Submissão: 10/09/2019 Aprovação:
10/09/2019 Publicação: 30/09/2019
Tradução
Amenemope: Sobre o Uso do Tempo, de Molefi Kete Asante*
Amenemope: On the Use of Time, by
Molefi Kete Asante
Tradução de Aline Cristina Oliveira do Carmo
Doutora em Filosofia pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
alinec.oliveira1984@gmail.com
Resumo: Neste texto, Molefi Kete Asante apresenta Amenemope como um importante representante da filosofia
ética egípcia antiga, por sua capacidade de combinar elementos da cosmogonia de
seu povo, expressando o desenvolvimento de um humanismo fundado no modo de vida
egípcio. Assim, são destacados três capítulos das Instruções de Amenemope, geralmente
datadas do século 10 a.C., e conhecidas como Seboyet. A respeito de sua importância, essa obra é indicada como um
possível modelo para todas as literaturas antigas de tipo proverbial, tais como
os provérbios de Salomão e os Analectos de Confúcio.
Palavras-chave: Filosofia Antiga; Ética Egípcia; Instruções; Humanismo.
Abstract: In this text, Molefi Kete Asante presents Amenemope as an important representative of ancient
Egyptian ethical philosophy, for his ability to combine elements of the
cosmogony of his people, expressing the development of a humanism founded on
the Egyptian way of life. In this text, three chapters of the Instructions of Amenemope, known as Seboyet, generally dated from the 10th century, are highlighted.
Regarding their importance, this work is indicated as a possible model for all
ancient literatures of the proverbial type, such as Solomon's Proverbs and the
Analects of Confucius.
Keywords:
Ancient Philosophy; Egyptian
Ethics; Instructions; Humanism.
Amenemope, o
Escriba, filho de Kanakht,
escreve um dos mais simples exemplos da filosofia ética egípcia antiga. As
Instruções, ou Seboyet,
frequentemente referidas como Sabedoria, foram escritas durante o século 10a.C.
e representam a culminação de muitas ideias encontradas nas longas tradições do
Egito. Com efeito, há tanta similaridade no livro dos Provérbios para a Seboyet de Amenemope que alguns estudiosos pensaram que Salomão foi um
estudante dos Egípcios, o que, certamente, é bem possível, embora seja difícil
estabelecer uma relação direta entre os Egípcios e as literaturas hebraicas.
Ainda assim, pode-se achar proveitoso comparar Provérbios 22:17-24 com a Seboyet de Amenemope. Se há uma relação direta ou não, a mais antiga Seboyet deve ter
servido de algum modo como um modelo para todas as literaturas antigas de tipo
proverbial. A linha em Provérbios 22:20 que afirma, “Não escrevi para você
trinta palavras de admoestação e conhecimento”, refere-se, eu acredito, aos
“trinta” capítulos de Amenemope.
De muitas formas os
ensinamentos de Amenemope são como os mais tarde Analectos de Confúcio, não apenas em razão do seu
humanismo, mas em razão do seu estilo. Como Confúcio mais tarde faria na China,
Amenemope deu ao povo egípcio a sabedoria que ele
observou nos seus próprios comportamentos. Como um estudioso da natureza humana
e das cosmogonias do Egito que eram de muito tempo atrás, o filósofo podia
combinar os elementos do mundo natural com aqueles da condição humana e
desenvolver uma abordagem para o humanismo que é mais significativa para a
sociedade. Sua abordagem, como vista nas Instruções, é aconselhamento direto.
O texto vem do Museu Britânico
Papiro 10474. Um fragmento do manuscrito ocorre em uma tabuinha de escrever em
Turim. A data é geralmente estabelecida como no século 10 a.C.
De acordo com o texto:
Primeiro Capítulo:
Dê
ouvidos, ouça o que é dito
Permita
seu coração entendê-las
Deixar
estas palavras chegarem ao seu coração é valioso
Mas
ignorá-las é danoso.
Deixe-as
descansar no meio do seu ventre
De
modo que elas possam ser uma chave para o seu coração.
Quando
há um tornado de palavras
Elas
devem ser um local de ancoragem para a sua língua.
Se
você gastar o seu tempo enquanto isso está no seu coração
Você
será bem-sucedido.
Você
achará minhas palavras um tesouro da vida,
E
você irá prosperar sobre a terra
Segundo Capítulo:
Guarde
a si mesmo contra roubar os oprimidos
E
contra ser arrogante com fisicamente desafiados.
Não
estique sua mão contra um homem velho
Nem
roube o discurso dos anciãos.
Não
permita a si mesmo ser enviado para uma missão perigosa,
Nem
ame quem a leve.
Não
grite contra aquele que você atacou
Nem
responda a essa pessoa em seu próprio benefício.
Aquele
que faz o mal é abandonado pelas margens dos rios
E
as águas da inundação varrem-no.
O
Vento do Norte vem de modo que pode terminar nas suas horas;
Ele
é juntado à tempestade;
O
trovão é alto e os crocodilos são perversos.
Você
amigo impulsivo, como vai agora?
Djehuty estabeleça seu crime
contra ele!
Então,
oriente para que possamos trazer o homem perverso,
Pois
não devemos agir como ele –
Deixe-o
em pé, dê a sua mão;
Deixe-o nos braços de deus;
Preencha seu estômago com o seu pão
De modo que ele esteja satisfeito e seja
envergonhado.
Outra boa obra no coração de deus
Trigésimo
Capítulo:
Você tem visto trinta capítulos:
Eles divertem; eles instruem;
Eles são os maiores de todos os livros;
Eles fazem o ignorante saber.
Se eles são lidos diante do ignorante
Eles irão torná-lo limpo.
Preencha a si mesmo com eles, coloque-os em seu
coração,
E seja um homem que possa interpretá-los como um
professor.
Quanto ao escriba que é experiente no escritório
Chegou a seu fim no escrito de Senu,
filho do pai de Deus Pa-miu.
A evidência que Amenemope
usa todo o seu conhecimento do modo de vida egípcio nos seus ensinamentos é
esmagadora na sua Seboyet. Com efeito, no Quarto Capítulo ele
consegue usar palavras e conceitos tais como templo, jardim, estaleiros e mortalhas mortuárias de modos que
demonstram seu foco em situações locais. Foram essas situações que depois se
tornaram valiosas como interpretações mais universais.
No Sexto Capítulo, Amenemope
escreve sobre limites e oferece um protocolo para como lidar com disputas de
terra em todas as situações, especialmente quando lidando com viúvas. Amenemope argumenta que não se deve ser ganancioso em
disputas. Sua instrução diz, “melhor é pobreza na mão de deus, que riqueza em
um armazém” ou “melhor é pão quando o coração está feliz que riqueza na
tristeza”.
Ele continua esse tema, que é o tema sobre os
perigos de buscar riquezas no Sétimo Capítulo. “Não se esforce para buscar
riquezas excessivas quando suas necessidades estão seguras e satisfeitas. Se as
riquezas forem trazidas a você por roubo, elas não passarão a noite com você”.
No Nono Capítulo, Amenemope
afirma que não se deve associar com pessoas más nem visitar com elas em
conversas sociais porque você realmente não sabe como elas vão levar as
informações que você compartilha com elas. Ele também aconselha: "Preserve
sua língua de responder a um superior”.
Não significa aqui que o superior iria se
tornar raivoso, mas que há dois comportamentos separados que entram em jogo
nesta seção. O primeiro é o que acontece quando você fala com pessoas raivosas
ou acaloradas e o segundo é uma preocupação sobre a lealdade. Assim, mantenha
sua boca de falar ou responder a um superior porque você é um servo do
superior. É por respeito ao superior que o subordinado adia. Isso não significa
uma proibição absoluta, mas para garantir, como em outra seboyet, a apropriada ênfase na lealdade.
Usar o tempo sabiamente é frequentemente a
coisa mais difícil para humanos fazerem porque nós não sabemos o que é mais
valioso em uma dada situação. É por isto que os capítulos de Amenemope estão devotados para estabelecer prioridades na
vida, pois se nós temos a compreensão apropriada do nosso propósito, ou pelo
menos, um entendimento que traz maior felicidade para nós mesmas/os e nossas/os
amigas/os, então nossa vida não é em vão.
Referências
ASANTE,
Molefi Kete. Amenemope: On the Use of Time. In: ASANTE, M. K. A. The Egyptian Philosophers: Ancient African
Voices from Imhotep to Akhenaten. Chicago: African American Images, 2000,
p. 107-112.
ASANTE,
M. K. A. The History of Africa: the quest for
eternal harmony. New
York: Routledge,
2014.
DANTAS, Luís Thiago Freire; DA SILVA, Roberto Jardim. O estatuto
ontológico e epistemológico africano em Towa e Obenga. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN),
v. 8, n. 20, p. 39-56, out- 2016. Disponível em: <http://abpnrevista.org.br/revista/index.php/revistaabpn1/article/view/7>. Acesso em: 31 dez. 2018.
* Professor e chefe do Departamento de Africologia da Temple
University, autor de 84 livros, incluindo The
History of Africa: the quest for eternal harmony.