Submissão: 10/09/2019 Aprovação:
10/09/2019 Publicação: 30/09/2019
Interfaces
da Filosofia Africana
Cheikh
Anta Diop e as suas Linhas Extensivas: Pensamento e
Crítica
Cheikh Anta Diop and his Extensive Lines: Thought and Criticism
Fernando
Santos de Jesus
Doutorando em Educação pela Universidade Federal do
Ceará–UFC. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico–CNPq.
Resumo: O
pensamento do Senegalês Cheikh Anta Diop (1923-1986) tem ganhado bastante força no Brasil após
maior abertura para os debates que campeiam os debates acerca das tensões e
embates políticos em torno da questão racial. No ano de 2003 fora promulgada a
lei 10.639/03, na qual altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996,
para a inclusão de disciplinas que abordem as histórias e as culturas do
continente africano e seus descendentes na diáspora brasileira. Esse
acontecimento possibilitou o amplo conhecimento de perspectivas teóricas que se
balizam em Diop. Utilizamos referenciais teóricos que
dialogam com essas posições, a fim de destacar que apesar da abertura política,
os contrapontos estão presentes. Portanto, nosso objetivo é estimular uma
reflexão teórica que conduza os nossos leitores a questionarem os arranjos
epistemológicos que hoje se apresentam como ferramentas para disputas políticas
no campo das relações étnico-raciais no Brasil.
Palavras-Chave: Epistemologia;
Continente Africano; Contrapontos
Abstract:
The thinking of the Senegalese Cheikh Anta Diop (1923-1986) has
gained a lot of strength in Brazil after more openness to the debates that
debate debates about the political tensions and clashes around the racial
issue. Law No. 10.639 / 03, in which it amended the 1996 Law on the Guidelines
and Bases of Education, was enacted in 2003 to include disciplines that address
the histories and cultures of the African continent and its descendants in the
Brazilian diaspora. This event made possible the broad knowledge of theoretical
perspectives that are based on Diop. We use
theoretical references that dialogue with these positions, in order to
emphasize that despite political openness, counterpoints are present.
Therefore, our objective is to stimulate a theoretical reflection that leads
our readers to question the epistemological arrangements that today are
presented as tools for political disputes in the field of ethnic-racial
relations in Brazil.
Keywords: Epistemology; African Continent; Counterpoints
Vida
e obra
O
presente ensaio não visa se limitar a traçar a trajetória biográfica de Cheikh Anta Diop, se concentrando
majoritariamente em algumas ideias contidas em suas obras e as críticas
cabíveis. Por esse motivo, e entendendo a importância de localizar o leitor em
relação a quem tenha sido o autor, dou início ao percurso através de uma breve
explanação sobre o contexto em que este senegalês esteve inserido. Cabe
salientar que não faremos uma análise sistemática em torno de cada obra, mas
somente indicar as principais ideias defendidas por ele.
Cheikh Anta Diop nasceu no Senegal no ano de 1923 em uma família nobre
e islamizada. Foi estudar na França e lá se forjou um intelectual de formação
multidisciplinar, tendo adquirido conhecimentos de Física, Química,
Antropologia, Filosofia, História e Sociologia. Neste mesmo país, Diop teve a sua tese de doutorado rejeitada no ano de 1954
ao defender a afirmação de que o antigo Egito era negro e que o continente
africano possuía uma identidade cultural comum, que se comprovava por meio de
um parentesco linguístico que se aglutina através da migração de povos negros
dentro do próprio continente.
Diop
encontrou muitas dificuldades e entraves no mundo acadêmico, visto que estamos
falando do ano de 1954, período de grande repressão às populações negras ao
longo do mundo. Nesse sentido, não podemos deixar de mencionar que a ambiência
parecia desfavorável ao arvorecer de novas configurações epistemológicas que,
posteriormente, transformaria os espaços educativos e inflamaria, ainda mais, a
“consciência racial” em nações as quais a negação dos direitos civis para os
negros matizava a estrada das populações brancas.
O
legado filosófico grego enquanto berço do pensamento ocidental continuava
intrépido – como ainda hoje é o modelo dominante – e ideias que ousavam
questionar o protagonismo do pensamento europeu tenderiam ao ostracismo. Desse
modo, é importante salientar que Diop não estava
sozinho, outros brilhantes pensadores também escreveram teses as quais
questionavam o modelo ocidental de organizar o mundo, mas também foram invisibilizados pela indústria do imaginário eurocêntrico,
que selecionava em que base epistemológica os países colonizados deveriam se
balizar. Diop está inscrito em um contexto que
deleita um rol de grandes pensadores negros, dos quais podemos dar destaque ao
martinicano Frantz Fanon (1925–1961), o brasileiro
Guerreiro Ramos (1915–1982), o estadunidense William Edward Du Bois
(1868–1963), dentre outros.
Os entraves e investidas
racistas para inviabilizar uma insurreição negra no pensamento, não foram
suficientes para que Diop deixasse de pesquisar e
documentar seus estudos, seu legado está materializado nos livros (títulos
originais em francês): “Nations nègres et culture: de l'Antiquité nègre égyptienne aux problèmes culturels
de l’Afrique noire d’aujourd'hui”, “L’unité culturelle de l’Afrique noire”, “L’Antiquité africaine par l’image”, “L’Afrique noire précoloniale. Étude comparée des systèmes
politiques et sociaux de l’Europe et de l’Afrique noire de l’Antiquité à la
formation des États modernes”, “Les fondements culturels, techniques et
industriels d’un futur État fédéral d’Afrique noire”, “Antériorité des
civilisations nègres: mythe ou vérité historique ?”, “Parenté génétique de l’égyptien pharaonique
et des langues négro-africaines”, “Civilisation ou barbárie”, “Nouvelles recherches sur l’égyptien ancien
et les langues africaines modernes” (publicado postumamente).
Estas obras são escritas em um grande período de tempo, que se estende até um pouco antes de sua
morte, no ano de 1986. Fica evidente que Diop
atravessou um grande período de acontecimentos históricos do século XX,
influenciando e sendo influenciado por gerações de pesquisadores e ativistas
que se inclinaram a (re)contar a história do
continente africano.
Pensamento e
Projeto político
Para que o projeto de “unidade cultural” africana não
fosse algo inócuo e sem virtualidade prática, Diop se
inclinou em atacar o cerne do pensamento ocidental, afirmando que os povos
originários da terra eram negros. Segundo ele, os primeiros habitantes do
planeta não teriam como nascer em outro lugar senão no continente africano, e
suas características físicas não poderiam estar desajustadas das condições
climáticas. Por esse motivo, esses seres humanos eram negros. Essa premissa
básica, afirma Diop, se confirma pelas condições
geográficas do continente, que possibilita abundância de recursos naturais
indispensáveis para a vida.
A partir dessa concepção, Diop
passa a traçar o caminho epistemológico tendo como princípio norteador as
características fundamentais de dois berços da humanidade que ele descreve
como: Meridional Melanodérmico e Setentrional Leucodérmico. O primeiro é referente ao berço da
humanidade, baseia-se nas condições de vida encontradas no continente africano
e o segundo é atinente à porção ocidental. De acordo com Diop,
seria possível conjecturar em que bases comportamentais estariam suscetíveis os
povos provindos de cada berço, tendo como elemento de análise a reconstrução
das organizações políticas e sociais, de acordo com acesso aos recursos
naturais e o clima de cada região. Diop afirma que:
O berço meridional confinado ao continente
africano em particular caracteriza-se pela família matriarcal, pela criação do
Estado-territorial, por oposição à Cidade-Estado ariana, pela emancipação da
mulher na vida doméstica, pela xenofilia, pelo cosmopolitismo, por uma espécie
de coletivismo social tendo como corolário a quietude, chegando até à despreocupação
em relação ao futuro, por uma solidariedade material de direito para cada
indivíduo, e que faz com que a miséria material ou moral seja desconhecida até
aos nossos dias; existem pessoas pobres, mas ninguém se sente só, ninguém está
angustiado. No domínio moral, um ideal de paz, justiça, bondade, de um otimismo
que elimina qualquer noção de culpa ou de pecado original nas criações
religiosas ou metafisicas. O gênero literário predileto é o narrativo - o
romance, o conto, a fábula e a comédia.
O berço nórdico confinado à Grécia e a Roma
caracteriza-se pela família patriarcal, pela Cidade-Estado (entre duas cidades
existia, afirma Fustel de Coulanges,
algo de mais intransponível do que uma montanha) percebe-se facilmente que é no
contato com o mundo meridional que os nórdicos expandiram a sua concepção
estatal para se erguer ao nível da ideia de um Estado territorial e de um
império. O caráter particular destas Cidades-Estado,
no exterior quais se era um fora da lei, desenvolveu o patriotismo no seu interior,
bem como a xenofobia. O individualismo, a solidão moral e material, a
repugnância pela existência, toda a matéria da literatura moderna que, mesmo
sob os seus aspectos filosóficos, não representa outra coisa senão a expressão
da tragédia de uma vida, cujo estilo remonta aos antepassados, constituem o
apanágio deste berço.
Um ideal de guerra, de
violência, de crime, de conquistas, herdado da vida nómada, tendo por corolário
um sentimento de culpabilidade ou de pecado original que representa o
fundamento dos sistemas religiosos ou metafísicos pessimistas são o apanágio do
mesmo[1].
Estas possibilidades, segundo Diop,
fundamentariam os pilares da cultura ocidental contemporânea, que através de
intensa e constante investida contra o continente africano, teria se tornado
dominante. De acordo com o antropólogo Carlos Moore[2],
em leitura de Diop, o mundo ocidental teria erguido
seu império através da intensificação de uma ordem sistêmica de profunda realidade histórica e alcance
geográfico, na organização do pensamento em torno dos elementos visíveis de
diferenciação entre os indivíduos, criando uma hierarquia baseada no fenótipo.
A identidade cultural africana, possibilitada pelo fio
condutor da memória e da espiritualidade, teria papel central na resistência
das populações negras africanas em relação a força da dominação colonial.
Corolário, a cultura negra se faz predominante até no mundo ocidental, isto é,
ainda que a dominância na gestão dos recursos econômicos seja europeia, através
da massificação do ethos
europeu, os legados culturais africanos estão entrelaçados por dentro dos
diversos modos de conceber os elementos éticos, políticos, metafísicos,
estéticos e lógicos que permeiam as sociedades contemporâneas.
Essa ocorrência, segundo Diop,
se deve ao fato de o berço da civilização europeia, a Grécia, ter sido forjado
a partir do contato com os egípcios e desses encontros terem retirado
importantes “nutrientes” epistêmicos para a organização do logos grego. A localização geográfica e a intensa migração de povos
na antiguidade permitiriam, portanto, afirmar sobre a impossibilidade de um
“milagre grego”, ou seja, de um desenvolvimento filosófico apartado dos
acontecimentos produzidos concomitantemente em outros lugares.
Para atestar comprovação dessa premissa, Diop se faz valer de relatos de filósofos e historiadores
gregos viventes na antiguidade. Importantes figuras como: Heródoto, Diodoro da Sicília, Sólon o legislador de Atenas, dentre
outros. Essas passagens são constantemente evocadas nas obras do senegalês, na
tentativa de “descortinar” a visão dos antigos sobre o continente africano.
These three examples reveal that Herodotus was not a
passive reporter of incredible tales and rubbish, “a liar”. On the contrary, he
was quite scrupulous, objective, scientific for his time. Why should one seek
to discredit such a historian, to make him seem naive? Why “refabricate”
history despite his explicit evidence?
Undoubtedly the basic reason for this that
Herodotus, after relating his eyewitness account informing us that the
Egyptians were Blacks, the demonstrated, whit rare honest (for a Greek), that
Greece borrowed from Egypt all the elements of her civilization. Moreover,
archeological discoveries continually justify Herodotus against his detractors.
Thus, Christiane Desroches-Noblecourt writes about
recent excavations in Tanis: “Herodotus had seen the outer buildings of these
sepulchers and had described them. [this was the Labyrinth discussed above.]
Pierre Montet has just proved once again that “The
Father of History did not lie”[3].
Nesta afirmação reside um elemento central da obra de Diop, a de que o Egito era uma nação negra, e não um estado
que representava uma África branca, conforme, segundo ele, o pensamento
hegemônico europeu buscou enquadrá-los. Essa posição política está alicerçada
na ideia geográfica de pertencimento ao berço Meridional Melanodérmico
(já mencionado), e na ideia de auto declaração, a partir de uma identidade
unificada no comum pertencer construído pela confluência de culturas negras,
para o que Théophile Obenga[4]
classifica como “Memória mais arquivada do mundo”.
No Egito, foi possível conceber diferentes fontes
históricas; narrativas, grafias e fósseis arqueológicos, que atestam para a
presença de povos vindos de outras regiões do continente africano, de troncos
linguísticos e culturais diversos, como Bantos e Yorubás.
Daí proviria a suspeita levantada por Théophile Obenga, de que o Egito seria a civilização responsável por
guardar “a memória dos povos”. Para este autor, seguindo as pistas deixadas por
Cheikh Anta Diop, o
filósofo mais cobiçado pelo ocidente, Platão, e seus antecessores –
Pré-Socráticos – teriam estudado no Egito e forjado todas as suas filosofias a
partir de lá.
Talvez o linguista e filósofo africano esteja
exagerando ao afirmar que toda a filosofia desses pensadores teria sido forjada
a partir do Egito, até mesmo porque cada um deles já desenvolviam seus
pensamentos antes de passar por um período de tempo naquele continente, e, posteriormente,
regressaram aos seus lugares de origem, onde continuaram seus estudos. Além
desse fato, é importante entender que, segundo o próprio autor, o Egito seria
um arquivo da memória dos povos, e para lá não confluíram somente gregos e
outros africanos.
Apesar desse exagero, que pode estar na base do
pensamento de Diop, estendido pelos seus seguidores,
é possível confirmar a anterioridade de textos filosóficos já escritos a partir
do continente africano, e que eles possivelmente influenciaram os modos de
pensar dos gregos. Portanto, segundo Diop, o discurso
que afirma que a filosofia seria fruto de um “milagre grego”, não condiz com um
modo sério de produzir e (re)contar a história da
filosofia. É buscando desvelar um caráter falseador de uma ordem sistêmica antinegra, que Diop conjectura
que os elementos culturais do mundo ocidental, e árabe, só ganharam forma por
meio da influência africana, ele afirma que:
Tha anciet
egyptians were Negroes. The moral fruit of their
civilization is to be counted among the assets of the Black world. Instead of
presenting itself to history as an insolvent debtor, that Black world is the
very intiator of the "western" civilization
flaunted before our eyes today. Pythagorean mathematics, the theory of the four
elements of the Thales of Miletus, Epicurean materialism, Platonic idealism,
Judaism, islam and modern science are rooted in
Egyptian cosmogony and science. One needs only to meditate on Osiris, the redeemergod, who sacrifices himself, dies, and is
resurrected to save mankind, a figure essentially identifiable whit Christ[5].
De acordo com essa posição, Diop
deixa aberto o caminho para a interpretação de que toda cultura ocidental não
passaria de um desdobramento de conhecimentos anteriormente lançados pelos
africanos, organizados a partir do Egito. Essa é uma afirmação bastante
delicada e polêmica, já que Diop também não analisa
outras possibilidades existenciais e suas influências culturais deixadas e/ou
herdadas no contato entre povos. Isto é, Diop não
lança uma sistematização analítica acerca dos povos orientais, sob a
justificativa de falta de documentos que permitam (re)fazer
um percurso de (re)construção de possibilidades
vivenciais sobre aqueles povos.
Entretanto, Carlos Moore tece considerações a partir
de possíveis estudos mais recentes (ele não cita que estudos são estes) que
talvez permitem conjecturar acerca das populações asiáticas. Perseguindo as
inquietações de Diop, Moore buscou demonstrar um
caminho no qual fosse possível incluir o continente asiático no rol dos lugares
onde a presença humana fosse posterior ao continente africano.
As pesquisas mais recentes
na esfera da biologia genética coincidem com as provas paleoantropológicas:
os seres humanos modernos que saíram do continente africano entre 50 e 80 mil
anos atrás, povoando todo o planeta, tinham pele negra e ostentavam as feições
apresentadas até hoje pelos diversos povos que residem nesse continente (exceto
a textura dos cabelos, que teriam sido lisos até recentemente, como é o caso
dos povos negros da Índia e da Austrália). Um mecanismo de clareamento da pele
(o gene SLC24A5) teria sido fixado pela seleção natural 18 mil anos atrás,
provocando o surgimento de dois novos povos fenotípicos (raças): os protoeuropeus brancos e os protoasiáticos
amarelos. A partir desse momento, essas populações continuaram diferençando-se
fenotipicamente para, por fim,
constituir as branco-europeias e amarelo-asiáticas da atualidade[6].
Diop também lança mão
de uma instigante provocação que desemboca na anterioridade dos negros na
terra, afigurando novos contornos fenotípicos de acordo com a conjugação do clima
aos elementos naturais disponíveis. De acordo com o autor, a lógica pode se
manter inalterada se compararmos os traços fenotípicos entre negros e
asiáticos, chegando à conclusão de que as características comuns são fruto da
herança deixada pelos negros africanos que migraram para aquelas regiões.
The yellow race as well was probably the result of
cross breeding between Blacks and Whites at a very ancient time in the history
of mankind. In fact, the yellow peoples have the pigmentation of the mixed breeds,
so much so that comparative biochemical analysis would be unable to reveal
great difference in the quantity of melanin. No systematic study of the blood
groups in mixed breeds has made been made to date. If would have permitted
interesting comparison with those of the yellow race.
The ethnic features of yellow people, lips nose,
prognathism, are those of the mixed breed. Their facies (high cheekbones,
puffed eyelids, Mongolian puckers, slant eyes, depression at the bridge of the
nose) could merely result from the effect of thousands of years in a climate
that blows cold winds on the face. The crispation of the face as a result of
the wind would suffice to explain the prominent cheekbones and puffed eyelids,
which form two correlative ethnic traits. Beating against the face in cold
weather, the wind can escape through the corner of the eye only by following an
oblique upward movement, after the molecules of air have been warmed. In the
long run, this mechanical force could produce a deformation of the eye in the
same direction. Such an action by the climate could be even stronger on a young
organism like that of a child. This explanation obviously assumes the
hereditary of acquired characteristics. It is known, moreover, that these
features, called Mongolian, change from northern to southern Asia, following to
some extent a climate curve. And it has been observed that, wherever there are
yellow-skinned peoples, one still find smell pockets
of Black and Whites who seem to be residual elements of the race. This is the
case throughout southeast Asia: the Mois in the
mountains of Viet-Nam where, in addition, it is curious to encounter such names
as Kha, Thai, and Cham; the Negritos and Ainus in
Japan, etc. Acoording to a Japanese proverb: “For a
Samurai to be brave, he must have bit of Black blood”. Chinese chronicles
report that Negro empire existed in the south of China at the dawn of that
country’s history. Proto-Aryan
+ Proto-Dravidian + Cold Climate = Yellow?[7].
Essa afirmação segue como nota explicativa, que tem a
pretensão de traçar linhas extensivas, possibilidades de estudos futuros. Nesse
sentido, Diop se concentra em afirmar que todas as
variações fenotípicas das populações humanas descendem de um ancestral comum,
negro, nascido no continente africano.
The triumph of the monogenetic thesis of humanity
(Leakey), even at the stage of "Homo Sapiens-Sapiens", compels one to
admit that all races descended from the Black race, according to a filiation
process that science will one day explain[8].
Segundo Diop, esse seria um
conhecimento básico e indispensável para afirmar que as maiores realizações da
humanidade proviriam dos africanos. Leva-se em consideração o princípio
educativo básico, que segundo Bergson[9],
se baseia na conservação das experiências positivas que são repassadas para as
gerações posteriores, no intuito de minimizar os esforços em torno da
construção de saberes indispensáveis para tornar a vida mais agradável e, por
conseguinte, mais confortável. De acordo com essa possibilidade, os africanos
que migraram para outros continentes, somente obtiveram êxito porque, já em seu
continente, se educaram e desenvolveram as tecnologias que permitiriam a
invenção de utensílios indispensáveis para a sobrevivência.
Segundo
Diop, pode-se afirmar que os primeiros seres humanos,
os negros africanos, desenvolviam pensamento filosófico e produziam ciência,
além do fato de que estes conhecimentos atravessaram continentes, permitindo
que os brancos – segundo ele uma variação fenotípica dos negros, devido
condições climáticas – pudessem herdar essas realizações dos seus ancestrais
negros.
Todas as invenções mecânicas atribuídas a
Arquimedes apresentam um caráter duvidoso; estas existiam no Egito milénios
antes do seu nascimento. Os construtores das pirâmides do antigo império
conhecem o princípio da alavanca; recorriam a este de modo diversificado para
erguer toneladas de pedras até o topo das pirâmides em construção. Neste
sentido, é impossível utilizar tal instrumentos sem associar de imediato a
relação das massas e das distâncias sem teorizar. Arquimedes teria descoberto o
parafuso sem fim que está na origem de um progresso mecânico considerável.
Porém, Diodoro da Sicília é categórico, Arquimedes só
poderia ter levado a cabo esta invenção após a sua viagem para o Egito, onde o
parafuso hidráulico já era utilizado e servia para bombear a água. Isto
afigura-se de tal modo evidente que é hoje geralmente aceite o fato de
Arquimedes ter, no máximo, adaptado uma invenção egípcia[10].
Ainda que Cheikh Anta Diop não tivesse dimensão da popularidade que esses estudos
pudessem assumir, suas teorias ganharam forças interpretativas que geraram
agenciamentos políticos que se tonificam a partir das décadas de 1960 e 1970,
com a intensificação da afirmação da identidade negra nos Estados Unidos
(através da conquista pelos direitos civis), nas lutas de libertação dos países
africanos em face do poder colonial e com as (re)organizações
de movimentos negros pelo mundo, orientados por ideologias Pan-africanistas que
apresentavam alternativas diferentes das bases marxistas as quais os movimentos
anteriores se balizavam.
Portanto, Cheikh Anta Diop teve o mérito e a coragem de apresentar ao mundo da
ciência e do pensamento filosófico, novas perspectivas que transgrediam as
fronteiras quase intransponíveis do chamado “eurocentrismo”. Sua intenção era
tonificar o sentimento de solidariedade das populações negras ao longo do
mundo, tornando possível a edificação de um grande projeto de estado unificado
africano, forte e desenvolvido, apartado da dependência econômica dos países
industrializados e despido das influências epistemológicas ocidentais.
Linhas Extensivas
e Críticas ao Pensamento Afrocêntrico
Uma das linhas interpretativas de reordenamento do
pensamento de Cheikh Anta Diop
se apresenta na proposta epistemológica cunhada pela Afrocentricidade,
que tem como seu expoente máximo o afro-americano, professor doutor Molefi Kate Asante - Arthur Lee Smith Jr.
(1942), professor da universidade de Temple, nos
Estados Unidos da América. Salientamos que essa escola de pensamento agrega
outros intelectuais que referendam os estudos africanos a partir dos EUA, se
expandindo para outros continentes e contando com a cooperação de acadêmicos,
atores de movimentos sociais e políticos.
Resumidamente, o princípio direcionador da Afrocentricidade se dá pelo questionamento: o que seria do
mundo sem a presença das populações brancas? Segundo eles, as bases dos
problemas sociais encontrados ao redor do mundo, se devem à cobiça e ao desejo
de dominação das populações brancas ocidentais, que herdaram e desenvolveram os
princípios comportamentais de seus antepassados brancos, viventes do berço
Setentrional Leucodérmico. Para aqueles que seguem
essa perspectiva, o sentimento de pertença a ancestralidade africana deve ser o
centro de suas decisões, numa conjugação geográfica que estaria para além do
continente africano, ou seja, os negros da diáspora deveriam conciliar a
identidade negra a partir da premissa de que são todos africanos, independente
da porção de mundo em que se encontram, e assim potencializar uma agenda negra
unificada.
Essas perspectivas são amplamente discutíveis e
questionadas por pensadores de várias origens étnicas, raciais e nacionais.
Faremos uma breve localização da possível crítica a essa tendência de
pensamento, utilizando o filósofo camaronês Achille Mbembe (1959). Tenho como justificativa de escolha, o fato
de se tratar de um pensador negro e do continente africano, evitando qualquer
bipolarização racial, na compreensão de que as teorias afrocêntricas
não são consensuais entre a intelectualidade negra, bem como não são totalmente
rejeitadas pela intelectualidade branca.
De acordo com o traçado crítico de Mbembe[11],
as “formas de auto-inscrição” daqueles que defendem
uma identidade negra unificada - a partir do sentimento de pertença africano –,
se alicerçam em uma corrente nativista que é baseada no princípio racial e
particularista como meio de afirmação da diferença, se opondo a universalidade
do conceito de raça (humana). Para o autor, existem outras correntes, como o
Marxismo, que se baseia na narrativa revolucionária, na qual exerce um poder de
mando centralizando os agenciamentos políticos em torno dos partidos políticos
de esquerda. Desse modo, o que se articula por fora do crivo partidário
correria o risco de se aproximar a oposição e ser combatida, estaria atrelado a
um cunho “conservador”.
A segunda corrente apresentada não constitui fruto
para aprofundamento em nosso debate, já que Diop, e
os que se articularam em torno de suas linhas extensivas, podem ser
classificados por Mbembe enquanto nativistas. Nesse
quadro, “estaria construída uma identidade forjada a partir da “vitimização”,
já que haveria um projeto político frustrado por forças exteriores que frearam
as formas de autogestão dos povos africanos”[12].
O perigo dessas afirmações reside no fato de que se
cria um devir africano aprisionado,
com força de realização adiada, já que os agenciamentos políticos das
populações negras deveriam estar conciliados na noção de um povo unificado, que
necessitariam resgatar uma identidade comum, perdida no tempo e no espaço, uma
vez que as forças neutralizantes do eurocentrismo não permitiriam a
continuidade de decisões autônomas, pois o esmagamento do racismo criaria um déficit negro em relação a si mesmo.
Desse modo, somente o resgate ancestral mais pré-colonial possível, seria capaz
de reorganizar o jogo político e devolver a força de movimentação para as
pessoas negras, que passariam a valorizar somente aquilo que fora construído
genuinamente por negros não afetados pelo poder colonial.
Segundo Mbembe, a busca
“obsessiva” em demonstrar grandes realizações filosóficas e científicas da
antiguidade, só reforçam o aprisionamento existencial dos grupos que se
orientam pelas teses nativistas. Para ele, a necessidade de se auto referendar
atesta para um discurso de autoctonia que assume a radicalidade da diferença, e
a impossibilidade (pelo menos discursiva) de retorno a universalidade
(Humanidade). Seguindo as críticas de Mbembe,
trazemos um exemplo para ilustrar a possibilidade da existência sobre a
necessidade de comprovar que a filosofia ocidental se fez valer do contato com
o continente africano para existir. Vejamos no exemplo retirado do texto de Obenga:
O Egito desempenhou um papel significativo no
pensamento de Platão: perto de 42% dos seus discursos concernem directa e amplamente ao Egito, país da mais alta
Antiguidade, berço da escrita e das ciências, modelo de organização artística,
intelectual e pedagógica. E Plutarco, desde a própria antiguidade, dedicou-se a
ler as leis, a República, o Banquete e, sobretudo, o Timeu
e Fedra, precisando aquilo que, segundo ele, era devido ao Egito[13].
A partir dessa afirmação de Obenga,
reside um estranho fato, o da auto-referência de
grandeza que se faz sobre o Egito que, no entanto, necessitaria centralizar a
figura de um ocidental, nesse caso Platão, para atestar a legitimidade de uma
filosofia genuinamente africana, mais especificamente no Egípcia. Ou seja, para
tornar a filosofia africana potente fora preciso o crivo de Platão como
testemunho de que aquele lugar seria o nascedouro da filosofia e da ciência?
Parece um tanto contraditório tal afirmação, e essa realmente é uma indagação
que enfraquece o argumento apresentado pelas teses nativistas.
Os intérpretes,
assim como os analistas africanos, têm usado categorias e sistemas conceituais
que dependem de uma ordem epistemológica ocidental. Mesmo nas descrições mais
explicitamente ‘afrocêntricas’, os modelos de
análise, explicitamente ou de forma implícita, consciente ou inconscientemente,
se referem à mesma ordem[14].
De acordo com essa afirmação, existe um axioma
conceitual, tornando as explicações que atestam para uma autoctonia filosófica
africana, algo circular, que para tornar possível sua (re)leitura,
ou interpretação, necessita recair em vários pontos sistematizados pelos
supostos algozes, os ocidentais. Para Muniz Sodré, o fato de afirmar que é
possível produzir conhecimento no seio das diversas populações africanas não
altera o quadro de interdependência entre as culturas globais, e a tendência de
centralizar os acontecimentos humanos no continente da África, tornando todo o
resto desdobramento deste fato, seria um risco assumido por pensadores
afro-americanos desde a década de 1970.
A novidade é também possibilitada por um
discurso que remonta ao início dos anos setenta nos Estados Unidos quando,
junto com movimentos políticos e culturais de valorização do negro, produziu-se
uma conjuntura acadêmica afrocêntrica. Para o Scholar
afrocentrado, isto é, aquele que segue a linha do
antropólogo senegalês Cheikh Anta Diop,
a cultura europeia provém do Egito, por sua vez parte da África (...).A
interpretação de Diop tem, antes de mais nada, o
mérito de contraditar toda uma tradição acadêmica que, desde o século dezenove,
tentava “embranquecer” os egípcios para explicar, segundo a conveniência
euro-racista, fatos civilizatórios altamente valorizáveis, como a invenção das
pirâmides, dos hieróglifos, dos conhecimentos astronômicos e arquitetônicos,
etc. – chegando-se mesmo a dizer que os egípcios eram “membros escuros da Grande
Raça Branca” (...).Deduzir daí, entretanto, uma teoria geral da “africanidade”
é particularmente problemático, quando primeiro se considera a evidência geo-histórica de que muitos dos povos africanos provieram
também de regiões mesopotâmicas e asiáticas do leste do rio Nilo. Depois,
sustentar, como faz Diop, que o Egito faraônico foi o
centro irradiador de todo o processo civilizatório europeu graças à influência
egípcia sobre os gregos, é no mínimo um risco acadêmico, compreensível apenas
no quadro da luta ideológica entre a antropologia afrocêntrica
e o difusionismo racista dos euroamericanos[15].
Vemos que a questão está posta em um patamar muito
mais localizado em uma luta ideológica, do que na construção de conhecimentos
que articule questões diversas, onde se concorde que no continente africano
“nem tudo são flores”. O que se deve evitar é que a humanidade dessas
populações seja rotulada por um discurso de bondade suprema, em um mundo bipolarizado entre o mau, os brancos, e o bem, os negros.
Nesse sentido, Mbembe não se
furta de (re)contar os fatos mais sombrios sobre a
escravização de africanos e a atual política de extermínio nos países daquele
continente, pois, segundo ele, em ambos os casos há coparticipação de africanos
nesses sistemas mordazes. Embora Mbembe afirme esse
fato, o autor não deixa sombra de dúvidas de que a potencialização dessas
políticas tenha sido fomentada de fora para dentro, mas se deter a esse fato
seria negligenciar que o desejo humano de poder e expansão de riquezas
reorganizaram as relações sociais e as disputas políticas locais. Não seria
demais, portanto, afirmar que as oligarquias que comandavam cidades em
determinados países africanos, antes da colonização, tenham sido aliadas do
colonialismo e da escravização.
Diop e os seus
seguidores, atribuem ao fenômeno da escravização uma responsabilidade única dos
dominadores europeus, pois para ele, escravizar é parte do instinto humano.
Contudo, escravizar por meio de justificações filosóficas e mercadológicas,
constituindo uma escala mundo, somente os europeus empreenderam esse intento. Ele
afirma que:
By definition, all slaves should make up
the revolutionary class. One can easily imagine the state of mind of warrior or
any freeman whose condition through defeat in war radically changes from one
day to the next, as he becomes a slave: as in classical antiquity, prisoners of
war were automatically subject to being sold. Persons of rank might be ransomed
by their families, who would give in exchange a certain number of slaves. In
principle, one could have a nephew serve as a substitute: a man’s sister’s son,
in this matriarchal regime, would be given by his uncle in ransom; whence the
two Wolof expressions, na djây
(“may the sell”, i.e., the uncle), and djar dât (“he who can buy back”, i.e., the nephew). But this is
where the slaves come in. In this aristocratic regime, the nobles formed the calvary of the army (the chivalry). The infantry was
composed of slaves, former prisoners of war taken from outside the national
territory. The Slaves of the king formed the greater part of his force and in
consequence their condition was greatly improved. They were now slaves
in name only[16].
Mbembe negaria esta
afirmação, primeiro sob a alegação de que há um aprisionamento pré-colonial
(portanto anacrônico) que ainda recai no problema da justificativa de uma
humanidade mais branda no relacionamento entre os africanos. Segundo, se
levarmos em consideração que essa lógica seja menos predatória do que o
escravismo ocidental sobre o continente africano, tendo como princípio motor o
agenciamento conduzido pela raça, o modelo se manteria inalterado e o sistema
escravocrata não atravessaria os oceanos, já que os reis que escravizavam seus
povos a partir de outros critérios, ainda assim mantivessem um vínculo racial,
que salvaguardava o direito de reabsorção social daqueles que estariam
submetidos, evitariam o sequestro. Mbembe completa:
De muitas formas, a
colonização foi uma co-invenção. Ela
tanto foi o resultado da violência ocidental, quanto do trabalho de
seus auxiliares africanos em busca de lucro. Onde havia falta de colonos
brancos para ocupar o território, os poderes coloniais geralmente recrutavam os
negros para colonizarem seus próprios conterrâneos (congénères)
em nome da nação metropolitana. Mais decisivamente, por mais “doentio” que
possa parecer, o colonialismo como fenômeno mental e material exerceu uma forte
sedução sobre os africanos. Esta atração foi tanto material, como moral e
intelectual. Possibilidades ostensivas de mobilidade ascendente foram
prometidas pelo sistema colonial. Se tais promessas realmente foram cumpridas,
é algo que não está em questão. Como uma fábrica de ficções refratada e
infinitamente reconstituída, o colonialismo gerou mútuas utopias e alucinações
partilhadas pelos colonizadores e pelos colonizados[17].
Os
desdobramentos que se tem a partir daí se observa num processo de dupla
inscrição, onde os horizontes são perturbadores para colonizadores e
colonizados. Cada porção de continente fora escravizado de um modo e por nações
europeias distintas, reagindo e negociando de modos particulares, não havendo
singularização nas estratégias de obtenção de lucros e/ou para driblar e resistir
a esse sistema. Por esse motivo, tornamos a recorrer Mbembe
para advertir que o escravismo ou a materialização de uma ordem sistêmica
racista não triunfou sobre os negros, mas, sim, (re)organiza
um campo de tensões que são redimensionadas em cada limite de produção de
resistência.
Por esse motivo, para Mbembe,
é sumamente importante compreender as transformações culturais ocorridas em um
mundo cada vez mais conectado pelas novas tecnologias. As identidades estão em
contínua transformações, na verdade sempre estiveram, mas desta vez o mundo
virtual possibilita que haja maiores trocas, em uma dinâmica avassaladora que
estiola a velha noção de um continente africano unificado. Segundo o autor essa
seria uma visão romantizada.
Na verdade, não importa
que definição se dê a tal noção: a
unidade racial africana sempre foi um mito. Este mito atualmente está
implodindo diante do impacto de fatores externos e internos conectados com as
formas pelas quais as sociedades africanas estão ligadas a fluxos culturais
globais[18].
As
críticas não param por aí, entretanto, não constituem escopo do nosso trabalho,
avançar em mais frentes que venham a trazer elementos para debates mais
extensos. Essa seção foi sistematizada a fim de apresentar as críticas feitas em
torno do trabalho de Cheikh Anta Diop
e seus sucessores. Desse modo, e para a última possibilidade de crítica feita
por aqui, trazemos um fragmento de Frantz Fanon como
compreensão daquele que pensa o devir
liberado, ou seja, a teoria anti-colonialista que não
se faz valer do revanchismo e ressentimento, ainda que se trabalhe a partir dos
traumas psicológicos sofridos pela colonização (“Pele Negra, Máscaras
Brancas”), da violência física e psíquica em que se assenta a geografia do
colonizado (“Os Condenados da Terra”) e sobre as possíveis organizações
políticas – com seus momentos de violência inevitáveis – necessárias para o
processo de libertação da força colonial (“Em Defesa da Revolução Africana”).
Não quero, acima de tudo, ser mal compreendido. Estou
convencido de que há grande interesse em entrar em contato com uma literatura
ou uma arquitetura do século III a.C. Ficaríamos muito felizes em saber que
existe uma correspondência entre tal filósofo preto e Platão. Mas não vemos,
absolutamente, em que este fato poderia mudar a situação dos meninos de oito
anos que trabalham nas plantações de cana da Martinica ou de Guadalupe. Não se
deve tentar fixar o homem, pois o seu destino é ser solto. A densidade da
história não determina nenhum de meus atos. Eu sou meu próprio fundamento. É
superando o dado histórico, instrumental, que introduzo o ciclo de minha
liberdade. A desgraça do homem de cor é ter sido escravizado. A desgraça e a
desumanidade do branco consistem em ter matado o homem em algum lugar.
Consiste, ainda hoje, em organizar racionalmente essa desumanização. Mas, eu,
homem de cor, na medida em que me é possível existir absolutamente, não tenho o
direito em me enquadrar em um mundo de reparações retroativas. Eu, homem de
cor, só quero uma coisa: Que o jamais o instrumento domine o homem, que cesse
para sempre a servidão do homem pelo homem. Ou seja, de mim por outro. Que me
seja permitido descobrir e querer e querer bem ao homem, onde quer que ele se
encontre. O preto não é. Não mais que o branco[19].
Portanto, essas são somente algumas possibilidades
para empreender críticas a Diop e as linhas
extensivas que se nutrem do pensamento advindo do senegalês. São pensamentos
ancorados em pensadores que discordam da maneira em que foram apresentadas as
teses, e produzem seus pontos de vista a partir de traçados epistemológicos que
estão na direção oposto ao que a perspectiva afrocentrada
visa empreender. Esse é um exercício contínuo no qual necessita de maior espaço
para expressões mais exaustivas. Entretanto, estamos satisfeitos em ter posto
as questões que pensamos serem chaves para estender para outras informações
relevantes que se (re)fazem por meio da crítica.
Considerações
Finais
Os arcabouços filosóficos e sociológicos que organizam
as nações, estejam elas em qualquer continente, se balizam através do
pensamento eurocêntrico, que se auto referenda enquanto sistema excelso, axioma
que se refaz no jogo de “sujeição de saberes”[20]
tornados indispensáveis para sobreviver.
Esse fato, no entanto, não anula a possibilidade de agenciamentos que
encontram substratos importantes para a reorganização de espaços comuns de
convivência, onde a miséria existencial não assente morada.
Recontar a história e trazer à tona novos elementos
para a acareação crítica, a fim de apresentar alternativas ao modelo de vida
predatório ensejado pelo ocidente, é tarefa que requer coragem, inclinação para
pesquisas acadêmicas e incansável disputa política. Cheikh
Anta Diop foi um gigantesco intelectual, incansável
no combate ao racismo, não se limitou a uma área de conhecimento, seu desejo de
justiça o deslocou para os mais árduos campos de batalha, tendo que confrontar
com forças políticas que desacreditavam em seus projetos e / ou os rejeitava,
pelo simples fato de realimentar sistemas de poder que dão força para a
manutenção do racismo.
Desse modo, Cheik Anta Diop teve o inquestionável mérito de pôr em xeque alguns
ordenamentos operativos que irradiava conhecimentos a partir de um único lugar.
Diop foi incansável na busca de descortinar algumas
contradições da filosofia e das ciências ocidentais, que ao se estabelecerem
como fonte incontestável de produção de saberes, anulava a importância do que
se produzia em âmbito local, em outros continentes. Não obstante, o ponto chave
não seria compreender os povos africanos a partir do crivo do ocidente, mas
produzir uma ciência autóctone sem tangenciar elementos ocidentais que
explicasse o funcionamento de tais culturas, e nessa tarefa Diop
falhou, diriam os seus críticos.
Segundo Mbembe, tanto Diop quanto os seus sucessores, esbarrariam nas
transformações das relações sociais do mundo, que, na verdade, advogada para
novos olhares e constante revisões do período no qual esses intelectuais haviam
se debruçado para questionar a linha histórica de subdesenvolvimento do
continente africano pelo europeu. Segundo ele, e tantos outros estudiosos,
haveria uma tendência – a partir de Diop – em
romantizar o continente africano, imobilizando suas populações no lugar da
passividade e da homogeneidade, quando se sabe que o continente africano é o
que possui o maior número de países e a segunda maior população mundial, logo
bastante diverso.
A crítica é taxativa e afirma que: “A unidade racial
africana sempre foi um mito”[21]. Nesse sentido, enxergam como negativa a posição de
muitos pesquisadores que tentam pôr em oposição as populações do continente
africano ao europeu, tendo como ponto de partida o critério racial, pois
entendem que essa posição acorrentaria os negros aos guetos da diferença,
inviabilizando o ingresso na universalidade da humanidade. Importante salientar
que o autor não defende a ideia de que firmar a condição de ser humano tenha
que se inscrever nos ditames do ocidente, ele rejeita a ideia defendida pelos pesquisadores
da afrocentricidade, de polarizar e generalizadamente
uma moral negativa – em relação as populações brancas ocidentais –, e positiva
para os negros africanos e seus descendentes.
Essa leitura, segundo Mbembe,
desprivilegia a existência de cooperações indispensáveis para a resolução de
problemas pontuais que assolam a humanidade. Desse modo, a afrocentricidade
como linha extensiva do legado de Cheikh Anta Diop, teria transformado de maneira negativa o que o
senegalês teria deixado como possibilidade de reorganização do olhar acadêmico
sobre o continente africano. A crítica de Muniz Sodré[22] é
encaminhada nessa mesma direção, se concentrando muito mais nos desdobramentos
do pensamento de Diop do que em suas obras
propriamente dita.
Portanto, apresentamos, de maneira breve, o que
inviabiliza uma adesão total as alternativas que apresentam um caminho
diferente do convencional. A estrada tornada convencional também não é a mais
segura e inquestionável, por isso o alerta que se faz necessário é que se tenha
frieza e responsabilidade na digestão dessas teses. Ler e entender as obras de Diop é sumamente recomendável, pois serve como elemento
fundamental para o questionamento do paradigma hegemônico. Entretanto, é
necessário não acorrentar o conhecimento. Se valer da multiplicidade de
correntes filosóficas e científicas, é estender linhas conceituais que
contribuirão positivamente para um fazer acadêmico substancial e honesto.
Referências
BERGSON, Henri. A Evolução Criadora. São Paulo:
Editora UNESP, 2009.
DIOP, Cheikh. The African
Origin of Civilization: Myth or Reality. Chicago: Lawrence Hill
& Co., 1974.
DIOP,
C. Precolonial Black Africa. Chicago: Lawrence Hill Books, 1987.
DIOP, C. A unidade Cultural da
África Negra: Esferas do Patriarcado e do Matriarcado na Antiguidade Clássica. Luanda: Edições Mulemba, 2014.
FANON, F. Os Condenados da Terra. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1961.
FANON, F. Pele Negra, Máscaras Brancas. Salvador: EDUFBA,
2008.
FANON, F. Em Defesa da Revolução Africana. Lisboa: Livraria Sá
da Costa Editora, 1980.
FOUCAULT,
Michel. Em Defesa da Sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
MBEMBE, Achile. As
Formas Africanas de Auto-Inscrição. Estudos
Afro-Asiáticos, Ano 23, nº 1, 2001.
MOORE, Carlos. A Humanidade Contra si Mesma: Para uma
Nova Interpretação Epistemológica do Racismo e de seu Papel Estruturante na
História e no Mundo Contemporâneo. II Fórum Internacional
Afro-colombiano. Bogotá, 18 de maio de
2011. Anais: 1-17.
OBENGA, Thèophile. O Egipto da Obra de
Platão. In: DIOP, Babacar Mbaye; DIENG, Doudou. A Consciência Histórica
Africana.
Luanda: Edições Mulemba, 2014.
SODRÉ, Muniz. Claros e
Escuros: Identidade, Povo e Mídia No Brasil. Petrópolis: Editora Vozes, 2000.
[1] DIOP, A unidade Cultural da África Negra: Esferas do
Patriarcado e do Matriarcado na Antiguidade Clássica, p. 173.
[2] MOORE, A
Humanidade Contra si Mesma: Para uma Nova Interpretação Epistemológica do
Racismo e de seu Papel Estruturante na História e no Mundo Contemporâneo,
2011.
[3] DIOP, The African Origin of
Civilization: Myth or Reality, p.4.
[4] OBENGA, O Egipto da Obra de
Platão, 2014.
[5] DIOP, The
African Origin of Civilization: Myth or Reality, p. xiv.
[6] MOORE, A Humanidade
Contra si Mesma: Para uma Nova Interpretação Epistemológica do Racismo e de seu
Papel Estruturante na História e no Mundo Contemporâneo, p. 10.
[7] DIOP, The
African Origin of Civilization: Myth or Reality, p. 280-281.
[8]
Ibidem, p. xv.
[9] BERGSON, A
Evolução Criadora, 2014.
[10] DIOP, A unidade Cultural da África Negra: Esferas do
Patriarcado e do Matriarcado na Antiguidade Clássica, p. 173.
[11] MBEMBE, O Egipto da Obra de
Platão, 2001.
[12] Segundo Mbembe, “Por
trás do sonho da emancipação política e da retórica da autonomia, uma perversa
operação foi estabelecida, cujo resultado apenas fortaleceu o ressentimento
africano e sua neurose de vitimização”. Ver MBEMBE, As Formas Africanas de Auto-Inscrição, p. 186.
[13] OBENGA, O Egipto da
Obra de Platão, p. 214.
[14] MBEMBE, As
Formas Africanas de Auto-Inscrição,
2001.
[15] SODRÉ, Claros e Escuros: Identidade, Povo e
Mídia No Brasil, p. 237-238.
[16] DIOP, Precolonial Black Africa, p. 3-4.
[17] MBEMBE, As Formas Africanas de Auto-Inscrição, p. 190.
[18] Ibidem, p. 192.
[19] FANON, Pele Negra,
Máscaras Brancas, p. 190-191.
[20] Sobre sujeição de
saberes é importante entender que se trata da massificação de valores
referendados pelos sistemas de poder, aos quais servem para a organização do
lugar de dominação, estabelecendo papéis sociais a partir dos conhecimentos
normalizados, criando uma norma que retorna a si mesmo, mesmo diante dos
momentos de crise. Ver FOUCAULT, Em Defesa da Sociedade, 2011.
[21] MBEMBE, As Formas Africanas de Auto-Inscrição, p. 192.
[22] SODRÉ, Claros e Escuros: Identidade, Povo e Mídia No
Brasil, 2000.