DOI: http://dx.doi.org/10.5902/2179378637901

Submissão: 30/04/2019 Aprovação: 30/04/2019 Publicação: 30/04/2019

 


Filosofias do corpo

 

Um sobretudo de argila: afetividade e normatividade na fenomenologia do corpo

 

An overcoat of clay: affectivity and normativity in the phenomenology of body

 

Róbson Ramos dos Reis

Professor Titular da Universidade Federal de Santa Maria

robsonramosdosreis@gmail.com

 

Resumo: No presente artigo, examino o problema da normatividade na relação com a dimensão ancestral das possibilidades legadas pelos mortos. Seguindo o projeto de uma fenomenologia da espectralidade, apresentado por Hans Ruin, esboço uma interpretação de algumas indicações formais, presentes na analítica existencial de Ser e Tempo, a respeito da atmosfera (Stimmung) do ser-com-os-mortos. O sentimento existencial que manifesta uma sintonia já ocorrida com o âmbito da ancestralidade é o respeito (Ehrfurcht): respeito para com as possibilidades que podem ser retomadas no modo da réplica a uma herança. Da análise desse sentimento, resulta que a dimensão ancestral oferece a matéria da individuação histórica, mas não contém a medida da adequada resposta às possibilidades legadas. Concluo ressaltando que o aspecto autonoético do sentimento de respeito em relação às possibilidades ancestrais revela o abandono e a vulnerabilidade dos vivos em face a uma dimensão que comanda sem abrigar em si mesma uma medida da justa resposta.

Palavras-chave: Fenomenologia da espectralidade; Ancestralidade; Historicidade; Respeito aos mortos; Heidegger.

 

Abstract: In this paper, I approach the problem of normativity in relation to the dimension of the ancestral possibilities received from the dead. Following the project of a phenomenology of spectrality presented by Hans Ruin, I outline an interpretation of some formal indications, stated by Heidegger in the existential analytic of Being and Time, concerning the Stimmung of being-with-the dead. Respect (Ehrfurcht) is the existential feeling that manifests the already felt attunement with the dimension of ancestrality: the respect for the possibilities capable of a reciprocative rejoinder to a heritance. It follows from the analysis of this feeling, that the ancestral dimension offers the very matter of historical individuation, but does not contain the measure of the adequate response to the possibilities inherited. I conclude by emphasizing that the autonoetic aspect of the feeling of respect for ancestral possibilities reveals the abandonment and vulnerability of the living in the face of a dimension that commands without housing in itself a measure for the right response.

Keywords: Phenomenology of spectrality; Ancestrality; Historicality; Respect for the dead, Heidegger.

 

Fenomenologia da espectralidade

 

Death is a Dialogue between

The Spirit and the Dust

“Dissolve” says Death – The Spirit “Sir

I have another Trust” –

Death doubts it – Argues from the Ground –

The Spirit turns away

Just laying off for evidence

An Overcoat of Clay.

(Emily Dickinson, “Poem 976”)

 

Os versos de Emily Dickinson abrem o primeiro capítulo de Being with the Dead, importante livro em que Hans Ruin apresenta articuladamente os temas da fenomenologia da espectralidade.[1] Esses temas formam um campo de investigações filosóficas cujo domínio de referência é a espectralidade ou a presença dos mortos na existência dos vivos. O estudo fenomenológico da vida secular após a morte[2] tem o objetivo de identificar um a priori existencial, ou esquema transcultural, que permite compreender as noções de ancestralidade, necrocracia e necropolítica como referidas a uma dimensão ontológica fundamental da existência humana. Tal estrutura teria sido vista na analítica existencial de Ser e Tempo, e recebeu a denominação de “ser com o morto” (Mitsein mit dem Toten).[3]

Tendo como foco a estrutura do ser-com-os mortos, a fenomenologia da espectralidade examina um momento integrante da socialidade ontológica da existência, que se manifesta condensadamente nos cuidados com os mortos e na diversidade de ritos funerários presentes nas culturas humanas. Além disso, Hans Ruin ressalta uma determinação adicional da socialidade espectral, ao analisar a estrutura do ser-com-os-mortos como situada na origem da historicidade. Desse modo, a estrutura do ser-com-os-mortos é constituinte da individuação histórica e, no marco da fenomenologia hermenêutica, precisa ser entendida como também condicionando a formação de contextos intencionais, a experiência significativa e os objetos intencionais em geral.

A fenomenologia da espectralidade assim delineada é conduzida em um estudo complexo, examinando as ciências histórico-humanas dedicadas à investigação sobre a cultura mortuária: Sociologia, História, Antropologia, Arqueologia e Estudos em Memória Cultural. Nesse sentido, temas importantes das ciências da cultura mortuária, como, por exemplo, a formação de continuidade cultural (individual ou coletiva) e as estruturas conectivas, são interpretados como os modos complexos da passagem dos mortos para a existência dos vivos. Além de considerar o significado das transformações na história das ciências da cultura mortuária, em que as culturas funerárias antes avaliadas como primitivas passaram a ser entendidas como formas mais orgânicas de estar com os mortos, o autor põe em evidência que essas mesmas ciências representam modos disciplinados de habitar a dimensão espectral.

Um estágio culminante da fenomenologia da espectralidade exibe um resultado relevante ao evidenciar o componente intrinsecamente normativo na dimensão do ser-com-os-mortos. Ao mesmo tempo em que estão sob uma necrocracia, na extensão em que suas identidades têm a autoria das demandas ambíguas postas pelos mortos, os vivos não escapam da obrigação de responder de algum modo a tais ditames.[4] O característico da normatividade da dimensão espectral não se esgota apenas no gradiente de adequação nas respostas que perfazem o viver com os mortos. Tal normatividade é caracterizada, além disso, pelo factum de que não há saber ou medida dados de antemão que orientem a adequação nas respostas.

 

Corpo presente

 

Ao considerar a hipótese de que o fenômeno existencial da morte poderia ser interpretado a partir do exame da morte de outras pessoas, Heidegger analisa um fenômeno (qualificado como notável) que pode ser experimentado no morrer de outros seres humanos. Trata-se de uma dinâmica situada no plano ontológico (Seinsphänomen), e não no âmbito das mudanças nas propriedades de alguém que morre. No morrer de outro existente humano acontece uma mudança, uma conversão (Umschlag) no modo de ser que lhe é próprio:

No morrer dos outros se pode experimentar o notável fenômeno de ser que se deixa determinar como a conversão de um ente a partir do modo de ser do ser-aí (ou da vida) em um não-mais-ser-aí.[5]

O morrer de outra pessoa é a passagem do ser ser-aí para a condição de não-mais-ser-aí. A conversão do ser-no-mundo em não mais ser-no-mundo é o ir-se do mundo (das Aus-der-Welt-gehen).[6] Heidegger realiza, na sequência, uma análise intencional, visando à elucidação de três momentos integrantes desse fenômeno: 1) o modo de ser desfrutado no outro que morreu; 2) o tipo ontologicamente adequado de comportamento intencional com o morto; e 3) a determinação pertinente à constituição ontológica daqueles que se comportam apropriadamente com o morto.[7]

No primeiro momento, está em questão uma história no ser, ou seja, uma mudança que acontece como o fim de um ente qua existência, e o começo desse mesmo ente qua outro modo de ser. A determinação do modo de ser que começa com a morte resulta de um procedimento por eliminação. Inicialmente, após o morrer de outra pessoa, não resta uma pura coisa corpórea (pures Körperding). Assim, ente morto não pode ser compreendido como desfrutando o modo de ser da subsistência, não é um mero subsistente (blossen Vorhandenes), um ainda-só-ser-subsistente (Nur-noch-vorhandensein). A razão disso consiste em que, para compreender o modo de ser do morto como subsistência, deveria estar presente um comportamento tematizante. Não obstante, mesmo a tematização teórica, na anatomia patológica, compreende o corpo do morto a partir da ideia de vida. Heidegger considera, a seguir, a hipótese de que o modo de ser do ente morto deve ser entendido a partir do modo de ser da vida (Leben). Com o outro já morto, vem ao encontro um não-vivente que perdeu a vida (des Lebens verlustig gegangenes Unlebendiges). Essa hipótese não é considerada como falseante, mas incompleta, ou seja, ela não esgota o que se tem integralmente como dado fenomênico na experiência do morrer de outra existente. Por fim, objeta-se a sugestão de que, tomando em conta os comportamentos que compõe o funeral, os ritos mortuários, os cuidados com os túmulos, o morto seria um tipo de utensílio disponível no mundo circundante. Nesse caso, o morto teria o modo de ser da disponibilidade (Zuhandenheit). Também essa hipótese é recusada. Em resumo, o resultado da análise é negativo: subsistência, disponibilidade e vida não são adequados para compreender os modos de ser do morto.

Nesse exame fica evidente a relevância do procedimento metódico da análise intencional, na medida em que os resultados ontológicos são obtidos a partir da consideração do tipo de comportamento para com o morto. Uma indicação positiva do modo de ser do morto resulta da elucidação do comportamento intencional em relação aos que se foram do mundo. Heidegger introduz uma distinção significativa entre o morto (Gestorbener) e o “finado”, o “defunto” (Verstorbener). A diferença reside em que os finados, diferentemente dos mortos, não simplesmente morreram, mas foram arrebatados, retirados (entrissen) dos que ficaram. Está sugerido, portanto, que os finados são aqueles com os quais os que ainda não morreram tinham algum vínculo, alguma ligação mais determinada e em sintonia (familiares, amigos ou inimigos, companheiros de ocupação e trabalho, membros de alguma comunidade, etc.). Nesse sentido, nos funerais, nos enterros, nos rituais e cuidados mortuários, no acompanhamento enlutado e recordatório, os que ficaram estão junto ao morto no modo da solicitude reverenciante (Modus der ehrenden Fürsorge). Portanto, o comportamento para com o morto não pode ser compreendido como o da ocupação que visa um propósito, mas como o da solicitude (Fürsorge).

Esse é um resultado importante e até mesmo surpreendente. Com o morto ainda se mantém um comportamento que é próprio da relação adequada com outras pessoas, e não aquelas ocupações próprias da relação com utensílios. Segue havendo ainda um estar com o morto, o que de certa maneira ainda preserva o modo de ser da existência. Os que ficam ainda podem estar com os finados. Estes, por sua vez, ainda estão com os vivos. Evidentemente, a intencionalidade social sofreu uma mudança, que é formulada nos seguintes termos:

Em tal ser-com com o morto (Mitsein mit dem Toten), o finado mesmo não é mais facticamente “aí”, contudo, ser-com significa sempre ser-com-outro no mesmo mundo. O finado abandonou e deixou para trás o nosso “mundo”. A partir desse, os que ficam ainda podem ser com ele.[8]

Com sua morte, o finado deixa o mundo que foi outrora compartilhado com os que ainda vivem. Ao deixar o nosso “mundo” (o uso de aspas indica que se trata de mundo como coleção de entes), há uma perda para os que ficam: entre os entes presentes no mundo não está mais, como outrora esteve, o finado. Certas ocupações cotidianas, sintonias afetivas e interações discursivas não ocorrem mais ou não ocorrem da mesma maneira como ocorriam. Contudo, o mundo outrora compartilhado ainda permanece, mas em certo sentido vazio do finado. Se, de um lado, coisas intramundanas são históricas porque ainda preservam um mundo que já passou, com a morte de outros ainda vigora um mundo compartilhado, mas vazio daquele que outrora estava entre os que ficaram. Não obstante, assinala Heidegger, é possível para os que ficam ainda continuarem com o finado. Isso acontece a partir do mundo antes compartilhado. Os túmulos, os lugares de funerais, as culturas materiais, os ambientes e as sintonias outrora compartilhados perfazem o contexto em que se pode estar com os mortos sem que eles sejam compreendidos como coisas materiais sem vida, ou como objetos do cuidado ocupacional. Apesar da perda, frequentemente devastadora, os vivos seguem junto aos mortos.

A formalidade da análise não autoriza inferir que tal maneira de ainda estar com os mortos implica uma concepção desencantada, que exclua todo tipo de ação causal exercida pelos mortos. Antes disso, o estar com os mortos é condição para se pensar tanto uma presença desencantada, rememorativa, quando uma presença espectral dotada de capacidades causais. De outro lado, mesmo a admissão de um mundo exclusivo para os mortos e de um extraordinário acesso dos vivos a esse domínio aparenta requerer que isso ocorra a partir da significatividade própria ao mundo dos vivos.

Por fim, a análise intencional é concluída com um resultado importante, apesar de que não enunciado por Heidegger de maneira direta. Para que seja possível um comportamento com mortos que alteradamente ainda preservam o modo de ser da existência, é preciso que os vivos sejam constituídos com uma peculiar estrutura ontológica de socialidade. Além da estrutura do ser-com (Mitsein), os existentes humanos também têm a estrutura do ser com o morto (Mitsein mit dem Totem). Este é um dos pontos ressaltados por Hans Ruin: a identificação de uma estrutura existencial ou esquema transcultural constitutivo da socialidade ontológica humana: ser-com-os-mortos.

Em resumo, a análise intencional da modificação ontológica experimentável na morte de outra pessoa resulta em três conclusões fundamentais: 1) os existentes humanos possuem uma socialidade complexa, que também se estrutura como ser-com-os-mortos; 2) o comportamento intencional adequado com os mortos é o da solicitude; e 3) o modo de ser dos outros já mortos não é o da subsistência, não é o da disponibilidade e não é apenas o do não mais viver. O estatuto ontológico dos mortos consiste numa modificação extrema e interna ao modo de ser da existência. Heidegger não retornou mais à fenomenologia do ser-com-os-mortos. Contudo, seguindo a interpretação de Hans Ruin, quando essa análise é posta em conexão com a análise da historicidade da existência, a estrutura do ser-com-os-mortos ganha esclarecimento e exibe uma relevância inaudita.

 

O modo de ser do morto: ancestralidade

 

Não há nenhuma declaração explícita na analítica existencial de Ser e Tempo que situe a estrutura do ser-com-os-mortos na raiz da historicidade. Ciente disso, Hans Ruin sustenta a sua interpretação não exclusivamente em exegese filológica, mas na análise dos conceitos de historicidade própria, herança (Erbe) e retomada (Wiederholung). A interpretação opera com dois movimentos. Inicialmente, com a identificação de um isomorfismo estrutural entre a análise do modo de ser do morto e a análise da maneira específica em o ser-aí tornar-se passado.[9] A seguir, com a vinculação da estrutura do ser-com-os-mortos ao núcleo da individuação histórica, a saber, a retomada de uma herança de possibilidades. Nesta e na próxima seção, apresentarei com mais detalhe esses dois passos, para destacar as consequências que se seguem do reconhecimento de que a historicidade da existência tem como base a relação com uma herança dos antecessores possibilitada pela estrutura do ser-com-os-mortos.

A análise fenomenológica do modo de ser do morto brinda uma expressão muito sugestiva. O corpo não é uma mera coisa subsistente, nem um utensílio para as ocupações féretras, mas é não-vivente (Unlebendiges). Heidegger ressaltou que essa determinação não esgota o modo de ser do existente morto, que necessita de uma determinação adicional. Não examinarei aqui o problema da relação entre o modo de ser da vida e o da existência, mas apenas destacarei uma conotação da expressão “não-vivente”. O gerúndio sugere a ambiguidade quase paradoxal de uma ausência que ainda tem certa presença. Trata-se de uma presença no modo privativo. Fica indicada, portanto, uma dimensão intermediária que não é mais a presença de um existente vivo, mas tampouco é a pura ausência.

A elucidação da historicidade dos entes intramundanos proporciona um resultado analógico relevante para compreender o estatuto ontológico dessa dimensão intermediária. Heidegger considera que utensílios, lugares ou monumentos não são os entes primariamente históricos, dado que sua historicidade é derivada da historicidade de mundo e do existente humano. Não obstante, sua historicidade específica reside em que neles se apresenta um mundo que passou. Dado que o mundo é uma determinação existencial dos entes qualificados como ser-aí, segue-se analiticamente que um mundo passado é um mundo de um existente cujo ser-aí passou.[10] Na medida em que os existentes não têm o modo de ser da subsistência nem da disponibilidade, há um sentido peculiar em que eles passam e se tornam passados:

Manifestamente, o ser-aí nunca pode ser passado, não porque seja imperecível, mas porque por essência nunca pode ser subsistente, pois, se é, ao contrário, existe. Porém, em sentido rigorosamente ontológico, ser-aí não mais existente não é passado, mas é sido-aí (da-gewesen).[11]

A contingência gramatical do uso da forma participial do verbo “ser” conota uma ambiguidade, uma ausência que também tem uma presença, uma continuidade apesar da ausência. Quando passa, um existente torna-se aí-sido, o que conota uma maneira de continuar presente mesmo ausente. Um utensílio histórico num museu mantém presente um mundo que passou. Um existente humano que passou está ausente e, em certo sentido, ainda presente. Chega-se, assim, ao reconhecimento de uma dimensão privativa, intermediária, que não é mais a da presença compartilhada de um existente, mas tampouco a pura ausência. Essa dimensão participial do existente morto é própria dos que já foram e passaram, os que vieram antes, os antecessores. Para denominar essa dimensão, e ciente da complexidade conceitual implicada, Hans Ruin lança mão da noção de ancestralidade.[12]

O modo de ser do morto é o da ancestralidade. Nesse contexto, “ancestralidade” designa uma dimensão intermediária em que se conjugam presença e ausência dos mortos. Os vivos podem estar com os mortos a partir dos entes intramundanos e da significatividade do mundo antes compartilhado. Necrópoles, tumbas, túmulos e columbários manifestam a ambiguidade da ancestralidade, ao se mostrarem não apenas como sítios da ausência, mas como enfáticos lugares da presença.[13] De igual modo, as culturas materiais manifestam um mundo existente do qual o finado se foi, um mundo no qual outrora ele foi aí. Heidegger considera, como foi visto antes, que é possível para os vivos ainda estarem com os mortos, o que acontece em formas determinadas de solicitude (Fürsorge). Nos ritos fúnebres, nos cultos aos mortos e nos cuidados com os lugares de sepultamento ou preservação dos restos mortuários, os vivos comportam-se com os mortos, não como meras coisas materiais ou objetos de uso, mas como existentes já sidos. Uma classe especial de solicitude com os mortos é a reverenciante, na qual se está com o finado no modo de um permanecer enlutado e recordatório.

É digno de nota que a fenomenologia do luto tem evidenciado a ambígua e complexa qualidade fenomenal do sentimento existencial do luto, que integra não apenas a presença e ausência do falecido, mas também uma estrutura temporal igualmente ambígua.[14] Contudo, a referência à recordação é indicativa de outro modo de estar com os mortos, uma maneira de solicitude que não se limita ao luto e às práticas fúnebres. O ser com os mortos ancestrais acontece na forma da memória.

Não é o caso de reconstruir aqui a fenomenologia da memória esboçada em Ser e Tempo.[15] É suficiente destacar que, na analítica existencial, a memória não é interpretada exclusivamente em termos de capacidades psicológicas, mas os conceitos de esquecimento, reminiscência e recordação são relacionados à formação da individuação histórica. Nesse sentido, além de suspender a precipitação que avaliaria o estar com os mortos como sendo tão somente um modo de preservação mnemônico de traços dos finados, a hermenêutica da memória formula a indicação formal de conceber a presença dos mortos na existência dos vivos em termos da individuação histórica. Resulta, assim, a hipótese de que uma maneira insigne de estar com os mortos é precisamente quando acontece a individuação histórica dos vivos. Essa hipótese implica uma tese adicional. Não apenas a socialidade ontológica é determinante na relação prático-reflexiva, mas em particular a socialidade do ser-com-os-mortos é constitutiva de individuação própria.

 

Ancestralidade na individuação histórica

 

Nos comportamentos que formam os ritos funerários e no cuidado dos túmulos, os vivos estão com os seus mortos. Ademais, Heidegger enxerga nos lugares dessa solicitude peculiar um âmbito em que acontece não somente o estar com os mortos, mas também a relação consigo mesmo dos vivos. Sobre a orientação solar na disposição de edificações, lê-se que:

Igrejas e túmulos, por exemplo, estão dispostos segundo o nascer e o pôr do sol, as regiões de vida e morte a partir das quais o ser-aí mesmo está determinado quanto às suas mais próprias possibilidades-de-ser no mundo.[16]

Túmulos não são apenas lugares dos ritos funerários e dos cuidados rememorativos, mas paragens em que os existentes ainda vivos se determinam no tocante às suas possibilidades mais próprias. Assim posto, nesses lugares também estão implicados, além do comportamento com os mortos, o comportamento em relação a si mesmo dos vivos. Não seria qualquer comportamento autorreferido, mas aqueles referidos às possibilidades mais próprias de alguém. A dinâmica de autodeterminação em relação às possibilidades mais próprias, por seu lado, pertence ao âmbito de um acontecer cuja estrutura é captada com a noção de historicidade. Tem-se, portanto, a sugestão de que o ser-com-os-mortos não integra apenas a socialidade ontológica, mas também a historicidade da existência.

Segundo a analítica existencial, historicidade designa a estrutura do movimento em que acontece a existência humana.[17] Mais especificamente, é o movimento em que se forma um si mesmo constante e individual. Nos entes cuja determinação acontece por projeção em possibilidades existenciais, a individuação é histórica. Ainda em termos formais, o movimento consiste numa mudança da individuação dispersa, consoante com a projeção imprópria em possibilidades para a individuação com uma identidade constante, formada como projeção própria em possibilidades existenciais. Os modos de segunda ordem, autenticidade e inautenticidade, articulam-se na individuação existencial, de tal sorte que há um acontecer próprio e impróprio da individuação histórica.[18]

A historicidade própria, o acontecer que individua autenticamente, é expressa com a noção de antecipação precursora, ou seja, uma projeção não dispersa em possibilidades a partir do colapso da significatividade e da compreensão da finitude no ser-para-a-morte. Nessa dinâmica, há uma desabituação da projeção dispersa, uma despossessão da força vinculante da projeção impessoal em possibilidades.[19] No entanto, como ressalta Heidegger, as possibilidades fácticas em que alguém se projeta a partir do colapso da projeção dispersa não são hauridas da morte.[20] Tais possibilidades são derivadas da condição de estar lançado (Geworfenheit), não apenas no sentido de que cada existente está entregue à sua própria condição de projetivo em possibilidades, mas porque existe em ligação de dependência a um mundo já aberto e juntamente com outras pessoas que também são existentes. As possibilidades existenciais em que alguém se projeta propriamente pertencem ao âmbito de uma herança. Existir como lançado significa, portanto, acontecer a partir de uma herança de possibilidades existenciais. A individuação própria, a constância de si mesmo, é relacional, ou seja, é determinada a partir de possibilidades existenciais em que outros se projetam e transmitem como legado.

Quando se considera o modo de ser das possibilidades de uma herança, evidencia-se que elas pertencem à dimensão dos ancestrais. Mesmo que não imediatamente, as possibilidades transmitidas são aquelas em que outros existentes, agora já não mais vivos, se projetaram. Parece plausível que a herança também seja formada por possibilidades recebidas de outros que ainda vivem. No entanto, em algum ponto, a série de transmissões alcança um limiar que dá acesso à dimensão intermediária dos ancestrais, ou seja, de possibilidades existenciais originadas de outros que possuem o modo do “sido-aí” (dagewesen), originadas, portanto, dos mortos.[21] Assim sendo, o movimento de formação de uma identidade própria autêntica e não dispersa acontece no colapso da significatividade e na recepção de uma herança de possibilidades dos mortos.

A modificação interna na transmissão das possibilidades herdadas admite uma análise adicional que também é relevante para compreender as mudanças no estatuto modal e ontológico das possibilidades ancestrais. Na historicidade imprópria, as possibilidades são hauridas da impessoalidade; não são de ninguém em particular, e aparentemente os mortos, com suas possibilidades, estão ausentes. De fato, não se trata de ausência, mas de esquecimento. Aqui, esquecimento não se refere à falta atual de uma representação consciente de uma pessoa já falecida, mas a um modo de sua presença. Sendo mais exato, as possibilidades existenciais dos mortos são compreendidas como efetividades subsistentes. O que outrora foi uma possibilidade existencial projetada é transmitido, com a morte que totaliza a existência do outro, como se fora uma atualidade não existencial, mas subsistente. O possível torna-se algo efetivo que restou, mas cuja efetividade é compreendida como categoria modal da subsistência.

Diferentemente, na historicidade autêntica acontece uma retomada (Wiederholung) das possibilidades herdadas dos ancestrais.[22] A retomada não é uma repetição literal de possibilidades existenciais, a formação de uma igualdade entre falecido e herdeiro. A constituição modal da historicidade autêntica, o existir na forma do destino, não é simples. De um lado, trata-se do encontro eletivo (das wählenden Finden) de possibilidades a partir de uma herança, em que encontro e eleição estão modalmente qualificados como não contingentes e unívocos.[23] De outro, a retomada que transmite a herança possui uma dupla dinâmica modal. Na retomada, a possibilidade do morto é liberada da compreensão que a constitui como uma efetividade subsistente. Além disso, a retomada renova o modo existencial da possibilidade ancestral. Com a transmissão autêntica de uma herança, as possibilidades dos mortos são liberadas e renovadas: liberadas da categoria da efetividade subsistente e renovadas como existenciais.

Heidegger é consistente ao elucidar a retomada genuína de possibilidades herdadas com a noção de réplica (Erwiderung), que possui o sentido de uma resposta que contém um espaço diferencial. Esse espaço de diferenciação admite a recusa ou mesmo o repúdio (Widerruf). A transmissão autêntica de possibilidades existenciais, portanto, não é uma repetição, mas uma renovação que promove a diferença nas possibilidades, integrando também a perspectiva de uma recusa.[24] Sendo assim, o acontecer autêntico de uma individuação própria consiste em retomar possibilidades que vêm dos mortos, liberando-as e renovando-as em um espaço normativo que não inclui a repetição, mas integra virtualmente a recusa. Individuar-se autenticamente consiste, num certo sentido, em poder escolher os próprios ancestrais, algo como uma adoção.[25] Seja como for, sem ancestralidade não acontece individuação própria.

 

Nascimento na existência e solicitude com os mortos

 

De acordo com a interpretação de Hans Ruin, a estrutura do ser-com-os-mortos também constitui a historicidade da existência. A relação consigo mesmo na forma de uma individuação que forma uma constância na existência é, em grande medida, constituída na relação com os mortos. No modo da historicidade autêntica, essa relação assume a forma de uma retomada de uma herança de possibilidades originadas dos ancestrais. Renovando-as como possibilidades, a existência acontece não dispersamente e na maneira do destino. Com a individuação numa constância estendida, acontece a incorporação da morte e do nascimento da existência.[26] Integrar a morte na existência significa projetar-se em possibilidades a partir da perda de vigência da projeção e da finitude de toda possibilidade existencial.[27]

Considerando que, ao morrer, alguém se vai do mundo e ingressa na dimensão ancestral do “sido-aí” (Da-gewesenes), o nascer admite, por contraste, ser entendido como o vir ao mundo, deixando a dimensão do ainda não existir. Naturalmente, essa dimensão está aberta apenas para os que existem e projetam-se em possibilidades: é a dimensão esperada dos que estão por nascer. Nascimento, nesse contexto, significa o fato de vir ao mundo de maneira determinada, a saber, receber a condição de abertura para a significatividade que abre contextos intencionais já dados, nos quais se alcança experiência com entes intramundanos, com outras pessoas e consigo mesmo. Daqui se segue que, entre as determinações do nascimento, está a dependência em relação aos antecessores. Com base nessa noção, a referida incorporação do nascimento na existência não diz respeito a um renovado começar a existir ou à reiteração do começar ao longo da vida. É pouco plausível, além disso, que integrar o nascimento na existência seja um ato de lembrar, ou seja, entreter constantemente uma representação de que o próprio nascimento é dependente dos antecessores, das suas possibilidades e situações. Contudo, a noção de memória é apropriada nessa questão.

Heidegger acrescenta que incorporar o nascimento na existência significa transmitir-se uma herança a partir da possibilidade insuperável da morte.[28] Essa é a forma da historicidade autêntica. Na medida em que ela é determinada como uma renovação responsiva das possibilidades existenciais herdadas, contraposta ao esquecimento, pode-se dizer que incorporar o nascimento efetiva-se como uma recordação dos mortos. Recordação na acepção ativa de uma reminiscência, ou seja, de uma retomada que replica projetivamente possibilidades existenciais dos mortos. Recordação não é um episódio mental, mas o acontecer mesmo da individuação histórica autêntica. Existir de maneira natal (gebürtig) implica que a individuação no acontecer da existência humana é formada com a retomada das possibilidades herdadas como possibilidades existenciais. Essa qualificação indica que as possibilidades herdadas admitem não ser recebidas em seu modo próprio, a saber, como existenciais. Contudo, há um aspecto não evidente nessa indicação que precisa ser examinado mais detidamente.

Como foi visto, a estrutura do ser-com-os-mortos forma parte da socialidade ontológica da existência. Ser-com é uma estrutura existencial mais abrangente que comporta a relação com os vivos e com os mortos. Tal estrutura corresponde ao tipo específico de comportamento que ocorre na intencionalidade social, ou seja, a solicitude (Fürsorge). É bem conhecido que Heidegger diferenciou dois modos positivos extremos da solicitude: a substitutiva-dominadora e a antecipativa-liberadora.[29] Dado que os comportamentos com os mortos foram interpretados como instâncias de solicitude, não é inconsistente supor que neles também possam ser exibidos os dois modos positivos extremos. No entanto, é preciso considerar uma diferença entre a solicitude com os vivos e a solicitude com os mortos. Com a morte, alguém ingressa na dimensão intermediária da ancestralidade e também tem sua existência totalizada. Em texto lido no sepultamento do médico e professor Pankow (em janeiro de 1934), Heidegger formulou o ponto:

Com o nascimento já inicia o morrer; a partir dele o homem marcha com segurança irrevogável para sua morte. E a morte não é meramente um último acontecimento da vida posto no outro fim; pelo contrário, na morte reúne-se de uma maneira inaudita e não experimentável o todo da vida vivida.[30]

Pode-se estender essa formulação e concluir que, com a morte, reúnem-se em um todo inaudito as possibilidades existenciais em que alguém se projetou. Ao mesmo tempo em que alguém deixa de se projetar em possibilidades, com a morte suas possibilidades passam a integrar um todo. A rigor, portanto, os modos extremos da solicitude com os mortos não afetam a projeção em possibilidades, simplesmente porque o morto não é mais capaz de nenhum tipo de projeção. Os modos extremos podem afetar, isto sim, o todo reunido das possibilidades existenciais do morto. A solicitude poder ser substitutiva-dominadora ou antecipativa-liberadora em relação à existência totalizada dos mortos. Visto com mais detalhe, os dois modos da solicitude referem-se a uma transformação modal que acontece com a totalização de uma existência. Ao serem reunidas num todo, as possibilidades existenciais tornam-se efetividades ou atualidades.

É em relação ao modo como é compreendida a afetividade de uma existência totalizada que as formas extremas de solicitude exercem sua diferença liberadora ou dominadora. Na repetição dispersa de possibilidades ancestrais – a historicidade inautêntica –, as possibilidades são compreendidas como a efetividade subsistente, e não como a efetividade existencial de possibilidades existenciais. O seu modo existencial está retido. Na historicidade autêntica, a retomada que renova possibilidades ancestrais compreende a afetividade de uma existência totalizada como sendo a efetividade de possibilidades existenciais. Trata-se de um modo de solicitude que libera e devolve o modo da existência para as possibilidades ancestrais. Nesse caso, a efetividade de uma existência totalizada é compreendida existencialmente, ou seja, como a efetividade existencial de possibilidades existenciais.

Assim concebidos os extremos positivos da solicitude com os mortos, entende-se que o cuidado com os ancestrais assume a forma de uma atenção para que mesmo os mortos não sejam compreendidos como entes subsistentes. Atenção essa para que as possibilidades legadas possam ser retomadas e renovadas como existenciais. Na direção inversa, e sem pressupor qualquer tipo de capacidade agencial direta dos mortos, a relação com as possibilidades ancestrais também pode operar segundo os dois modos extremos da solicitude. Os mortos dominam os vivos quando as possibilidades ancestrais, tomadas como efetividades subsistentes, são compreendidas como devendo simplesmente ser repetidas. Os mortos liberam os vivos quando as possibilidades ancestrais, tomadas como efetividades existenciais, são compreendidas como devendo ser retomadas, renovadas ou até mesmo recusadas. Essa consideração dos modos da repetição e retomada de heranças, assim como de suas correlações com os modos extremos da solicitude, deixa patente que a dimensão ancestral possui um estatuto normativo. Essa normatividade será mais claramente identificada com o exame da questão da afetividade própria do ser-com-os mortos.

 

A atmosfera do ser-com-os-mortos

 

A recente teoria da afetividade apresentou dois conceitos que são relevantes para formular precisamente o problema da afetividade no ser-com-os-mortos. O conceito de sentimento corporal reúne, de um lado, a noção de uma intencionalidade especificamente afetiva (não dependente de algum elemento cognitivo) e, de outro, a concepção de que existem sentimentos que não são apenas maneiras de se estar consciente de estados e processos corporais localizados. Os sentimentos corporais estão primariamente envolvidos na experiência intencional de algo, o que implica a noção de corpo sensiente como veículo primitivo, e não apenas como objeto da experiência intencional.[31] O segundo conceito refere-se a uma subclasse dos sentimentos corporais, que foi recentemente descrita com base na análise heideggeriana do fenômeno das Stimmungen (atmosferas) e em resultados da neurociência e da psicopatologia. A noção de sentimentos existenciais abrange uma variedade de atmosferas afetivas dotadas de uma característica pré-intencional, na medida em que são condicionantes da possibilidade de todo comportamento intencional. Além disso, sentimentos existenciais são maneiras de abertura primária de dimensões modais de possibilidades.[32] Essas duas noções permitem uma formulação mais específica para o que foi denominado de a questão da temperatura do coração na relação com os mortos.[33]

Essa questão é resultante da elucidação da leitura feita por Heidegger da frase de Ismena no diálogo com sua irmã Antígona: “Tu tens um coração ardente para os frios”.[34] O problema não diz respeito a ter ou não ter alguma relação com os mortos. Tampouco seria a questão de determinar se há e quais são os sentimentos intencionais em relação aos mortos. Trata-se da questão acerca de qual é a medida para a adequada resposta aos mortos, ou seja, a medida para a adequação na réplica que retoma as possibilidades herdadas dos ancestrais. O problema da temperatura do coração refere-se, portanto, à constituição intrinsecamente normativa da relação com os mortos. Entretanto, as noções de sentimento existencial e sentimento corporal permitem formular um problema adicional na questão da medida para a resposta aos mortos. Sentimentos existenciais são frequentemente identificados com expressões corporais difusas: sentir-se leve, sentir um aperto no peito, etc. Nesse sentido, a “temperatura do coração” designa o sentimento corporal e existencial que abre primitivamente a dimensão das possibilidades ancestrais, permitindo que se constitua o espaço normativo das respostas aos mortos. Examinar o sentimento existencial que abre a dimensão espectral permite não exatamente encontrar a medida da resposta adequada às possibilidades existenciais dos mortos, mas, antes disso, identificar o estatuto e a natureza dessa eventual medida. Minha sugestão é que, no sentimento existencial correspondente ao ser-com-os-mortos, manifesta-se a constituição formal da normatividade e da medida que pode regular a resposta aos ancestrais.

A atmosfera da abertura da dimensão das possibilidades ancestrais não é o que causa essa abertura, mas é uma sintonia que evidencia a ligação de dependência apreciativa àquele âmbito de possibilidades. Para identificar essa atmosfera, deve-se considerar a diferença entre a historicidade autêntica e a inautêntica. Nesta última, há uma cegueira para com as possibilidades e a retenção do que restou como efetivo, sendo o passado compreendido a partir do presente. Ao contrário, na historicidade autêntica, acontece uma despresentificação e uma desabituação do que é corriqueiro.[35] Note-se que desabituação e despresentificação referem-se ao que é presente como corriqueiro e usual, não estando dirigidas para as possibilidades herdadas. Contudo, essa modificação sugere que a atmosfera da abertura para o possível ancestral deva ser buscada no que é o fundamento da historicidade autêntica, que Heidegger situa na decisão precursora, isto é, no autêntico ser para a morte.

A decisão precursora significa que, com o colapso da significatividade, alguém se projeta decididamente a partir da compreensão da finitude de toda possibilidade. Dito de outro modo, a projeção em possibilidades é feita com o reconhecimento da perspectiva de perda de vigência de toda projeção. Adicionalmente, a decisão precursora é qualificada por Heidegger como disposta e pronta para a angústia (ansgsbereit). Aparentemente, portanto, a angústia seria a atmosfera em sintonia com a ancestralidade. Essa hipótese, contudo, é falseada com base no fato de que a angústia é a sintonia da finitude das possibilidades, da projeção em possibilidades e da própria existência. Além disso, a angústia é atmosfera que abre cada existente para si mesmo, e não os outros existentes e suas possibilidades. No entanto, o fenômeno da decisão antecipadora oferece uma orientação importante para identificar a atmosfera do ser-com-os-mortos. Segundo Heidegger:

A retomada autêntica de uma possibilidade já sida da existência – que o ser-aí escolhe seus heróis – funda-se existencialmente na decisão precursora; pois nela se escolhe pela primeira vez a escolha que torna livre para a sucessão combatente e para a fidelidade (Treue) ao retomável.[36]

Essa passagem críptica tem sequência com o esclarecimento de que a retomada de possibilidades não é uma repetição, mas uma réplica que pode chegar a ser uma recusa. Dela se depreende que a decisão antecipadora tem a característica formal de ser uma escolha de segunda ordem: a escolha de uma escolha. A escolha de entrar na dimensão em que pode ocorrer uma escolha de primeira ordem referida às possibilidades antepassadas. Nessa escolha de segunda ordem, torna-se presente uma alternativa: a fidelidade às possibilidades que podem ser retomadas e o prosseguimento combativo (die kämpfende Nachfolge). Nenhum esclarecimento é fornecido para essa expressão, mas é plausível pensar que a escolha da escolha libera uma alternativa: ou os que sucedem os antecessores são fiéis às possibilidades retomáveis ou as combatem. O decisivo nessa indicação é que a fidelidade não é a atmosfera que manifesta uma sintonia com a dimensão já aberta das possibilidades legadas pelos mortos. Mais exatamente, a fidelidade manifesta a abertura para as possibilidades legadas, e a combatividade também. Se ambas já supõem a abertura para as possibilidades ancestrais, deve haver uma sintonia mais fundamental.

A despeito de inicialmente oferecer apenas indicações negativas – nem angústia nem fidelidade manifestam uma sintonia primária com as possibilidades ancestrais –, a análise da decisão precursora traz uma sugestão positiva. Novamente Heidegger:

A decisão constitui a fidelidade (Treue) da existência ao seu próprio si-mesmo. Como decisão pronta para a angústia, a fidelidade é, ao mesmo tempo, o possível respeito (Ehrfurcht) ante a única autoridade que uma existência livre pode ter, isto é, diante das possibilidades retomáveis da existência.[37]

A formulação condensa uma referência a dois sentimentos (fidelidade e respeito) e uma atmosfera (angústia). Trata-se, no entanto, de uma disposição apta para a angústia, e não a angústia propriamente dita: a decisão encontra-se pronta para o despertar da angústia. Há, portanto, dois sentimentos integrados: lealdade para consigo mesmo e respeito às possibilidades que podem, na transmissão de um legado, ser retomadas e replicadas. Esse notável fenômeno afetivo, a integração de lealdade consigo mesmo e o respeito às possibilidades legadas, candidata-se a ser a sintonia da abertura da dimensão ancestral. Um indicador favorável a essa sugestão reside no duplo aspecto da estrutura do ser-com-os-mortos: constituinte da socialidade ontológica da existência e também da origem da individuação histórica. Em resumo, quando se tem fidelidade a si mesmo e também respeito para com as possibilidades herdadas, há um indicador de uma sintonia sentida com a dimensão dos antecessores. A questão da temperatura no coração atento para os mortos avançou um pouco. Espera-se maior progresso com o exame do sentimento de respeito. Afinal, o respeito está dirigido para uma autoridade, autoridade que é a das possibilidades herdadas, provenientes dos que se foram.

 

Respeito à lei moral e aos mortos

 

Sem oferecer uma interpretação do sentimento de respeito aos mortos, Heidegger, contudo, abriu espaço para um estudo comparativo. Na sua interpretação das doutrinas kantianas sobre a personalidade, ele realizou uma acurada análise fenomenológica do sentimento de respeito (Achtung) diante da lei moral.[38] A análise intencional parte da consideração da estrutura unitária e complexa dos sentimentos. Os sentimentos referem-se a algo, possuem objeto intencional. Ao mesmo tempo, sentimentos são também o sentir-se a si mesmo daquele que experimenta um episódio afetivo. Os sentimentos são autonoéticos, pois tornam patentes para si mesmos aqueles que têm um sentimento para algo.[39] A maneira em que se dá esse descobrimento de si é, além disso, condicionada pelo objeto intencional. Não apenas que intencionalidade e fenomenalidade estão unidas, mas a referência intencional é determinante da maneira de patentização afetiva daquele que sente. Com base nesse esquema fenomenológico, Heidegger examina o respeito diante da lei moral.[40]

O objeto intencional do respeito é a lei moral, o fundamento determinante do agir moral. O aspecto autonoético do respeito à lei moral é identificado com base na consideração do objeto intencional, que é a lei moral dada pela razão. Por conseguinte, no respeito alguém descobre a si mesmo como pessoa digna. Submetendo-se à lei moral, alguém se submete a si mesmo como livre e autodeterminante, tornando-se patente como alguém digno: alguém que não pode desprezar a si mesmo, alguém não desprezível. Há, além disso, uma estrutura formal na intencionalidade do respeito à lei moral, que reside na direção contra-tendencial (gegenstrebig) desse sentimento. Ao submeter-se à lei, alguém eleva-se a si mesmo como livre. De um lado, há os componentes de temor, escape e fuga perante a exigência da lei. De outro, há o aspecto de uma inclinação e aspiração da razão a si mesma. Esse resultado complexo da análise do respeito perante à lei moral fornece a base para uma análise fenomenológica do sentimento de respeito diante das possibilidades herdadas dos mortos.

O objeto intencional desse peculiar sentimento de respeito não é a lei moral, apesar de ser uma autoridade: a autoridade das possibilidades legadas que podem ser retomadas e replicadas. Há quatro momentos nesse objeto intencional. São possibilidades existenciais, legadas por ancestrais já mortos, suscetíveis de retomada, e perfazem uma autoridade. Como existenciais, tais possibilidades exigem que alguém nelas se projete. Apenas na projeção elas são existenciais. Como herdadas, o seu donatário já está morto, ou seja, não mais se projeta nelas. Como retomáveis, elas não são repetíveis, mas estão em um vínculo que é um âmbito de alternativas, ou seja, uma ligação normativa que promove diferença, divergência, renovação e até mesmo recusa. É o vínculo que promove lealdade ou combatividade. Como autoridade, as possibilidades legadas possuem uma força frágil, porque a projeção dos legatários efetuada no passado não é suficiente para a projeção replicativa dos herdeiros. A força vinculante dessa autoridade é relacional, na medida em que exige a resposta projetiva por parte dos vivos.

No tocante ao aspecto autonoético, o respeito perante as possibilidades legadas descobre o herdeiro como capaz de vincular-se projetivamente em possibilidades provenientes de outros. Essas possibilidades são finitas, no duplo sentido em que sua força vinculante é frágil e, mesmo quando torna-se determinante na retomada projetiva dos vivos, sempre pode perder a capacidade individualizadora, deixando o colapso da significatividade. Sendo capaz de vincular-se em possibilidades finitas, nesse tipo de respeito alguém se torna patente para si mesmo como capaz de alcançar uma individuação própria. Alguém capaz de chegar a uma vida com propósito e meta, capaz de existir na forma do destino. O respeito descobre alguém a quem se pode ser leal. Não lealdade para com outros, mas fidelidade e confiança para consigo mesmo. Percebe-se, com base na lealdade a si mesmo, que também há uma forma de dignidade revelada no respeito aos mortos. Não ainda a dignidade da pessoa moral, mas de alguém não desprezível em razão de ser capaz de formar um si mesmo uma vida unificada num propósito. Trata-se da dignidade de alguém que, diante da dispersão e do desamparo frente à finitude das possibilidades, é capaz de dar-se uma meta, individuando-se justamente ao formar um vínculo com seus antecessores. Alguém não desprezível, porque reconhece possibilidades vindas de outras pessoas. Nesse sentido, o respeito também descobre alguém que reconhece a si e aos outros como igualmente dignos da lealdade.

No que tange à estrutura da direção contra-tendencial, o respeito às possibilidades ancestrais manifesta uma complexidade adicional. Nele, há uma direção a si, mas que também é uma direção a outros. Desse modo, há um afastamento em face de uma exigência comandada por uma autoridade alheia formada com as possibilidades de outras vidas. Um temor de entregar a própria existência a possibilidades de que não se é autor. Ao mesmo tempo, há também o temor em face da necessidade de ser o autor da própria existência finita. De outro lado, há uma aspiração em elevar-se da dispersão a uma existência simplificada num propósito. Essa aspiração também é a inclinação para se reconhecer como ligado a outros, já mortos, que se projetaram em possibilidades, tendo sido, por isso, leais a si mesmos. Aspirar não buscar em solidão uma individuação própria, mas especialmente o desejo de enraizamento na comunidade dos que já morreram, ainda que eventualmente essa vinculação tenha de ser refeita como recusa de um legado e de uma adoção de outros ancestrais.

Essa análise comparativa, por certo muito hipotética, conduziu à estrutura intencional do sentimento existencial que testemunha a sintonia com uma abertura já ocorrida da dimensão ancestral das possibilidades deixadas pelos mortos – a lealdade a si, que é também o respeito perante a autoridade das possibilidades suscetíveis de retomada e réplica. Esse sentimento revela alguém como não desprezível em razão de ser capaz de elevar-se à condição de uma vida unificada e enraizada nas vidas de outros já mortos. Que tipo de normatividade está vigorando nessa sintonia? Qual é o estatuto da medida de adequação na resposta às possibilidades ancestrais? Qual é a natureza do metro do justo enraizamento e da correta individuação histórica?

 

Normatividade e abandono na relação com os mortos

 

As possibilidades suscetíveis de réplica formam, segundo Heidegger, a única autoridade que uma existência livre pode ter. Essa restrição não é inconsistente com o respeito diante da lei moral, caso se considere que a orientação do agir moral por uma máxima universalizável também consiste no projetar-se em uma possibilidade existencial igualmente legada e suscetível de retomada. As possibilidades legadas formam uma autoridade, pois constituem a determinação autoral da individuação própria. Dado que a identidade própria não é um assunto indiferente, importância que é testemunhada no colapso da significatividade, a obrigação diante de si mesmo revela-se como uma obrigação de responder às demandas do legado ancestral. Desse modo, o legado ancestral forma uma autoridade porque deixa uma herança vinculada a uma exigência. A abertura para a dimensão ancestral implica, portanto, o imperativo de responder adequadamente às possibilidades legadas. Daqui resulta o problema da medida que discrimine a adequação na retomada das possibilidades.

Somente as possibilidades situadas no espaço da réplica, que é um espaço diferencial, podem ser respeitadas. Possibilidades que são legadas com a exigência de serem repetidas não formam uma autoridade na existência livre. Isso implica que a medida na resposta adequada às demandas dos mortos não é a restauração idêntica de possibilidades existenciais em que outros se lançaram. É frustrada, portanto, a expectativa de que a dimensão ancestral contivesse nela mesma a medida da adequação da resposta a que os vivos estão obrigados. A medida precisa ser encontrada. A conjectura adicional de que o metro pudesse ser achado no plano formal da diferença entre o existir próprio e impróprio também é frustrada. Nesse caso, a expectativa consiste em supor que, nas existências decididas e autênticas dos que já morreram, haveria ao menos uma indicação deixada para que os vivos possam encontrar a medida. Vidas que chegaram à forma autêntica do destino seriam exemplos em que se poderia encontrar a medida da correta retomada das possibilidades.

A primeira razão que frustra tal expectativa deriva de uma característica muito fundamental do modo de ser da existência. Essa característica relaciona-se com a maneira peculiar em que pode haver níveis de especificação em generalidade no existir. Existir própria ou autenticamente e existir imprópria ou inautenticamente são especificações existenciais. Essa forma de especificação caracteriza-se por situar-se na dimensão da generalidade categorial.[41] Isso significa que não há uma propriedade independente que pudesse diferenciar o existir autêntico do inautêntico. Toda instanciação de autenticidade é sempre exemplar e nenhuma definição das instâncias exemplares consegue não ser circular. Nomear termos gerais que descrevam essa exemplaridade – guerreira, mártir, salvador, estadista, etc. – representa uma transgressão ontológica em relação a um modo de ser cujas especificações são categoriais. Desse modo, um legado de possibilidades que também fornecesse índices diferenciadores da autenticidade e inautenticidade não estaria legando possibilidades existenciais.

Essa peculiaridade notável do modo de ser da existência não implica que não se possa saber ou dizer como é uma vida autêntica. Ao contrário, a epistemologia e a forma expressiva requeridas para chegar a saber como é o existir autêntico são de natureza situacional, ou seja, dependem da contingência de que se encontre exemplos privilegiados de instanciação da autenticidade. Essa metodologia exemplarista necessita que o exemplo dê testemunho de sua especificidade. Com a morte, contudo, o exemplo deixa de compartilhar o mundo com os vivos. A perda experimentada pelos que ficam é também a perda da única perspectiva na qual se pode tentar encontrar uma diferença entre autenticidade e inautenticidade. Heidegger termina sua homenagem a Max Scheler, morto, dizendo que mais uma vez um caminho da filosofia retorna para a escuridão.[42] A imagem de um caminho que segue na escuridão é expressiva do fato de que a medida de um existir autêntico, como orientadora na busca da justa resposta às obrigações inerentes às possibilidades legadas, não é mais visível como era enquanto o morto esteve vivo. Foi-se do mundo o testemunho do viver próprio na forma do destino, passando para a ancestralidade.

Essa breve caracterização da normatividade da dimensão ancestral, que não oferece em si mesma a medida de uma resposta adequada ao legado existencial dos mortos, também fornece uma determinação sobre a natureza da própria medida. Se as possibilidades herdadas não trazem em si mesmas o critério da adequada retomada, se a autenticidade não admite definições não circulares, e se a exemplaridade testemunhada se perde com a morte, então a medida não está dada de antemão na própria dimensão ancestral. É preciso uma medida que discrimine a adequada maneira de retomar as possibilidades legadas, mas esse metro não está dado de antemão para os vivos. Conclui-se que, no contexto da individuação própria a partir da retomada do legado dos mortos, a busca da justa medida não tem a forma da anamnese, ou seja, de saber algo já sabido.

Nesse ponto, o problema do sentimento existencial que abre a dimensão ancestral – a questão da temperatura do coração na relação com os mortos – ganha uma resposta formal. O sentimento de respeito às possibilidades replicáveis é a sintonia com um âmbito normativo que não oferece ele mesmo a medida da justa resposta às demandas postas pelos mortos. A medida precisa ser buscada, ela não está dada de antemão. Dessa sorte, o sentimento existencial torna patente que o respeitoso frente à autoridade dos ancestrais e fiel a si mesmo encontra-se numa situação de abandono.[43] Vinculado, sem a justa medida, a um âmbito que obriga uma resposta adequada. Dada a conexão entre retomada de herança e individuação própria, o abandono estende-se para a relação normativa consigo mesmo. O abandono na dimensão normativa implica, ademais, uma vulnerabilidade estrutural. A falta de uma medida já dada acarreta que o erro e a inadequação são inerentes na história da relação com os mortos. Nesse sentido, os vivos não estão expostos apenas aos “golpes do destino” e às faltas responsáveis, mas também expostos à chance de responder de maneira inapropriada às obrigações deixadas pelos ancestrais. Feridas que não se curam, injustiças não reparadas e legados não correspondidos não são consequências contingentes, mas derivam internamente do abandono na dimensão ancestral.[44] Se o respeito à autoridade das possibilidades replicáveis revela o existente como abandonado e vulnerável, pode-se acrescentar, em analogia ao que se diz sobre a confiança,[45] que o respeito é o abandono aceito. Alguém não sente a si e aos outros como desprezíveis, também em razão de que ambos não recuam diante do abandono que é a falta de uma medida já dada para responder à normatividade da historicidade. A busca de uma medida, o elevar-se no âmbito das possibilidades legadas, procurando ser leal a si e justo com os mortos, torna-se patente no sentimento existencial de respeito diante da autoridade existencial.

Note-se que a falta de uma medida interna à normatividade da ancestralidade não implica que não exista tal medida. Ela é relacional. Por isso, não é inconsistente falar de exposição ao erro na resposta ao legado dos mortos. Concluo o presente ensaio com três observações edificantes. Elas reúnem linhas de problemas para examinar na incipiente fenomenologia da espectralidade. Essas notas finais também são edificantes no sentido de que tais problemas se referem a aspectos construtivos na busca por medidas que orientem a adequação na resposta às possibilidades legadas e na individuação própria.[46]

Primeiramente, a busca por medidas para a adequada ligação ao espaço das possibilidades ancestrais deve ser vista como um esforço de atenção.[47] Em particular, uma atenção para que as possibilidades legadas não sofram a objetificação resultante da pretensão de que se detenha como já dada a medida de adequação. Esse tema foi examinado por Hans Ruin no âmbito da avaliação das formas desencantadas e reencantadas de relacionamento com a dimensão ancestral, com um foco penetrante nos riscos de objetificação trazidos nas ciências das culturas mortuárias.[48] Em segundo lugar, o aprendizado da medida na historicidade pode ser analisado em termos da compreensão hermenêutica. Mais especificamente, a partir de um entendimento da compreensão de si mesmo e dos outros, dos mortos em particular, como uma forma de convalescença e recuperação.[49] Convalescer não significa superar a enfermidade, ou seja, não significa que será superada a condição de abandono à falta de uma medida já dada no espaço normativo da ancestralidade. Por fim, o aprendizado da medida, mesmo que não seja a recordação de algo já sabido, mantém uma relação com a memória. Apesar de que a abordagem hermenêutica da memória ainda seja incipiente,[50] há uma direção de entendimento que pensa a reminiscência como uma forma de recordação que não supera o esquecimento. Em relação ao problema da medida na dimensão ancestral, essa noção sugeriria um aprendizado como rememoração que não visa algo já dado, mas como renovação que mantém o passado ao lançar-se no futuro. O aprendizado como uma recordação que faz emergir relacionalmente a medida. Ao perguntar-se porque tão raramente escutamos a proximidade simples dos mortos, Heidegger observou algo nesta direção:

A genuinidade e constância de nosso luto é medida por nossa capacidade de conservar na serenidade da saudade (Andenken) aquilo que os caídos são e querem ser, com sua proximidade, para nós mesmos e nossa purificação.[51]

Apesar de muito esquemáticas, essas observações conclusivas manifestam um problema que perpassa todos os três temas: a necessidade de situar essa temática normativa específica no plano da relação social com os vivos. Desse modo, a questão da justa medida na retomada das possibilidades legadas revela uma ligação interna com a tradição que se organizou a partir do conceito de formação (Bildung).[52] Assim sendo, a dimensão espectral do corpo ancestral não discrimina tão somente um imenso domínio de investigação nas ciências humanas, mas impõe-se como indispensável tarefa, não apenas teórica, para uma filosofia fenomenológica e hermenêutica.

 

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[1] RUIN, Being with the Dead. Burial, Ancestral Politics, and the Roots of Historical Consciousness. Ver também: RUIN, Spectral Phenomenology: Derrida, Heidegger and the Problem of the Ancestral; Housing Spirits: The Grave as an Exemplary Site of Memory; Speaking to the Dead; Being with the Dead. Burial, Ancestral Politics, and the Roots of Historical Consciousnes; Death, Sacrifice, and the Problem of Tradition.

[2] HARRISON, The Dominion of the Dead, p. x.

[3] HEIDEGGER, Sein und Zeit, p. 238.

[4] HARRISON, The Dominion of the Dead, p. ix.

[5] HEIDEGGER, Sein und Zeit, p. 238.

[6] HEIDEGGER, Sein und Zeit, p. 240.

[7] HEIDEGGER, Sein und Zeit, pp. 238-239.

[8] HEIDEGGER, Sein und Zeit, p. 238.

[9] RUIN, Being with the Dead. Burial, Ancestral Politics, and the Roots of Historical Consciousness, p. 31.

[10] HEIDEGGER, Sein und Zeit, p. 380.

[11] HEIDEGGER, Sein und Zeit, p. 380.

[12] RUIN, Being with the Dead. Burial, Ancestral Politics, and the Roots of Historical Consciousness, pp. 31, 63-83.

[13] GADAMER, Der Tod als Frage, p. 162.

[14] FUCHS, Presence in Absence. The Ambiguous Phenomenology of Grief, pp. 49-54.

[15] KÄUFER, Heidegger on Mineness and Memory; BARASH, Heidegger and the Metaphysics of Memory; CARMAN, Heidegger.

[16] HEIDEGGER, Sein und Zeit, p. 104.

[17] HEIDEGGER, Sein und Zeit, pp. 374-375.

[18] HEIDEGGER, Sein und Zeit, pp. 386-387.

[19] RISSER, The Life of Understanding, p. 21.

[20] HEIDEGGER, Sein und Zeit, p. 383.

[21] RUIN, Being with the Dead. Burial, Ancestral Politics, and the Roots of Historical Consciousness, p. 33.

[22] Sobre o conceito de Wiederholung, ver: MILCHERT, Christliche Wurzeln der Todesphilosophie Heideggers, pp. 172-189.

[23] HEIDEGGER, Sein und Zeit, p. 384.

[24] HEIDEGGER, Sein und Zeit, p. 386. Sobre o sentido de recusa e diferenciação na transmissão autêntica da herança, ver: HARRISON, The Dominion of the Dead, pp. 101-103; RISSER, The Life of Understanding, pp.17-18.

[25] HARRISON, The Dominion of the Dead, pp. 103-104.

[26] HEIDEGGER, Sein und Zeit, p. 390.

[27] Sobre a finitude na possibilidade existencial, ver: REIS, Aspectos da Modalidade, pp. 245-250.

[28] HEIDEGGER, Sein und Zeit, p. 391.

[29] HEIDEGGER, Sein und Zeit, p. 122.

[30] HEIDEGGER, Reden und andere Zeugnisse eines Lebensweges, p. 230.

[31] SLABY, Affective intentionality and the feeling body, p. 434.

[32] RATCLIFFE, The feeling of being; Feelings of Being. Phenomenology, psychiatry and the sense of reality.

[33] RUIN, Being with the Dead. Burial, Ancestral Politics, and the Roots of Historical Consciousness, p. 39.

[34] HEIDEGGER, Hölderlins Hymne “Der Ister”; SOFOCLES, Antígona, p. 33.

[35] HEIDEGGER, Sein und Zeit, p. 391.

[36] HEIDEGGER, Sein und Zeit, p. 385.

[37] HEIDEGGER, Sein und Zeit, p.385.

[38] HEIDEGGER, Die Grundprobleme der Phänomenologie, pp. 185-194; Kant und das Problem der Metaphysik, pp. 156-160; Seminare: Kant – Leibniz – Schiller, p. 744.

[39] SLABY & STEPHAN, Affective intentionality and self-consciousness, pp. 509-512.

[40] Para uma penetrante análise desse tema, ver: RODRIGUEZ, La Interpretación Ontológica del Sentimiento Moral.

[41] ZUCKERMANN, Heidegger and the essence of Dasein; FORD, Action and Generality.

[42] HEIDEGGER, Metaphysische Anfangsgründe der Logik, p. 64.

[43] RUIN, Being with the Dead. Burial, Ancestral Politics, and the Roots of Historical Consciousness, p. 69.

[44] RUIN, Being with the Dead. Burial, Ancestral Politics, and the Roots of Historical Consciousness, pp. 83 e 202; HARRISON, The Dominion of the Dead, p. 103

[45] BAIER, Trust and Antitrust, p. 99.

[46] THEUNISSEN, Das erbauliche im Gedanken an den Tod. Traditionelle Elemente, innovative Ideen und unausgeschöpfte Potentiale in Kierkegaards Rede An einem Grabe, p. 73.

[47] RISSER, The Life of Understanding, pp. 22-24.

[48] RUIN, Being with the Dead. Burial, Ancestral Politics, and the Roots of Historical Consciousness, pp. 200-201.

[49] RISSER, The Life of Understanding, pp. 8-26.

[50] RUIN, Anamnemic subjectivity: new steps toward a hermeneutics of memory.

[51] HEIDEGGER, Anmerkungen I-V (Schwarze Hefte) 1942-1948, p. 28. Agradeço à professora Irene Borges a tradução de “Andenken” por “serenidade da saudade”.

[52] RISSER, The Life of Understanding, pp. 45-59.