Com que linhas traçamos a docência: experiências de estágio a partir da Arte Indígena Contemporânea

 

 

 

With what lines do we draw teaching: internship experiences based on Contemporary Indigenous Art

 

 

Emanuelle Dalécio da Costa 1

Universidade Estadual de Maringá, Paraná, Brasil.

 

Beatriz da Silva Pinto 2

Universidade Estadual de Maringá, Paraná, Brasil.

 

Adriana Pedrassa Prates 3

Universidade Estadual de Maringá, Paraná, Brasil.

 

 

 

 

 

Resumo

O presente texto busca analisar as possibilidades de mobilização de produções artísticas contemporâneas, mais especificamente da arte indígena contemporânea a partir de obras selecionadas de Gustavo Caboco, no contexto de experiências de formação docente vivenciadas em uma situação de Estágio Supervisionado em Artes Visuais na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Sob o ponto de vista teórico e metodológico, o artigo conta com a contribuição de pesquisas desenvolvidas no bojo dos Estudos Culturais, com reflexões sobre o multiculturalismo  e a importância de sua presença nos currículos educacionais, além das contribuições da cartografia como impulso para a constituição de uma prática de docência em Arte aberta à criação e à investigação contínuas. As vivências de estágio contribuíram para a construção de uma identidade docente em movimento. Durante o processo foi possível colocar em prática planejamentos e ações que contemplam a lei 11.645/2008 por meio de uma docência inventiva que, ao evitar o uso de imagens estereotipadas, investiu na expansão  do repertório imagético dos/das alunos/as.

Palavras-chave: Estágio Supervisionado; Arte Contemporânea Indígena; Ensino de Arte; EJA.

 

 

Abstract

This text seeks to analyze the possibilities of mobilizing contemporary artistic productions, more specifically, contemporary indigenous art based on selected works by Gustavo Caboco, in the context of teacher training experiences experienced in a Supervised Internship in Visual Arts in Youth and Adult Education (EJA). From a theoretical and methodological point of view, the article relies on the contribution of research developed within the scope of Cultural Studies, with reflections on multiculturalism and the importance of its presence in educational curricula, in addition to the contributions of cartography as an impetus for the constitution of a teaching practice in Art open to continuous creation and investigation. The internship experiences contributed to the construction of a teaching identity in movement. During the process, it was possible to put into practice plans and actions that contemplate law 11.645/2008 through inventive teaching that, by avoiding the use of stereotypical images, invested in the expansion of the students' image repertoire.

 

Keywords: Supervised Internship; Contemporary Indigenous Art; Art Education; EJA.

 

 

 

Introdução

                                                                                           

Meus traços por sua vez

Confusos como suas leis

Torna quem parece comigo

Difícil se enxergar.

 

Ritmo + Vida, 2024, Maria Preta.[1]

 

Na canção Ritmo + Vida (2024), a rapper paulista Maria Preta coloca em evidência provocações sobre  identidade e pertencimento. A artista compõe a partir de um viés singular e pessoal, ao passo que reflete sobre os conflitos que tem enfrentado, ao longo da vida, em se reconhecer como  sujeito atravessado pelas ancestralidades afro-brasileira e indígena. Com isso, é possível refletirmos acerca do impacto que processos históricos de apagamento têm exercido na percepção e vivência de brasileiros com relação à representação e identidades.

Os versos da canção  apresentados na epígrafe desta escrita vão ao encontro daquilo que Carlos José Ferreira dos Santos (Casé Angatu) (2020) discorre no texto intitulado Descolonizar o conhecimento e o ensino para enfrentar os desafios na aplicação da lei 11.645/2008[2]: por uma história e cultura indígena decolonial. O autor sublinha que, quando histórias e culturas indígenas são tematizadas em palestras ou aulas, é comum identificarmos a noção geral de que “[...] só é possível pensar em índios no período colonial e mesmo assim sem relevância para o estudo da história” (Santos, 2020, p. 53). Tal concepção é discutida por Santos (2020), ao considerar que isso se deve às dificuldades sistêmicas enfrentadas nas políticas curriculares no que se refere ao ensino de questões indígenas, tanto no passado quanto na contemporaneidade. Com isso, é possível identificar certa naturalização da noção de que as vivências indígenas residem apenas em um passado distante, gerando, na atualidade, uma dificuldade de apreensão e representação dessas identidades. Por isso, voltamo-nos aos trechos Meus traços por sua vez, Confusos como suas leis, Torna quem parece comigo, Difícil se enxergar. Questionamo-nos, então: De que maneiras as questões relativas às vivências indígenas podem ser abordadas no ensino de Arte, na atualidade? É possível encontrar materiais didáticos disponíveis que contemplem uma produção artística indígena de forma significativa?

Essas reflexões nos levam a considerar as possibilidades de abordagem de repertórios artísticos que evidenciam as contribuições de vozes indígenas para o ensino de Arte, proporcionando, tanto aos/às estudantes quanto aos/às docentes uma perspectiva de leitura crítica e estimulante de histórias e de culturas indígenas com foco no contexto contemporâneo.

É a partir desse olhar que se estruturam as discussões deste texto, as quais surgem das vivências em uma escola pública durante um estágio supervisionado, realizado no  curso de Licenciatura em Artes Visuais  da Universidade Estadual de Maringá (UEM). A disciplina que contempla o estágio é endereçada à prática do ensino de Arte para o público que compõe a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e a Educação Especial. Propõe, dentre os seus objetivos, elaborar e executar projetos de regência de classe que favoreçam a percepção estética e a ampliação do repertório artístico (Res.061/2010-CI/CCH).

Essa experiência de estágio iniciou em 2 de outubro de 2024 e as regências ocorreram em 26 de novembro do mesmo ano. Nesse período, a instituição de ensino em questão solicitou que as propostas pedagógicas dos/as estagiários/as fossem direcionadas às questões étnico-raciais, temática que vinha sendo trabalhada pela professora regente. Assim, durante o período de observação e de regência dos/das demais estagiários/as foi possível acessar como artistas indígenas e suas produções eram abordados nas formulações pedagógicas e buscar, a partir disso,  planejar regências especialmente afins às questões já expostas.

            Diante disso, relatamos e refletimos, a seguir, acerca de algumas das  experiências vivenciadas em um contexto educacional de EJA, incluindo os aspectos e detalhes que se destacaram nas observações em campo. Além disso, sublinhamos a dimensão do planejamento e pesquisa no processo de desenvolvimento dessas  regências – duas aulas de 50 minutos cada –, direcionadas aos anos finais do  Ensino Fundamental na EJA.

            O procedimento metodológico utilizado no movimento de pesquisa que mobilizamos foi o cartográfico. Interessamo-nos pela cartografia como movimento que concebe concebe  o conhecimento como processo e que confere, à pesquisa, a qualidade de uma dimensão muitas vezes renegada em tal campo: a da  invenção (Passos e Kastrup, 2014). De acordo com Passos e Kastrup (2014), em Pistas do método da cartografia: a experiência da pesquisa e o plano comum, mais do que uma descrição de estados factuais de um determinado fenômeno, a cartografia busca investigar a produção de subjetividades, mapear forças que constroem experiências e conhecimentos que avançam, inferem e transformam a realidade.

A cartografia, ao favorecer a investigação das forças que tanto produzem quanto são produzidas pelo que chamamos de realidade, dialoga com os pressupostos dos Estudos Culturais, que  problematizam a produção de significados e a disputa por narrativas no corpo social. A partir dessa perspectiva, os Estudos Culturais oferecem possibilidades de fundamentação para o campo educacional, tendo contribuído para o planejamento e desenvolvimento das ações pedagógicas ministradas durante o período de estágio, e também  para o diálogo e reflexão acerca dessas experiências.

Os Estudos Culturais estão voltados para as investigações sobre cultura. Segundo Silva (2016, p. 133), na obra intitulada Documentos de identidade: Uma introdução às teorias do currículo, “a cultura é um campo de produção de significados no qual os diferentes grupos sociais, situados em posições de poder, lutam pela imposição de seus significados à sociedade mais ampla”. É sensível, a este campo de investigação, a ideia de “construção social”. Entende-se que as análises que ocorrem no bojo dos Estudos Culturais buscam “[...] caracterizar o objeto sob análise como um artefato cultural, isto é, como o resultado de um processo de construção social" (Silva, 2016 , p. 134). Logo, o enfoque das pesquisas volta-se para a investigação, desconstrução e exposição dos processos de naturalização de determinado objeto de estudo. Com isso, os Estudos Culturais acabam por conceber o próprio currículo como um artefato  cultural, e, por isso, passível de discussão, tendo em vista as disputas empenhadas por sujeitos sociais que lutam pela legitimação de narrativas, por determinadas significações e não outras, pertinentes às questões de identidade e como têm sido representadas e narradas pelo olhar do “outro”.

Nesse caminho, buscamos, neste texto, analisar as possibilidades de mobilização de produções artísticas contemporâneas que trazem foco às questões indígenas para o ensino de Arte a partir das experiências em estágio supervisionado na EJA. Dessa forma, organizamos esta discussão em duas seções que abordam a temática proposta, para além da introdução e das considerações finais. Na primeira delas, intitulada O ensino de Arte focado nas questões indígenas, buscamos discutir o ensino de Arte Indígena Contemporânea[3] (Esbell, 2018)  em conjunto com questões étnico-raciais a partir da exploração de políticas curriculares e dos Estudos Culturais. Na segunda seção, intitulada Os caminhos para uma docência inventiva a partir da experiência estágio abordamos o processo de planejamento, desenvolvimento e reflexão da experiência de estágio supervisionado em Artes Visuais desde as primeiras observações até o momento de regência, com ênfase   nas elaborações afeitas  a uma prática docente voltada para a criação e invenção.

 

O ensino de Arte focado nas questões indígenas

 

           

Conforme estabelece a Lei nº 11.645/2008, ficou determinada a obrigatoriedade do ensino de “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” nos currículos escolares, ampliando as diretrizes estabelecidas pela Lei nº 10.639/2003 (Brasil, 2008). Além disso, a redação também enfatiza o compromisso com disciplinas específicas do currículo para que os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros sejam ministrados, sendo eles “[...] nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras.” (Brasil, 2008).

Com relação a implementação e prática da Lei nº 11.645/2008, Santos (2020) oferece reflexões que auxiliam no enfrentamento dos desafios que orbitam a temática. De acordo com o autor, a própria existência da lei em questão é produto das reivindicações das lutas indígenas, logo, “[...] a própria trajetória contemporânea do Movimento Indígena indica caminhos para abordarmos as Histórias e Culturas Indígenas no ensino” (Santos, 2020, p. 44). Concordamos com o autor no sentido de valorização e enfoque das vozes indígenas contemporâneas, pois essas por si só já demonstram um convite para o entendimento da necessidade da lutas, e uma compreensão mais alargada das vivências e das histórias indígenas. As reflexões de Santos (2020) acerca da  Lei nº 11.645/2008 confluem com as contribuições de Tomaz Tadeu da Silva (2001), em Currículo como fetiche: a poética e a política do texto curricular. De acordo com o autor, o currículo escolar tem sido um espaço de constantes disputas por narrativas e representação por diversos grupos, gerando inúmeras mobilizações em torno de sua estruturação, em movimento aos conceitos de poder, saber e identidade. Sobre as políticas curriculares, Silva (2001) pontua que

 

Elas autorizam certos grupos de especialistas, ao mesmo tempo que desautorizam outros. Elas fabricam os objetos ’epistemológicos’ de que falam, por meio de um léxico próprio, de um jargão que não deve ser visto apenas como uma moda, mas como um mecanismo altamente eficiente de instituição e de constituição do ’real’ que supostamente lhe serve de referente (Silva, 2001, p. 11).

           

            Nesse sentido, o campo dos Estudos Culturais compreende o currículo, assim como a construção de uma cultura em específico, como mobilizadores e produtores de identidades que trabalham na legitimação de significados. Silva (2001, p. 19) entende que “a cultura é, sobretudo, atividade, ação, experiência. Como tal, ela é sempre trabalho sobre alguma coisa, sobre materiais existentes”. Dessa forma, considera-se que, como  indivíduos que habitamos e convivemos dentro de um meio cultural específico, para além de espectadores e consumidores de uma cultura, também somos parte dela e trabalhamos na sua manutenção, produção e transformação. Logo, 

 

A cultura nunca é apenas consumo passivo. Os significados, os sentidos recebidos, a matéria significante, o material cultural, são sempre, embora às vezes de forma desajeitada, oblíqua, submetidos a um novo trabalho, a uma nova atividade de significação. São traduzidos, transpostos, deslocados, condensados, desdobrados, redefinidos, sofrem, enfim, um complexo e indeterminado processo de transformação (Silva, 2001, p. 19-20).

 

Nesse contexto, as disputas por significação no que se refere ao  currículo - exemplificada pela Lei nº 11.645/2008 -, configuram, também, disputas por hegemonia e dominação ou por autonomia e sobrevivência perante um cenário que  favorece determinadas narrativas em detrimento de outras. Isso gera uma movimentação em torno do conceito de identidade, definida por Silva (2001, p. 25) como as “[...]  formas pelas quais os grupos  sociais defendem a si próprios e pelas quais eles são definidos por outros grupos”. As elaborações do autor afinam-se  ao que estabelece Roberta Villa (2020) em A lei 11.645: que índio é esse?. Segundo a autora,

 

No que tange a participação política dos indígenas e elaboração de políticas públicas específicas para a educação deste setor da população, há uma convergência entre o movimento indígena brasileiro e a tendência internacional de visibilidade e garantia de direitos aos povos originários. Não obstante, os frutos desta demanda também são parte do novo mosaico político-institucional que se instaura no Brasil após a reabertura democrática em fins da década de 1980, conjuntamente à ascensão de setores progressistas e de esquerda ao poder. Neste cenário, o tema da cultura veio se fortalecendo no debate dos programas políticos contemporâneos, que abarca reflexões sobre identidade, sustentabilidade e harmonia social (Villa, 2020, p. 182).

           

Essa discussão esbarra na ideia de representação, igualmente cara ao ensino de arte. Stuart Hall (2016), em Cultura e representação, traça entendimentos acerca de mecanismos de poder utilizados na produção de identidades marginalizadas. Um deles, desponta  no conceito de estereotipagem. Segundo o autor, a estereotipagem opera nos sentidos de fechamento e exclusão: “Simbolicamente, ela fixa os limites e exclui tudo o que não lhe pertence” (Hall, 2016, p. 192). Nesse sentido,

 

A estereotipagem é parte da manutenção da ordem social e simbólica. Ela estabelece uma fronteira simbólica entre o ‘normal’ e o ‘pervertido’, o ‘normal’ e o ‘patológico’, o ‘aceitável’ e o ‘inaceitável’, o ‘pertencente’ e o que não pertence ou é o ‘Outro’ entre ‘pessoas de dentro’ (insiders) e ‘forasteiros’ (outsiders), entre nós e eles (Hall, 2016, p. 192, grifos do autor).

           

Isso pode ser observado nos exemplos de imagens comumente oferecidas em  atividades e práticas pedagógicas que caminham em um território comum e “clichê” da temática abordada, (re) produzindo estereótipos. Em casos assim, nos deparamos, no ensino de Arte, com atividades frequentemente “prontas” que correspondem a certa demanda por “representação” mas que, sob um suposto atendimento aos fundamentos da Lei nº 11.645/2008, operam nas vias da estereotipagem.  Tais práticas pedagógicas, ao colocarem, portanto,  as identidades abordadas em um espaço limitante e cristalizado de representação, acabam por investir, ao contrário do que intentam defender, no rebaixamento das forças necessárias às lutas por representatividade. Em uma pesquisa breve por imagens a partir do termo “indígenas atividades”, temos acesso a uma série de atividades que cabem na descrição acima. A título de exemplificação, seguem duas delas[4]

           

Figura 1: Ligue o índio ao que pertence a ele.

Fonte: Toy+Toy universo infantil[5]

Figura 2: Dia do índio.

 

Fonte: iEducação[6]

Concordamos com Tomaz Tadeu da Silva (2016), quando afirma que as elaborações presentes no currículo sobre raça e etnia compõem, de forma fundamental, a qualidade ética da formação dos/as estudantes. Nesse sentido,

 

O conhecimento sobre raça e etnia incorporado no currículo não pode ser separado daquilo que as crianças e os jovens se tornarão como seres sociais. A questão torna-se, então: como desconstruir o texto racial do currículo, como questionar as narrativas hegemônicas de identidade que constituem o currículo? Uma perspectiva crítica buscaria incorporar ao currículo, devidamente adaptadas, aquelas estratégias de desconstrução das narrativas e das identidades nacionais, étnicas e raciais que têm sido desenvolvidas nos campos teóricos do pós-estruturalismo, dos Estudos Culturais e dos Estudos Pós-coloniais (Silva, 2016, p. 102).

 

Por isso, quando preparamo-nos para trabalhar o ensino de temáticas indígenas durante o estágio supervisionado em Artes Visuais, ponderamos acerca da abordagem adequada, capaz de  oferecer  uma leitura crítica aos/às estudantes e que não se amparasse em concepções  estereotipadas  acerca das identidades indígenas. No texto A “virada decolonial” na arte contemporânea brasileira: até onde mudamos? Alessandra Mello Simões Paiva (2022) traça uma reflexão acerca das mudanças no circuito de Arte contemporânea no Brasil. De acordo com a autora, houve um aumento significativo de ações pautadas em uma perspectiva crítica e decolonial em espaços anteriormente não acessíveis a determinadas identidades e recortes socioculturais. Assim, “[...] não se trata de fenômeno isolado do contexto brasileiro, e sim de uma mudança estrutural e global, que aponta para o avanço do decolonialismo em escala paradigmática, em diversos campos do conhecimento" (Paiva, 2022, p. 38).

Paiva (2022) ainda cita uma série de ações, mostras, premiações, exposições individuais e coletivas que contribuíram para este cenário promissor para o protagonismo de vozes dissidentes na Arte. Dentre eles, o artista curitibano Gustavo Caboclo destaca-se com produções que abarcam desde a ancestralidade indígena, até a reflexão sobre pertencimento tanto com relação à própria etnia quanto à vivência em um espaço que não vê, propriamente, como acolhedor.

Caboco tem se destacado nos circuitos de Arte por seu trabalho, o qual propõe, em síntese, narrativas visuais que se distanciam de um modelo estereotipado de construção da identidade de populações indígenas. O artista tem mobilizado, em suas obras, uma variedade de materiais e suportes, como desenhos, pinturas, produções têxteis, instalações, performances, fotografias, vídeos e produções que manipulam som e texto. Essa característica do trabalho do artista oferece uma riqueza de possibilidades de articulação em sala de aula quando se busca trabalhar o tema Arte Contemporânea, uma vez que exemplifica o caráter contemporâneo de diversidade de estilos, técnicas e materiais.

Caboco constrói uma  poética que relaciona corpo-presente, memória e pertencimento, em oposição a discursos colonialistas e representações estereotipadas de identidades indígenas, comumente utilizadas em elaborações no contexto escolar, conforme abordado anteriormente neste texto. Diante disso, consideramos as contribuições que o artista oferece quando tratamos da temática das identidades e das questões indígenas na Educação Básica. Nesse sentido, concordamos com a afirmação de Villa (2020, p. 180), quanto à lei 11.645/08:

 

Entende-se, então, que a lei, neste contexto, estimula outro modo de diálogo da escola com a história e cultura indígenas, superando a concepção elitista herdada de nosso passado colonial e imperial, desvelando um novo cenário no qual vozes antes silenciadas agora se manifestam. Para tanto, faz-se necessário compreender esta instituição não somente como local de reprodução de teorias e conceitos, mas, sobretudo, como espaço privilegiado de socialização e produção de conhecimento, a partir das interações que se dão entre os distintos membros da comunidade escolar. Todavia, é importante problematizarmos não apenas o currículo, como também as metodologias, os materiais didáticos e a formação docente.

 

Tendo isso em vista, durante o estágio supervisionado, consideramos que é fundamental o contato de estudantes da Educação Básica com obras produzidas no bojo da Arte Contemporânea, como ferramenta de ampliação de repertório imagético e cultural. Em especial, obras como as de Caboco possibilitam que visões de mundo plurais ocupem o espaço escolar ao deslocar estereótipos já cristalizados . É a partir dessa perspectiva que o presente relato de experiência foi estruturado e apresentamos, a seguir, o percurso pedagógico mobilizado para as regências em um contexto de Educação de Jovens e Adultos, além dos diálogos possibilitados por meio do potencial artístico que o artista despertou.

 

Os caminhos para uma docência inventiva a partir da experiência estágio

 

A visão precede a palavra.

John Berger, 2023, p. 11.

 

A experiência de estágio teve início com as etapas de observação, para que, a partir disso, pudéssemos formular propostas de regências condizentes com o contexto observado. Em um primeiro momento, focamos nas impressões e sensações advindas  do  espaço escolar, compreendendo-o a partir de um olhar sensível à sua própria  estrutura física, capaz de revelar seu potencial como território mobilizador de sentidos. Abarcar as  subjetividades do espaço em que se leciona em meio a outros aspectos que constroem uma docência, é uma atitude  encorajada  pela cartografia.

Nesse sentido, observações acerca do espaço foram relevantes para a elaboração das propostas educativas, pois nos permitiu considerar aspectos relacionados à organização do espaço para que as regências ocorressem de maneira fluida. Percebemos que as disposições das mesas e cadeiras, as alturas das janelas, as cores neutras das paredes e a permanência da porta sempre aberta impactavam as relações entre alunos/as e professora, e potencializava certas distâncias e certas aproximações. Essa primeira visão, anterior à palavra (Berger, 2023), possibilitou uma leitura sensível do ambiente. Fundamentada na cartografia como proposta metodológica de análise das experiências, o espaço foi compreendido como agente de interação vivo no ambiente de sala de aula, sendo levado em consideração nas propostas de aulas posteriores.

Quanto aos/as alunos/as, percebemos que costumavam se juntar em duplas e grupos, ainda que não solicitado pela professora da turma. Apesar da organização da sala, o ambiente permanecia em silêncio e se preenchia de conversas e risadas apenas durante a realização das atividades propostas. Entre essas conversas, percebemos a troca de amenidades, sem vínculo profundo entre os/as alunos/as. A professora supervisora, por sua vez, investia em atividades que exigiam pesquisa em sala, com a mediação da internet, por entender que tal procedimento conferia certo dinamismo às práticas pedagógicas, uma vez que os/as alunos/as pareciam ter dificuldade de concentrar-se em aulas mais expositivas.

Esses apontamentos foram considerados durante o planejamento de nossas regências, inclusive em relação à data em que ocorreriam. Como mencionado previamente, o estágio ocorreu em um  período em que a professora da turma intencionava apresentar propostas relacionadas à artistas afro-brasileiros e indígenas. Essas propostas incluíam artistas visuais, escritores, músicos e personalidades de outras áreas (como jogadores de futebol, químicos e físicos) e terminaria com uma exposição de todas as personalidades estudadas e as produções dos/das alunos/as acerca da temática. Visto que as regências aconteceriam na semana seguinte a essa  exposição, voltamo-nos para propostas que possibilitasse a reflexão dos/as alunos/as sobre a totalidade das produções apresentadas.

Nesse contexto, as elaborações artísticas de Gustavo Caboco ganharam uma abordagem pedagógica em sala de aula, por oferecer possibilidades de produções não estereotipadas acerca de vivências indígenas. Jaider Esbell (1979-2021), importante artista, escritor e produtor cultural indígena da etnia Makuxi, percorreu os circuitos de Arte Contemporânea e desenvolveu ideias com relação à aproximação de um conceito de Arte pautado por um sistema dominante e  as elaborações artísticas, filosóficas e sociais de populações indígenas. De acordo com Esbell (2018), em Arte indígena contemporânea e o grande mundo, as categorizações do sistema de Arte global não dão conta de compreender a complexidade filosófica da Arte indígena, uma vez que nela, arte e vida são conceitos indissociáveis, e estão presentes no cotidiano de suas populações. Portanto, no mundo contemporâneo, o que acontece é que o sistema de Arte global encontra os modos indígenas de criação, de forma que o/a artista indígena contemporâneo é a figura que une esses conceitos. A partir da contribuição de Esbell (2020) naquilo que formula como Arte Indígena Contemporânea, é possível sinalizar o artista Gustavo Caboco como agente que mobiliza essa discussão, uma vez que seu trabalho é o resultado de suas vivências como artista indígena contemporâneo, que dialoga tempo, Arte, origem, pertencimento, memória, ancestralidade e artivismo.

Assim, as regências tematizaram os desdobramentos dessas reflexões em sala de aula, buscando aproximar os alunos das questões levantadas pela produção de Gustavo Caboco. A proposta foi construída a partir da compreensão de que sua obra não apenas expressa experiências individuais, mas também convoca debates mais amplos sobre identidade e pertencimento. Para isso, seguimos com o conceito de identidade proposto por Silva (2001, p. 25),  entendendo-a como “[...] as formas pelas quais os grupos sociais defendem a si próprios e pelas quais eles são definidos por outros grupos”.

          A primeira regência teve início com uma dinâmica para mobilizar o tema da aula. Foi usada uma caixa fechada contendo um objeto, no qual nomeamos como uma “obra de arte”. Nesse caso, o objeto escolhido foi um espelho. Cada aluno/a deveria observar o espelho, portanto, a própria imagem, e descrevê-la para a turma, sem revelar que se tratava de um espelho. Essa estratégia provocou uma reflexão sobre a própria imagem e suas possíveis leituras simbólicas, visto que ao descrever a obra de arte, cada um faria a descrição de si. Em seguida, partimos para uma discussão sobre o que se encaixaria ou não naquilo que, majoritariamente, entendíamos por Arte e que tipo de produção encontramos, geralmente, em museus e circuitos de Arte Contemporânea. Por isso, a segunda abordagem foi apresentar o artista escolhido e demonstrar como suas reflexões sobre identidade, ancestralidade e pertencimento acessam ambientes de Arte, como museus e mostras artísticas. A exposição visual contou com imagens das obras “Encontro di-fuso Wapinanbá (Wapichana e Tupinambá)”,  “Fiando o fio forte” (2022) e “Fios da infância Wapichana”(2022).

Figura 3: Gustavo Caboco, “encontro di-fuso Wapinanbá (Wapichana e Tupinambá)”, 2022, fuso do Assojaba [manto] Tupinambá e bordado, 23 x 20 cm.

 

Figura 4: Gustavo Caboco, “fiando o fio forte”, 2022, fuso, algodão Wapichana e bordados, 25 x 25 cm.

 

 

Figura 5: Gustavo Caboco, “fios da infância Wapichana”, 2022, fotografia e algodão, 28 x 23 cm.

 

Nessa série de produções, Caboco trata de vivências Wapichana como as brincadeiras infantis com barbantes e as produções artesanais da aldeia, como a produção de fios de algodão. Tais temáticas abordadas pelo artista podem ser observadas, também, em sua escolha pelos materiais utilizados, visto que a série é composta por obras estruturadas a partir do fio de algodão. Dessa maneira, é possível refletir sobre a intencionalidade do artista ao apresentar fios - produzidos pelo povo Wapichana - que para além de físicos, são condutores para a linha de raciocínio do espectador. Essa leitura das imagens foi incentivada em sala para que os/as estudantes pudessem descrever, perceber e interpretar as imagens segundo múltiplos sentidos e, na sequência, os/as alunos foram orientados a participar de uma atividade prática de autorretrato coletivo, em que cada estudante criava uma parte específica do rosto (como olhos, nariz, boca etc.) utilizando barbantes coloridos colados sobre papel colorido. A cada 1 minuto, o trabalho era passado ao colega seguinte, promovendo a coautoria e a construção coletiva de uma imagem a ser explorada em termos de identidade visual. Priorizamos o uso de barbantes na confecção das obras, pois entendemos que este material não convencional possibilitaria a reflexão de histórias não lineares, a representação de figuras distintas e a conexão destas vivências. Nessa proposta, a materialidade foi agente protagonista da mobilização, já que o barbante aparece como associação e conexão entre tempo, pessoas e histórias, funcionando como um fio condutor da variedade de identidades que compõem a sala de aula. Ao utilizar barbantes na confecção dos autorretratos coletivos, os/as estudantes foram convidados a refletir sobre suas próprias identidades de maneira sensível e não linear, tal como Caboco propõe em sua poética visual. E, a partir disso, refletir sobre a semelhança cultural que compartilham, para além das diferenças físicas.

          Em seguida, a segunda regência concentrou-se nas diferenças que, paralelamente às semelhanças, permitissem discutir aspectos cruciais à construção das identidades, igualmente em diálogo com as obras da exposição e as vivências dos/as estudantes até então. Questões sobre identidades, vivências e representações em mídias e produções artísticas foram levantadas, à medida em que trouxemos, também, imagens das produções exibidas na exposição que havia acontecido anteriormente na escola, muitas das quais abordaram aspectos como plantas originárias, comidas típicas, e personalidades da mídia, com forte apelo à visibilização das contribuições indígenas e africanas para a construção da sociedade brasileira. Com isso, levantamos uma reflexão para os/as alunos/as. De que modo se sentiam representados/as por aquelas  imagens? Percebiam essas contribuições ancestrais no dia a dia? Se sentiam pertencentes a uma comunidade? Para isso, foi proposto um passeio fotográfico pela exposição de maneira que os/as estudantes pudessem observar as produções expostas e classificar com uma plaquinha (entregue no início da aula) se se diferenciavam ou assemelhavam às imagens analisadas. Em seguida, a partir da obra “Watuminpen waradam day: pedra do-céu” (2021), de Gustavo Caboco, incentivamos os alunos à elaboração de reflexões  sobre pertencimento e formação da identidade pela diferença.

Figura 6: Gustavo Caboco, “Watuminpen waradam day: pedra do-céu”, 2021, 270 x 160cm.

 

 

Figura 7: Gustavo Caboco. “com que fios tecemos hoje? fiando com espinhos de jauari”, 2022, madeira, fuso de cerâmica e arame farpado, 29 x 30 cm.

 

 

 

Como  encaminhamento  final  da aula, a obra “Com que fios tecemos hoje? fiando com espinhos de jauari” (2022), foi apresentada e utilizada como matéria profícua para a elaboração de reflexões  acerca da maneira como determinadas  identidades se relacionam após serem, de alguma forma, definidas, tendo em vista tanto a defesa do  respeito que deve existir entre cada qual mas também o desejo de que se mantenham abertas a movimentos e fluxos constantes, ou seja, aos seus próprios processos de diferenciação e singularização. Como mencionado anteriormente, as produções do artista apresentam fios materiais e imateriais, conduzindo a experiência do espectador. Nesse sentido, esta obra finaliza o percurso incentivando o questionamento “Com que fios tecemos o amanhã” de forma simbólica e literal, visto que as pessoas tecem o futuro como o povo Wapichana fia o algodão e que os conflitos enfrentados pelos povos indígenas no território brasileiro podem, de fato, afetar a produção de matéria-prima para sua tecelagem. Após esse momento, instruímos  os/as estudantes a  direcionar, cada qual, seu olhar para a turma, e a elaborar, a partir disso,  frases que acionassem as singularidades de suas características relativamente às dos/as colegas. Para isso, propusemos a seguinte dinâmica: com a sala organizada em um círculo,  o/a primeiro/a estudante, ao receber um rolo de barbante deveria proferir  uma frase sobre si tendo como tarefa a evidenciação de uma característica própria, de escolha; em seguida, este estudante deveria entregar  o rolo  a um/uma colega que, partindo da frase anterior, desenvolveria, igualmente, uma frase que o/a diferenciasse  do/da primeiro/a aluno/a, e assim por diante.

Com isso, os/as estudantes foram provocados a refletir sobre como as identidades são constantemente atravessadas por semelhanças, diferenças e reelaborações a partir destas. A dinâmica do círculo no espaço, na qual cada estudante deveria afirmar uma característica própria em relação à do/a colega anterior, evidenciou que a identidade não se forma isoladamente, mas em associação e diálogo com o outro, conforme elucida Silva (2021). A materialização dessa dinâmica por meio do barbante, que foi sendo passado de mão em mão, gerou uma espécie de teia física e simbólica entre os sujeitos que estavam presentes. Assim conforme nossa abordagem perceptiva do espaço para além da fisicalidade, mas como lugar de encontros, histórias e afetos, a dinâmica dos fios materializou as relações que se entrelaçam na sala de aula. Esse fator encontra ressonância no trabalho de Caboco, que tece com fios um território que une feições, mapas e pertencimentos.

As práticas desenvolvidas durante o estágio não se limitaram, portanto, à aplicação de conteúdos previamente estabelecidos, mas buscaram explorar possibilidades inventivas de docência, funcionando como uma prática criativa por si só. Sandra Mara Corazza (2019), em O direito à poética na aula: sonhos de tinta defende a prática da docência como inventiva, assim como a potência poética/artista como qualidade primeira dessa invenção. De acordo com a  autora,  “[...] para que na dimensão poética transcriemos arquivos didáticos e curriculares - dos quais somos arcontes, guardiões e traidores -, a docência apresenta-se como o nosso direito de sonhar aulas” (Corazza, 2019, p.4). Ao longo deste estágio, sonhamos formas distintas de tratar temáticas indígenas e afro-brasileiras, nos permitimos um contramovimento que evitou imagens estereotipadas, e visionamos  a expansão do repertório imagético dos/das estudantes. Durante essa tentativa, o engajamento dos/as estudantes da EJA foi um desafio. Por isso, a utilização das dinâmicas durante as aulas, para que a atenção dos/as estudantes fosse conquistada constantemente. Com isso, ao final da aula, em conversa com alguns/as deles/as, nos confidenciaram que nunca tinham presenciado uma aula dessa estrutura e que foi prazerosa a experiência de poderem conversar e discutir opiniões e argumentos que normalmente não tinham espaço para fazer na sala de aula.

No entanto, é comum que, como profissionais em formação, alimentemos frustrações com relação à nossa entrega no processo de ensino e à receptividade - ou falta dela - dos/as alunos durante as aulas. Sobre isso, encontramos refúgio no conceito de aula como “tecido vivo”, defendido por Gilles Deleuze em Abecedário (1988-1999)[7]. Nessa produção,  o filósofo argumenta que uma aula não tem como objetivo ser compreendida em sua totalidade, cada aluno/a absorve o que lhe convém em seu devido tempo, de maneira que o movimento de cabeças e dos olhares, ora observadoras, ora desatentas, forma um tecido vivo em sala de aula. Por tal via pudemos questionar a pretensa conquista de uma atenção total dos/as alunos/as em tempo integral, em favor de algo que passamos a ver como mais real nas situações de ensino e aprendizagem – o movimento orgânico de uma atenção difusa, mas que se manteve viva o suficiente naquele corpo coletivo de estudantes por encontrar meios para a significação de uma abordagem distinta daquelas comumente direcionadas ao público da EJA quando questões afetas às histórias e culturas indígenas (e afro-brasileiras) se fazem presentes nas práticas de ensino da Arte.    

 

Considerações finais

 

Como discutido no início da pesquisa, existem desafios a serem enfrentados quando se trata de abordar a temática indígena na educação e, mais propriamente, no ensino da Arte, a começar pelo fato de que tais povos, em suas diferentes etnias e  representações, costumam ser, ainda, vinculados ao período colonial, o que dificulta  a apreensão  da existência e representatividade dessas identidades na atualidade, em favor de um movimento que segue na contramão de estereótipos.

Assim, buscamos compreender maneiras de abordar questões relativas às vivências indígenas no ensino de Arte na atualidade e recursos didáticos que contemplassem produções artísticas indígenas de maneira significativa. Para isso, utilizamos os Estudos Culturais e a cartografia para afirmar  o conhecimento como um processo em aberto e conferir a característica da invenção para a pesquisa, tendo em vista o conjunto de ações que participam da prática docente.  Buscamos  atentar para a produção de subjetividades que circulam no espaço escolar  que exploramos, o que incluiu a produção de um olhar sensível para os espaços físicos, propriamente, assim como para as formas de seu uso, com a intenção de construir experiências que possibilitassem a transformação da realidade dos/das alunos/as, em conformidade com os estudos de Passos e Kastrup (2019).

Partimos, então, da Lei nº 11.645/2008,  que  determina a obrigatoriedade do ensino de “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” nas escolas (Brasil, 2008), e, ao entendermos o currículo como um campo de lutas,  compreendemos a importância de trazer, às tratativas curriculares, narrativas historicamente silenciadas. Decerto, a  potencial busca pela  significação dessas narrativas no exercício da docência, filia-se às ações concretamente mobilizadas em prol de possibilidades que passam, como sabemos, por questões de  sobrevivência.

Em seguida, exploramos as imagens estereotipadas utilizadas na educação, reafirmando  a intenção de fazer um movimento contrário em nossas regências. As experiências vividas ao longo do estágio possibilitaram reflexões sobre as possibilidades de abordagens de vivências e vozes indígenas no  planejamento pedagógico. A aproximação com o trabalho de Gustavo Caboco gerou atividades que permitiram que os/as estudantes experimentassem formas de expressar suas singularidades ao mesmo tempo em que reconheciam e respeitavam as diferenças dos/das colegas. Assim, o estágio se constituiu como um espaço fértil para articular o ensino de Arte como prática inventiva.

Optamos por finalizar as regências com a exposição da obra “Com que fios tecemos o hoje?”, de Gustavo Caboco (2021), com o intuito de incentivar a reflexão dos/as alunos/as sobre a maneira como construímos o presente e o futuro, sem deixar de compreender o passado como algo vivo. Apesar de termos identificado limites no engajamento dos/as estudantes ao longo das regências, consideramos a proposta bem-sucedida, visto que eles/elas compartilharam entre si aspectos relacionados às próprias identidades, exercitando uma importante compreensão sobre os processos que as constituem e continuam a constituir, especialmente a partir de uma apreensão sensível das diferenças. A construção desse percurso favoreceu, acreditamos, a ressignificação do respeito como uma atitude a ser valorizada nas relações entre uns/as e outros/as. Assim, embora o tempo de estágio tenha sido curto, sem permitir a observação de mudanças significativas a longo prazo na forma como os/as alunos/as interagem com o meio, consideramos que iniciamos um processo de tecelagem com fios de boa qualidade. Se tal processo, ao que tudo indica, conquistou um lugar de sentido no presente, nos resta torcer para que continue a reverberar naquilo que entendemos como o amanhã.

 

REFERÊNCIAS

BALISCEI, João Paulo; STEIN, Vinícius; ALVARES, Daniele Luzia Flach. Conhecendo o Image Watching e a Abordagem Triangular: Reflexões sobre as imagens da Arte no Ensino Fundamental. Contexto & Educação, v. 33, n. 104, p. 305-416, 2018.jaider

BERGER, John. Modos de ver. Fósforo, 2023.

BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 11 mar. 2008. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm>. Acesso em: 10 mar. 2025.

CABOCO, Gustavo. “Com que fios tecemos hoje? fiando com espinhos de jauari”, 2022, madeira, fuso de cerâmica e arame farpado, 29 x 30 cm.

CABOCO, Gustavo. “Encontro di-fuso Wapinanbá (Wapichana e Tupinambá)”, 2022, fuso do Assojaba [manto] Tupinambá e bordado, 23 x 20 cm.

CABOCO, Gustavo. “Fiando o fio forte”, 2022, fuso, algodão Wapichana e bordados, 25 x 25 cm.

CABOCO, Gustavo. “Fios da infância Wapichana”, 2022, fotografia e algodão, 28 x 23 cm.

CABOCO, Gustavo. “Watuminpen waradam day: pedra do-céu”, 2021, 270 x 160cm.

CORAZZA, Sandra Mara. O direito à poética na aula: sonhos de tinta. Revista Brasileira de Educação, v. 24, 2019.

ESBELL, Jaider. Arte indígena contemporânea e o grande mundo. Revista Select, São Paulo, vol. 7 n. 39, 2018.

ESBELL, Jaider. A Arte Indígena Contemporânea como armadilha para armadilhas. 2020. Disponível em: http://www.jaideresbell.com.br/site/2020/07/09/a-arte-indigena-contemporanea-como-armadilha-para-armadilhas/. Acesso em: 24 jul. 2025

HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: PucRio, 2016.

PAIVA, Alessandra Mello Simões. A “virada decolonial” na arte contemporânea brasileira: até onde mudamos?. Brasília: Revista Vis, v. 21, n. 1, 2022.

PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virginia; TEDESCO, Silvia (org). Pistas do método da cartografia: a experiência da pesquisa e o plano comum. Porto Alegre: Sulina, 2014.

SANTOS, Carlos Josè Ferreira. Decolonizar o conhecimento e o ensino para enfrentar os desafios na aplicação da lei 11.645/2008: por uma história e cultura indígena decolonial. In: MATTAR, Sumaya; SUZUKI, Clarissa; PINHEIRO, Maria (org.).  A lei 11.645/08 nas artes e na educação brasileira: perspectivas indígenas e afro-brasileiras. São Paulo: ECA-USP, 2020. p. 38-72.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: Uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 3 ed., 2016.

SILVA, Tomaz Tadeu. O currículo como fetiche: a poética e a política do texto curricular. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p. 7-61.

SOUSA, Márcia Maria de; OLIVEIRA, Guilherme Saramago. Cartografia: perspectivas metodológicas na pesquisa em educação. Minas Gerais: Cadernos da FUCAMP, v. 21, n. 50, p. 17-33, 2022.

VILLA, Roberta. Que índio é esse? In: MATTAR, Sumaya; SUZUKI, Clarissa; PINHEIRO, Maria (org.).  A lei 11.645/08 nas artes e na educação brasileira: perspectivas indígenas e afro-brasileiras. São Paulo: ECA-USP, 2020. p. 178-185.

 



[1] Disponível em: <Ritmo + Vida (Uma série Netflix "Nova Cena") • Maria Preta MC>. Acesso em: 10 mar. de 2025.

[2] Lei 11.634/2008 que que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” (Brasil, 2008).

[3] Termo desenvolvido por Esbell (2018) como “[...]  o que se consegue conceber na junção de valores sobre o mesmo tema arte e sobre a mesma ideia de tempo, o contemporâneo, tendo o indígena artista como peça central.

[4] Ainda que tais atividades tenham sido elaboradas para a Educação Infantil, é possível utilizá-las em prol da evidenciação da argumentação apresentada, uma vez que a lógica que as constitui também está presente nas demais etapas e modalidades da Educação Básica, o que inclui a EJA.

[5] Disponível em: <Atividades Dia do Índio - TOY + TOY>. Acesso em 10 mar. 2025.

[6]  Disponível em: <Atividades Dia do Índio para Educação Infantil BNCC 2024>. Acesso em 10 mar. 2025.

[7] Transcrição integral disponível em: https://www.bibliotecanomade.com/2008/03/arquivo-para-download-o-abecedrio-de.html. Acesso em: 10 mar. 2025.