DOI: http://dx.doi.org/10.5902/2179378637897

Publicação: 30/04/2019

 

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Apresentação

 

Dossiê Filosofias do Corpo

 

Juliana Oliveira Missaggia

Professora do Departamento de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

juliana.missaggia@ufsm.br

 

É com grande alegria e honra que apresento o dossiê temático da décima nona edição da Voluntas: Revista Internacional de Filosofia (Volume 10, Número 1). O presente dossiê, intitulado “Filosofias do corpo”, inaugura uma nova e promissora fase da revista, agora reformulada em seu escopo e periodicidade. Através do gentil convite do meu colega Vilmar Debona, editor chefe da Voluntas, tenho a satisfação de introduzir um volume com uma ampla variedade de tópicos e conceitos vinculados à temática do corpo, no qual onze textos de grande qualidade contribuem para o debate desse que é um dos temas incontornáveis da Filosofia.

No texto que inaugura o volume, Corpo e liberdade: possibilidade, condição, ambiguidade, Rafaela Ferreira Marques apresenta um interessante debate de viés fenomenológico a partir da noção de corporeidade de Merleau-Ponty e Simone de Beauvoir, articulando diferentes facetas do conceito de corpo, como seu caráter limitador da liberdade, bem como seu potencial político, o que ganha relevo na análise que a autora desenvolve em torno da corporeidade feminina.

Os necessários aspectos políticos do corpo são também apresentados com maestria no texto de Janyne Sattler, Vidas tomando corpo, no qual, a partir de uma abordagem de inspiração wittgensteiniana, a autora utiliza as obras de Raimond Gaita e J.M. Coetzee para refletir sobre uma proposta alternativa às chamadas “éticas animais”, possibilidade essa na qual o conceito de corpo não padeça de uma estrutura instrumental, mas sim seja vivenciado e respeitado em sua plenitude política, simbólica e vivencial, o que aponta para um conceito mais rico de corporeidade.

Uma problematização de concepções mais tradicionais da noção de corpo aparece também no artigo Vida artificial: a mobilidade do conceito de transumano e pós-humano, no qual Eduardo Marks de Marques e Luana Krüger analisam o papel desempenhado pela discussão em torno do conceito de vida artificial na criação de robôs-humanóides. O tema permite aos autores apresentar um estimulante debate que toca em questões bastante atuais e apontam para o que eles reconhecem como uma expansão do conceito de transumano e pós-humano.  

 No texto seguinte do dossiê, de autoria de Marilia Dalva Teixeira, Considerações sobre o corpo em Mikhail Bakhtin, encontramos uma perspicaz apresentação do conceito de corpo na obra do filósofo russo, sobretudo a partir de determinadas características fundamentais da experiência estética e política, das quais a dimensão intersubjetiva e ideológica são elementos centrais, o que permite à autora indicar as diferentes manifestações e potencialidades da noção de corpo do filósofo, como, por exemplo, a manifestação de duas consciências não coincidentes.

No artigo de Silvestre Grzibowski, por outro lado, uma rica análise de uma concepção subjetivista de corpo é apresentada a partir da obra de Michel Henry. O autor mostra como seria possível encontrar um conceito de corpo subjetivo na obra do filósofo francês desde que tal noção seja constituída a partir da imanência absoluta, o que aparece em contraste com a ideia fenomenológica de corpo transcendental, análise essa que destaca a originalidade de Henry.

 Em Incarnated historicity: an essay on Archeology and Imagination encontramos um brilhante ensaio a partir do conceito de corpo em Foucault, na qual Fabricio Pontin e Tatiana Vargas Maia indicam a centralidade dessa noção para as concepções de subjetividade e verdade, contrastando a seguir a concepção foucaultiana de narração do self com a ideia de “paisagens” de Walter Benjamin. Tal debate serve de base para a reflexão seguinte, que aponta para o potencial papel transformador da estética corpórea e do erotismo na superação de condições de alienação.

Em Processamento Preditivo: a representação nos olhos de quem vê, Giovanni Rolla apresenta com clareza o importante debate contemporâneo em torno do suposto representacionismo do Processamento Preditivo, o que permite ao autor analisar argumentos em favor de uma interpretação não-representacionista para esse que é um dos principais paradigmas das ciências cognitivas.

No ensaio seguinte, Posições e Disposições de um corpo: o erótico e o pornográfico na ótica feminina: práticas de submissão ou de resistência nos dispositivos de poder encontramos uma ousada e potente reflexão sobre as limitações usualmente impostas ao conceito de corpo no debate filosófico acadêmico mais tradicional, seguido da defesa da estética e política eróticas como elemento transformador das estruturas de opressão que tentam subjugar a corporeidade feminina.

Igualmente estimulante é o artigo Um sobretudo de argila: afetividade e normatividade na fenomenologia do corpo, no qual Róbson Ramos dos Reis nos surpreende com um brilhante exercício fenomenológico inspirado por Hans Ruin, no qual conceitos heideggerianos relativamente pouco explorados são desenvolvidos para investigar noções como ancestralidade e respeito aos mortos.  

Em Tra metafisica e fisiologia. Il corpo quale fenomeno unitario in Schopenhauer, Cabanis e Bichat Fiorella Giaculli desenvolve uma interessante análise comparativa da noção de corpo dos três autores, demonstrando a possibilidade de uma interpretação do conceito de corpo como um fenômeno unitário, o que afasta concepções dualistas da corporeidade nas quais o corpo apareça em oposição à noção de alma.

O tema da corporeidade na obra schopenhauriana é também analisado por Marinella Morgana Mendonça, em O papel do corpo no pensamento ético de Schopenhauer, no qual a autora apresenta a importância do conceito de corpo para a ética a partir de sua necessária ligação com a noção de Vontade. 

Como editora é uma alegria constatar a qualidade e profundidade dos artigos que fazem parte do presente dossiê sobre Filosofias do corpo. Todos os textos contribuem de maneira relevante para o debate filosófico em torno do tema, apresentando um belo panorama de algumas das vertentes de análise mais importantes para debater filosoficamente a questão da corporeidade.

Minha gratidão a todos os autores e autoras, pareceristas e demais colaboradores que tornaram possível a presente publicação. Meu agradecimento, também, à competente equipe do portal de periódicos de nossa Universidade e, em especial, ao prof. Vilmar Debona, por todo o auxílio durante o processo de organização do presente dossiê, e por seus esforços louváveis na condução de um periódico de qualidade, motivo de orgulho para o Departamento de Filosofia da UFSM.

 

Boa leitura!