DOI

Submissão: 23/05/2020 Aprovação: 13/07/2020 Publicação: 28/08/2020

 

by-nc-sa

 

Dossiê Pulsões de Vida, Pulsões de Morte

 

Estrutura conceitual e impasses teóricos em Além do Princípio do Prazer

 

Conceptual structure and theoretical stalemates in Beyond the Pleasure Principle

 

Fátima Caropreso

 

Professora de Psicologia e dos Programas de Pós-Graduação em Psicologia e em Filosofia da Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG

fatimacaropreso@uol.com.br

 

Resumo: A teoria elaborada por Freud em Além do Princípio do prazer apresenta uma série de impasses, muitos dos quais tampouco são solucionados em sua obra subsequente. Em especial, as hipóteses da oposição entre as duas classes de pulsões e do caráter regressivo das pulsões de vida apresentam inconsistências que fragilizam a teoria do segundo dualismo pulsional. Nesse artigo, é realizada uma análise passo a passo das principais ideias apresentadas no texto, com o objetivo de discutir algumas das questões que permanecem em aberto, assim como apontar as retomadas, nesse momento, de hipóteses freudianas iniciais. Argumenta-se que parte dos problemas da teorização freudiana decorre do fato de que as premissas básicas sobre as quais ele assenta toda a sua teoria metapsicológica não são facilmente compatíveis com alguns dos conceitos principais do segundo dualismo pulsional.

Palavras-chave: Psicanálise; Freud; Metapsicologia; Compulsão à Repetição; Pulsão de Morte; Pulsão de Vida

 

Abstract: Freud’s theory in Beyond the Pleasure Principle presents a series of stalemates, many of which are not resolver in his subsequent work either. In particular, his hypotheses on the opposition between the two classes of drives and on the regressive character of the life drives show inconsistencies that weaken the theory of the second drive duality. In this article, a step-by-step analysis of the main ideas formulated in this text is carried out with the objective of discussing some of these remaining unresolved issues, as well as indicating how earlier Freudian concepts are brought back at this point. It is argued that part of the problems in Freud’s argument are due to the fact that the basic assumptions on which all his metapsychological theory is based are not easily compatible with some of the main concepts of the second drive duality.

Keywords: Psychoanalysis; Freud; Metapsychology; Repetition Compulsion; Death Drive; Life Drive

 

 

A introdução da teoria do segundo dualismo pulsional em Além do princípio do prazer[1], em especial a introdução do conceito de pulsão de morte, gerou uma série de controvérsias no meio psicanalítico. Em sua biografia de Freud, Ernest Jones[2] relata que, apesar do grande prestígio de Freud entre os psicanalistas, poucos aceitaram facilmente as ideias apresentadas nesse momento. Monzani[3] observa que as reações ao texto foram díspares, porém a maioria delas teve uma tônica comum: um certo arrepio teórico, um certo mal-estar e uma reação francamente negativa. A hipótese do segundo dualismo pulsional foi vivamente criticada, sob os mais diferentes ângulos, tanto por discípulos ortodoxos, como Jones e Fenichel, como por aqueles que já se desviavam da linha de pensamento de Freud, como Reich e Horney. Na introdução do livro On Freud´s beyond the pleasure principle[4], publicado em 2011 pela International Psychoanalytic Association, Akhtar comenta que a mudança do primeiro para o segundo dualismo pulsional lançou uma onda de choque sísmico sobre os fundamentos da teoria psicanalítica, pois muitos conceitos tiveram que ser repensados. O autor considera que a emergência do conceito de instinto de morte representou uma guinada na história da psicanálise, a qual permanece ainda parcialmente insondável, e que a introdução de tal conceito gerou incômodo e despertou, em muitos, impulsos de negá-lo e repudiá-lo. Esse efeito traumático, diz ele, nos convida ainda a revisitá-lo e a refletir sobre o que produziu tal reação.

Kernberg[5] argumenta que, entre as ideias propostas por Freud ao longo de sua obra, é  evidente que a teoria da libido e a da pulsão de morte foram as que despertaram as principais controvérsias. A ênfase sobre as origens infantis da orientação sexual, sobre a sexualidade infantil e, particulamente, seus componentes sadomasoquistas, geraram, na cultura geral, choque, oposição e esforços para negá-lo. A pulsão de morte vai profundamente contra as visões mais otimistas da natureza humana, baseadas na suposição de que, se frustrações severas ou traumas estão ausentes no desenvolvimento precoce, a agressão não representa um grande problema. Kernberg comenta que essas reações culturais duradouras às teorias de Freud refletem a atitude da própria comunidade psicanalítica. Tendências mais recentes, particularmente na psicanálise americana e, sobretudo, na perspectiva relacional, retiraram a ênfase tanto da sexualidade infantil quanto da agressão, em contraste com a centralidade atribuída a essas nas contribuições psicanalíticas da Europa e da América Latina.

O´Neil, no epílogo do livro On Freud´s beyond the pleasure principle acima mencionado, comenta que Além do princípio do prazer é um texto extenso, difícil de ler e bastante obtuso teoricamente. Segundo a autora, tal texto demonstra as incertezas de Freud, seus dilemas, sua luta contra as inconsistências. Greenberg[6]considera que o texto é indiscutivelmente o menos plausível, o mais inescrutável e especulativo de todas as principais contribuições teóricas de Freud.

De fato, a teoria pulsional elaborada em 1920 apresenta várias lacunas, muitas das quais não são solucionadas por Freud também em sua obra subsequente. Em especial as hipóteses da oposição entre as duas classes de pulsões e do caráter regressivo das pulsões de vida apresentam inconsistências que as fragilizam, o que é reconhecido pelo próprio autor. No entanto, quando analisamos alguns dos pressupostos básicos da teoria apresentada em 1920 a partir da perspectiva do desenvolvimento interno da teoria metapsicológica que começa a ser formulada no Projeto de uma psicologia[7], percebemos que há uma continuidade na mesma; que, em muitos aspectos, são retomadas hipóteses presentes nas primeiras formulações teóricas freudianas e que haviam sido deixadas de lado a partir de certo momento da obra. A partir dessa perspectiva, a sensação de estranheza parece, ao menos em parte, ser atenuada. É isso que pretendemos abordar nesse artigo a partir da análise de algumas das principais ideias apresentadas em Além do princípio do prazer. Procuraremos apontar impasses e lacunas da teorização freudiana, assim como discutir as retomadas nesse texto de hipóteses iniciais. Procuraremos também argumentar que parte dos problemas da argumentação freudiana decorrem do fato de que as premissas básicas sobre as quais o autor assenta toda a sua teoria metapsicológica não são facilmente compatíveis com alguns conceitos do segundo dualismo pulsional, em especial com o conceito de pulsão de vida.

 

 

A formulação inicial da hipótese do princípio do prazer

 

Quando Além do princípio do prazer foi publicado, o texto Projeto de uma psicologia ainda era desconhecido, o que provavelmente contribuiu para a reação de surpresa provocada pelas ideias apresentadas, embora possamos também, a partir do sétimo capítulo de A interpretação dos sonhos e dos textos metapsicológicos publicados subsequentemente, traçar as origens e o desenvolvimento de algumas das hipóteses que Freud apresenta em 1920.

Nas páginas iniciais do Projeto de uma Psicologia, texto redigido em 1895 e publicado em 1950, Freud apresenta a hipótese de que o princípio fundamental da atividade nervosa é o princípio de inércia, ou seja, a tendência a descarregar toda a excitação recebida da forma mais direta possível; a partir do movimento reflexo. Contudo, adiante no texto, o autor reconhece que esse modo primário de funcionamento não é capaz de promover a descarga dos estímulos provenientes do interior do organismo.  Como consequência, para a preservação da vida, o sistema nervoso seria coagido a abandonar a tendência originária para a inércia, para o nível zero de excitação, e permitir o armazenamento de um nível mínimo necessário para a execução das ações imprescindíveis para a sobrevivência. O princípio de inércia daria lugar, então, à tendência à constância, uma tendência a manter o nível de excitação constante, no nível mais baixo possível. Esta não se oporia ao princípio de inércia, pois continuaria atuando no sentido da eliminação dos estímulos.

            De acordo com a teoria do Projeto de uma psicologia, quando o aparelho fosse atingido por grandes somas de excitação de origem externa – ou seja, diante de uma experiência dolorosa, ou traumática, como Freud a denomina posteriormente em sua obra –  emergiria um tipo de funcionamento repetitivo que conduziria à reativação das representações resultantes de tal experiência e do desprazer a elas relacionado. Esse processo repetitivo, no entanto, teria a função de submeter as representações fontes de desprazer a uma Bindung (ligação) e, apenas após esse processo de ligação, a reativação das representações e a produção do desprazer delas resultante poderiam ser inibidas. Dessa forma, os processos primários que ocorressem no aparelho poderiam conduzir ao desprazer, embora a produção desse desprazer fosse uma etapa de um processo movido, em última instância, pela tendência à eliminação da excitação.

            No Projeto de uma psicologia, Freud apresenta a hipótese de que o aumento da excitação acima de certo nível produz desprazer e a sua diminuição abaixo de certo nível produz a sensação de prazer. Ele diz estar tentado a identificar a tendência primária à inércia com a tendência da vida psíquica a evitar o desprazer, embora não chegue a afirmar essa identificação. Apenas em A interpretação dos sonhos[8], é introduzido o conceito de princípio do desprazer, denominado princípio do prazer, a partir de Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental[9].

            No sétimo capítulo do seu livro sobre os sonhos, embora não mencione explicitamente um princípio de inércia e nem uma tendência à constância, Freud retoma as hipóteses do Projeto de uma psicologia. Na seção C desse capítulo, ele afirma:

(...) o aparelho seguiu primeiramente o empenho de se manter o mais possível livre de estímulos e, por isso, assumiu, em sua primeira construção, o esquema do aparelho reflexo, que lhe permitia eliminar prontamente, por vias motoras, uma excitação sensível que o alcançasse a partir do exterior. Mas a urgência da vida perturba essa função simples (...)[10].

            Adiante, o autor afirma que o curso da excitação dentro do aparelho é regulado automaticamente pelas percepções de prazer e desprazer e que o princípio do desprazer é que exerce essa regulação.

            Em A interpretação dos sonhos, a questão do impacto das experiências dolorosas precoces sobre o aparelho psíquico volta a ser abordada, no entanto, surge uma diferença importante em relação à teoria anterior, pois desaparece a ideia de que tais vivências dariam origem a processos repetitivos, que promoveriam a ligação da excitação. Freud argumenta que, diante de uma vivência dolorosa, “não restaria nenhuma inclinação para reocupar, alucinatoriamente ou de outra maneira, a percepção da fonte de dor. Pelo contrário, persistiria no aparelho primário a inclinação para abandonar a imagem mnêmica penosa, assim que ela fosse, de algum modo, evocada[11].

            Nesse momento, portanto, é deixada de lado a hipótese de que há um tipo de funcionamento primário no aparelho, que conduziria à reativação de representações desprazerosas e que não poderia ser evitado enquanto as representações não fossem ligadas. Os processos psíquicos primários seriam governados pelo princípio do desprazer e, desde o início, teriam a capacidade de inibir a ocupação de representações que conduzissem ao desprazer. Esse modo de funcionamento mental estaria presente no início da vida e seria preservado no sistema inconsciente, que corresponderia ao processo primário.

 

 

O abandono da hipótese de que o princípio do prazer é o mais fundamental no psiquismo

 

Freud inicia o texto Além do princípio do prazer, recapitulando suas hipóteses sobre o princípio do prazer. Diz ele:

Na teoria psicanalítica, supomos sem hesitação que o decurso dos processos mentais é regulado automaticamente pelo princípio do prazer, ou seja, acreditamos que ele é, em todos os casos, incitado por uma tensão desprazerosa e, então, toma tal direção que seu resultado final coincide com um rebaixamento dessa tensão e, portanto, com uma evitação do desprazer ou uma produção de prazer[12].

Logo em seguida, é questionada a legitimidade de se supor que o princípio do prazer governe soberano todos os processos psíquicos. O autor analisa uma série de fenômenos que poderiam abalar esse pressuposto e se esforça para encontrar argumentos que lhe permitam continuar sustentando sua hipótese. Após uma longa tentativa de responder às suas próprias objeções, ele reconhece, na conclusão da terceira parte do texto, a necessidade de aceitar que há um funcionamento mental precoce que não obedece ao princípio do prazer e que é condição para que este passe a vigorar. Vejamos quais são as evidências que lhe permitem chegar a essa conclusão.

Freud menciona, em primeiro lugar, o caso do sonho nas neuroses traumáticas, sonhos que reconduzem os enfermos à situação traumática original, fazendo-os despertar aterrorizados. A única maneira de conciliá-los com a hipótese sustentada até então de que todo sonho é uma realização de desejo seria atribuindo-os a enigmáticas tendências masoquistas do eu. Sem tirar mais conclusões, ele passa a comentar os jogos infantis. As crianças repetem nos jogos inúmeras situações por elas vivenciadas, algumas das quais – como no caso da célebre brincadeira do carretel que ele descreve – consistiram em experiências desprazerosas. Surge, assim, a questão: “o esforço de processar psiquicamente algo impressionante, de se apoderar inteiramente disso, pode exteriorizar-se de maneira primária e independente do princípio do prazer?”[13].

Freud conclui que apenas com base no estudo dos jogos infantis não é possível chegar com segurança a essa conclusão, uma vez que, mesmo sob o império do princípio do prazer, parece haver meios suficientes para converter em objeto de recordação e elaboração psíquica o que é em si mesmo desprazeroso. Mesmo os jogos infantis que repetem situações desagradáveis podem ser interpretados como estando sob o domínio do princípio do prazer. É possível pensar que, nesse caso, a repetição de experiências desprazerosas é uma tentativa de se apoderar da situação, de vivenciar de forma ativa algo que antes só pôde ser vivido de forma passiva. O autor se volta, então, para o fenômeno da transferência.

Ao discorrer a respeito da transferência, pela primeira vez no texto, o termo compulsão à repetição é utilizado. Na transferência, experiências reprimidas são repetidas na situação analítica como vivências atuais, após a repressão ter sido parcialmente amenizada. A compulsão à repetição que se manifesta como transferência é uma manifestação do reprimido inconsciente, ao passo que a repressão, assim como a resistência que depois se opõe ao retorno do reprimido, é uma operação executada pelo eu. Tanto a repressão como a resistência podem ser compreendidas como estando a serviço do princípio do prazer, argumenta Freud: elas têm como finalidade evitar o desprazer que seria despertado se as representações reprimidas se tornassem conscientes. Assim, a oposição à recordação, levada a cabo pela resistência, parece estar totalmente a serviço do princípio do prazer. Mas e a compulsão à repetição, pergunta-se ele, seria possível conciliá-la com esse princípio?

Algumas repetições transferenciais seriam facilmente conciliáveis com o princípio do prazer: aquelas cuja satisfação representasse um prazer para o sistema inconsciente, embora, ao mesmo tempo, representasse um desprazer para o pré-consciente. Mas outras repetições não parecem poder ser compreendidas dessa maneira, indica Freud:

O fato novo e notável que nós agora temos que descrever é que a compulsão à repetição também traz de volta vivências do passado que não contêm nenhuma possibilidade de prazer, que tampouco naquele momento puderam ser satisfações, nem mesmo das moções pulsionais desde então reprimidas[14].

 Os neuróticos repetem situações afetivas que, mesmo quando eram atuais, produziram desprazer. Trata-se de vivências relacionadas a pulsões que estavam destinadas a conduzir à satisfação, mas que acabaram produzindo somente desprazer. Apesar dessas tentativas de obter satisfação terem sido realizadas em vão, uma compulsão imporia sua repetição. Freud comenta que a mesma compulsão à repetição dos neuróticos pode ser encontrada, na vida de pessoas normais, nos fenômenos chamados de compulsão de destino. Movidas aparentemente pelo destino, mas, na verdade, por impulsos da primeira infância, algumas pessoas não neuróticas repetem sempre, ao longo da vida, vivências desprazerosas idênticas. Esses dois fenômenos – a repetição transferencial de situações que, mesmo na sua origem, produziram apenas desprazer e as compulsões de destino – o levam a concluir que é legítima a suposição de que existe na vida mental um funcionamento precoce que não obedece ao princípio do prazer:

Tendo em vista essas observações feitas a partir do comportamento na transferência e a partir do destino dos seres humanos, devemos ter coragem de supor que existe realmente na vida psíquica uma compulsão à repetição que se instaura mais além do princípio do prazer. Nós também nos inclinaremos agora a relacionar a essa compulsão os sonhos dos que padecem de neurose traumática e o impulso para o jogo da criança[15].

Dessa forma, após mencionar os sonhos traumáticos e os jogos infantis, sem extrair deles a conclusão de que é possível supor um funcionamento independente do princípio do prazer, Freud chega a dois fenômenos psíquicos – a transferência e as neuroses de destinos – que parecem tornar legítima tal suposição. Na verdade, como observa Monzani[16], nenhum dos fenômenos, tomados isoladamente, permite a introdução desse além do princípio do prazer, mas apenas o arranjo formado por todos eles.

Apenas em raros casos, argumenta o autor, a compulsão à repetição se manifesta em estado puro, sem a interferência de outros motivos. Na maior parte das vezes, satisfação pulsional e compulsão à repetição estão em íntima relação e podem se reforçar mutuamente. O caso menos duvidoso é o do sonho traumático, no entanto, mesmo nos demais fenômenos, haveria bastantes coisas não explicadas para justificar a introdução dessa nova hipótese. Freud conclui que: “O que resta é suficiente para justificar a hipótese da compulsão à repetição, e esta nos parece como mais originária, mais elementar, mais pulsional que o princípio do prazer que ela destrona”[17].

Uma vez estabelecido que haveria uma compulsão à repetição que atuaria para além do princípio do prazer, se torna necessário esclarecer qual é a função dessa compulsão, em que condições ela aflora e que relação há entre ela e o princípio do prazer. É ao pensar sobre a reação do aparelho psíquico à recepção de excitações muito intensas – o que é definido, nesse momento, como trauma – que Freud encontra uma resposta para essas questões. O trauma resultaria da falha dos mecanismos destinados a proteger o aparelho de excitações muito intensas. Nessa situação, não seria mais possível evitar que este fosse inundado por grandes magnitudes de estímulo e, então, sua tarefa mais urgente passaria a ser “dominar o estímulo, ligar psiquicamente as magnitudes de estímulo que irromperam, para conduzi-los, então, à sua tramitação”[18].

Com essas considerações, é solucionada a questão a respeito da função do processo que obedece à compulsão à repetição e da relação deste processo com aquele guiado pelo princípio do prazer. Para que o princípio do prazer pudesse iniciar seu domínio, haveria uma tarefa prévia a ser realizada: transpor a excitação do estado livre para o estado ligado. Um funcionamento regido pela compulsão à repetição teria, então, a função primordial de ligar a excitação e, apenas após essa ligação, o princípio do prazer poderia passar a vigorar. Assim, diz Freud, chegamos a “uma perspectiva sobre uma função do aparelho psíquico que, sem contradizer o princípio do prazer, é, contudo, independente dele e parece mais originária que o propósito de obter prazer e evitar desprazer”[19]. Freud conclui, então, que a realização de desejo é a função do sonho sob o domínio do princípio do prazer e que, se há um funcionamento que antecede e é independente deste princípio, devem haver sonhos que expressam esse tipo de funcionamento, ou seja, que visam adquirir domínio sobre os estímulos e que não consistem, portanto, em realizações de desejo.

Enquanto as representações não fossem ligadas, não seria possível evitar que elas fossem ocupadas, mesmo que esse processo conduzisse ao desprazer. Só após a ligação, surgiria a possibilidade de evitar a ocupação de certas representações desprazerosas ou de ocupá-las apenas de maneira parcialmente inibida. Assim, a ligação da excitação teria como condição essas sucessivas repetições de um mesmo processo.

Os fenômenos que levam Freud a concluir que é necessário supor um funcionamento que anteceda o princípio do prazer são, principalmente, aqueles que reproduzem situações que, mesmo em sua origem, foram desprazerosas. Com isso, o autor retoma hipóteses muito próximas as que são apresentadas na terceira parte do Projeto de uma psicologia.  Nesse texto, como vimos, já estava presente a ideia de um funcionamento primário repetitivo que poderia conduzir ao desprazer e que promoveria a ligação da excitação, condição para que a rememoração de representações desprazerosas pudesse ser inibida. Como vimos, essas hipóteses são deixadas de lado na teoria metapsicológica desenvolvida a partir do capítulo 7 de A Interpretação dos sonhos e, de certa forma, retomadas em 1920[20]

 

 

Da compulsão à repetição à pulsão de morte

 

O passo seguinte de Freud, em Além do princípio do prazer, é tentar esclarecer a relação existente entre a compulsão à repetição e a dimensão pulsional do psiquismo. Essa compulsão, conclui ele, é uma característica universal das pulsões e, talvez, da vida orgânica em geral. Nesse momento a pulsão é definida da seguinte forma:

Uma pulsão seria um esforço, inerente ao orgânico vivo, de reprodução de um estado anterior, a que o vivo teve que renunciar sob o influxo de forças externas perturbadoras; seria um tipo de elasticidade orgânica ou, caso se queira, a exteriorização da inércia na vida orgânica[21].

Notemos que, nesse momento, Freud está ampliando a noção de pulsão em relação a suas formulações anteriores e passando a pensá-la de forma consideravelmente diferente. Até então, a pulsão havia sido concebida como a expressão psíquica dos estímulos endógenos ou como a estimulação endógena que se expressa no psíquico[22]. Embora  oscile entre essas duas definições, na etapa anterior de sua obra, a pulsão era um conceito que dizia respeito exclusivamente ao aparelho psíquico. Como todo funcionamento mental, a atividade pulsional seria regida, em última instância, pela tendência a descarregar a excitação. No entanto, em Além do princípio do prazer, a pulsão passa a ser um conceito muito mais amplo, que não se limita ao mental, mas que diz respeito à totalidade do ser vivo, uma vez que ela é definida como um esforço inerente ao orgânico vivo de reprodução de um estado anterior. Portanto, a pulsão é redefinida como uma tendência, um impulso inerente a todo ser vivo, que consiste, essencialmente, em um esforço de repetição, uma compulsão a repetir um estado anterior. Esse conceito deixa de se restringir à expressão psíquica do somático ou ao estímulo somático que se expressa no psíquico e passa a ser concebida como algo muito anterior ao surgimento do psiquismo; como um impulso que surge com a própria vida.

A pulsão seria um esforço, inerente a toda vida, de reproduzir um estado anterior. Mas que estado seria esse? Qual seria a meta final de toda a vida? A resposta de Freud é que: “A meta de toda a vida é a morte; e retrospectivamente: o inanimado esteve aí antes que o vivo”[23]. Desde sua origem, a vida teria apresentado uma tendência a retornar ao estado inorgânico. Regressar ao inorgânico é livrar-se de toda a excitação, retornar a um estado de ausência total de estímulos. Se estendemos isso ao aparelho psíquico, chegamos à hipótese de que a tendência primordial que governa esse aparelho é uma tendência a anular toda a excitação. Com isso, mais uma vez, voltamos ao Projeto de uma psicologia, em especial, às primeiras páginas desse texto, à formulação original do princípio de inércia. Nesse texto, a tendência primária do aparelho é concebida como a de livrar-se de toda a excitação. Agora, em Além do princípio do prazer, Freud explicita algo que permanecera implícito até então: essa tendência primordial à inércia, manifesta no ser vivo, é a expressão de uma tendência para a morte. Monzani[24] observa que, com a introdução da noção de pulsão de morte, Freud explicita algo que esteve presente implicitamente, desde o Projeto de uma psicologia, em toda a teoria.

No Projeto de uma psicologia, contudo, o princípio de inércia era concebido como uma tendência que regia a atividade nervosa. Em 1920, Freud o coloca como sendo inerente à vida como um todo. Quando a vida se originou, com ela teria surgido uma tendência a retornar ao estado anterior de ausência de estimulação, ao inanimado; teria surgido, portanto, uma tendência à morte. Quando as propriedades da vida tivessem sido suscitadas na matéria inanimada, teria surgido a primeira pulsão: a de regressar ao estado inanimado imediatamente anterior. Ele argumenta que, na origem da vida, morrer devia ser fácil; apenas um curto caminho vital teria que ser percorrido. Por isso, a vida deve ter sido criada e recriada inúmeras vezes. Mas as alterações nas condições externas teriam imposto à substância viva desvios cada vez maiores no seu caminho vital originário. Assim, em um primeiro momento na argumentação desenvolvida em Além do princípio do prazer para explicar a preservação da vida, os estímulos externos são pensados como os responsáveis pela preservação e pela progressiva complexidade dos fenômenos vitais. As hipóteses desenvolvidas até esse momento do texto, portanto, conduzem à ideia de que a morte é uma tendência primordial da vida e de que a manutenção desta resulta de fatores externos à mesma. Até esse momento do texto, portanto, é pressuposta a existência de pulsões de morte[25], mas não de pulsões de vida, isto é, não há, até então, um esforço inerente ao orgânico para se manter no estado animado.

O autor se pergunta se não é necessário supor que as pulsões de autoconservação se opõem à suposição de que a vida pulsional serve à morte? Sua resposta é que tais pulsões são apenas pulsões parciais destinadas a assegurar o caminho até a morte peculiar de cada organismo. De certa forma, essas ideias também já estavam pressupostas no Projeto de uma psicologia. Nesse texto, como vimos, é pressuposta a existência de uma tendência originária à eliminação de toda a excitação pela via mais direta possível. Contudo, essa tendência daria origem a um tipo de funcionamento mental que não seria capaz de conduzir à anulação das excitações provenientes do próprio corpo, como aquelas que produzem a fome. A satisfação das necessidades orgânicas teria como condição uma ação específica sobre o mundo, o que faria com que o aparelho tivesse que aprender a tolerar certo nível de excitação. Dessa forma, esse processo que, em última instância, teria sempre aspirado apenas à descarga da excitação, acabaria por preservar a vida, de forma que essa seria apenas um rodeio que se intercalaria em um caminho, cujo objetivo último teria sido sempre conduzir à máxima eliminação possível dos estímulos, ou seja, à morte.

Sob essa luz, as pulsões de autoconservação apenas aparentemente teriam como objetivo a preservação da vida; na verdade, elas estariam também a serviço da tendência à morte. Como a eliminação dos estímulos provenientes do interior do organismo não seria possível pela via reflexa, impor-se-ia um adiamento da descarga e a aprendizagem de certos caminhos mais tortuosos e indiretos, o que teria como resultado uma permanência maior na vida. No Projeto de uma psicologia, Freud afirma que o desamparo inicial do organismo é a mola pulsional de todo o desenvolvimento psíquico. No entanto, esse desenvolvimento psíquico só ocorreria porque, devido ao estado de desamparo originário, o organismo não seria capaz de alcançar, sem certas inibições e aprendizagens, a eliminação total da excitação. Nesse sentido, por trás de todo o desenvolvimento mental, parece sempre ter estado presente o objetivo primário de retornar ao estado primordial de ausência total de excitação.

Assim, em um primeiro momento de Além do princípio do prazer, Freud conclui que o quadro dos fenômenos vitais consiste apenas em um rodeio para alcançar a forma de morte peculiar a cada organismo. O que parece um esforço por manter-se em vida – isto é, a manifestação das pulsões de autoconservação – seria apenas um caminho para a morte peculiar a cada organismo. O organismo só quer morrer à sua maneira, usando as palavras do autor. Ele conclui, portanto, inicialmente, que as manifestações das pulsões de autoconservação são, sem grandes dificuldades, conciliáveis com a hipótese da pulsão de morte. Contudo, adiante no texto, ele argumenta que é necessário supor a existência de outros impulsos que escapam a essa tendência para a morte: as pulsões sexuais. A partir dessas, o autor tenta justificar a existência de pulsões de vida e, com isso, manter uma teoria dualista sobre as pulsões.

 

 

Da pulsão de morte à pulsão de vida

 

Em um primeiro momento, o que Freud alega escapar à tendência para a morte não são as manifestações das pulsões sexuais como um todo, mas apenas aquelas das células germinativas, de forma que apenas as atividades sexuais com fins de reprodução se oporiam à tendência à morte. Adiante no texto, o autor acaba concluindo que há dados que permitem pensar que todas as pulsões sexuais atuam a favor da vida. Com a introdução da hipótese das pulsões de vida, a preservação dessa deixa de ser pensada como apenas uma consequência da ação dos estímulos externos sobre o organismo, pois, no interior desse, haveria um impulso que se oporia à morte.

Em um primeiro momento, Freud argumenta que as pulsões sexuais asseguram a união entre duas células germinativas: elas seriam as verdadeiras pulsões de vida e se oporiam às pulsões de morte. Dessa forma, haveria:

(...) como que um ritmo hesitante na vida dos organismos; um dos grupos pulsionais se lança, impetuoso, até adiante, para alcançar o mais rapidamente possível a meta final da vida. O outro, tendo chegado até certo lugar desse caminho, se lança para atrás para retomá-lo desde certo ponto e, assim, prolongar a duração do trajeto[26].

Com isso, é estabelecida uma oposição entre as pulsões de morte – que incluiriam as pulsões de autoconservação – e as pulsões sexuais, que seriam as verdadeiras pulsões de vida. Chegando-se a isso, a seguinte questão se coloca: se toda pulsão é um esforço inerente ao orgânico para retornar a um estado anterior, a compulsão à repetição é a manifestação pura de toda pulsão, e não apenas da pulsão de morte. Tendo isso em vista, torna-se necessário esclarecer o que, afinal, as pulsões sexuais repetem; qual é o estado anterior e primordial ao qual elas aspirariam retornar. Para tentar encontrar uma resposta para essa questão, Freud coloca-se outra: o que a reprodução sexual, ou sua precursora na história da vida – a cópula entre dois protistas –, visa repetir?

O autor encontra uma pista para resolver essa questão em suas incursões mais ou menos especulativas pela biologia. Havia dados que indicavam que a cópula entre dois protistas – precursora da reprodução sexual dos animais superiores – tem um efeito rejuvenescedor sobre ambos. Além disso, havia indicações de que outras formas de estimulação produzem esse mesmo efeito sobre o organismo. Freud cita pesquisas que haviam indicado que, quando a composição do líquido nutritivo em que o protista subsiste é alterada, isso produz sobre ele o mesmo efeito rejuvenescedor da cópula, ao passo que, quando deixados em seus próprios resíduos, eles degeneram progressivamente. Desses dados, a seguinte conclusão é extraída: o que possui a capacidade de renovar a vida é o aumento da estimulação, de forma que não apenas a fusão de duas células germinativas e o surgimento de um novo ser vivo trabalham em oposição à morte. Nos Três ensaios sobre uma teoria da sexualidade (1905), o autor argumentara que a sexualidade é uma atividade que visa obter prazer a partir da estimulação de uma ou mais zonas erógenas. A conclusão a que ele chega agora –  de que o aumento da estimulação fortalece a vida –  torna possível pensar que, não apenas as atividades sexuais com fins de procriação, mas todas as atividades sexuais, podem ser consideradas como trabalhando em oposição à morte. Ele sustenta que “as pulsões de vida ou sexuais, ativas em cada célula, são as que tomam por objeto a outras células, neutralizando parcialmente suas pulsões de morte, a dizer, os processos provocados por estas últimas, e mantendo-as, desse modo, na vida”[27].

A constatação de que o aumento da estimulação fortalece a vida é coerente com a suposição de que o processo vital conduz, por razões internas, à nivelação das tensões químicas. As pulsões de morte trabalhariam no sentido da diminuição da excitação, e as pulsões de vida no sentido do seu acréscimo. No entanto, podemos nos colocar algumas questões. De acordo com a teoria sobre a sexualidade elaborada previamente por Freud, as pulsões sexuais visariam, em última instância, a descarga da excitação. Tendo isso em vista, o contato entre dois corpos não seria um objetivo intermediário da pulsão sexual, isto é, uma etapa intermediária de um processo impelido por essa pulsão, cujo objetivo final seria a descarga da excitação? Nesse caso, não seria possível dizer que, por trás da pulsão sexual, também estaria presente a pulsão de morte? Essas questões parecem abalar a defesa da oposição entre as duas classes de pulsões. No entanto, Freud não chega a levantá-las.

Permanece também em aberto a questão sobre a qual estado originário as pulsões de vida aspirariam retornar, pois os dados biológicos disponíveis não fornecem uma resposta cabal para ela, embora forneçam pistas para começar a esclarecê-la. Se as pulsões sexuais tivessem como finalidade primária promover o contato entre os corpos, o estado ao qual elas aspirariam regressar deveria ser um estado de fusão entre os mesmos. Uma vez que esse estado deve ser tão primordial quanto aquele aspirado pela pulsão de morte, pois ambas as pulsões deveriam estar presentes desde o início da vida, a conclusão a que essas ideias conduzem é a de que a substância inanimada, ao tornar-se animada, se dividiu em várias partes, as quais, desde então, passaram a aspirar a reunir-se novamente. Freud apresenta, então, a hipótese de que, com o surgimento da vida, emergiu uma tendência para retornar ao inanimado – a pulsão de morte – e, ao mesmo tempo, uma tendência para retornar ao estado anterior de coesão e indiferenciação – a pulsão de vida. Esse é o caminho para o qual sua teoria conduz, mas ele não encontra apoio na biologia para essa suposição, embora encontre, na narrativa mítica que Platão faz Aristófanes desenvolver em O banquete, uma ideia que vai de encontro a ela.  Diante disso, ele faz a seguinte consideração:

Devemos seguir a indicação do filósofo-poeta e arriscar a hipótese de que a substância viva, ao ser animada, foi dividida em pequenas partículas que desde então aspiram a reunir-se novamente por meio das pulsões sexuais? De que essas pulsões, nas quais persiste a afinidade química da matéria inanimada, superam pouco a pouco, ao longo do reino dos protistas, as dificuldades que opõe a esta aspiração um meio carregado de estímulos perigosos para a vida, que os obriga a formar um estrato cortical protetor? Que essas partículas de substância viva dispersadas alcançam assim o estado pluricelular e finalmente transferem às células germinais, em alta concentração, a pulsão para reunir-se? Este é, creio, o ponto em que devemos interromper[28].

Freud encontra, na filosofia, uma ideia que fornece exatamente aquilo que estava sendo procurado, isto é, que deriva uma pulsão sexual da necessidade de restabelecer um estado anterior. No entanto, ele não considera que especulações filosóficas possam fundamentar sua teoria. A ausência de apoio na biologia lhe impede de esclarecer plenamente a característica regressiva das pulsões de vida. Assim, permanece sem resposta, em Além do princípio do prazer, a questão sobre qual seria o estado primário ao qual essas pulsões aspirariam regressar.

Na segunda parte do Esboço de psicanálise, Freud acaba descartando a possibilidade de se atribuir uma natureza conservadora também às pulsões de vida. Diz ele:

Se supusermos que o vivo surgiu mais tarde que o inerte e foi gerado a partir deste, a pulsão de morte responde à fórmula consignada, a saber, que uma pulsão aspira ao regresso a um estado anterior. Diferentemente, não podemos aplicar a Eros (ou pulsão de amor) essa fórmula. Isso pressuporia que a substância viva foi outrora uma unidade que então foi rompida e que agora aspira pela reunificação[29].

Freud argumenta que nada correspondente a isso é conhecido na história da substância viva e que, portanto, não há justificativa para atribuir esse caráter conservador também às pulsões de vida. Essa recusa do caráter regressivo das pulsões de vida tem implicações importantes para a teoria. Se apenas as pulsões de morte aspirassem a retornar a um estado anterior, a compulsão à repetição seria uma característica apenas de tais pulsões, ao contrário do que havia sido sustentado em Além do princípio do prazer. No entanto, uma vez que a tendência primária do funcionamento mental seria a de eliminar toda a forma de excitação, restaurar o estado primário de ausência de estímulo – o que é denominado por Freud, em 1920, princípio de Nirvana –  somos levados à suposição de que a atuação da pulsão de morte antecede aquela da pulsão de vida: esta última entraria em ação apenas em uma etapa posterior. De fato, em O problema econômico do masoquismo[30], Freud parece defender essa hipótese. Nesse texto, ele sustenta que o princípio de Nirvana expressa a tendência da pulsão de morte, enquanto que o princípio de prazer, que consiste em uma modificação do primeiro, representa as exigências da libido. De acordo com isso, a pulsão de morte entraria em ação primeiro, sob influxo do princípio de Nirvana, e, apenas com o surgimento do princípio do prazer, a pulsão de vida entraria em ação. Embora Freud não afirme explicitamente, essas ideias parecem conduzir à conclusão de que a morte é o que está por trás de todos os processos biológicos e psíquicos.

 

 

Primeiro “versus” segundo dualismo pulsional

 

De início, em Além do princípio do prazer, Freud insere as pulsões de autoconservação no âmbito das pulsões de morte, como vimos. De acordo com isso, haveria uma oposição entre a pulsão de autoconservação e a pulsão sexual: a primeira serviria, em última instância, à morte e, a segunda, à vida. Contudo, o fenômeno do narcisismo já havia indicado a dificuldade de manter uma oposição e uma separação clara entre essas duas classes de pulsões. A tentativa de compreender a demência precoce e outros fenômenos psicológicos levou Freud a reconhecer que o sujeito pode tomar a si mesmo como objeto de amor, o que acabou conduzindo à introdução do conceito de narcisismo[31]. Dessa forma, a diferenciação entre as duas classes de pulsões foi abalada, uma vez que ambas pareciam apresentar uma origem libidinal comum. Em um segundo momento, em Além do princípio do prazer, Freud corrige sua hipótese inicial, segundo a qual as pulsões de autoconservação pertenceriam à classe das pulsões de morte:

Vemo-nos ainda mais obrigados a destacar o caráter libidinal das pulsões de autoconservação agora que ousamos dar outro passo, reconhecendo a pulsão sexual como o Eros que tudo preserva e derivando a libido narcísica do eu das quotas libidinais com que as células do soma aderem umas às outras. Mas logo nos defrontamos com o seguinte problema: se também as pulsões de autoconservação são de natureza libidinal, talvez não tenhamos outras pulsões além das libidinais[32].

Se as pulsões de autoconservação são libidinais, que lugar resta para as pulsões de morte? O dualismo pulsional deve ser deixado de lado? Freud defende que a suposição de que existem no interior do eu outras pulsões além das libidinais deve ser mantida, mesmo que não seja possível indicá-las com segurança. Ele sugere que talvez o ódio (agressividade) possa ser considerado manifestação da pulsão de morte, de forma que haveria uma oposição primordial entre amor e ódio. Com a introdução dessas ideias, ele modifica a hipótese, apresentada em sua obra anterior, de que o sadismo seria primário em relação ao masoquismo; de que esse último consistiria em uma reversão do primeiro ao próprio eu. O masoquismo passa a ser pensado, a partir de então, como primário, e o sadismo como resultante do direcionamento da agressividade do eu para o mundo externo, ou seja, como um fenômeno secundário. Estaria presente a possibilidade também de um masoquismo secundário, resultante de um redirecionamento da agressividade do mundo externo ao eu.

A suposição de que o ódio, ou a agressividade, é expressão das pulsões de morte e atua, portanto, em oposição às pulsões sexuais, apresenta uma série de complicações, entre elas a estreita relação entre a sexualidade e a agressividade, reconhecida por Freud desde o início de sua obra. Além disso, a hipótese que está na base da ideia de pulsão de morte, da existência de uma tendência a retornar ao inorgânico, não é facilmente conciliável com a suposição de que a pulsão de morte se manifesta como ódio ou agressividade. Figueiredo[33] argumenta que, por um lado, o além do princípio do prazer tem a ver com o movimento do retorno ao estado anterior, a restauração de um estado de coisas prévio, característica essa que seria a mais pulsional das pulsões. Por outro, as pulsões de morte se diferenciam e se contrapõem às de vida e assumem a fisionomia do ódio e da agressividade. Tal autor considera que, ao explicar o masoquismo secundário pelo primário, como restauração e regressão, Freud parece estar jogando dois jogos diferentes com as mesmas cartas e ao mesmo tempo.

Atentemos, contudo, para outro aspecto do problema. Em um primeiro momento, em Além do princípio do prazer, Freud argumenta que as pulsões de autoconservação podem ser incluídas na classe das pulsões de morte. Na verdade, desde o Projeto de uma psicologia, estava implícito que o desenvolvimento e a preservação do organismo resultam da dificuldade de se alcançar a eliminação da excitação endógena pela via reflexa. Desde então, estava implícito que o que produz a manutenção da vida teve sempre, como meta última, a eliminação total da tensão, de forma que as pulsões de autoconservação também estariam a serviço dessa tendência. Seguindo esse raciocínio, após introduzir o conceito de pulsão de morte em Além do princípio do prazer, Freud afirma que a vida é apenas um rodeio para a morte, como comentamos anteriormente. Contudo, adiante no texto, após introduzir o conceito de pulsão de vida, ele reconhece que a oposição entre pulsões sexuais e pulsões autoconservação não pode ser mantida e desloca essas últimas para a classe das pulsões de vida. Nesse contexto, temos dois fatores a considerar: por um lado, o fato de que as pulsões de autoconservação são perfeitamente conciliáveis com a hipótese da pulsão de morte. Parece ser uma consequência necessária da suposição de que existe uma tendência primordial no organismo para a morte, a ideia de que a atividade das pulsões de autoconservação apenas secundariamente acabam conservando a vida. Por outro lado, contudo, sobretudo os fenômenos narcísicos teriam indicado a dificuldade de sustentar a oposição entre pulsões sexuais e as de autoconservação. Diante disso, Freud deixa de lado a relação antes estabelecida entre pulsões de autoconservação e pulsões de morte e sustenta que as primeiras estão incluídas no âmbito das pulsões de vida. Após essa modificação, ele não retoma sua argumentação prévia a respeito da total compatibilidade entre as pulsões de autoconservação e as pulsões de morte, de forma que a inserção das primeiras na classe das pulsões de vida, sem maiores problematizações, permanece como um ponto problemático da teoria e também abala a oposição entre as duas classes de pulsões.

Apesar das lacunas que permanecem em sua teoria, Freud insiste na necessidade de manter a hipótese do segundo dualismo pulsional. Ao se perguntar se a suposição da pulsão de morte não deveria ser descartada, ele responde:

Uma vez que discernimos como a tendência dominante da vida psíquica, e talvez da vida nervosa em geral, a de rebaixar, manter constante, suprimir a tensão interna de estímulo (o “princípio de Nirvana”, segundo a terminologia de Barbara Low [1920,73]), do qual é expressão o princípio do prazer, esse constitui um dos nossos mais fortes motivos para crer na existência de pulsões de morte[34].

Nessa passagem, Freud explica que o conceito de pulsão de morte se segue necessariamente do pressuposto da tendência original da vida psíquica, do princípio de Nirvana. A inserção dessa tendência na base de toda a sua teoria metapsicológica torna necessária a suposição de um impulso para a morte, que se manifestaria por trás de todos os processos mentais. Como consequência, essa mesma premissa dificulta a afirmação da existência de impulsos que atuam a favor da vida e contrariamente à sua aniquilação. Portanto, parece possível argumentar que, para sustentar de forma mais sólida a oposição entre as duas classes de pulsões, Freud teria que ter descartado o pressuposto, presente ao longo de toda a teoria, de que o funcionamento mental é regido, em última instância, pela tendência à descarga máxima da excitação. Para fundamentar o segundo dualismo pulsional, portanto, ele teria que ter reformulado premissas que permaneceram, desde o início, na base de sua teoria; a reformulação da teoria empreendida a partir de 1920, teria que ter sido muito mais ampla.

Quando Freud introduz o princípio de inércia no Projeto de uma psicologia, ele esclarece que as observações clínico-patológicas, em especial dos fenômenos relacionados à histeria e às compulsões, haviam-lhe sugerido a concepção da excitação nervosa como quantidade em fluxo, a partir da qual ele estabeleceu o princípio de inércia como o princípio fundamental da atividade nervosa. Assim, a suposição da tendência básica para a descarga da excitação e, portanto, a noção de pulsão de morte, também estaria ancorada em fatos clínicos, de forma que haveria justificativas empíricas para mantê-la, além das necessidades internas da teoria.

Tendo tudo isso em vista, podemos dizer que, embora as pulsões de vida se manifestem de forma mais clara e visível, é mais difícil fundamentá-las, a partir dos os pressupostos conceituais com os quais Freud trabalha desde suas primeiras formulações teóricas, do que fundamentar a hipótese da pulsão de morte. A única coisa que parece seguramente estar em oposição à morte é a fusão das células germinativas, mas a suposição de que a tendência originária das pulsões sexuais é a tendência à união entre dois corpos e de que, só em um momento posterior, essa tendência foi transferida para as células germinativas, parece obscurecer a oposição entre as duas classes de pulsões. Em muitas partes do texto, de fato, ficamos com a impressão de que, por mais que Freud se esforce na direção contrária, parece difícil escapar à conclusão de que a tendência para morte permanece por trás de todos os fenômenos vitais.

Na seguinte passagem, Freud reconhece que a nova dualidade pulsional não apresenta o mesmo grau de certeza que os passos anteriores do desenvolvimento de sua teoria sobre as pulsões. Diz ele:  “Não desconheço que o terceiro passo da doutrina das pulsões, este que empreendo aqui, não pode reivindicar a mesma certeza que os dois anteriores, a saber, a ampliação do conceito de sexualidade e a tese do narcisismo (...)”[35].  No final do sexto capítulo, ele se questiona: “Para que desenvolver trabalhos como os apresentados nessa seção e por que, além disso, comunicá-los? Pois bem, é que não posso negar que algumas das analogias, enlaces e nexos apontados nele me pareceram dignos de consideração”[36].

Tomlinson[37] argumenta que é necessário levar Freud a sério quando ele reconhece que suas ideias nesse trabalho são provisórias, não completamente elaboradas e destinadas a gerar debate. O texto Além do princípio do prazer foi entendido por seu autor como um trabalho preliminar e exploratório, o início de um terceiro passo, que se segue às elaborações do conceito de sexualidade, no início da primeira década de 1900, e de suas hipóteses sobre o narcisismo, na segunda.

 

 

Considerações finais

 

Procuramos mostrar que parte das novas hipóteses introduzidas em Além do princípio do prazer consistem em uma retomada de ideias presentes no Projeto de uma psicologia e deixadas de lado a partir de A interpretação dos sonhos. Monzani[38] argumenta que, ao introduzir a noção de pulsão de morte em Além do princípio do prazer, Freud está apenas conferindo direito pleno de cidadania a algo que, desde o Projeto de uma psicologia, sempre fora, de alguma forma, admitido. Acrescentamos a essa interpretação que, ao introduzir a noção de compulsão à repetição como um processo que antecede aquele governado pelo princípio do prazer, Freud tampouco está acrescentando uma hipótese totalmente nova à metapsicologia, mas sim retomando, em uma nova roupagem, suposições antigas que haviam sido deixadas de lado a partir do capítulo 7 de A interpretação dos sonhos. Com isso, não pretendemos sugerir que Além do princípio do prazer apenas retoma e explicita hipóteses que estavam presentes no Projeto de uma psicologia e em outros textos metapsicológicos. Como nos adverte o próprio Monzani, vários conceitos novos são introduzidos, e a reformulação da teoria que Freud empreende nesse momento e que acaba culminando no texto de 1920 e em O eu e o isso, foi impulsionada, principalmente, por novas evidências obtidas e novas hipóteses formuladas ao longo desse período, entre elas, a teoria do narcisismo.

Procuramos mostrar também que a teoria do segundo dualismo pulsional, tal como formulada em Além do princípio do prazer, apresenta uma serie de impasses, parte dos quais são reconhecidos por Freud e o levam a afirmar que esse último passo da teoria pulsional não pode reivindicar o mesmo grau de certeza das etapas anteriores. Em muitos pontos, a argumentação freudiana parece conduzir à suposição de que a pulsão de morte se manifesta por trás de todos os fenômenos mentais, inclusive daqueles que aparentemente preservam a vida e são atribuídos às pulsões de vida. Assim, a oposição entre as duas classes de pulsões mostra-se frágil. Em obras posteriores, principalmente em O Eu e o Isso, O problema econômico do masoquismo e Esboço de psicanálise, ele retoma suas hipóteses e busca solucionar alguns dos impasses que permanecem em seu texto de 1920. No entanto, muitos desses problemas permanecem, o que talvez nos permita afirmar que sua teoria do segundo dualismo permaneceu inacabada. Para fundamentar o segundo dualismo pulsional de forma mais consistente, Freud teria que ter modificado alguns dos pressupostos básicos de sua teoria metapsicológica, em especial a suposição da tendência primária do psiquismo à eliminação da excitação. No entanto, isso implicaria em rever hipóteses que permaneceram na base de toda a sua teoria e empreender, portanto, uma reformulação muito mais ampla da mesma.

 

Agradecimentos

 

CNPq – Bolsa de produtividade em pesquisa

 

 

Referências

 

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[1] FREUD. Jenseits des Lustprinzips.

[2] JONES.  A vida e a obra de Sigmund Freud.

[3] MONZANI. Freud: o movimento de um pensamento.

[4] AKHATAR & O´NEIL. On Freud´s Beyond the pleasure principle.

[5] KERNBERG. The concept of death drive: a clinical perspective. In On Freud´s Beyond the pleasure principle.

[6] GREENBERG. Instinct and primary narcissism in Freud´s latter theory: An interpretation and reformulation of beyond the pleasure principle.

[7] FREUD. Projeto de uma Psicologia. In: GABBI Jr. (Org.). Notas a “Projeto de uma Psicologia”.

[8] FREUD. Die Traumdeutung. Em: Studienausgabe.

[9] FREUD. Formulaciones sobre los dos principios del acaecer psíquico.

[10] FREUD. Die Traumdeutung, 557.

[11] FREUD. Die Traumdeutung,569-70

[12] FREUD. Jenseits des Lustprinzips, 217.

[13] FREUD. Jenseits des Lustprinzips, 226.

[14] FREUD. Jenseits des Lustprinzips, 230.

[15] FREUD. Jenseits des Lustprinzips, 232.

[16] MONZANI. Freud: o movimento de um pensamento.

[17] FREUD. Jenseits des Lustprinzips, 233.

[18] FREUD. Jenseits des Lustprinzips, 239

[19] FREUD. Jenseits des Lustprinzips, 242

[20] CAROPRESO & SIMANKE. Compulsão à repetição: um retorno às origens da metapsiclogia freudiana.

[21] FREUD. Jenseits des Lustprinzips, 246.

[22] Ambas as definições estão presentes nos artigos metapsicológicos publicados por Freud entre 1915 e 1917.

[23] FREUD. Jenseits des Lustprinzips, 248.

[24] MONZANI. Freud: o movimento de um pensamento.

[25] Freud se refere às “pulsões de morte”. Como veremos diante, ele acaba concluindo que a pulsão de morte se expressa como ódio, ou agressividade, e permanecem obscuras suas menções às “pulsões de morte”, as quais parecem pressupor a existência de várias dessas pulsões. Uma discussão interessante sobre essa questão pode ser encontrada na introdução de Akhtar ao livro On Freud´s beyond the pleasure principle, citado nas referências.

[26] FREUD. Jenseits des Lustprinzips, 250.

[27] FREUD. Jenseits des Lustprinzips, 259.

[28] FREUD. Jenseits des Lustprinzips, 267.

[29] FREUD. Esboço de psicanálise, p.147.

[30] FREUD. Das ökonomische Problem des Masochismus.

[31] FREUD, S.  Zur Einführung des Narzissmus.

[32] FREUD. Jenseits des Lustprinzips, 261.

[33] FIGUEIREDO. Palavras cruzadas entre Freud e Ferenczi.

[34]FREUD. Jenseits des Lustprinzips, 264.

[35] FREUD. Jenseits des Lustprinzips, 267.

[36] FREUD. Jenseits des Lustprinzips, 269.

[37] TOMLINSON, ‘Jenseits’ and beyond: teaching Freud´s late work

[38] MONZANI. Freud:o movimento de um pensamento.