Revista de Gestão e Organizações Cooperativas - RGC, Vol. 6, Nº11, 1º Sem. 2019

ISSN: 2359-0432

Received: 30/06/2018 Accepted: 07/08/2018

 

 

 

De Usurpadores do Bem Público a ‘Mineradores’ Legalizados: uma Análise da Formalização de Cooperativas Minerais

From Encroach of the Public Good to Legalized 'Minerators': an Analysis of the Constitution of Mineral Cooperatives

 

Alex dos Santos MacedoI

Alan Ferreira de FreitasII

Alair Ferreira de FreitasIII

Maria de Lourdes Souza OliveiraIV

 

 

IUniversidade Federal de Viçosa

Alexmacedo.ufv@gmail.com

IIUniversidade Federal de Viçosa

freitasalan@yahoo.com.br

IIIUniversidade Federal de Viçosa

alairufv@yahoo.com.br

IVUniversidade Federal de Lavras

marocabj@gmail.com

 

 

Resumo

O intuito desse estudo foi compreender os entraves à formalização das cooperativas minerais inseridas na Mineração em Pequena Escala (MPE) sob o prisma normativo, apontando os aspectos positivos e limitantes do arcabouço legal vigente, no que tange à sua capacidade de dar efetividade às cooperativas nesse ramo de atividade. Para tanto, o estudo fez um resgate histórico da formação de duas cooperativas em Minas Gerais, a Uniquartz em Corinto e da Microminas em Córrego Fundo. A pesquisa foi caracterizada como exploratória e de abordagem qualitativa. Foram realizadas 23 entrevistas com dirigentes e associados das cooperativas, representantes do órgão mineral e do cooperativismo em Minas Gerais. Os resultados evidenciam que impor a forma cooperativa como um dos meios para organizar a MPE sem uma revisão do arcabouço normativo, tornando-o mais simples, acessível e ágil, acaba por contribuir para a marginalização de uma atividade vista como invisível e marginal.

Palavras-chave: Mineração em Pequena Escala, Cooperativas Minerais, Formalização.

 

Abstract

The purpose of this study was to understand the obstacles to the formalization of mineral cooperatives inserted in Small Scale Mining (MPE) under the normative prism, pointing out the positive and limiting aspects of the current legal framework, regarding its capacity to give effectiveness to cooperatives in this area. Branch of activity. To do so, the study made a historical rescue of the formation of two cooperatives in Minas Gerais, Uniquartz in Corinto and Microminas in Córrego Fundo. The study was characterized as exploratory and qualitative approach. Twenty-three interviews were conducted with leaders and members of the cooperatives, representatives of the mineral body and cooperativism in Minas Gerais. The results show that to impose the cooperative form as one of the means to organize the MPE without a revision of the normative framework, making it simpler, more accessible and agile, ends up contributing to the marginalization of an activity seen as invisible and marginal.

Keywords: Small-Scale Mining, Mineral Cooperatives, Formalization.

 

 

 

1 Introdução

Este artigo se ateve ao estudo das cooperativas inseridas na Mineração em Pequena Escala (MPE), aquela que é realizada pelas pequenas empresas de mineração e pela mineração artesanal, o garimpo (BARRETO, 2001; ECHAVARRIA, 2014). Para o Banco Mundial, a MPE está presente em quase 80 países em todo o mundo e conta com aproximadamente 100 milhões de trabalhadores e suas famílias que dependem deste trabalho (THE WORLD BANK, 2013).

Este setor ganhou notoriedade nas décadas de 1970 e 1980 na América Latina, principalmente nos países como Bolívia, Brasil, Colômbia, Peru e Venezuela. Essa importância ocorreu em detrimento de um contexto de crise econômica, em que atraídos pelas possibilidades de geração de renda e pelas grandes quantidades de depósitos minerais e pela facilidade de exploração, principalmente de ouro e pedras preciosas, a atividade de garimpagem tornou-se conhecida pela população (EVIDENCE AND LESSONS FRON LATIN AMERICAN - ELLA, 2012).

A atividade de garimpagem vem sendo caracterizada tanto pelos órgãos governamentais, quanto pela sociedade, como uma atividade realizada de forma ilegal e precária, com intenso impacto ambiental e social. Todavia, o Brasil e os demais países da América Latina não estão obtendo êxito no controle, regulação ou proibição da MPE. Fatores como a má gestão dos direitos minerários, a mineração em áreas indígenas, a poluição ambiental, os conflitos sociais, o aparecimento de outras atividades ilícitas junto à atividade ilegal de mineração compõe o quadro de desafios enfrentados pelos países na América Latina (ELLA, 2012).

No Brasil, soma-se a esses desafios a carência de informações sobre o tamanho e distribuição geográfica da MPE, a sua produção por sustância mineral extraída, a dimensão socioeconômica e ambiental, os entraves à formalização fazem parte dos gargalos da atividade (BRASIL, 2014). Além desses, somam-se os conflitos entre as atividades de mineração próximas às áreas urbanas, a carência de controle dos impactos ambientais da atividade e o altíssimo número de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais da atividade (BRASIL, 2008).

Frente a este contexto adverso do setor mineral, o Estado brasileiro passou a incentivar a forma organizacional cooperativa entre os mineradores informais. O reconhecimento e regularização do setor pelo Estado foi impulsionado no Brasil, assim como em outros países em desenvolvimento com a expectativa do setor contribuir com o desenvolvimento socioeconômico, ao gerar empregos, possibilitar o alívio da pobreza e o desenvolvimento rural (LEDWABA, 2017). No entanto, formalizar a atividade garimpeira, não significa promover a organização social, tão pouco garantir a base de superação dos desafios organizacionais enfrentados pelos mineradores. Uma vez que, os desafios ao desenvolvimento da MPE perpassam pelo acesso ao direito mineral, capital, mercados, tecnologia e conhecimento, além de suporte institucional (LEDWABA, 2017).

A regularização e a aprovação das lavras passaram a priorizar as cooperativas, como meio de garantir a formalização. Isso acontece porque é mais interessante para Estado controlar uma organização de pessoas do que tentar criar meio de fiscalizar os garimpeiros de maneira isolada. Uma consequência desse processo é que muitas cooperativas do ramo mineral foram constituídas apenas para obter seus direitos minerários e não cumpriram nenhuma função. Ou seja, criaram apenas uma CNPJ com interesses individuais se sobrepondo aos interesses coletivos, e em parte, reproduzindo as relações de poder existentes.

Dito de outra forma, constitui-se cooperativas de ‘fachadas’ para beneficiar um pequeno grupo de pessoas e dar uma aparência legal, para se obter a outorga para a lavra (FREITAS; FREITAS; MACEDO, 2016).

Desta forma, cabe indagar se as cooperativas são mesmo uma forma de organização adequada a MPE e quais os resultados que ela pode trazer ao trabalho do garimpeiro. Sendo assim, o objetivo desse artigo foi descrever e discutir a trajetória histórica de formação da cooperativa Uniquartz - Cooperativa Regional Garimpeira de Corinto Ltda em Corinto e da Microminas - Cooperativa dos Micromineradores do Centro Oeste de Minas Gerais Ltda, em Córrego Fundo, ambas localizadas no Estado de Minas Gerais. O intuito desse resgate histórico foi compreender os entraves à formalização dessas organizações sob o prisma normativo, apontando os aspectos positivos e limitantes do arcabouço legal vigente, no que concerne a sua capacidade de dar efetividade às cooperativas nesse ramo de atividade.

O caso dessas duas cooperativas do ramo mineral figurou como relevante para ser abordado, sobretudo por ter representado uma preferência de organização dos garimpeiros em cooperativas, bem como por ter representando uma imposição ou pressão do Estado para que a atividade de garimpagem e MPE realizada ilegalmente, se organizasse no formato de cooperativa para que pudessem ter acesso ao direito mineral e assim, operar as jazidas. A compreensão das especificidades dessas organizações tem o potencial de contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas para o cooperativismo mineral, bem como para (re) pensar a regulamentação do setor.

Para tanto, o artigo está organizado em quatro seções, além desta introdução. Num primeiro momento, discorre-se sobre mineração em pequena escala, questionando se esta atividade seria uma questão de polícia. Após as reflexões desta questão, delineiam-se os caminhos metodológicos. E para apresentação e discussão dos resultados, discutiu-se o processo de formação da Cooperativa Uniquartz e da Microminas em seu contexto local para em seguida tecer as considerações finais.

 

2 A Mineração em Pequena Escala no Brasil: uma questão de polícia?

A atividade de mineração é vista pelo Estado como aquela capaz de contribuir para os interesses soberanos nacionais, ao abastecer a indústria nacional e internacional com matéria-prima, ao gerar divisas para o país, e também por atrair investimentos estrangeiros (BITTENCOURT, 2013; CANDIA et al., 2009; MARTINS; LIMA, 2011). Nesse sentido caracterizam-se como uma atividade com adoção de uma intensa tecnologia de ponta e sólido conhecimento mineral. No outro extremo está a atividade de garimpagem, que foi ao longo dos tempos encarada como um problema social e considerada rudimentar em termos tecnológicos em seus processos (COSTA, 2007; FIGUEIREDO, 1984; SALOMÃO, 1984).

Para Salomão (1984, p. 42) “o vocábulo garimpeiro vem de grimpa – garimpeiro – a indicar os homens que escondiam no recôndito das serras para retirar clandestinamente o ouro e diamantes das lavras cedidas aos senhores e impedidas ao trabalho avulso”. Assim, observa-se que a palavra garimpeiro já carrega consigo uma noção de atividade ilegal, marginal e de repressão da força de trabalho (COSTA, 2007). No código da mineração vigente desde 1967, a atividade de garimpo em seu artigo 72 é caracterizada pela forma rudimentar de minerar, pela natureza dos depósitos explorados e pelo trabalho de caráter individual, sempre por conta própria (BRASIL, 1967).

Segundo Barreto (2001), a MPE divide-se em pequena empresa de mineração e a mineração artesanal, o garimpo. Variáveis como o número de empregados, volume de produção, capital, investimentos, tipo de jazida, dimensão da área, minério extraído ou faturamento fazem parte dos critérios para definir a pequena mineração. Assim, o que caracterizaria a mineração artesanal, como o garimpo seria o modo de trabalho que utiliza de procedimentos rudimentares para extrair os minérios (VEIGA; SILVA; HINTON, 2002).

Alguns aspectos diferenciam a MPE daquela de grande porte. A MPE demanda maior número de empregados, a mão de obra empregada é menos qualificada, o volume de capital imobilizado também é menor, a área de exploração concedida pelo órgão competente também é inferior, o volume da reserva e o aproveitamento dos depósitos são menores, o tempo concedido para exploração é inferior ao da mineração em grande escala. Além de apresentar maior componente de informalidade, menor produtividade e nível de recuperação dos recursos minerais, também se caracteriza por apresentar padrões operacionais de proteção ambiental e de segurança no trabalho insatisfatórios (BRASIL, 2014).

Dados mais recentes do Departamento Nacional de Produção Mineral - DNPM em 2011 apontavam que no Brasil existiam 2.647 minas de diversos portes. Aquelas de maior porte (119 minas), ou seja, com extração acima de 1.000.000 t/ano eram exploradas por 5% do número de empresas do setor, as de porte médio (633 minas), com uma produção entre 100.000 t/ano e 1.000.000 t/ano eram exploradas por 24% das empresas, e as de pequeno porte (1.895 minas) com produção acima de 10.000 t/ano e abaixo de 100.000 t/ano eram exploradas por 71% do número de empresas (BRASIL, 2014).

Observa-se que a grande maioria das minas é de baixa capacidade produtiva e o maior número de empresas do setor é constituído por pequenas empresas de mineração e aquelas minas de maior capacidade de extração são controladas por pequeno número de empresas do setor.

Em suma, a MPE é adotada para descrever aquela atividade que é realizada de forma individual, em grupos, em famílias ou em cooperativas e, em muitos casos atuando de forma ilegal e contando com nenhum ou pouquíssimo aporte tecnológico. Em alguns países a MPE é tão importante quanto à mineração em grande escala devido ao volume de empregos gerados (HENTSCHEL; HRUSCHKA; PRIESTER, 2002).

Apesar de sua natureza informal e por ser considerada uma atividade com baixíssimo aporte tecnológico, o que resulta de uma forma geral em baixa produtividade, sua importância reside no fato de ser uma das principais, se não a única, fonte de renda e sustento para diversas populações pobres (THE WORLD BANK, 2013).

Mesmo contribuindo de alguma forma para a geração de trabalho para essas populações pobres e figurar talvez como única fonte de renda o que poderia atenuar, conforme Hentschel, Priester e Hruschka (2002), a redução da pobreza e contribuir para o desenvolvimento dessas regiões, a MPE acaba sendo conhecida pelo seu alto custo ambiental, pelas condições precárias de saúde e segurança no trabalho, além de ser considerada uma atividade insustentável em termos econômicos e ambientais. Segundo os autores, esses fatores não irão impedir o futuro da atividade, para eles enquanto a pobreza continuar a existir essa atividade não cessará.

No contexto do Brasil caberia refletir sobre a existência dos garimpos. De acordo com Barreto (2001), nas discussões sobre a existência dos garimpos aparece duas posições divergentes. Para a autora, uma ala vê o garimpo como um problema mineral que seria resolvido mediante políticas minerais. A outra percebe o garimpo além do setor mineral, onde ele seria resultante dos problemas estruturais macroeconômicos em decorrência da má distribuição de renda e da pobreza de parcela da população, bem como das diversas crises econômicas e da escassez de oportunidades de trabalho no meio rural de alguns estados do país.

O posicionamento neste artigo vai ao encontro da segunda perspectiva apresentada por Barreto (2001), pois, compreende-se o garimpo como um problema social resultante de desigualdades econômicas, políticas e sociais. Portanto, é importante deixar claro neste trabalho que o garimpo deve ser tratado como “uma questão social e não uma questão de polícia, como unidades produtivas e não como currais eleitorais, como atividade digna de trabalhadores, aos quais a sociedade brasileira deve garantir o livre acesso à cidadania e ao bem-estar do mundo contemporâneo” (FIGUEIREDO, 1984, p. 33). A compreensão dessa questão na visão do autor perpassa pelo entendimento e debate pela sociedade brasileira do uso e apropriação dos recursos minerais que o país dispõe.

Em síntese, percebe-se, diante dos argumentos que as áreas de mineração e garimpo representam um problema complexo para a gestão pública no Brasil, uma vez que se notam questões ligadas à vulnerabilidade ambiental, social e econômica. E, uma das formas encontradas pelo poder público para tentar amenizar esses problemas passou pelo incentivo a formação de cooperativas pelos garimpeiros.

Observa-se que o Estado incentivou por meio da Constituição Federal de 1988 a constituição de cooperativas como um meio de organizar a atividade garimpeira. Em 1989, por meio da Lei 7.805 instituiu o Regime de Permissão da Lavra Garimpeira. Seu intuito foi o de facilitar o acesso dos garimpeiros ao direito mineral, não exigindo trabalhos prévios de pesquisa como nos demais regimes que são concedidos para as demais empresas do setor, todavia há a necessidade de trabalhos prévios de licença ambiental (BRASIL, 1989). Mais adiante, em 2008, editou o Estatuto do Garimpeiro, Lei 11.685, por meio do qual os garimpeiros poderão realizar as atividades de extração das substâncias minerais em várias modalidades de trabalho, autônomo, em regime de economia familiar, individual com relação empregatícia, por meio de contrato de parceria registrado em cartório e em cooperativa e outra forma de associativismo (BRASIL, 2008).

 

3 Metodologia

O estudo foi caracterizado como teórico-empírico, do tipo exploratório, com abordagem qualitativa e método estudo de casos múltiplos (GIL, 2007; GODOY, 1995, 2010; TRIVIÑOS, 1987). As pesquisas qualitativas são adequadas para quando os pesquisadores buscam compreender determinados “fenômenos que envolvem os seres humanos e suas intrincadas relações sociais, estabelecidas em diversos ambientes”. E, esses fenômenos podem ser mais bem compreendidos se forem estudados no “contexto em que ocorre e do qual é parte, devendo ser analisado numa perspectiva integrada” (GODOY, 1995, p. 21).

Diante disso, o intuito com essa pesquisa foi compreender a trajetória de constituição da cooperativa Uniquartz em Corinto e Microminas em Córrego Fundo, ambas em Minas Gerais. Para compreender esse fenômeno, como ponderou Godoy (1995) partiu-se de uma perspectiva integrada, analisando essas organizações em seu contexto local e em nível estadual. Para tanto, diversos atores sociais pertencentes a estes contextos foram consultados para entendimento do fenômeno abordado.

Como método de pesquisa qualitativa adotou-se o estudo de casos múltiplos para se compreender melhor a natureza do fenômeno social, ou melhor, a trajetória histórica de constituição das duas organizações. A justificativa da escolha das cooperativas está relacionada ao fato delas apresentarem-se legalmente constituídas, cumprindo, assim, as exigências legais para seu funcionamento, bem como estar exercendo suas atividades, ou seja, ativas, além de serem registradas na OCEMG. Estas características são necessárias para acessar as políticas públicas que por ventura vierem a ser formuladas conforme disposição na Lei Estadual do Cooperativismo Mineiro, Lei n° 15.075, de 05 de abril de 2004 (MINAS GERAIS, 2004).

Para tentar captar os dados primários, entrevistas semiestruturadas e notas de campo fizeram parte das técnicas utilizadas no trabalho de campo que ocorreu durante os meses de novembro e dezembro de 2014. A seleção dos membros que foram entrevistados ocorreu em detrimento deles estarem diretamente ou indiretamente ligados ao trabalho com a cooperativa mineral em diversas instâncias, buscando aqueles sujeitos que possuíam representatividade no grupo social analisado (DUARTE, 2002).

Foram entrevistados os dirigentes, associados que estavam desde a fundação e associados que ingressaram posteriormente nas cooperativas Uniquartz e Microminas. Além do mais, entrevistou-se representantes do Poder Público local. Em âmbito estadual, consultaram-se os representantes das cooperativas minerais – Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado de Minas Gerais - OCEMG e os responsáveis pela gestão do patrimônio mineral em Minas Gerais, o DNPM/MG. A escolha destes atores buscou abarcar o fenômeno em sua complexidade.

No total foram 23 entrevistas realizadas entre os meses de novembro e dezembro de 2014. O quadro 01 detalha os atores sociais entrevistados. Nas entrevistas com os dirigentes das cooperativas, o tempo médio de duração foi de aproximadamente uma hora, já as entrevistas com os demais atores sociais duraram em média 40 minutos. Na explicitação dos resultados, os entrevistados foram organizados de acordo com a instituição que representam.

Para análise dos dados que foram obtidos pelas fontes primárias e pelos documentos (atas das Assembleias Gerais, Ordinárias e Extraordinárias e as reformulações posteriores nos estatutos das duas cooperativas desde o período de constituição até o final de 2014) procedeu-se com a análise de conteúdo, técnica apropriada para o Estudo de Caso (GODOY, 1995).

Neste trabalho, utilizamos a análise de conteúdo para a construção de categorias de análise e não para quantificá-las. Concomitantemente, utilizamos a discussão de Vergara (2006), a qual salienta que as categorias para análise podem ser definidas conforme a grade de análise escolhida: aberta, fechada e mista. A grade foi definida após o trabalho de campo e para análise dos dados, portanto, adotamos a grade aberta.

Por fim, a pesquisa seguiu os preceitos éticos que envolvem seres humanos, em conformidade com que prevê a Resolução do Conselho Nacional de Saúde, 466/2012 obtendo aprovação do Comitê de em Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Lavras (parecer nº 799.985).

 

Quadro 01 - Atores Sociais Entrevistados

Ator

Cooperativa Uniquartz/Corinto

Tempo de atuação

Cooperativa Microminas/Córrego Fundo

Tempo de atuação

Dirigentes

G 1, M, 54

G 2, M, 47

G 3, M, 45

Sócio Fundador

Sócio Fundador

2 anos e meio

MM 1, F,

MM 2, M

MM 3, M

Sócio Fundador

Sócio Fundador

Sócio Fundador

Associados

G1, M, 55

G2, M, 59

G3, M, 59

G4, M, 59

G5, M, 36

Sete anos

Três anos

Sócio Fundador

Sócio Fundador

Um ano

MM1, M, 33              MM2, M, 25             

MM3, M, 54

MM4, M, 52

MM5, M, 51

MM6, F, 29

MM7, F, 34

Cinco anos

Cinco anos

Seis anos

Sócio Fundador

Seis anos

Cinco anos

Cinco anos

Poder Público

Um Represente da Prefeitura Municipal de Corinto

Dois Representantes da Prefeitura Municipal de Córrego Fundo

OCEMG

Um Representante

DNPM/MG

Um Representante

A primeira letra identifica a profissão do (a) entrevisto (a), se garimpeiro (G) ou micro minerador (MM), a segunda representa o sexo (M - Masculino ou F - Feminino) e por último a idade.

Fonte: Dados da Pesquisa, 2014.

 

4 Resultados e Discussão

Essa seção apresenta o processo histórico de constituição das cooperativas estudadas, apontando as circunstâncias em que foram constituídas, bem como os entraves à formalização destas organizações.

 

4.1 O caso da cooperativa Uniquartz em Corinto

O município de Corinto pertence à região Central de Minas (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE, 2015a). Segundo Santos (2012), foi no início do século XVIII que houve os primeiros sinais de concentração social, política, religiosa e comercial nessa região que pertencia anteriormente à Capitania de Porto Seguro e transferida a sua jurisdição à Comarca de Sabará em 1714. Sua economia era baseada na “criação de gado e agricultura de base, em detrimento de possível exploração de pedras preciosas naqueles sertões mineiros” (SANTOS, 2012, p. 22). Antes de se tornar Corinto em 1923, o município tinha o nome Curralinho e pertencia à cidade Curvelo (IBGE, 2015a).

Pelo seu contexto histórico, evidencia-se que a base de sua economia era a agricultura e a pecuária e, atualmente a base econômica do município são os serviços, a agropecuária e a indústria (IBGE, 2015a). Corinto possuía uma população estimada para 2014, segundo o IBGE (2015a), de 24.457, e no último censo demográfico de 2010 o total de homens era 11.760 e 12.154 de mulheres.

Estima-se que 25% da população do município esteja envolvida com a atividade mineral, o qual é um dos maiores produtores mundiais de quartzo (SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS - SEBRAE, 2014). Não há informações oficiais que apontem quantas pessoas fazem parte da atividade mineral no município, tampouco, informações sobre a quantidade produzida e comercializada do mineral na cidade. Conforme Bitencourt (2009, p. 45), essa questão acontece porque o Estado não “controla quem está garimpando, mas sim a concessão de lavra”, evidenciando assim, que para o Estado é mais notório controlar e normatizar a atuação das organizações do que os garimpeiros de modo isolado.

O Brasil detém 95% da produção mundial de quartzo e conta com grande parte das reservas mundiais do mineral. A produção do mineral contribui com aproximadamente 40% do Produto Interno Bruto (PIB) do município (SEBRAE, 2014). Os relatos do Representante da Prefeitura de Corinto corroboram as informações disponibilizadas pelo SEBRAE, todavia, trata-se de uma atividade informal ainda realizada em sua maioria de forma clandestina. Fato este que impossibilita determinar a representatividade econômica da atividade no PIB municipal.

Os dados relativos ao imposto sobre a exploração do mineral, a CFEM, apontam a informalidade do setor no município. Dados analisados de 2005 a 2014 indicam que o valor arrecadado com o imposto não passava de R$ 1.000,00 anuais conforme valores consultados no Portal da Transparência do Governo Federal (GOVERNO FEDERAL, 2014). Essa questão demonstra uma carência de controle da arrecadação municipal sobre a atividade mineral no município que pode ser em virtude da ausência de controle fiscal ou também pela sonegação de impostos pelas empresas.

Devido à informalidade da atividade, os garimpeiros receosos e pressionados por um processo de fiscalização do Governo Federal que estava para acontecer, um grupo, inicialmente, de 70 garimpeiros em 2005 começou um processo de constituição de uma cooperativa. O receio era que se os garimpos fossem fechados, seriam apreendidos os maquinários e as mercadorias extraídas, bem como multa aos proprietários das terras onde ocorriam os garimpos irregulares.

Antes de pensar na sociedade cooperativa como alternativa de organização do trabalho, os garimpeiros vislumbram a constituição de uma associação, como os seus pares da cidade vizinha, Curvelo, se organizavam. No entanto, seguindo recomendações de uma Advogada da cidade de Diamantina e com o apoio do SEBRAE, que esteve presente com os garimpeiros desde o processo de constituição, optaram pela formação de uma cooperativa.

Nas recomendações da Advogada, sobre optar por uma cooperativa em vez de uma associação, está relacionado, principalmente, à finalidade de ambas. As associações buscam representar e defender os interesses de seus associados, no entanto, conforme determina o artigo 54 do Código Civil, a sua finalidade não é de cunho econômico, como a das cooperativas (Art. 4 da Lei 5764/1971) (BRASIL, 1971, 2002) e também pela preferência da Constituição Federal de 1988, quanto à organização dos garimpeiros em cooperativas, o que na visão dos atores entrevistados favorecia a obtenção da permissão da lavra garimpeira e assim, poderiam garimpar de forma legalizada, bem como resolver todos os seus problemas, a ilegalidade.

Nesta perspectiva, Costa (2007), destaca que a cultura do garimpo baseada em um ambiente de escassos processos de confiança e ao mesmo tempo, de conflitos em potencial, também se organiza em função de um alto grau de cooperação nas formas de organização do trabalho como “na cumplicidade tácita frente a outras categorias sociais definidas como ‘estranhos’ [exemplo o Governo Federal e os processos de fiscalização]” (COSTA, 2007, p. 269). Para o autor, é possível identificar, entre outras práticas, a lealdade nas formas de distribuir o resultado do produto extraído, bem como nas formas de organização em função da atividade realizada de forma clandestina no garimpo. “Vítimas da coerção estatal unem-se para antecipar a fiscalização e se organizam em função dela” (COSTA, 2007, p. 271), como no caso da constituição desta cooperativa.

No processo de constituição da cooperativa, desde as primeiras reuniões, em 2005 até a concretização da constituição da cooperativa, em dezembro de 2007, vários desafios foram enfrentados pelos garimpeiros. Dentre eles, pode-se citar a ausência de conhecimento do processo de constituição de uma cooperativa em termos documentais, recursos financeiros para iniciar as atividades e a dificuldade de mobilização dos garimpeiros em prol da constituição da cooperativa.

Assim, no ano de 2007, no dia 21 de dezembro, um grupo remanescente de 24 associados formou a cooperativa. Esse grupo era formado por 18 garimpeiros, quatro donos de lapidários e duas transportadoras de quartzo. Atualmente, a cooperativa congrega cerca de 100 associados, entre eles garimpeiros, mineradores, lapidários e transportadores de quartzo.

Logo que se formalizou no final de 2007, no ano seguinte a região de Corinto sofreu a fiscalização do Governo Federal que os garimpeiros temiam e que os levou a constituição da cooperativa. Nesse processo de fiscalização a cooperativa assumiu perante o Ministério Público de Curvelo uma ação de conscientização dos garimpeiros que garimpavam irregularmente, causando impactos ambientais.

Para começar a extrair o mineral, a cooperativa depende de autorização do órgão competente, o DNPM. Para compor o processo de documentação para obter a permissão da lavra garimpeira a cooperativa necessita do aval do proprietário do solo onde se situam as jazidas de quartzo. Aqui, a cooperativa enfrentou e enfrenta dificuldades junto aos fazendeiros em virtude de parte de os terrenos serem de posseiros que não tinham e não têm a documentação e nem a reserva legal. No entendimento dos dirigentes entrevistados as maiores dificuldades no processo de constituição são a burocracia e o custo dos processos para obter o direito mineral como um dos principais fatores impeditivos para atuar na legalidade.

Os relatos do representante do DNPM/MG, em Minas Gerais esclarece esta questão ao apontar que a mineração não é uma tarefa trivial, pois, “mesmo aquela atividade garimpeira ela é mineração, você precisa ter uma estrutura, capital, entendeu?” (REPRESENTANTE DO DNPM/MG, dez./2014). E ainda acrescenta que o Código da Mineração em vigência prioritariamente é voltado para o grande empreendimento e que o surgimento do regime de licenciamento e permissão da lavra garimpeira veio para tentar dar celeridade aos processos do direito mineral para o pequeno empreendimento e para os garimpeiros em cooperativas. Problemas similares enfrentados pelos mineradores artesanais na Colômbia conforme ponderou Echavarria (2014).

Dentre os entraves enfrentados pelos mineradores artesanais na Colômbia está a ausência de diferenciação pelo Código da Mineração das distintas escalas de operação, o que deixa os mineradores artesanais e os de pequena escala em condições desiguais de concorrência com a mineração em grande escala. Soma-se a isto, outras barreiras para a formalização, como a pouca instrução, a ausência de capital e a dificuldade de acesso ao crédito pelos minerados artesanais (ECHAVARRIA, 2014).

Essa ponderação do representante do DNPM/MG e a proximidade com o contexto colombiano reforça uma das contradições do Estado brasileiro para com o garimpeiro, pois, conforme os relatos de um dos dirigentes, “como que eu vou chegar no DNPM, lá eles não conhecem garimpeiro, eles conhecem minerador, onde qualquer processo de cara pra você iniciar custa ai uns 5 mil” (Dirigente 01 da Uniquartz, nov./2014). Assim, podemos observar uma contradição entre o Regime de Permissão de Lavra Garimpeira voltado para o garimpeiro e a legislação mineral voltada para o grande empreendimento.

Segundo os dirigentes da cooperativa, esses fatores contribuem para manter o garimpeiro na ilegalidade. Devido à dificuldade em obter a permissão para a exploração do garimpo, muitos dos associados da cooperativa atuam fora das suas áreas de exploração na ilegalidade. Segundo os relatos, essas áreas não são suficientes para atender a todos os associados da cooperativa, continuando dessa forma numa atividade marginal, pois eles precisam continuar trabalhando para sobreviver e manter suas famílias.

Fatores como ausência de cooperação e articulação entre os órgãos públicos de licenciamento da atividade mineral, como os órgãos ambientais e a articulação destes com os do setor mineral são apontados por Milanez e Puppin (2008) como entraves ao processo de formalização da atividade mineral. Para os autores, ao analisarem processos de licenciamento de algumas minas em Opála II, no Estado do Piauí/Brasil, evidencia-se uma má gestão pública e treinamento insuficiente dos técnicos dos órgãos supracitados. E, como efeito, pode ocasionar uma má alocação do gasto público devido a trabalhos incorretos, e para as empresas, maior oneração e tempo com processos desnecessários ou em duplicidade. Como consequência, acaba por “desestimular a formalização das atividades, uma vez que pequenos mineradores acabam preferindo atuar na informalidade e correr o (baixo) risco de multas a ter que passar por um processo tão lento e custoso” (MILANEZ; PUPPIN, 2009, p. 551).

Desde o seu processo de constituição, a cooperativa, assim como definido em seu Estatuto Social assumiu uma frente de trabalho que é transformar o garimpeiro em minerador, tirá-lo da condição de usurpador do bem público para a condição de um ‘minerador’ legalizado.

 

Porque éramos informal, trabalhávamos ilegal, trabalhar na ilegalidade você é bandido, a palavra é essa, quem vai lá e corta uma mata sem permissão, sem licença ambiental, ele é o quê? Criminoso! E se pegá-lo ele vai ser julgado e condenado, quando um garimpeiro vai lá e extrai do subsolo sem autorização do governo federal, ele está fazendo o que? Uma vez que o bem mineral pertence a União, ele está, vou usar as palavras que eles usam nos inquéritos, usurpação de bem público. Ele é o quê? Criminoso! [...] A proposta da cooperativa é transformar esses homens, profissionalizar eles, transformar eles em mineradores, mas ele não é um minerador empregado, ele é um minerador dono do negócio dele (Dirigente 02 da Uniquartz, nov./2014, grifo nosso).

 

Essa transformação do garimpeiro em minerador passa também, na visão de outro dirigente entrevistado (Dirigente 03 da Uniquartz, nov./2014) pela preocupação com a atividade laboral, em usarem os Equipamentos de Proteção Individual (EPI’S) e reduzir os problemas de saúde decorrente da atividade. Além do mais, envolve o melhor aproveitamento dos recursos minerais extraídos, inserindo processos para agregar valor à produção extraída e de certa forma, fazer a ponte direta com o consumidor final de quartzo sem passar pelos intermediários. Para transformar esses garimpeiros em mineradores, os dirigentes da cooperativa revelaram que com formalização da cooperativa, o processo de extração mineral passou a ser orientado pela produtividade (maior quantidade extraída a um menor custo possível) na forma de extração adotando conhecimento técnico.

Os dirigentes defendem que a legalização da atividade contribui para os governos Federal, Estadual e Municipal com arrecadação de tributos e geração de empregos, apropriando, dessa forma, da riqueza gerada pela atividade. Na fala dos dirigentes e nos objetivos da cooperativa a partir da análise documental evidencia-se a preocupação da cooperativa em modernizar a atividade garimpeira. Isso seria uma forma de legitimação e colaboração da cooperativa com o Estado e a sociedade. A construção desse argumento aponta que a cooperativa estará preocupada com processos sustentáveis e para tanto, atuará na recuperação das áreas degradadas, na preservação do meio ambiente, na adoção de medidas e equipamentos que promovam a segurança dos garimpeiros.

Segundo Martins (2007, p. 8) essas bandeiras “boas para apresentar ao Governo e aos ‘verdes’ – violavam aspectos fundamentais da identidade garimpeira tradicional”. Essa se torna uma nova questão à gestão da cooperativa, pois, a identidade garimpeira atua em direção contrária à bandeira defendida pela cooperativa, uma vez que, o garimpeiro é avesso à mineração na lógica do mercado – “com relações de trabalho assalariadas, impessoais e hierarquizadas”, à presença do Estado com regulação burocrática e cobrança de impostos e respeito ao meio ambiente (MARTINS, 2007, p. 9).

 

4.2 O caso da Cooperativa Microminas em Córrego Fundo

Situado às margens da Rodovia MG 050 na altura do quilômetro 212, o município de Córrego Fundo teve suas origens em meados do século XVII. O município já pertenceu a Ouro Preto, São João Del Rei, Tiradentes, Itapecerica e, por último, Formiga, onde obteve sua emancipação através de um plebiscito no ano de 1995.  O município de Córrego Fundo tinha uma população estimada para 2014, conforme o IBGE (2015b), de 6.159 pessoas. Para o último Censo Demográfico de 2010, são 2.983 homens e 2.807 mulheres.

Possui sua economia local baseada na industrialização da cal, para tanto conta com a queima e beneficiamento da pedra calcária. A atividade faz parte da história do município desde a primeira metade do Século XX. Além dessa atividade o município também mantém sua economia na extração da pedra cal e na agricultura (IBGE, 2015b).

No ano de 2005, a Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM), juntamente à Polícia de Meio Ambiente do Estado, o DNPM, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), a Promotoria de Justiça de Arcos e a Coordenadoria das Promotorias de Defesa do Meio Ambiente do Alto Rio São Francisco realizaram uma ação de combate à mineração ilegal de calcário denominada ‘Operação Calcário - Fase 2’ nos municípios de Pains, Córrego Fundo e Arcos. Nessa operação, 15 lavras clandestinas realizadas nos municípios foram embargadas, elas não possuíam licença ambiental e nem registro do DNPM para operarem (MINAS..., 2005).

Entre as irregularidades levantadas pela FEAM no processo de fiscalização das lavras ilegais estavam o “uso inadequado dos explosivos. Com a ausência de condutas ordenadas de plano de fogo, o desmonte da rocha torna-se sinônimo de risco de acidentes, o que resulta em ruídos elevados, vibrações no terreno e lançamento de pedras” (MINAS..., 2005). Esse processo causava acidentes de trabalho e vítimas fatais no processo de extração. Além dessa questão, a mineração era realizada de forma predatória, com baixo aporte de recursos tecnológicos e de maquinário.

Os mineradores que atuavam ilegalmente foram notificados para assinarem um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) junto ao Ministério Público, com interveniência da FEAM, IBAMA e DNPM. Nesse termo estavam previstos os prazos para regularização ambiental e recuperação das áreas degradadas. O descumprimento incorreria na suspensão das atividades e no pagamento de multa diária no valor de R$180,00 (cento e oitenta reais) (MINAS..., 2005).

Também neste TAC estava a recomendação da constituição de uma cooperativa no município de Córrego Fundo para poder regularizar a situação das pedreiras de calcário que eram exploradas ilegalmente. Para o dirigente 01, quando consultado sobre o processo de constituição da cooperativa, ele ressaltou que “existia um grupo de superficiário que extraiam os minérios em suas terras, e a gente viu que isso não era mais possível, por causa dos órgãos ambientais e a gente foi orientado a formar uma cooperativa”. Essa orientação, segundo o dirigente, partiu “dos próprios órgãos, DNPM, a SUPRAM, que faz o licenciamento ambiental, o próprio Exército, porque a gente era muito vigiado por todos eles, nos paralisaram duas vezes, foi uma luta muito grande para gente conseguir chegar” (Dirigente 01 da Microminas, dez./2014).

E assim, em 2005, nascia a Cooperativa dos Micromineradores do Centro Oeste de Minas Gerais, a Microminas, congregando 30 pessoas, sendo nove empresários, seis motoristas, cinco donas de casa, dois comerciantes, dois mineradores, dois fazendeiros, dois Secretários, um Engenheiro Agrônomo e uma Digitadora. Evidenciamos a discrepância em termos de profissão do quadro social para formar a cooperativa e manter a fonte de renda, essa questão demonstra o caráter de urgência em que ela foi criada para atender à exigência dos órgãos supracitados, uma vez que, para constituir uma cooperativa conforme determina a lei 5764/71 é exigido o número mínimo de 20 pessoas (BRASIL, 1971).

Um dos dirigentes indicou que quando houve a recomendação para formalizar a cooperativa “a gente não tinha nem ideia do que ia ser, mas a gente entendeu que se a gente não se organizasse a gente não ia conseguir, o licenciamento ambiental é uma parte muito pesada para quem mexe na área de mineração” (Dirigente 01 da Microminas, dez./2014). Em seu relato aparecem alguns desafios enfrentados pelos micromineradores, um deles seria se organizarem em coletividade, pois, antes da formalização da cooperativa cada um trabalhava de forma individual nas suas pedreiras, assim, denominados de superficiários. Outro desafio seria entender sobre e trabalhar nos moldes de uma cooperativa e por último, a dificuldade em obter o licenciamento ambiental.

Apesar de esses superficiários serem os proprietários das terras onde localizam as pedreiras eles não eram os detentores do registro das mesmas. Mesmo não sendo os detentores, os superficiários mineravam conforme foi descrito no processo de fiscalização realizado pela FEAM. A mineradora detentora dos direitos minerais junto ao DNPM era um Grupo Empresarial do Nordeste brasileiro. No entanto, relatos dos entrevistados indica que o grupo nunca minerou nas pedreiras daquela região. Todavia, os superficiários onde localizavam as pedreiras realizavam a mineração de forma clandestina.

Nesse sentido, com o processo de fiscalização da FEAM gerou um impasse entre os superficiários e o Grupo Empresarial. Mesmo estando irregulares, os superficiários precisavam trabalhar e não iriam parar suas atividades apesar de todo o impacto ambiental causado e do processo de fiscalização. E ao mesmo tempo recaía sobre o Grupo Empresarial o ônus do impacto ambiental causado pelos superficiários. Sendo assim, sob a interveniência do Ministério Público, o Grupo Empresarial cedeu parte dos direitos de exploração de uma área específica junto ao DNPM para os superficiários, por meio da Cooperativa Microminas que também recebeu todo o passivo ambiental que era de responsabilidade do Grupo Empresarial.

Essa questão remonta as discussões sobre o conflito entre as mineradoras e os garimpeiros (SALOMÃO, 1984) asseverado com a aprovação do Código Mineral de 1967, ainda vigente, que cessou o direito na exploração dos recursos minerais para aqueles que primeiro firmassem bandeira na área a ser explorada. Daí em diante quem teria prioridade na exploração do recurso mineral seria aquele que primeiro cumprisse os requisitos burocráticos junto ao órgão competente, o DNPM. Portanto, “a ocupação de fato efetuada pelo garimpeiro contrapõe-se a ocupação de direito assegurada ao minerador pelo seu protocolo legal”. (SALOMÃO, 1984, p. 51).

 

5 Conclusões

A motivação para realização desse estudo foi desvendar os entraves à formalização das cooperativas na atividade mineral em pequena escala. Assim, um olhar sobre tal perspectiva propiciou evidenciar os aspetos favoráveis e os constrangimentos à efetividade destas organizações pelo arcabouço jurídico. Para tanto, buscou-se, por meio dos casos relatados, compreender os fatores motivadores e os entraves da constituição da cooperativa Uniquartz em Corinto e da Microminas em Córrego Fundo.

O objetivo da formação da cooperativa Uniquartz pelos garimpeiros de quartzo que atuavam e muitos ainda atuam no município de forma irregular, era se precaver de um intenso processo de fiscalização pelo Governo Federal sobre o comércio ilegal de pedras preciosas, que estava para acontecer. A organização destes trabalhadores em cooperativas era a forma organizacional mais adequada para resolver os problemas daquele contexto.

A outra cooperativa analisada, a Microminas, constituída em 2005, após o fechamento das pedreiras de extração da pedra calcária no município, em decorrência de um processo de fiscalização de mineração ilegal. A recomendação do Ministério Público, aos micromineradores, foi a constituição de uma cooperativa para requerer o direito minerário e assim minerar de forma legal.

A constituição destas cooperativas ilustra o processo de tentativa de legalizar uma atividade intensa em termos de degradação ambiental e extração mineral, realizada de forma precária, tanto em termos de recursos, como maquinário, nos processos de trabalho nas frentes de lavra sem uso de EPI’s, com acidentes de trabalho, doenças ocupacionais e formas de exploração dos próprios trabalhadores pelos diversos agentes da cadeia produtiva da extração mineral. Assim, a figura cooperativa emerge na mineração para realizar uma nova função, a legalização de uma atividade, a gestão do direito minerário e a gestão dos impactos ambientais decorrentes da extração mineral.

Neste sentido, a formalização da organização cooperativa encontra subsídios no arcabouço normativo vigente. Todavia, se por um lado a constituição das organizações cooperativas na mineração é uma forma pela qual o Estado brasileiro tenta exercer melhor fiscalização e garantir o cumprimento da legislação, por outro, elas podem estar apenas servindo de pano de fundo para reproduzir as regras do jogo da mineração clandestina, ou até mesmo, favorecer a grande mineração em detrimento da MPE. A imposição da forma organizacional é uma realidade na MPE, assim como mostrou os casos. Como analisado a partir dos relatos, os cooperados assumem a forma organizacional para conseguir a lavra sem conhecimento do que é uma cooperativa e como fazer para mantê-la sustentável. Incorre-se em riscos ao impor a cooperativa como solução, sem privilegiar a cooperação como forma de organização.

Ademais, impor a forma cooperativa como um dos meios para organizar a MPE sem uma revisão do arcabouço normativo, tornando-o mais simples, acessível e ágil, acaba por contribuir para a marginalização de uma atividade vista como invisível e marginal. Aponta também, a necessidade de uma melhor articulação entre órgãos responsáveis pelo licenciamento mineral no país, o que com isso poderia dar celeridade ao processo de licenciamento e assim, reduzir o mercado informal e consequentemente, propiciar uma maior arrecadação dos impostos que são evadidas em função do mercado informal. Por outro lado, há necessidade de ajustar os mecanismos regulatórios do setor e um maior suporte legal, financeiro e técnico para os garimpeiros pelas agências governamentais e entidades de representação do cooperativismo.

Em pauta atualmente no Congresso Nacional, o Novo Código da Mineração, o projeto de lei 5.807/2013, busca atualizar o antigo Código da Mineração. A partir de sua análise é possível observar uma priorização das questões de ordem econômica (eficiência, transparência e segurança jurídica) em detrimento das questões sociais e ambientais. Tanto é que, dos atores que participaram do processo de construção do projeto, os movimentos sociais e pequenos mineradores foram alijados do processo democrático (BUSTAMANTE et al., 2013; OLIVEIRA, 2013). O que já indica que as questões da MPE foram relegadas a segundo plano.

Por fim, nota-se que a cooperativa figura como uma entidade para organizar a atividade ilegal, dar o devido enquadramento jurídico para que esses trabalhadores possam obter o direito mineral e uma tentativa do Estado de se apropriar da riqueza gerada por essa atividade que lhe é de direito. No entanto, os desafios da atividade são de várias ordens que não podem ser resolvidas exclusivamente pela ‘forma de organização em cooperativas’, através de políticas minerais. Passa necessariamente também pela redução das desigualdades sociais, políticas e econômicas, além do fortalecimento do processo democrático.

 

Agradecimentos

Os autores agradecem a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e ao Observatório Mineiro do Cooperativismo pelo financiamento estudantil e da pesquisa respectivamente.

 

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