A identidade negra e a identidade cultural na pós-modernidade: uma perspectiva pós-colonial para uma educação antirracista no ensino em artes visuais
Black identity and cultural identity in postmodernity: a postcolonial perspective for anti-racist education in visual arts teaching
Ismênia Maria Isidoro dos Santos[1]
Universidade Federal do Ceará (UFC)
José Maximiano Arruda Ximenes de Lima[2]
Universidade Federal do Ceará (UFC)
Resumo
O artigo tem por objetivo analisar como as teorias de Munanga (2009, 2013, 2019) e Hall (2011) podem ser potencializadas para o ensino de Artes Visuais usando as Estampas afro para uma educação antirracista. Munanga destaca a importância dos fatores históricos, linguísticos e psicológicos na construção da identidade negra dentro de uma abordagem pós-colonial, enfatizando a negritude como resistência. Hall, por sua vez, analisa a descentralização da identidade do sujeito e o papel dos fenômenos culturais na compreensão das transformações globais. Suas contribuições fornecem subsídios para práticas pedagógicas antirracistas no ensino de Artes Visuais, alinhadas à Lei 10.639/2003. Dessa forma, o artigo reforça a importância da arte na construção de identidades, resistência e educação transformadora.
Palavras-chave: Identidade negra; Identidade cultural pós-moderna; Educação antirracista; Artes Visuais.
Abstract
The article aims to analyze how the theories of Munanga (2009, 2013, 2019) and Hall (2011) can be leveraged for teaching Visual Arts using Afro prints for anti-racist education. Munanga highlights the importance of historical, linguistic and psychological factors in the construction of black identity within a post-colonial approach, emphasizing blackness as resistance. Hall, in turn, analyzes the decentralization of the subject's identity and the role of cultural phenomena in understanding global transformations. Your contributions provide support for anti-racist pedagogical practices in teaching Visual Arts, in line with Law 10,639/2003. In this way, the article reinforces the importance of art in the construction of identities, resistance and transformative education.
Keywords: Black identity; Postmodern cultural identity; anti-racist education; Visual Arts.
Introdução
Este artigo tem como objetivo analisar como as teorias de Munanga (2009, 2013, 2019) e Hall (2011) podem ser potencializadas para o ensino de Artes Visuais usando as Estampas afro para uma educação antirracista. Munanga destaca o papel dos fatores históricos, linguísticos e psicológicos na formação da identidade negra e na necessidade de desconstrução de narrativas coloniais. Hall, por sua vez, explora como as identidades culturais se constituem de forma fragmentada e dinâmica no contexto globalizado. A análise dessas perspectivas permite estabelecer diálogos que contribuem para a compreensão crítica das identidades negras e identidades culturais pós-modernas, com uma abordagem pós-colonial que oferece subsídios para práticas pedagógicas antirracistas no campo do ensino em Artes Visuais.
Sendo assim, a importância desse debate é reforçada pela implementação da Lei 10.639/2003, que tornou obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira nos currículos da Educação Básica. Essa legislação representa uma conquista dos movimentos sociais e aponta a necessidade para uma educação antirracista que seja capaz de transformar as práticas pedagógicas, promovendo o reconhecimento e a valorização das contribuições africanas e afro-brasileiras para a formação da sociedade brasileira.
Dado o papel transformador das artes na educação, essas teorias podem ser aplicadas no desenvolvimento de uma educação antirracista, promovendo reflexões críticas sobre identidade nas aulas de ensino em artes. Ademais, espera-se contribuir para a consolidação de práticas educativas que dialoguem com os desafios da contemporaneidade. Este estudo é de natureza bibliográfica, com um enfoque hermenêutico, resultado de análises e interpretações acerca da identidade negra e identidade cultural na pós-modernidade com uma abordagem pós-colonial no ensino de artes visuais para uma educação antirracista. Para tanto, fundamentamo-nos em obras teóricas relevantes que sustentam a discussão apresentada, tais como Munanga (2009, 2013, 2019), Hall (2011), Vidal e Arruda (2020 e Coelho (2023).
Identidade negra e cultural
Conforme explica Hall (2011):
A questão da “identidade” está sendo extensamente discutida na teoria social. Em essência, o argumento é o seguinte: as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como sujeito unificado. (Hall, 2011, p.9)
Nesse sentido, o autor propôs uma organização da identidade do sujeito em três concepções distintas: i) sujeito iluminista: baseado no individualismo e centrado na razão, refletindo uma visão essencialista e fixa do eu; ii) sujeito sociológico: uma abordagem interacionista, que considera a identidade como construída na relação entre o indivíduo e a sociedade; iii) sujeito pós-moderno: caracterizado pela ideia de uma "celebração móvel", marcada pela fluidez, contradições e multiplicidade identitária.
Portanto, a transição entre as diferentes formas de subjetividade (do sujeito iluminista, passando pelo sociológico, até o pós-moderno), provoca reflexões sobre as mudanças profundas que ocorreram nesse percurso, fazendo-nos questionar o que realmente muda de um extremo a outro. A resposta, por sua vez, parece estar no desmoronamento de conceitos que antes eram tidos como certezas: permanência, estabilidade e continuidade. Nesse sentido, o autor explica:
Se sentirmos que temos uma identidade unificada desde o nascimento até a morte é apenas porque construímos uma cômoda história sobre nós mesmos ou uma confortadora “narrativa do eu.” A identidade plenamente unificada,completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis com as quais poderíamos nos identificar a cada uma delas ao menos temporariamente. (Hall, 2011,p.12)
Assim, o autor evidencia que, no cenário da pós-modernidade, conceitos antes considerados sólidos começam a perder consistência. Isso dá origem ao que é conhecido como crise de identidade, um período marcado por questionamentos profundos e pela revisão das formas como compreendemos o mundo em que vivemos e a nós mesmos.
[...] Essas transformações estão mudando também nossas identidades pessoais, abalando a ideia que temos de nós próprios como sujeitos integrados. Essa perda de um “sentido de si”estável é chamada,algumas vezes, de deslocamento ou de descentração do sujeito.Esse duplo deslocamento - descentralização dos indivíduos tanto do seu lugar de mundo social e cultural quanto de si mesmo - constitui uma “crise de identidade” para o indivíduo. (Hall, 2011, p.10)
Logo, as transformações contemporâneas têm impactado profundamente a forma como percebemos nossas identidades, levando a um deslocamento que desestabiliza a noção de um eu fixo e integrado, resultando na descentralização do sujeito tanto em relação ao seu mundo social e cultural quanto a si mesmo. Nesse contexto, a identidade cultural torna-se um conceito fundamental para compreender as relações sociais, especialmente em sociedades marcadas pela diáspora, desigualdade e resistência. Assim, as suas reflexões possibilitam compreender como a identidade se organiza em diferentes concepções, refletindo as mudanças e desafios do mundo globalizado.
Como conclusão provisória, parece então que globalização tem, sim, o efeito de contestar e deslocar as identidades centradas e “fechadas” de uma cultura nacional. Ela tem um efeito pluralizante sobre as identidades, produzindo uma variedade de possibilidades e novas posições de identificação, e tornando as identidades mais posicionais, mais políticas, mais plurais e diversas; menos fixas, unificadas ou trans-históricas. (Hall, 2011, p.51)
Hall (2011), amplia a discussão ao abordar as identidades culturais no contexto da pós-modernidade, destacando que a identidade não é fixa ou essencialista, mas sim uma construção fluida e em constante transformação, influenciada pelas dinâmicas culturais, políticas e econômicas globais. Ele argumenta que as mudanças contemporâneas desafiam a noção de um sujeito com uma identidade unificada e estável, fragmentando-o em múltiplas identidades, muitas vezes contraditórias ou não resolvidas.
Argumenta-se, entretanto, que são exatamente essas coisas que agora estão “mudando”. O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas. (Hall, 2011,p.11)
Por outro lado, como a modernidade fragmentou a concepção de sujeito e identidade, deslocando-o de uma posição central e universal para uma perspectiva historicamente situada e múltipla. Ele aponta que teorias como o marxismo, a psicanálise, a linguística e os estudos de Foucault sobre a desconstrução da ideia de autonomia do sujeito ao evidenciar como forças econômicas, psicológicas, linguísticas e de poder moldam as experiências individuais e coletivas. Além disso, o autor destaca a emergência das políticas de identidade nos movimentos sociais e raciais que questionaram o sujeito homogêneo e promoveram a visão de identidades construídas a partir de lutas específicas. Dessa forma, ao discutir a descentralização do sujeito, ele aponta que isso ocorreu por diferentes correntes e eventos históricos que contribuíram para desconstruir a visão unitária e essencialista do sujeito.
Pensando nos conceitos de identidade abordados por Hall (2011), Munanga (2009) propõe uma abordagem teórica que examina as múltiplas dimensões da identidade negra, destacando três fatores interconectados: histórico, linguístico e psicológico.
Nesse sentido, o fator histórico desponta como o alicerce mais significativo na construção da identidade negra, é a partir desse fator que se busca o conhecimento sobre sua história, além de conectar os diversos elementos de um povo por meio do compartilhamento em sua coletividade. Assim como também pode ter um efeito contrário, pois ao gerar o apagamento da história, torna um povo passível a manipulação e submissão, conforme explica o autor:
A consciência histórica, pelo sentimento de coesão que ela cria, constitui uma relação de segurança a mais certa e a mais sólida para o povo. É a razão pela qual cada povo faz esforço para conhecer sua verdadeira história e transmiti-la às futuras gerações. Também é a razão pela qual o afastamento e a destruição da consciência histórica foram uma das estratégias utilizadas pela escravidão e pela colonização para destruir a memória coletiva dos escravizados e colonizados. (Munanga, 2019, p.12)
Bem como no caso da identidade negra, o fator histórico foi marcado por processos traumáticos, como a colonização, a escravização e a discriminação racial, que geraram profundas rupturas. A diáspora africana representou uma ruptura forçada com as raízes culturais e identitárias, resultando no sequestro de indivíduos, no apagamento de tradições e na imposição de uma condição de subalternidade. Essas experiências não apenas fragmentaram laços com o passado ancestral, mas também tentaram desumanizar e deslegitimar as populações negras.
Considerando o fator linguístico, a perda da língua materna foi um dos impactos mais diretos e devastadores da diáspora africana, fragilizando um dos pilares fundamentais da identidade cultural. Forçados a abandonar suas línguas nativas, os negros tiveram que assimilar os idiomas dos colonizadores, carregando estigmas e limitações impostas por essa nova realidade. O apagamento linguístico, por sua vez, marginalizou culturalmente os negros e enfraqueceu as tradições orais, essenciais para a preservação da memória coletiva e da identidade cultural. Assim, em consequência dessas adversidades, surgiram formas criativas de resistência, como a ressignificação das línguas impostas e a criação de expressões culturais híbridas, que se tornaram símbolos de luta e resiliência. A cultura sempre foi um espaço de resistência, em que populações marginalizadas ressignificam símbolos, linguagens e práticas para desafiar as estruturas coloniais e afirmar suas identidades.
Na estrutura colonial, o bilinguismo é necessário, pois munido apenas de sua língua, o negro torna-se estrangeiro dentro de sua própria terra. No entanto, ele cria novos problemas, pois a posse de duas línguas não é somente a de dois instrumentos. Participa-se de dois reinos psíquicos e culturais distintos e conflitantes. A língua, que é nutrida por sensações, paixões e sonhos, aquela pela qual se exprimem a ternura e os espantos, a que contém, enfim, a maior carga efetiva, é precisamente a menos valorizada. A língua do colonizado não possui dignidade nenhuma no país e nos concertos dos povos. Se o negro quiser obter uma colocação, conquistar um lugar, existir na cidade e no mundo, deve primeiro dominar a estranha de seus senhores. No conflito linguístico em que ele se move, sua língua original é humilhada e esmagada. (Munanga, 2019, p.32)
Além disso, outro fator importante para entender os desafios enfrentados pelos negros na construção de sua identidade é o psicológico. A interiorização do povo negro e a forma desumanizada, estereótipos negativos e a naturalização da inferioridade imposta pela sociedade contribuíram para o enfraquecimento da autoestima e para a alienação em relação ao próprio corpo, cor e cabelo. Nesse sentido, a busca pela identidade negra, não é apenas uma resposta às opressões, é também um processo terapêutico e transformador que permite aos indivíduos superar traumas históricos, valorizar sua ancestralidade e reivindicar seu espaço na sociedade, desta forma:
O fator psicológico, entre outros, nos leva a nos perguntar se o temperamento do negro é diferente do temperamento do branco e se podemos considerá-lo como marca de sua identidade. Tal diferença, se existir, deve ser explicada a partir, notadamente, do condicionamento histórico do negro e de suas estruturas sociais comunitárias, e não com base nas diferenças biológicas como pensariam os racialistas. (Munanga, 2019, p.13)
Assim, a identidade cultural negra é moldada pela interação desses fatores, cujas combinações específicas são cruciais para o estabelecimento de sentidos de pertencimento coletivo. Além do mais, compreender a identidade como uma construção cultural é essencial para problematizar as desigualdades e os desafios contemporâneos. Essa perspectiva permite uma análise crítica das estruturas que moldam as experiências humanas, reconhecendo a complexidade e a pluralidade dos sujeitos em suas trajetórias históricas e culturais. Nesse contexto, a identidade não é apenas um reflexo de quem somos, mas também um território de disputa.
Ademais, a identidade é um elemento cultural e simbólico fundamental, que também se configura como um espaço de disputas políticas e reivindicações sociais. Nesse sentido, movimentos sociais e políticos têm lutado por ações afirmativas como forma de reparação histórica para a população negra, buscando corrigir desigualdades estruturais resultantes da escravização e da discriminação racial. No entanto, essa luta tem sido alvo de distorções oportunistas, especialmente no que se refere ao conceito de afrodescendência, que, embora o termo possa incluir negros e mestiços, sua aplicação deve considerar a realidade do racismo estrutural e as barreiras que a população negra enfrenta. Caso contrário, abre-se margem para que indivíduos não negros reivindiquem benefícios criados especificamente para combater desigualdades históricas e promover a equidade racial.
A categoria “afrodescendente”, que inclui também negros e mestiços teria sido utilizada, mas evitou-se seu uso ao considerar que a África é o berço da humanidade e qualquer pessoa, pouco importando sua cor de pele, poderia, em termos oportunistas, reivindicar sua afrodescendência para ter acesso às reservas de vagas para negros. (Munanga, 2019, p.43)
Munanga (2009) também aponta que a construção da identidade negra é um ato de resistência e de transformação, que vai além das lutas individuais e passa a desafiar a ordem social vigente. Nesse sentido, afirmar a negritude é também afirmar a ancestralidade, a memória e o direito à equidade, reconfigurando relações de poder e contribuindo para a consolidação de direitos e da justiça social. Portanto, compreender a identidade como uma construção cultural é essencial para problematizar as desigualdades e os desafios contemporâneos. Nesse contexto, a identidade não é apenas um reflexo de quem somos, mas também um território de disputa e de possibilidades para a construção de futuros mais justos e inclusivos.
Coloca-se também outro problema já corriqueiro. Será possível a participação dos negros na sociedade brasileira sem a solidariedade de todos os oprimidos brancos e outros? Sente-se um deslocamento pelo menos uma confusão entre raça e classe. Aqui está um dos dilemas da questão racial brasileira: os oprimidos brancos da sociedade não têm consciência de que a exclusão política e econômica do negro por motivos racistas só beneficia a classe dominante, o que torna difícil, senão impossível, sua solidariedade com o oprimido negro; além disso, eles mesmos são racistas pela educação e pela socialização recebidas na família e na escola. Raça e classe se tornam, então, duas variáveis da mesma realidade de exploração, na estrutura de uma sociedade de classe. (Pereira, 1987 apud Munanga, 2009, p.151-162)
Dessa forma, um dos desafios centrais da questão racial no Brasil é a falta de compreensão, por parte dos brancos economicamente oprimidos, sobre a importância das políticas afirmativas que beneficiam a população negra, especialmente no acesso à educação. Muitas vezes, esses grupos demonstram resistência a medidas como as cotas universitárias, sem entender que 50% das vagas são destinadas a alunos de escolas particulares e 50% a alunos da rede pública, como aponta a atualização da Lei de Cotas, Lei 14.723, de 2023, assim, distribuição das vagas destinadas às cotas irá considerar a proporção de pretos, pardos, quilombolas, indígenas e pessoas com deficiência em cada unidade da federação de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), como aponta a Agência Senado (2024).
Ademais, brancos pobres não percebem que o racismo estrutural fortalece a própria classe dominante, ao excluir os negros do acesso a direitos e oportunidades, dificultando a construção de uma solidariedade real entre os trabalhadores de diferentes origens raciais. Nesse sentido, a educação e a socialização em uma sociedade racista perpetuam preconceitos, levando os brancos explorados a reproduzir discriminações. Dessa forma, raça e classe se entrelaçam como elementos de uma mesma estrutura de opressão, tornando essencial o desenvolvimento de uma consciência crítica que aborda ambas as dimensões para a construção de uma luta coletiva efetiva.
Portanto, os movimentos estudantis, negros, feministas, por direitos civis, revolucionários do Terceiro Mundo introduzem a política da identidade, em que diferentes grupos reivindicam reconhecimento e direitos baseados em suas identidades sociais específicas. Cada movimento apela para a construção de uma identidade coletiva que dê sentido à luta por justiça e transformação social. Essas descentralizações revelam que o sujeito não é uma entidade fixa, mas é continuamente moldado por fatores históricos, sociais, econômicos e culturais.
Sobre o ponto de vista de Hall (2011), o deslocamento do sujeito na modernidade, conforme analisado, ocorre através de uma série de rupturas impulsionadas por avanços nas teorias sociais e nas ciências humanas. Assim, os movimentos raciais, sociais, feministas e por direitos civis, revolucionários do Terceiro Mundo dos anos 1960 trazem à tona a política da identidade, evidenciando o sujeito como múltiplo e fragmentado, construído a partir de lutas sociais e culturais específicas. Esses avanços, juntos, rompem com a ideia de um sujeito universal e estável, característica da modernidade, e inauguram uma concepção mais dinâmica e historicamente situada para os dias atuais.
Cada movimento apelava para a identidade social de seus sustentadores. Assim, o feminismo apelava às mulheres, a politica sexual aos gays e as lésbicas, as lutas raciais aos negros, o movimento antibelecista aos pacifista, e assim por diante. Isso constitui o nascimento histórico do que veio a ser conhecido como a política de identidade - uma identidade para cada movimento. (Hall, 2011,p.27)
Uma vez que aborda as transformações conceituais que moldaram as noções de sujeito e identidade pós-moderna, volta agora para a análise de como o sujeito fragmentado se relaciona com suas identidades culturais. O foco está na identidade cultural como comunidades imaginadas e em compreender o impacto que a modernidade tardia exerce sobre ela. Em especial, buscando explorar como as identidades culturais nacionais estão sendo influenciadas ou deslocadas pelos processos.
Portanto, no contexto da pós-modernidade, as ideias de permanência, estabilidade e continuidade, que antes sustentavam as identidades, se desintegram, como algo que "se desmancha no ar", abrindo espaço para o que Hall (2011) chama de "crise de identidade". Nesse cenário, o sujeito é fragmentado, em constante reconstrução, pois as identidades tornam-se fluidas e descentradas. O autor observa que, com o avanço da globalização, as culturas nacionais que outrora contribuíram para criar padrões de alfabetização universais, generalizando uma única língua para dominar a comunicação em toda nação, representações e narrativas que influenciam nossas ações e produzem sentidos com os quais podemos nos identificar, por meio das histórias contadas sobre a nação e das memórias que conectam o passado ao presente.
O discurso da cultura nacional não é assim, tão moderno como aparenta ser. Ele constroi identidades que são colocadas, de modo ambíguo , entre o passado e o futuro. Ele se equilibra entre a tentação por retornar as glórias do passadas e o impulso por avançar ainda mais em direção à modernidade.As culturas nacionais são tentadas , algumas vezes,a se voltar para o passado, a recuar defensivamente para aquele “tempo perdido”, quando a nação era “grande”; são tentadas a restaurar as identidades passadas […] (Hall, 2011,p.33-34)
Desta forma, as identidades nacionais enfrentam diferentes consequências no contexto da globalização, marcadas por transformações e resistências. Um dos possíveis efeitos é a desintegração dessas identidades, que perdem sua centralidade sob o impacto de influências culturais globais. Por outro lado, em alguns casos, as identidades nacionais são reforçadas por movimentos de resistência à globalização que buscam preservar tradições e valores locais. Hall (2011), também se observa o declínio das identidades nacionais tradicionais, que estão sendo substituídas por novas identidades híbridas, resultantes da fusão entre elementos culturais globais e locais. Essas dinâmicas evidenciam a complexidade do impacto da globalização, que simultaneamente desafia, transforma e recria formas de pertencimento cultural, como afirma Hall (2011):
[...] as consequências desse aspecto da globalização sobre as identidades culturais, examinando três possíveis consequências: 1 As Identidades nacionais estão se desintegrando, como resultado do crescimento da homogeneização cultural e do pós-moderno global. 2 As identidades nacionais e outras identidades “locais” ou particularistas estão sendo reforçadas pela resistência à globalização. 3 As identidades nacionais estão em declínio, mas novas identidades - híbridas -estão tomando seu lugar. (Hall, 2011, p.40)
Ademais, Munanga (2019) compreende a identidade negra como uma construção histórica fundamentada na luta contra o racismo e a exclusão estrutural. Portanto, para o autor, assumir plenamente e com orgulho a condição de ser negro é um ato de resistência e afirmação, expresso na postura firme de declarar: "[...] sou negro [...]" Munanga (2019, p. 48). Nesse contexto, o movimento da negritude emerge como uma forma de "desintoxicação semântica", um processo de ressignificação que rompe com as conotações negativas historicamente atribuídas à identidade negra.
Além disso, é relevante enfatizar que a negritude não é apenas uma postura de orgulho individual, mas um ato coletivo que resgata memórias ancestrais, valoriza a cultura negra e desafia estruturas de poder que perpetuam a marginalização. A partir desse reposicionamento, surge um novo lugar de inteligibilidade, onde se reformulam as relações consigo mesmo, com o outro e com o mundo. Assim, a identidade negra torna-se um instrumento político, cultural e social essencial para promover o reconhecimento e a transformação das relações sociais.
[...] Todo esse programa é revelado de forma concisa e sem arrogância num parágrafo célebre de um artigo da revista The Nation, de 23 de junho de 1926, considerado o manifesto do movimento ou, ainda, a declaração de independência do artista negro: Nós, criadores da nova geração negra, queremos exprimir nossa personalidade sem vergonha nem medo. Se isso agrada aos brancos, ficamos felizes. Se não, pouco importa. Sabemos que somos bonitos. E feios também. O tantã chora, o tantã ri. Se isso agrada à gente de cor, ficamos muito felizes. Se não, faz. É para o amanhã que construímos nossos sólidos templos, pois sabemos edificá-los, e estamos erguidos no topo da montanha, livres dentro de nós. (Munanga, 2019 p. 42-43)
Ademais, o conceito do movimento da negritude valoriza práticas de saberes e identidades africanas, que antes eram rotulados como ‘inferiores’ e ‘não civilizados’. Portanto, ao incluir o movimento da negritude na escola pode-se considerá-lo um forte aliado para trabalhar a desconstrução de falas racistas, elevar a autoestima dos alunos negros e conscientizar através de uma educação antirracista, inclusive para alunos não negros.
Ao mesmo tempo, esse caminho pode ser trilhado por meio da arte, capaz de expressar sentimentos, conectar pessoas e provocar reflexões, dando voz ao que muitas vezes não é possível dizer com palavras, sendo capaz de resgatar memórias, fortalecer identidades e até mesmo transformar realidades.
O racismo nas escolas, embora muitas vezes negligenciado, causa danos significativos à autoestima e ao senso de pertencimento dos estudantes negros, perpetuando estruturas de opressão. As práticas racistas, frequentemente mascaradas de brincadeiras ou piadas, desumanizam pessoas negras sob o pretexto de humor, manifestando-se por meio de apelidos ofensivos, imitações de características físicas e culturais, além de comentários que reforçam estereótipos raciais, o que Moreira (2019) chama de racismo recreativo:
Ele deve ser visto como um projeto de dominação que procura promover a reprodução de relações assimétricas de poder entre grupos raciais por meio de uma política cultural baseada na utilização do humor como expressão e encobrimento de hostilidade racial. (Moreira, 2019, p. 95)
Historicamente, o currículo escolar brasileiro tem sido estruturado sob uma perspectiva eurocêntrica, negligenciando as contribuições africanas e afro-brasileiras na formação da sociedade, o que perpetua narrativas que desvalorizam a identidade negra. Nesse contexto, a implementação efetiva da Lei 11.645/2008 que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena em toda a educação básica, é fundamental para transformar esse cenário, promovendo a valorização das identidades negras e a problematização do racismo. A adoção de uma educação antirracista possibilita a construção de um ambiente escolar mais inclusivo, pautado na empatia, na conscientização crítica e no respeito à diversidade.
Perspectivas pós-colonial e possíveis articulações na educação antirracista no ensino de artes visuais.
Munanga (2009, 2013, 2019), traz as consequências do pós- colonialismo em sua abordagem que destaca como o colonialismo impôs hierarquizações raciais e culturais, criando estruturas de dominação que persistem até hoje. Ele enfatiza o papel do racismo na construção das identidades pós-coloniais e critica a ideia de democracia racial no Brasil, mostrando como essa narrativa mascara as desigualdades estruturais. Para o autor, a identidade negra foi forjada em um contexto de resistência e precisa ser ressignificada dentro de uma perspectiva de valorização das raízes africanas. Sua visão do pós-colonialismo está fortemente ligada à crítica ao racismo científico, ao eurocentrismo e à necessidade de ações afirmativas para reparar os danos históricos da colonização.
As dificuldades dos movimentos negros em mobilizar todos os negros e mestiços em torno de uma única identidade “negra” viriam do fato de que não conseguiram destruir até hoje o ideal do branqueamento. Algumas vozes nacionais estão tentando, atualmente, encaminhar a discussão em torno da identidade “mestiça”, capaz de reunir todos os brasileiros (brancos, negros, mestiços). Vejo nessa proposta uma nova sutileza ideológica para recuperar a ideia da unidade nacional não alcançada pelo fracassado branqueamento físico. Essa proposta de uma nova identidade mestiça, única, vai na contramão dos movimentos negros e outras chamadas minorias, que lutam para a construção de uma sociedade plural e de identidades múltiplas. (Munanga, 2019, p.11)
Stuart Hall (2011) desenvolve uma abordagem pós-colonial centrada na cultura e na identidade, destacando a formação de identidades híbridas como resultado da globalização e dos deslocamentos culturais. Para ele, as identidades pós-coloniais são fluidas e constantemente reconstruídas, oscilando entre a resistência à hegemonia cultural e à apropriação de elementos dela. O colonialismo, embora tenha imposto opressões, também gerou novas expressões culturais, nas quais a música, a linguagem e a arte desempenham um papel fundamental na ressignificação da experiência dos sujeitos colonizados. O autor conecta essa perspectiva à teoria da diáspora e à descentralização do sujeito, enfatizando que as identidades são moldadas por relações de poder e migração, refletindo tensões entre tradição e modernidade.
Como conclusão provisória, parece então que a globalização tem, sim, o efeito de contestar e deslocar as identidades centradas e ”fechadas” de uma cultura nacional. Ela tem um efeito pluralizante sobre as identidades, produzindo uma variedade de possibilidades e nova posição de identificação, e tornando as identidades mais posicionais, mais políticas, mais plurais e diversas; menos fixas, unificadas ou trans-históricas. (Hall, 2011, p.51)
Por outro lado, as diásporas representam a resistência e a reconfiguração das identidades pós-coloniais, criando comunidades transnacionais que questionam as fronteiras estabelecidas pelo colonialismo. Em resumo, o pós-colonialismo é um campo que examina as tensões e os deslocamentos resultantes do legado colonial, abordando como as identidades e culturas globais e locais são negociadas em um mundo interconectado e desigual. Hall (2011) contribui para essa discussão ao destacar a complexidade das transformações culturais e a resistência contra a homogeneização global, a partir de sua afirmação: “as pessoas pertencentes a culturas híbridas têm sido obrigadas a renunciar ao sonho ou à ambição de redescobrir qualquer tipo de pureza cultural ‘perdida’ ou de absolutismo ético” Hall (2011, p.52).
Para articular esses conceitos em favor de uma educação antirracista no ensino de Artes Visuais, é essencial compreender como o currículo escolar, historicamente eurocêntrico, perpetua narrativas que desvalorizam a identidade negra. A abordagem de Munanga (2019) evidencia como o colonialismo estruturou hierarquias raciais e culturais que ainda hoje influenciam a educação, mascaradas pela ideologia da democracia racial. No ensino de Artes Visuais, essa estrutura pode ser desafiada ao valorizar produções artísticas afro-brasileiras e africanas, ressignificando as identidades marginalizadas.
Dessa forma, o ensino de Artes Visuais torna-se um território de disputa e reconstrução identitária, promovendo uma educação que não apenas reconhece, mas valoriza as múltiplas expressões culturais afro-diaspóricas, formando sujeitos críticos diante das estruturas racistas ainda presentes na sociedade.
Identidade Negra e identidade
cultural pós-moderna: uma intervenção artística com estampas afro para a Educação Antirracista
A motivação para abordar a educação antirracista nas aulas de Artes Visuais surgiu a partir da vivência de ofensas racistas presenciadas no espaço escolar no ensino médio. A recorrência dessas situações evidenciou a necessidade de um trabalho sistemático e contínuo sobre as relações étnico-raciais, visando desconstruir preconceitos e fortalecer a valorização das identidades negras. Nesse contexto, autores como Munanga (2009, 2013, 2019) e Hall (2011) oferecem contribuições essenciais para a implementação de uma educação antirracista alinhada à Lei 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas. As Artes Visuais, nesse cenário, desempenham um papel fundamental ao possibilitar reflexões sobre identidade, memória e ancestralidade, promovendo um olhar crítico e sensível sobre as representações culturais e sociais da população negra.
Assim, ao incorporar essa temática no ensino de Artes Visuais, compreender os valores, normas e discursos dominantes torna-se essencial, pois são esses elementos que moldam as percepções individuais e coletivas sobre identidade e pertencimento. Os discursos hegemônicos, estabelecidos por grupos que detêm o poder, influenciam profundamente a construção da autoimagem.
Graças à busca de sua identidade, que funciona como uma terapia do grupo, o negro poderá despojar-se do seu complexo de inferioridade e colocar-se em pé de igualdade com os outros oprimidos, o que é uma condição preliminar para uma luta coletiva. A recuperação dessa identidade começa pela aceitação dos atributos físicos de sua negritude antes de atingir os atributos culturais, mentais, intelectuais, morais e psicológicos, pois o corpo constitui a sede material de todos os aspectos da identidade. (Munanga, 2019.p.18)
Trazer o conceito de negritude, que se revela um poderoso instrumento para a elevação da autoestima dos alunos negros e o conhecimento do que foi esse conceito para os alunos não negros. A negritude, mais do que uma identidade racial, é um posicionamento político e cultural que ressignifica a experiência negra, conferindo-lhe força, resistência e orgulho. Ao trabalhar esse conceito em sala de aula, possibilita-se que os estudantes se reconheçam em uma história de luta e contribuição para a sociedade, desconstruindo estereótipos e promovendo um olhar positivo sobre suas origens e vivências. Portanto neste contexto Munanga (2019, p.19) discute que: “a negritude e/ou a identidade negra se referem à história comum que liga de uma maneira ou de outra todos os grupos humanos que o olhar do mundo ocidental ‘branco’ reuniu sob o nome de negros”.
Enquanto Munanga (2019) enfatiza a necessidade de desconstruir o racismo estrutural e valorizar as culturas africanas e afro-brasileiras, Hall (2011) evidencia como as estruturas coloniais continuam a influenciar a construção das identidades. Por isso, no contexto escolar, essas perspectivas exigem a superação de currículos eurocêntricos e a adoção de práticas pedagógicas que reconheçam a diversidade cultural e questionem as hierarquias raciais impostas pelo colonialismo. Além disso, a pedagogia antirracista no ensino de artes pode ser um meio para estimular o protagonismo dos estudantes negros e incentivar a valorização de suas experiências e vivências. Para fundamentar essa abordagem no contexto educacional, utilizamos a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018), documento normativo que define as aprendizagens essenciais para todos os estudantes da Educação Básica no Brasil. A BNCC orienta a elaboração dos currículos escolares, assegurando uma formação comum e promovendo a equidade educacional. Aliada a essa diretriz, a Lei 10.639/2003 estabelece a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana, impulsionando a implementação de ações pedagógicas voltadas para a educação das relações étnico-raciais. Dessa forma, a articulação entre a BNCC e a Lei 10.639/2003 fortalece práticas educativas que valorizam a diversidade cultural e contribuem para a construção de uma escola antirracista.
COMPETÊNCIA ESPECÍFICA 2 Compreender os processos identitários, conflitos e relações de poder que permeiam as práticas sociais de linguagem, respeitar as diversidades, a pluralidade de ideias e posições e atuar socialmente com base em princípios e valores assentados na democracia, na igualdade e nos Direitos Humanos, exercitando a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, e combatendo preconceitos de qualquer natureza. (BNCC, 2018, p. 492)
HABILIDADES (EM13LGG201) Utilizar adequadamente as diversas linguagens (artísticas, corporais e verbais) em diferentes contextos, valorizando-as como fenômeno social, cultural, histórico, variável, heterogêneo e sensível aos contextos de uso. (EM13LGG202) Analisar interesses, relações de poder e perspectivas de mundo nos discursos das diversas práticas de linguagem (artísticas, corporais e verbais), para compreender o modo como circulam, constituem-se e (re)produzem significação e ideologias. (EM13LGG203) Analisar os diálogos e conflitos entre diversidades e os processos de disputa por legitimidade nas práticas de linguagem e suas produções (artísticas, corporais e verbais), presentes na cultura local e em outras culturas. (EM13LGG204) Negociar sentidos e produzir entendimento mútuo, nas diversas linguagens (artísticas, corporais e verbais), com vistas ao interesse comum pautado em princípios e valores de equidade assentados na democracia e nos Direitos Humanos. (BNCC, 2018, p.492)
Portanto, trazer educação em ensino de artes visuais com a técnica de estampas afro para o centro da intervenção artística possibilita o conhecimento e os significados que remetem à ancestralidade, religião, cenas do cotidiano e estética negra, propor estampas como os adinkras, ideogramas originários do povo Ashanti, localizado atualmente em países como Gana, Burkina Faso e Togo, na África Ocidental.
Os adinkras possuem um profundo significado cultural, sendo utilizados para expressar valores tradicionais, ideias filosóficas, códigos de conduta e normas sociais. Como ideogramas, cumprem uma função semelhante a outros sistemas de escrita simbólica encontrados em diversas culturas, compondo uma linguagem visual ancestral que dialoga com a construção identitária dos povos africanos e da diáspora. Os significados podem ser agrupados em categorias que representam animais, seres humanos, objetos artesanais e elementos da natureza, conferindo-lhes um caráter educativo e reflexivo.
Adinkra é um conjunto de ideogramas estampados principalmente em tecidos e adereços e esculpidos em madeira ou em peças de ferro, como se fossem carimbos. Cada um dos símbolos possui um nome e um significado que pode estar associado a um fato histórico, uma característica de um animal, a um vegetal ou a um comportamento humano. (Carmo, 2016, p. 51)
No contexto da identidade pós-moderna, conforme analisado por Hall (2011), as identidades são fluidas e construídas a partir de múltiplas referências, sendo constantemente negociadas e ressignificadas. Dessa forma, ao integrar os adinkras e as estampas afro em uma proposta artística em sala de aula, os estudantes são incentivados a refletir sobre sua própria identidade e pertencimento cultural, rompendo com modelos hegemônicos e resgatando narrativas que foram marginalizadas pelo discurso colonial, como aponta Vidal e Arruda (2020, p. 4): [...] valorizar e catalisar a potência da cultura africana em diáspora pelo mundo, sobretudo no que tange às contribuições da África para a constituição da identidade e da cultura do povo brasileiro”.
A intervenção artística proposta envolve um processo de criação coletiva, no qual os estudantes exploram os adinkras como matriz para a construção de estampas afro. Esse exercício, não apenas estimula a experimentação estética e técnica, mas também promove discussões sobre o significado dos adinkras e sua relação com temas como ancestralidade, identidade e representatividade negra. Ao produzir e estampar seus próprios tecidos ou suportes gráficos, os alunos materializam um processo de reconstrução identitária, apropriando-se de referências visuais que dialogam com a história e a cultura afro-brasileira. Dessa maneira, a articulação entre identidade negra, identidade pós-moderna e intervenção artística com estampas afro evidencia a potência da arte como ferramenta pedagógica e política.
Considerações finais
Com o propósito de encontrar novas propostas pedagógicas em Artes Visuais, a pesquisa desenvolvida neste artigo busca analisar as contribuições de Kabengele Munanga (2009, 2013, 2019) e Stuart Hall (2011) para a compreensão da identidade negra e da identidade cultural no contexto da globalização e da pós-modernidade, considerando as possibilidades pedagógicas no ensino de Artes Visuais sobre o tema Identidade negra e Identidade cultural, usando as Estampas afro para uma educação antirracista.
Apesar das valiosas contribuições de Hall (2011) e Munanga (2009, 2013, 2019), para a compreensão das identidades no contexto pós-colonial, suas análises deixam uma lacuna importante ao não contemplarem de forma direta as experiências vividas pelos estudantes no espaço educacional. As identidades, historicamente silenciadas e apagadas, são constantemente reelaboradas no cotidiano da escola por meio de práticas de resistência, das memórias familiares e dos vínculos comunitários que atravessam o sujeito. Ao não se deterem nesse campo, ambos os autores acabam por abrir caminho para novas investigações que articulem teoria e prática, reconhecendo a escola como território fundamental para a desconstrução de narrativas eurocêntricas e para a afirmação das identidades negras e indígenas no horizonte de uma educação antirracista.
Ao articular as abordagens de Munanga (2009, 2013, 2019) e Hall (2011) com Vidal e Arruda (2020) e Coelho (2023), é possível reconhecer a reflexão sobre as identidades culturais e como a intervenção artística com estampas afro contribui como ferramenta pedagógica em um ensino anti racista. Assim, os autores oferecem caminhos para resistir às desigualdades e construir sociedades mais justas e, em que o reconhecimento das diferenças se torne um valor essencial e não uma barreira. Discutir identidade negra e identidade cultural é, portanto, um exercício de enfrentamento ao racismo e à marginalização, mas também de valorização da diversidade e da pluralidade cultural.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.
BRASIL. Senado Federal. Senado aprimora Lei de Cotas, e texto já está em vigor. Sítio eletrônico. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/01/10/senado-aprimora-lei-de-cotas-e-texto-ja-esta-em-vigor. Acesso em 10 dez. 2024.
CARMO, Eliane Fátima Boa Morte do. História da África nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental: os Adinkra. 2016. Dissertação (Mestrado Profissional em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígena)– Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Cachoeira, 2016.
HALL,Studart . A identidade cultural na pós-modernidade, 11ª ed. Rio de Janeiro: Lamparina editora, 2011.
MOREIRA, Adilson. Racismo recreativo, 1ª ed. São Paulo: Pólen Livros, 2019. 232 p. (Feminismos Plurais / coordenação de Djamila Ribeiro).
MUNANGA, K. Diversidade, etnicidade, identidade e cidadania. Movimento-revista de educação, São Paulo, n. 12, dez. 2013. Disponível em: https://periodicos.uff.br/revistamovimento/article/view/32511. Acesso em 10 dez. 2024.
MUNANGA, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. 3 ed. São Paulo: Autêntica Editora, 2009.
MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: Identidade nacional versus identidade negra. 5. ed. São Paulo: Autêntica Editora, 2019.
VIDAL, Julia, COELHO Dyego de Oliveira. Influências dos tecidos e das
estamparias africanas na identidade e na cultura afro-brasileiras. Dobras, São Paulo, n. 30, p. 91-114, set.-dez. 2020. Disponível em: https://dobras.emnuvens.com.br/dobras/article/view/1236/646. Acesso em 10 dez. 2024.
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[1]Mestranda Profissional em Artes (PROFARTES) pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Orcid: https://orcid.org/0009-0002-2898-9511. E-mail: ismeniaartes@gmail.com
[2]Doutor em Artes pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), 2013. Professor do Mestrado Profissional em Artes (PROFARTES) da Universidade Federal do Ceará (UFC). Orcid: https://orcid.org/0000-0003-1537-4155. Email: max@ifce.edu.br