. O ataque contundente de Schopenhauer às artes
alegóricas e didáticas levanta algumas questões no que se refere ao status das
Ideias (platônicas) em sua teoria[14].
Que a teoria das Ideias (platônicas) tenha sido introduzida ad hoc, como
sustenta Bryan Magee[15], é uma
afirmação definitivamente falsa. Por um lado, Schopenhauer repete regularmente
que ele oferece a única interpretação correta da teoria das Ideias de Platão,
mas, por outro lado, a teoria de Schopenhauer diverge de Platão em diversos
pontos cruciais. O próprio Schopenhauer aponta para este fato com frequência[16].
Ele descreve as Ideias como moldes em que a caótica vontade primordial se
recolhe antes de se dispersar em incontáveis fenômenos que constituem o mundo
como representação. Conceitos são unidades que podem ser coletadas por meio da
capacidade de abstração da razão. Ideias são unidades que se tornaram
múltiplas devido às formas do espaço e tempo de nossa apreensão intuitiva (intuitive Apprehension)[17].
Elas são a “gramática profunda” pela qual a coisa-em-si se expressa nas
estruturas de superfície das aparências fenomênicas.
Além
dessa inserção de uma metafísica da vontade, há diversos outros problemas com o
platonismo de Schopenhauer[18],
mas não tratarei disso aqui. Quero, no entanto, enfatizar algumas similaridades
notáveis com as chamadas Ideias estéticas que Kant menciona na Crítica da
Faculdade de Julgar (especialmente nos §49 e §57). A teoria kantiana das
Ideias estéticas foi provavelmente um impulso para o papel das Ideias na teoria
de Schopenhauer[19],
mas ainda nos falta uma literatura que nos ofereça um comparativo minucioso de
ambas. Assim como em Kant, as Ideias estão relacionadas com a faculdade da
imaginação e são entidades que absolutamente não podem ser definidas
conceitualmente. Elas formam o tênue limite do que pode ser percebido pelos
sentidos: elas transcendem a experiência perceptiva e podem ser “apresentadas”
apenas através da criação e apreciação artísticas. São organismos vivos, se
desenvolvem e são dotadas de força geradora, desenvolvendo novas representações
naquele que compreendeu essas Ideias – representações que são “novas no que se
refere ao conceito de mesmo nome”[20].
Kant se utiliza das Ideias estéticas no mesmo sentido: elas são inesgotáveis,
desenvolvem todos os tipos de representação extra (Nebenvorstellungen),
e transmitem um momento (Schwung)
à mente[21].
As Ideias estéticas incitam o pensamento, mas não podem ser expressas em
palavras ou conceitos[22].
Formulando de forma técnica: elas são insondáveis e não indemonstráveis
como Ideias racionais[23].
A
constante oscilação entre Kant e Platão torna extremamente difícil uma
interpretação inequívoca da estética de Schopenhauer. Isso nos alerta contra
uma leitura simplista e ingênua, que ignora as rupturas sutis e as tensões dos
textos de Schopenhauer. Primeiramente devo argumentar que – a despeito de
comentários feitos pelo próprio Schopenhauer – o prazer estético não pode ser
reduzido a um prazer negativo produzido por uma libertação do querer, em
segundo lugar – novamente em oposição aos comentários do próprio filósofo –,
que há elementos em sua descrição de sublime que não podem se harmonizar com
sua ideia de que a experiência estética é uma espécie de experiência proto-ética de satisfação desprovida de vontade que, em
última instância, resultaria em um tipo de arrebatamento místico que um
ascético ou um santo experienciariam.
Prazer Positivo
Schopenhauer
enfatiza com frequência o caráter negativo do prazer: “dor, sofrimento
que inclui todo o querer, privação, necessidade, na verdade todo desejo ou
inclinação que são sentidos e experimentados positivamente. Por outro lado, a
natureza da satisfação, fruição e felicidade consiste tão somente na remoção de
uma privação, no roubar a dor; portanto, estes possuem um efeito negativo”
(HN III, 146). É evidente que a natureza do prazer estético, que nasce
da percepção de uma Ideia platônica, também é negativa. Isso significa que nos
liberta de perturbações, das dores e sofrimentos que acompanham nossas
necessidades e desejos. Assim, o prazer estético como que nos anestesia: a
contemplação estética alivia o sofrimento e amortece a dor que acompanha a
rotina diária atormentada pela vontade[24].
Como
observei anteriormente, Schopenhauer argumenta que a percepção estética
consiste em duas partes inextricavelmente ligadas: o conhecimento do objeto
como Ideia e a autoconsciência, não como indivíduo, mas como puro sujeito do
conhecer desprovido de vontade[25].
No entanto, isso ainda não quer dizer que o prazer estético brota de
duas fontes diferentes ou que existem dois tipos diferentes de prazer estético,
mas apenas que é necessário que duas condições sejam cumpridas para que ocorra
o prazer estético. No entanto, Schopenhauer dá um passo além e sugere um quadro
mais complicado:
Ademais, veremos
que o prazer [Wohlgefallen] produzido pela
contemplação do belo nasce dessas duas partes constituintes, às vezes mais de
uma do que da outra, dependendo do que seja o objeto de contemplação estética.
(WWR I, § 52, 256)
Como nos
aponta Guyer, isso indica que a contemplação da Ideia
não é apenas a ocasião para um estado de ausência de vontade e serenidade, o
qual é prazeroso porque me liberta da dor e do sofrimento que acompanham o
querer, mas que a contemplação de Ideias (platônicas) é por si mesma
fonte de prazer, o que é, até um certo ponto, independente do prazer
negativo que está ligado ao sentimento de libertação dos tormentos da vontade[26].
Na seção
42 d’O Mundo como Vontade e Representação, Schopenhauer retorna ao
elemento positivo quando escreve que “a fonte da apreciação estética se
encontrará por vezes na apreensão da Ideia conhecida, e por vezes na
bem-aventurança e paz de espírito do puro conhecer livre de todo o querer e,
portanto, livre de toda individualidade e da dor que provém dela” (WWR
I, § 42, 212). Isso nos mostra não somente que existem duas fontes distintas de
prazer, que podem estar presentes em diferentes graus de contemplação estética,
mas também mostra que o prazer, às vezes, se origina da contemplação da Ideia
e, às vezes, da alegre serenidade que se experimenta pela libertação das garras
do querer. Essa afirmação só fará sentido se as duas fontes de prazer – embora
sempre ocorram juntas – puderem, até um certo ponto, gerar prazer
independentemente uma da outra. Consequentemente, precisamos distinguir duas
espécies distintas de prazer que podem ser chamadas de positiva e negativa com
base em suas etiologias[27].
Existem duas formas de prazer que não são necessariamente distinguíveis
fenomenologicamente, mas que podem ser caracterizadas etiologicamente como dois
componentes distintos de uma complexa experiência (estética) que Schopenhauer
quer descrever.
A
hierarquia de Schopenhauer para as formas de arte em estética inferior ou
superior é, em parte, baseada em sua diferenciação etiológica das formas de
prazer estético. Beleza natural e as formas de arte “inferiores” estão ligadas
ao prazer negativo, com o sentimento de alívio diante da libertação dos desejos
da vontade. Mas alguns objetos estéticos são considerados superiores porque
geram o prazer positivo que está interligado à contemplação desinteressada de
uma Ideia e ao uso específico das faculdades cognitivas: “se animais e seres
humanos são objetos de contemplação ou apresentação estética, o usufruto
consistirá antes na apreensão objetiva dessas Ideias que são as mais distintas
revelações da vontade” (WWR I, § 42, 212). Essa observação chega a
sugerir que libertar-se da vontade e, portanto, do sofrimento, não é o mérito
mais crucial da intuição estética. Quanto mais alto a arte superior subir na
escala hierárquica das formas estéticas, mais importante será o prazer intrínseco
da contemplação. Portanto, o prazer estético não pode e não deve ser reduzido a
uma satisfação passiva de alívio da dor e do sofrimento. A filosofia de
Schopenhauer reconhece o fato de que algumas experiências cognitivamente
significativas podem ser intrinsecamente prazerosas enquanto, ao mesmo tempo,
nos libertam das dores que acompanham outras experiências[28].
Variantes do
Prazer Estético
A
descrição de Schopenhauer do sentimento sublime nos fornece um segundo elemento
importante que lança dúvidas sobre o caráter “propedêutico” da experiência
estética (com a completa renúncia ou Verneinung
do querer como seu fim último). O desenvolvimento da noção de sublime é
inspirado pela Analítica do Sublime de Kant. Schopenhauer muito admirava
a análise kantiana do sublime, que chama
de longe a parte
mais excelente da Crítica da Faculdade de Julgar. (...) É
incomparavelmente mais bem sucedida do que o Belo, e não só nos dá o método
geral de investigação, como esse nos dá, mas também uma parte do caminho
correto, tanto que, embora não nos ofereça a verdadeira solução para o
problema, não deixa de muito se aproximar de fazê-lo. (WWR I, 532)
A teoria
schopenhaueriana do sublime está incluída em uma ontologia da vontade
irracional, o que não é o caso em Kant; esse fato tem obscurecido com
frequência os paralelos notáveis entre as duas teorias.
A seção
39 d’O Mundo como Vontade e Representação oferece uma ótima descrição
das diferenças mais relevantes entre o belo e o sublime. Schopenhauer considera
a diferença entre os dois sentimentos no contexto da dicotomia ativo/passivo. A
Beleza natural, sob o ponto de vista de Schopenhauer, é um exemplo típico de
como algo (uma tulipa, uma paisagem ao Sul da França etc.) pode facilmente nos
levar a um estado contemplativo desprovido de vontade. Essa transição para a
percepção pura ocorre mais facilmente
quando os objetos
se acomodam a ela, em outras palavras, quando, pela sua forma ao mesmo tempo
múltipla, mas distinta e definida, eles se tornam representações de suas
Ideias, nas quais consiste a beleza em sentido objetivo. Acima de tudo, a
beleza natural tem essa qualidade, e até mesmo a pessoa mais impassível e
apática obtém a partir daí ao menos um prazer estético fugaz. De fato, é
notável como o reino vegetal em particular convida à contemplação estética e,
por assim dizer, a exige (zur ästhetischen Betrachtung auffordert und sich gleichsam derselben aufdringt). (WWR
I, § 39, 200-201)
Schopenhauer
conecta essa capacidade do reino vegetal de, sem esforço, arrastar o indivíduo
a um estado de pura contemplação estética explicitamente com o sentimento do
belo. Apesar de, ou talvez por causa de, sua visão pessimista de mundo, a ideia
de uma subjetividade pura e harmônica nunca está muito longe. Em 1812, enquanto
esteve em Berlin, o jovem Schopenhauer já havia nomeado a consciência estética
como a “melhor consciência” (das bessere Bewusstsein) (ver HN I, 227). Isso oferece uma
alternativa para a consciência individual empírica, que está à serviço da
vontade e, portanto, sempre acompanhada de dor e agitação. O sentimento do belo
promete nos livrar dessa escravidão de querer e sofrer. Assim como o sentimento
do belo – o gosto puro – em Kant, o belo é um sentimento de pura serenidade e
harmonia. Ao contrário da consciência comum, a consciência estética não é
determinada por nenhum interesse individual ou conceito específico. No belo,
sentimos a promessa de unidade e pureza desprovidas de vontade. Esse é um
estado de contentamento que pode ser comparado à chamada “ataraxia”, o
estado equilibrado e pacífico que Epicuro descreve como bem maior e como o
estado dos deuses. O predicado “belo” não é aplicado aos objetos, mas apenas à
pura “objetividade” da consciência estética (ver WWR I, § 38, 197).
Esse
sentimento puro de harmonia e serenidade desprovido de vontade não deve ser
confundido com a chamada resignação ou aquietação da vontade, que certamente
não são estéticas. O acalmar da vontade de forma consciente ou a “santa”
resignação do desejo é, definitivamente, uma saída da vida ou ao menos
um esforço para escapar de suas dores. É também um esforço para livrar-se completamente de si mesmo. A contemplação
estética, por outro lado, não implica necessariamente uma tentativa de fuga da
vida e não tem meramente a função de “quietivo da
vontade” – uma função que claramente encontramos no “santo que encontrou a
resignação”; a contemplação estética é apenas “um consolo ocasional” (WWR
I, § 52, 267) na vida. Quando os desejos são domados na ascese do santo,
quando a vontade é suspensa (aufgehoben)[29],
não há mais a possibilidade de um sentimento estético. O asceta luta para se
ver livre do querer, enquanto o espectador estético se conforta na vida. James
D. Chansky aponta que, se podemos falar em
finalidade na conexão com a estética, devemos concluir que “os fins da estética
e do asceticismo não são meramente diferentes, mas, em realidade, bastante
antagônicos.”[30]
Atribuir bruscamente esse ponto de vista a Schopenhauer é apressado, mas é
verdade que, para Schopenhauer, na experiência do belo, o querer não é
completamente suspenso; consequentemente, o indivíduo não escapa
definitivamente das agitações e tormentos da existência. Há apenas a “promessa”
sentida dessa completa libertação e pura serenidade[31]: é como
se estivéssemos livres do sofrimento, mas na realidade não estamos. O belo
é a sensação de uma paz beatífica e a mais completa felicidade, mas apenas
temporariamente, uma vez que ele é, em última instância, vinculado à resposta
contingente a um objeto.
Em
oposição aos argumentos de, por exemplo, J. E. Atwell
e R. Malter[32],o prazer
pelo belo é uma experiência muito mais rica do que sentir-se livre das dores do
querer e dos desejos. É também uma descoberta do que possibilita minha
existência. Esteticamente adquirimos discernimento das bases do mundo, ou seja,
das Ideias platônicas, que são nada menos do que as objetificações diretas da
vontade metafísica. Essa experiência não é um êxtase místico que ilumina o olho
espiritual de um observador suprassensível, mas uma atitude estética, ou seja,
um estado em que a mente está não-conceitualmente consciente da pureza de seus
sentimentos e percepções. Quando uma obra de arte nos diz “Vê aqui, eis a
vida!”, como escreve Schopenhauer, isso implica que ela comunica para a nossa
percepção o que, ao final de contas, é toda a realidade: a evolução dinâmica ou
emanação de uma vontade cega e irracional[33]. Ademais,
essa espécie peculiar de despertar contemplativo só pode ser experienciada como
uma promessa de bem-aventurança. No belo o indivíduo sente, de forma
imediata e momentânea, o que ele poderia ter sido caso não fosse o ser desejoso
e necessitado que realmente é. Mas esse “momento” dificilmente parece durar: a
resposta da obra de arte “é, deste modo, uma imagem fugaz e não um conhecimento
universal permanente.” (WWR II, 406). Antes mesmo de nos darmos conta,
estamos novamente submetidos à cega e sombria urgência que permeia o mundo
inteiro. Repentinamente nos tornamos mais uma vez o indivíduo que quer, que se
interessa pela existência concreta do objeto percebido.
O
sentimento do belo é apenas uma das variantes dos sentimentos estéticos que
Schopenhauer discute. O sentimento do sublime é outra importante variante da
experiência estética. Voltamo-nos agora para a análise de Schopenhauer desse
sentimento.
A Especificidade
do Sublime
Assim
como Kant, Schopenhauer claramente distingue o sentimento do sublime do
sentimento do belo. Definitivamente não é uma “subclasse” do belo, como pensa
Bryan Magee[34]. O
sublime está relacionado a um esforço imenso e consciente da parte do sujeito.
Com o sublime,
aquele estado de puro conhecer é obtido, em primeiro lugar, por um violento e
consciente desprender-se das relações do objeto com a vontade que são
conhecidas como desfavoráveis, por uma livre exaltação acompanhada da
consciência para além da vontade e do conhecimento que se vincula a ela. (WWR
I, § 39, 202)
A
especificidade do sentimento sublime consiste no esforço violento e consciente
exigido do sujeito para descartar as conexões comuns da vontade e
explicitamente manter (beharren) um estado
mental elevado. A elevação não é uma vitória facilmente alcançada do puro
sujeito do conhecer sobre o indivíduo do querer empírico, mas, sim, um estado
de absoluta tensão, que não apenas deve ser adquirido conscientemente,
mas também mantido. No belo, o estado de pura contemplação é alcançado e
mantido sem maiores dificuldades. É mérito de Schopenhauer reconhecer a
distinção entre as variantes ativa e passiva do sentimento estético e
desenvolvê-la como uma distinção crucial em sua teoria.
Ainda
assim, o sentimento sublime é um tema muito complexo, que não pode ser
caracterizado apenas com base no critério ativo/passivo. No § 39 d’O Mundo
como Vontade e Representação, Schopenhauer, de forma bastante dramática,
fornece uma visão geral de algumas transições graduais que vão do belo ao
sublime, o que esclarece diversas distinções e níveis, sutis, mas importantes,
do sublime (ver WWR I, § 39, 203-207). Quando, por exemplo, na
intensidade do inverno, o sol poente ilumina os montes de pedra de uma construção
sem aquecê-las, isso pode mover-nos a um estado de pura contemplação estética.
Uma vez que esse humor é acompanhado de uma suave lembrança da falta de calor
dos raios de sol e uma vez que eles não têm o poder de fortalecer a vida, uma
certa transcendência da vontade e um leve desafio (leise
Aufforderung) para persistir no puro conhecer se
faz necessário. Isso nada mais é do que o mais tênue vestígio (schwächste Anhauch)
do sublime (ver WWR I, § 39, 203). Mas quando o homem se encontra em uma
área abandonada, com árvores e plantas em um ar completamente parado, sem
animais, sem pessoas, sem o movimento de massas de água e no mais completo
silêncio, será preciso muito mais empenho para proteger-se contra o ameaçador
sentimento de tédio e contemplar a cena desinteressadamente. Schopenhauer chama
tal situação de um caso de sublime em um baixo grau, o qual ficará mais intenso
quando imaginamos a mesma região sem as plantas, somente com rochas nuas. Nesse
caso, a vontade não encontra nenhum objeto para satisfazer-se e entra em
verdadeiro pânico por conta da completa ausência de vida orgânica que é
indispensável para a subsistência do indivíduo. O deserto se torna assustador,
e nosso humor se torna trágico. Naturalmente, é necessário um maior esforço
para retirar-se dos interesses do querer, mas, uma vez bem sucedido em
persistir no estado de pura contemplação, fica-se claramente consciente do
sublime[35].
Schopenhauer
frequentemente parece hesitar entre a abordagem empírica e a transcendental:
outras passagens cruciais apontam que o sentimento do sublime difere do
sentimento do belo não apenas quantitativamente mas
fundamentalmente e, como em Kant, qualitativamente. Uma das características
mais importantes dos exemplos mais claros de sublime é o fato de que ele é
“acompanhado de uma constante reminiscência da vontade, no entanto não se trata
do querer do indivíduo, como o medo ou o desejo, mas do querer humano no geral,
na medida em que é expresso universalmente através de sua objetividade, o corpo
humano”. (WWR I, § 39, 202). A palavra “constante” (einer
steten Erinnerung)
é especialmente importante aqui: a vontade continua permanentemente presente na
consciência. É esse o caso enquanto o sentimento de sublime estiver presente,
isto é, enquanto o estado de violenta tensão é mantido. O sublime, que pode
ocorrer em graus distintos é, portanto, tipicamente diferente do belo por conta
da reminiscência permanente e incessante da vontade humana e do corpo humano,
cujos vestígios permanecem presentes na mente como um desprazer, e enquanto o
sentimento sublime persistir.
Schopenhauer
não chega a explicar a condição dessa reminiscência, mas ele argumenta que não
se trata de uma reminiscência do querer do indivíduo, medo ou desejo. É
uma lembrança do querer humano em geral, pois “se um ato único da vontade
entrasse na consciência através de uma real aflição pessoal e do perigo
oferecido pelo objeto, a vontade individual, desse modo afetada, mais uma vez
estaria em vantagem. A paz da contemplação se tornaria impossível, a impressão
do sublime seria perdida” (WWR I, § 39, 202). Na ocorrência de uma real
ansiedade pessoal, não contemplaríamos a ameaçadora e opressora cena, mas, sim,
tentaríamos nos salvar. Qualquer lembrança do querer individual, qualquer
afecção direta, causaria ansiedade e aniquilaria o sentimento sublime. Quando a
vontade individual é tocada, o sujeito acaba por se encontrar no contrário do
sublime: o fascinante e atraente (das Reizende),
que não é de modo algum estético (ver WWR I, §40, 207). No fascinante, a
mente é completamente passiva: um prazer meramente sensual (Genuss)
e não apreciação (Wohlgefallen) ou alegria (Freude). O atraente “retira o observador da pura
contemplação” que é necessária à intuição estética, e, portanto, “não permanece
puro sujeito do conhecer, mas se torna o carente e dependente sujeito do querer”
(WWR I, § 40, 207). Ao contrário do atraente, o sublime é um sentimento
estético puro. Mas é um sentimento estético que, diferentemente do belo, ainda
é acompanhado por uma permanente reminiscência da vontade humana. O que isso
poderia significar?
Uma
ansiedade real não pode ocorrer porque isso daria origem a uma forte
preocupação individual pelo lado do sujeito. Mas, ao contrário de Kant, que
alega que “não podemos de modo algum julgar no sublime da natureza se
estivermos com medo” (KUK, § 28, p. 120)[36],
Schopenhauer supreendentemente leva a ameaça real em consideração no caso do
sublime (ver HN II, 289; cf. KUK, § 28). O sujeito (e sua
vontade) é verdadeiramente assustado e até mesmo ameaçado, e está claramente
ciente da natureza hostil e violenta do objeto. Ainda assim não procura
escapar. Nós não experimentamos nenhuma resposta afetiva que seja
irreconciliável com uma verdadeira contemplação estética.
A natureza em
movimentos tempestuosos; semiescuridão através de nuvens de trovão negras e
ameaçadoras; penhascos suspensos imensos, nus, bloqueando a visão por seu
entrelaçamento; massas de água correndo e espumando; completo deserto; o
lamento do vento varrendo através das ravinas. Nossa dependência, nossa luta
contra a natureza hostil, nossa vontade que nisso é rompida, agora aparece
claramente diante de nossos olhos. No entanto, enquanto uma aflição pessoal não
tomar a frente, permanecemos em contemplação estética, o puro sujeito do
conhecer encara por através dessa luta da natureza.... (WWR I, § 39, 204).
Um dos
aspectos cruciais de uma resposta sublime parece ser uma espécie de dissociação
ou não-efetivação de nossos afetos pessoais ou de respostas emocionais individuais.
Isso explica porque também Kant chama expressamente o entusiasmo
dos espectadores (e não dos agitadores) da revolução francesa de efeito sublime[37].
Os distantes espectadores não podem ser suspeitos de nenhum interesse empírico:
isso garante a natureza puramente estética de seus sentimentos[38].
No sublime é possível sentir um prazer desinteressado naquilo que seja cruel ou
ameaçador. Mas a reminiscência da vontade permanece vividamente presente em
nossas mentes. Sentimo-nos ameaçados ou inquietos, mas experienciamos
esses sentimentos de forma impessoal. O que sentimos não parece pertencer ao
nosso próprio mundo particular de emoções. Tornamo-nos, por assim dizer, um
sujeito desprovido de si mesmo – como escreve Oscar Wilde, em The Critic as Artist: “me sinto
como se eu estivesse chorando por pecados que nunca cometi, e em luto por
tragédias que não são minhas.”[39]
Alguns
elementos no trabalho de Schopenhauer sugerem que a preocupação central do
autor seria o triunfo do puro conhecer sobre o querer. Schopenhauer conecta
frequentemente o sublime a um senso de elevação ou exaltação a partir de um
sujeito passivo que é submetido à vontade e torna-se um puro sujeito que ativa
e espontaneamente contempla as essências ideais da vontade. No entanto, o
sentimento sublime é muito mais específico: não se trata apenas de um
sentimento acompanhado da elevação do sujeito por sobre a vontade empírica –
tal elevação também acontece no caso do belo – mas uma experiência estética que
dá origem a uma compreensão da natureza dupla de nossa consciência (Duplizität seines Bewusstseins)[40], Nesse sentido não pode haver continuidade do belo ao
sublime: o extremamente belo não é, necessariamente, um traço tênue do sublime.
O belo é um sentimento harmonioso e sereno. O sublime é violento e paradoxal.
Quando se torna possível, através de um imenso esforço, experienciar o
irresistível e hostil objeto tanto como ameaçador quanto como prazeroso, o
sublime claramente ocorre. Schopenhauer escreve:
Simultaneamente,
ele se sente como um indivíduo, como o frágil fenômeno da vontade, no qual o
menor toque dessas forças pode aniquilar, desamparado diante da poderosa
natureza, dependente, abandonado ao acaso, um nada desvanecendo em face a
forças estupendas; e ele também se sente como o eterno, sereno sujeito do
conhecer, que como condição de todo objeto é o sustentáculo do mundo
inteiro.... Essa é toda a impressão do sublime. Aqui ela é causada pela visão
de um poder além de qualquer comparação, superior ao indivíduo e que o ameaça
com a destruição.” (WWR I, §39, 204-205)
Essa
passagem revela que o sentimento sublime é uma verdadeira experiência de contraste
– não é meramente um triunfante conquistar da vontade, menos ainda “uma
contradição da vastidão do ser no conteúdo da consciência do eu numênico” e “um movimento de egoísmo cósmico”, como defende
Julian Young[41].
A experiência de contraste (“Simultaneamente ele se sente ...”) atesta
uma tensão irremovível ou fissura em nosso Gemüt.
Essa tensão irremovível e paradoxal entre querer e conhecer, que caracteriza
nossa subjetividade – essa oscilação contínua entre desejos empíricos e pura
contemplação – pode ser experienciada em graus diversos, mas não pode jamais
ser definitivamente solucionada. O sublime (das Erhabene)
é o sentimento estético de elevação (Erhebung)
sobre a individualidade empírica, mas essa exaltação violenta nunca será
verdadeiramente sentida como sublimidade (Erhabenheit):
a vontade não pode ser definitivamente domada (Velle
non discitur)[42]. Podemos
ter essa impressão quanto ao sublime, mas será sempre uma impressão ilusória: o
sublime é um sentimento ambivalente de prazer e dor ao mesmo tempo. Ao
contrário do belo, que ainda pode prometer pura e completa harmonia, o sublime
é a mais clara experiência possível da lacuna intransponível entre o querer e o
contemplar que caracteriza a subjetividade humana. Que possamos de fato desfrutar
disso esteticamente é, talvez, o verdadeiro “milagre par excellence[43].
Referências
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Art, Londres: Routledge, 1990.
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WWR I, II: The World as Will and
Representation, 2 vols., trad. E. F. J. Payne, New
York: Dover Publications, 1966.
[1] Para essa interpretação dominante ver, por exemplo, D.W. Hamlyn, Schopenhauer (London: Routledge and Keagan Paul, 1980); A. Philonenko, Une philosophie de la tragédie (Paris: Vrin, 1980); T. Eagleton, The Ideology of the Aesthetic (Oxford: Blackwell, 1990), e também (embora em menor grau) B. Neymeyr, Ästhetische Autonomie als Abnormität (Berlin/New York: Walter de Gruyter, 1996).
[2] Neste ensaio pretendo desconsiderar a
teoria schopenhaueriana da música, que contorna as Ideias platônicas. Ver The
Blossom of Life: Aesthetics and Ethics in Schopenhauer’s Philosophy, minha
próxima publicação.
[3] Utilizo das seguintes abreviações nesse
ensaio:
- WWR I,
II: The World as Will and Representation, 2 vols., trad. E. F. J. Payne,
(New York: Dover Publications, 1966)
- FR: The
Fourfold Root of the Principle of Sufficient Reason, trad. E. F. J. Payne
(La Salle: Open Court, 1997)
- PP I, II:
Parerga and Paralipomena, 2 vols., trad. E. F. J. Payne (Oxford:
Clarendon Press, 1974)
- HN I, II,
III, IV, V: Der handschriftliche Nachlass, 5 Bäude, ed. A.
Hübscher (Frankfurt am Main: Waldemar Kramer, 1975-1996)
- BM: On
the Basis of Morality, trad. E. F. J. Payne, with an introduction by David
E. Cartwright (Providence: Berghahn Books, 1995)
[4] Para um estudo comparativo detalhado sobre o corpo em Schopenhauer e Fichte, ver H. Schöndorf, Der Leib im Denken Schopenhauers und Fichtes (München: Johannes Berchmans, 1982). O termo objeto imediato (unmittelbares Objekt), que Schopenhauer raramente utiliza após 1813, também aparece em Schelling e Fichte. Sobre o corpo como Objektität des Willens (objetidade da vontade), ver WWR I, § 20-21, § 48, § 60 e WWR II, cap. 41.
[5] WWR I, § 18, 101: “Cada
verdadeiro, genuíno e imediato ato da vontade é também de uma só vez e
diretamente um ato manifesto do corpo; e de modo correspondente, por outro
lado, cada ação [Einwirkung] do corpo é também de uma só vez e
diretamente uma reação da vontade”.
[6] Ver WWR I, § 19.
[7] A vontade não é uma função do intelecto.
Ao contrário, o intelecto (e sua manifestação física: o cérebro) é uma função
da vontade. O intelecto é, na verdade, terciário: ele pressupõe o organismo, e
o organismo pressupõe a vontade. Ver também WWR II, 278: “Longe de ser
absolutamente a primeira coisa (como pensava Fichte, por exemplo) é, no fundo,
terciária, uma vez que pressupõe o organismo, e o organismo pressupõe a
vontade”.
[8] Ver WWR II, 613: “Quietismo, i.e.,
o desistir de todo o querer, ascese, i.e., mortificação intencional da própria
vontade, e misticismo, i.e., a consciência da identidade do próprio sujeito com
todas as outras coisas, ou com o núcleo do mundo, estão na mais restrita
conexão”.
[9] G.
Dickie, Introduction to Aesthetics. An Analytic Approach (New
York/Oxford: Oxford University Press, 1997), 25: “Schopenhauer conserva de Kant
apenas a noção de que as faculdades cognitivas operam de maneira incomum”. Que esta seria a única noção que ele
conserva de Kant é altamente questionável.
[10] Ver WWR I, § 38, 195: “No modo de
apreensão estético encontramos duas partes constituintes inseparáveis: a
saber, o conhecimento do objeto não como uma coisa individual, mas como Ideia
platônica, em outras palavras, como a forma permanente de toda a espécie dessa
coisa; e a autoconsciência do sujeito que conhece, não como indivíduo, mas como
puro sujeito do conhecer desprovido de vontade”.
[11] Ver
meu “On the Notion of ‘Disinterestedness’: Kant, Lyotard e Schopenhauer”, Journal
of the History of Ideas 62 (2001): 705-20.
[12] A. L.
Cothey, The Nature of Art, (Londres: Routledge, 1990), 75.
[13] P. Gardiner, Schopenhauer
(Harmondsworth: Penguin Books, 1971), 206: “consciência e compreensão da Ideia nos
e através dos fenômenos individuais da experiência cotidiana”.
[14] Para seu ataque às alegorias, ver WWR I,
§ 50, 237-42, e WWR II, 422-23.
[15] Ver B. Magee, The Philosophy of
Schopenhauer (Oxford, Clarendon Press, 1997), 239: “Na primeira edição de O
Mundo como Vontade e Representação Ideias platônicas são introduzidas
somente após três quartos da exposição de Schopenhauer de sua epistemologia e
ontologia – onde elas (as Ideias), repentina e desconcertantemente, reivindicam
uma função fundamental de todo o quadro explicativo. Não posso evitar a
suspeita de que elas foram introduzidas ad hoc neste ponto e,
posteriormente, acabaram por fugir ao controle”. As Ideias platônicas já
aparecem nas primeiras notas feitas por Schopenhauer. Ver HN I, 11, 30,
56, 76, 117, 131, 132, 200 etc. Ver também FR § 39, nota de rodapé 4, p.
206.
[16] Ver, por exemplo, WWR I, § 41,
209-12, e WWR I, § 49, 233.
[17] WWR I, § 49, 234-35: “A Ideia
é a unidade que se tornou pluralidade por conta das formas do espaço e tempo de
nossa apreensão intuitiva. O conceito, por outro lado, é a unidade mais
uma vez produzida a partir da pluralidade por meio da abstração através de
nossa faculdade da razão; esta pode ser descrita como unitas post rem, e
aquela como unitas ante rem.”
[18] Existe uma vasta literatura a respeito do
platonismo de Schopenhauer. Para citar algumas fontes interessantes: James D.
Chansky, “Schopenhauer and Platonic Ideas: a Groundwork for an Aesthetic
Metaphysics”, in: E. von der Luft, Schopenhauer: New Essays in Honor of his
200th Birthday (Lewiston: Edwin Mellen Press, 1988), 67-81; C.
Foster, “Ideas and Imagination. Schopenhauer on the Proper Foundation of Art”,
in: C. Janaway, The Cambridge Companion to Schopenhauer (Cambridge:
Cambridge University Press, 1999), 213-51; P. Gardiner, Schopenhauer
(Harmondsworth: Penguin, 1967), 203-19; P. Guyer, “Pleasure and Knowledge in
Schopenhauer’s Aesthetics”, in: D. Jacquette, Schopenhauer, Philosophy, and
the Arts (Cambridge: Cambridge University Press, 1996), 109-32 [republicado
in: P. Guyer, Values of Beauty (Cambridge: Cambridge University Press,
2005), 265-88]; D. W. Hamlyn, Schopenhauer, 103-22; H. Hein,
“Schopenhauer and Platonic Ideas”, Journal of the History of Philosophy 4
(1966): 133-44; C. Janaway, Schopenhauer (Oxford: Oxford University
Press, 1994), 61-70; Y. Kamata, “Platonische Idee und die anschauliche Welt bei
Schopenhauer”, Schoenhauer-Jahrbuch 70 (1989): 84-93; Magee, The
Philosophy of Schopenhauer, 165-69 and 239-40; S. G. Neeley, “Schopenhauer
and the Platonic Ideas”: a Reconsideration”, Idealistic Studies 30
(2000): 121-48; C. Rosset, L’esthétique de Schopenhauer (Paris: P.U.F.,
1969), 33-39; T. G. Taylor, “Platonic Ideas, Aesthetic Experience, and the
Revolution of Schopenhauer’s Great Contradiction”, International Studies in
Philosophy 19 (1987): 43-53; F. C. White, “Schopenhauer and Platonic
Ideas”, in: B. Vandenabeele, A Companion to Schopenhauer (Oxford: Basil
Blackwell); J. Young, “The Standpoint of Eternity: Schopenhauer on Art”, Kant
Studien 78 (1987): 424-41; J. Young, Willing and Unwilling. A Study in
the Philosophy of Arthur Schopenhauer (Dordrecht: Martinus Nijhoff, 1987),
92-95.
[19] Paul
Guyer também sugere essa ideia em “Pleasure and Knowledge in Schopenhauer’s
Aesthetics”, 131, nota 9. [Values of Beauty, 265-88, ver também nota 9]
[20] WWR I, § 49, 235: “A Ideia, por
outro lado, desenvolve naquele que a apreendeu representações que são novas no
que se referem ao conceito de mesmo nome: ela é como um organismo vivo
desenvolvendo a si mesmo e dotado de força geradora, e que cria aquilo que não
havia sido anteriormente colocado nele.”
[21] Ver abaixo, na seção 4, sobre a
especificidade do sublime.
[22] Ver I. Kant, Critique of Judgement
[KUK], traduzido com introdução por Werner S. Pluhar (Indianapolis: Hacket,
1987), § 49, p. 182: “e por ideia estética quero dizer uma apresentação da
imaginação que desperta muita reflexão, mas para a qual não há um pensamento
determinado, i.e., não há um conceito determinado que possa ser
adequado, portanto nenhuma linguagem pode expressá-lo plenamente e permitir que
o compreendamos”.
[23] Ver KUK, § 57, I, p. 215: “Penso que
podemos chamar ideias estéticas de inexprimíveis apresentações da
imaginação, e ideias racionais de indemonstráveis conceitos da razão”.
[24] Ver Guyer, “Prazer e Conhecimento na
Estética de Schopenhauer”, 109: “Mas uma tal consideração puramente negativa
dos prazeres de uma forma tão elevada de cognição parece decepcionante, e trata
a experiência estética, na verdade, como nada além de um anestésico”.
[25] Ver WWR
I, § 38, 195-96. Para o seguinte, ver também Guyer, “Pleasure and Knowledge
in Schopenhauer’s Aesthetics”.
[26] Ver
Guyer, “Pleasure and Knowledge in Schopenhauer’s Aesthetics”, 125. “Esse prazer positivo é, naturalmente,
independente da vontade apenas até um certo ponto, uma vez que ambos são
inextricavelmente ligados um ao outro.”
[27] Ver
Guyer, “Pleasure and Knowledge in Schopenhauer’s Aesthetics”, 126.
[28] Ver
Guyer, “Pleasure and Knowledge in Schopenhauer’s Aesthetics”, 110.
[29] Schopenhauer, surpreendentemente, utiliza
com frequência o termo hegeliano “aufheben” nesse contexto.
[30]
Chansky, “Schopenhauer and Platonic Ideas: a Groundwork for an Aesthetic
Metaphysics”, 77, n. 1.
[31] Isto evoca a espécie de promessa
mencionada no diálogo entre um pintor e um poeta no Timon of Athens de
Shakespeare, ato V, cena 1: “Poeta. O que tens agora para apresentar a
ele? / Pintor. Por ora nada além de minha visita; mas irei prometer-lhe
uma peça excelente. / Poeta. Também devo servi-lo, contar-lhe de um
desígnio que vem em sua direção / Pintor. Bom do melhor. Promessas são o
ar do tempo; elas abrem os olhos da expectativa. O desempenho é sempre
enfadonho para seu ato, mas nos tipos mais simples e diretos de gente, o ato de
dizer está deveras fora de moda. Prometer é cortês e elegante; o desempenho é
uma espécie de herança ou testamento que mostra uma grande doença de julgamento
da parte de quem o faz.” (Citado de W. Shakespeare, The Complete Works,
A New Edition, editado com introdução e glossário de Peter Alexander
[London/Glasgow: Collins, 1992 (1951)], 946). Schopenhauer admirava Shakespeare
imensamente. Sören Kierkegaard (bem como Nikolaus Notabene) também cita esse
fragmento no volume Forord (1844); ver Vorworte [Prefaces],
em Gesammelte Werke, Abt. 11/12, München, 1991, p. 43.
[32] J. E.
Atwell, “Art as Liberation”, 82; R. Malter, Der eine Gedanke: Hinführung zur
Philosophie Arthur Schopenhauers (Darmstadt: Wissenschaftliche
Buchgesellschaft, 1988), 62.
[33] Ver WWR II, 406: “Assim, para a intuição, toda a obra de arte responde essa pergunta, cada pintura, cada estátua, cada poema, cada cena sobre o palco.... Assim, todas as outras artes exibem juntas, diante do perquiridor, uma imagem intuitiva e dizem: ‘Vê aqui, eis a vida!’”
[34] Magee, The Philosophy of Schopenhauer,
164: “E ele segue utilizando o termo kantiano ‘o sublime’ para uma subclasse do
belo.”
[35] Ver WWR I, § 39, 204: “A exaltação ao conhecimento puro se dá a partir de uma emancipação decidida dos interesses da vontade, e ao persistir no estado de conhecimento puro, o sentimento sublime aparece distintamente”.
[36] Ver também KUK, 121: “precisamos nos
encontrar em segurança para sentirmos essa estimulante apreciação, de modo que
(como pode parecer), uma vez que o perigo não é genuíno, a sublimidade de nossa
habilidade intelectual possa também não ser genuína”.
[37] KUK, § 29, Observação Geral, 132:
“O entusiasmo é esteticamente sublime, no entanto, porque é uma tensão de
nossas forças por ideias que dão à mente um impulso [welche dem Gemüthe
einen Schwung geben] cujos efeitos são mais poderosos e duradouros do que o
impulso produzido por representações dos sentidos.”
[38] Ver J.-F. Lyotard, Le différend (Paris:
Minuit, 1983), 241. Ver também J.-F. Lyotard, L’enthousiasme. La
critique kantienne de l’histoire (Paris: Galilée, 1986), cap. 3.
[39] O.
Wilde, “The Critic as Artist. A Dialogue in two parts”, Collected Works
(Ware: Wordsworth Editions, 1997), 823.
[40] Ver WWR I, § 39, 204: “Então, no imperturbável espectador dessa cena, a duplicidade de sua consciência atinge o mais elevado grau. Ele se sente simultaneamente como indivíduo ... e se sente como o eterno e sereno sujeito do conhecer.”
[41] J.
Young, “Death and Transfiguration: Kant, Schopenhauer and Heidegger on the
Sublime”, Inquiry 48 (2005): 140. Young
até mesmo (e injustamente) argumenta na mesma página que a teoria do sublime de
Schopenhauer “ilustra claramente o caráter egoísta – ou, mais exatamente,
solipsista – do pensamento de Schopenhauer.”
[42] Essa é uma frase de Sêneca (Epistulae,
81 14), frequentemente citada por Schopenhauer.
[43] Para uma análise mais detalhada da experiência estética, também em relação com outros gêneros artísticos, veja meu The Blossom of Life, também meu “Schopenhauer’s View of Aesthetic Experience”, in: B. Vandenabeele, ed., A Companion to Schopenhauer (Oxford: Basil Blackwell).