Branquitude na docência em arte: decolonialidade e antirracismo

Whiteness in art teaching: decoloniality and anti-racism

 

Lobna Essabaa[1]

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil

Luciana Gruppelli Loponte[2]

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil

 

Resumo

Este artigo defende a necessidade da discussão sobre branquitude para a formação docente em Arte a partir de uma perspectiva decolonial, premissa que parte dos desdobramentos de uma investigação e de experiências com estudantes de estágio de Licenciatura em Artes Visuais. Para tal defesa, a branquitude é considerada de forma múltipla a partir de Cardoso (2010) e analisada enquanto obediência colonial na docência em Artes Visuais, a partir dos pactos narcísicos da branquitude (Bento, 2022) e do discurso essencialista de lugar de fala (Ribeiro, 2017), que, repetidas vezes, sustentam o silêncio branco de professores e professoras. Junto a discussões de Quijano (2005) e Walsh (2008; 2009), são estabelecidas relações entre docência e decolonialidade, a fim de construir-se um olhar que desconfia da pálida história das artes visuais no Brasil (Santos, 2019). Apresentam-se práticas docentes e artísticas que impulsionam o debate sobre letramento racial, autodeclaração étnico-racial e branquitude. Junto a bell hooks (2020; 2021), e deslocando-se a branquitude como dimensão de análise para a pesquisa em educação, traçam-se caminhos para encarar o conflito racial na docência em Artes Visuais. Na contramão das demandas que reforçam a ideia de superioridade racial, afirma-se que a formação docente inicial é um espaço para exercício da desobediência ao padrão de poder hegemônico e colonial, abrindo caminhos para, assim, nomear a branquitude na docência e inventarem-se modos outros de ser docente.

Palavras-chave: Branquitude; Docência; Ensino de Artes Visuais; Formação docente; Decolonialidade.

 

Abstract

This article defends the need to discuss whiteness in art teacher training from a decolonial perspective, a premise that stems from the unfolding of research and experiences with students on a required internship in Visual Arts. For this defense, whiteness is considered in multiple ways based on Cardoso (2010) and analyzed as colonial obedience in Visual Arts teaching, based on the narcissistic pacts of whiteness (Bento, 2022) and the essentialist discourse of place of speech (Ribeiro, 2017), which repeatedly sustain the white silence of teachers. Along with discussions by Quijano (2005) and Walsh (2008; 2009), connections are established between teaching and decoloniality, in order to build a gaze that distrusts the pale history of the visual arts in Brazil (Santos, 2019). Teaching and artistic practices that drive the debate on racial literacy, ethnic-racial self-declaration and whiteness are presented and discussed. Together with bell hooks (2020; 2021), and shifting whiteness as a dimension of analysis for education research, paths are traced to address racial conflict in Visual Arts teaching. Contrary to the demands that reinforce the idea of racial superiority, it is stated that initial teacher training is a space for the exercise of disobedience to the hegemonic and colonial pattern of power, thus opening paths to name whiteness in teaching and invent other ways of being a teacher.

Keywords: WhitenessTeaching; Art Education; Teacher training; Decoloniality.

 

Introdução

Este artigo defende a necessidade da discussão sobre branquitude para uma formação docente decolonial em Artes Visuais. Tal premissa parte dos desdobramentos de uma investigação e de experiências com estudantes de estágio do curso de Licenciatura em Artes Visuais, o que, contudo, não impede a ampliação da pauta para outras áreas do conhecimento. Para a defesa que aqui propomos, a branquitude é, a partir de Cardoso (2010) e Nascimento (2019), considerada e analisada enquanto obediência colonial na docência em Artes Visuais, a partir das discussões dos pesquisadores Catherine Walsh (2008) e Aníbal Quijano (2005) do grupo Modernidade/colonialidade. Analisamos os pactos narcísicos da branquitude (Bento, 2022) e o discurso essencialista de lugar de fala (Ribeiro, 2017), que, repetidas vezes, sustentam o silêncio branco de professores. Atravessadas por um olhar que desconfia da pálida história das Artes Visuais no Brasil (Santos, 2019) e por diálogos com o pensamento de bell hooks (2020; 2021), também apresentamos práticas docentes e artísticas que impulsionam o debate sobre letramento racial, autodeclaração étnico-racial e branquitude.

Durante a investigação que originou este artigo, cujo objetivo geral era analisar práticas educativas em Artes Visuais e suas relações de obediência e desobediência a colonialidade, que permanece amarrada nos modos de ensinar e aprender arte, as questões voltadas à branquitude destacaram-se, de modo a desviar e desorientar a pesquisa. Assim, neste artigo, apuramos o olhar para um ensino de Artes Visuais que compactua com demandas da branquitude e da colonialidade, reforçando a ideia de superioridade racial que permanece inflando a prática docente. Em um movimento esperançoso, na contramão das demandas da branquitude, afirmamos a formação docente inicial como um espaço para exercitar a desobediência ao padrão de poder hegemônico colonial, abrindo caminhos para, desse modo, inventarmos modos outros de ser docente.

 

 

 

 

Imagem 1 - Fronteiras suspensas, Lobna Essabaa, 2023

Fonte: Arquivo pessoal.  

 

Este artigo também é resultado de um olhar atento interno, em um movimento de dentro para fora, para nossa prática docente individual. Nesse sentido, a prática artística realizada no decorrer da investigação insere-se no modo como operamos com a pesquisa e com a docência, como registrado em alguns exercícios poéticos de escrita:  

 

Muito pensei sobre suspender. Suspender nada mais significa que prender(se) no alto, acima. Em argila, modelei com placas três representações de territórios: o mapa do Brasil, da América Latina e da África. Não tinha intenção de reproduzir em barro desenhos de mapas fidedignos, até porque nenhum é. Mapas tratam de representar, delimitar, “fronteirar”. O exercício de suspender fronteiras se faz necessário quando estamos presos, ensimesmados, enclausurados de uma forma em que o deslocamento se faz quase impraticável. Deslocar-se é antes de tudo aproximar-se. Olhei muito para as peças-mapas, as reações a elas, no ateliê onde eu as produzi, sempre confirmavam minha intenção, de que juntas, meio tortas e avessas, não dava pra diferenciar muito que território era qual. Criamos uma espécie de móbile, onde elas se encontram penduradas e o exercício da observação pode ser realizado de forma contorcida. A cerâmica produz pequenos sons quando os territórios se chocam. Estes, presos por um fio. Nunca me interessou idealizar um mundo sem fronteiras. Fronteiras são imposições geográficas, por vezes humanas, por vezes naturais. Fronteiras demonstram poderes, demonstram guerras, mas também conquistas. Fronteiras se fazem prisões quando limitam. Fazem autonomia quando criam limites (Lobna Essabaa, 2024).

 

Esse exercício poético foi realizado quando, durante a investigação sobre a relação entre obediência e decolonialidade, as discussões sobre branquitude fizeram-se urgentes. Demarcar, fronteirar e nomear a branquitude passou a ser fundamental para a discussão sobre desobediência docente (Moura, 2018), de modo que pensar sobre nossa identidade branca e sobre os conflitos presentes nessa percepção passou a ser uma dimensão de análise fundamental para nossas pesquisas.

 

Decolonialidade e docência

O território denominado América Latina “é produto da invenção moderno/colonial europeia, uma construção complexa e desigual, uma arquitetura erigida com carne, sangue e alma índias e negras” (Moura, 2018, p. 45). A própria invenção da América Latina (O’Gorman, 1992) se dá a partir da classificação do outro – no caso, os povos originários que aqui habitavam – como descivilizado. Estabelece-se, então, uma lente cujo olhar opera com a diferença, vendo o outro como algo “menor” e, assim, constituindo um olhar eurocêntrico que classifica e subalterniza. Moura (2018), por exemplo, comenta os relatos dos exploradores em suas navegações para o Brasil, em especial os de Hans Staden, que “alimentará o imaginário europeu e contribuirá para a invenção de povos bárbaros e descivilizados” (Moura, 2018, p. 44). Esses estereótipos violentos circulavam na Europa por meio de relatos e ilustrações de exploradores e eram (muitas vezes, são até hoje) reproduzidos em aulas de Arte, sem uma análise crítica mais contundente. 

A colonização, no contexto da América Latina e de suas especificidades, é duramente marcada por violência. Com a invasão da América, a referência do conhecimento são os cristãos jesuítas catequizadores. No entanto, os ditos “bons costumes” levados à América Latina pelos colonizadores, a partir da cristianização, eram outras palavras para abuso, violência e exploração. A colonização visava a extinguir os costumes tradicionais já existentes na América, e o saber e a forma de constituí-lo preexistentes à colonização passam a ser tratados como pecado, selvageria e crime. Bons costumes e valores “nada mais são do que a submissão arbitrária às ordens e vontades dos espanhóis, o esforço interminável e duro de servir aos brancos, a violação das mulheres e a obrigação de produzir riquezas” (Botelho, 2013, p. 6). Nesse contexto, portanto, o ensino e a imagem daquele que ensina representam, na verdade, outra forma de escravização: trata-se de uma imagem da lógica dominador/dominado, que concretiza o apagamento massacrante das formas de ensinar e dos mestres que neste território já existiam. Quando falamos das heranças coloniais que o Brasil carrega, esse é o peso. 

A colonialidade do poder é apresentada por Quijano (2005) como fruto de um padrão mundial de poder, que se desenvolveu pelos processos de colonização da Europa na América, a partir da instituição da ideia de “raça” como ferramenta de dominação colonial, assim instituindo uma racionalidade única, que é eurocêntrica. Para Quijano (2005, p. 1), “a classificação social da população mundial de acordo com a ideia de raça” representa uma “experiência básica da dominação colonial e que desde então permeia as dimensões mais importantes do poder mundial”. Esses processos, segundo o autor, são visíveis a partir da globalização, que representa dominação e hegemonia de poder em curso. Dessa forma, a modernidade e o capitalismo estendem violências coloniais.

De acordo com Quijano (2005), o eurocentrismo é uma perspectiva de conhecimento que se consolidou na Europa Ocidental antes de meados do século XVII, vindo a tornar-se hegemônica na Europa Burguesa. Importa salientar que essa perspectiva refere-se a uma racionalidade específica estabelecida a partir da colonização, “que se torna mundialmente hegemônica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais” (Quijano, 2005, p. 11). Nesse sentido, ainda conforme o autor, a colonialidade do poder é a elaboração intelectual do processo de modernidade, entendendo-se a modernidade como conflito de interesses sociais, que “produziu uma perspectiva de conhecimento e um modo de produzir conhecimento que demonstram o caráter do padrão mundial de poder: colonial/moderno, capitalista e eurocentrado” (Quijano, 2005, p. 126). 

Por sua vez, Walsh (2008, p. 137) destaca a existência de um “marco científico-acadêmico-intelectual” estabelecido pela colonialidade, que pode ser observado em políticas educativas, nos currículos escolares e nas práticas educativas. Trata-se de um marco que institui o conhecimento e a ciência europeias como verdades absolutas. Para Walsh (2008), o padrão mundial de poder estabelece as categorias binárias como “oriente-ocidente, primitivo-civilizado, irracional-racional, mágico/mítico-científico e tradicional-moderno” (Walsh, 2008, p. 3), sendo tais categorias utilizadas como justificativas para as lógicas de inferioridade e desumanização. Portanto, estamos falando sobre a colonialidade do ser e, a partir da hegemonia de conhecimento eurocêntrica, sobre a colonialidade do saber. Já uma perspectiva pedagógica decolonial concernente à educação trata de atentar-se às mais diversas formas em que esse poder está instituído no modo como ensinamos e fomos ensinados. Nesse sentido, a educação encontra-se capturada para atender a demandas coloniais, incluindo-se aí, obviamente, o ensino de Artes Visuais. Uma pedagogia decolonial propõe a desobediência a normas que colonizam, submetendo os sujeitos a um determinado padrão de aprendizagem, de compreensão, de pensamento e de construção de conhecimento.

Assim, considerar a herança colonial que o Brasil carrega significa pensar nos modos de ser e viver hoje: nos papéis atribuídos aos gêneros, na sexualidade, no conceito de família e, principalmente, na construção e na validação do conhecimento a partir da educação. Partimos da necessidade de repensar a forma como ensinamos, uma vez que “os conhecimentos legitimados nas salas de aula relacionam-se quase sempre a valores civilizatórios eurocêntricos, havendo praticamente nenhuma referência às cosmologias que revelem outras formas de produzir conhecimento e se relacionar com ele” (Suzuki, 2019, p. 3138). O currículo escolar e universitário está pautado em valores coloniais, que apagam histórias e criam histórias-verdades únicas e violentas.

Quanto à pesquisa em educação, é perceptível, nesse campo, um significativo uso das mais variadas nomenclaturas: decolonial, descolonial, anticolonial, descolonização, decolonialismo, contracolonial, entre outros, por muitos pesquisadores e pesquisadoras brancas. Com bell hooks (2021), atentamos às diferenças significativas de tratamento, legitimidade e espaço entre pessoas brancas e pessoas negras que falam sobre raça, pois, como afirma a autora (hooks, 2021, p. 67), “passou a ser moda, e por vezes lucrativo, pessoas brancas em ambientes acadêmicos pensando e escrevendo sobre raça”. Devemos observar que pessoas negras que falam muito sobre racismo são frequentemente banalizadas, tratadas como neuróticas, descritas como pessoas que estão “apelando para a cartada da raça” (hooks, 2021, p. 67). De outro lado, pessoas brancas que falam sobre raça “são em geral representadas como patronos, como seres civilizados superiores” (hooks, 2021, p. 68). 

Cardoso (2010) comenta que, na sociedade brasileira, intelectuais brancos reconhecidos por tratarem da questão racial, como Florestan Fernandes e Octávio Ianni, não refletiram sobre o denomina como “conflito de zona fronteiriça”, inspirado no conceito cultura de fronteira, de Boaventura de Sousa Santos (2002a, p. 132-137, apud Cardoso, 2010, p. 624).  Essa ideia refere-se ao conflito do “branco antirracista, que se encontra no grupo opressor ao mesmo tempo que se coloca contra a opressão” (Cardoso, 2010, p. 624). Por vezes, no meio acadêmico, entre pessoas brancas, observamos que eventos e trabalhos tematizam mais comumente a colonialidade e a colonização do que o racismo propriamente dito. Isso se deve, talvez, à sensação de que a colonização seja muito distante e não diga respeito ao branco de hoje, de forma geral, ou ao medo de entender-se parte do que constitui a estrutura da branquitude, devido, justamente, ao fato de esse ser um “conflito de zona fronteiriça”. O exercício a ser feito aqui, portanto, não é reproduzir hierarquias acadêmicas brancas que estereotipam e violentam, mas elaborar caminhos junto ao pensamento antirracista e decolonial, a fim de nos aliarmos à luta.

Dessa forma, consideramos a necessidade de estarmos vigilantes a nossos modos de ensinar e aprender, já que estão contaminados por essa herança colonial. Enquanto docentes, facilmente caímos nas armadilhas da obediência colonial, pois, mesmo com a diversidade de referências para ampliação do repertório de prática docente que nos é apresentada por novas publicações e debates em torno do letramento racial, as ferramentas são pouco estimuladas. Para a docência, um caminho em direção ao exercício da decolonialidade é reconhecer que a hierarquia presente em sala de aula é pautada por uma relação de dominação e que “é impossível que a educação aconteça em um contexto em que as relações sociais são estruturadas por um modelo de disciplina e castigo” (hooks, 2020, p. 175).

O campo da educação e do ensino de Artes Visuais é potente para uma prática desobediente e decolonial. Para Walsh (2009, p. 5), a educação é uma “instituição política, social, cultural, um espaço de construção e representação de valores, atitudes e identidades e do poder histórico-hegemônico do estado”. É a partir desse entendimento que fixamos nossos motivos para lutar nesse campo e a partir dele. O pensamento decolonial diz respeito não a negar um passado e construir algo inédito, mas, justamente, a pensar em mudanças a partir do reconhecimento e da afirmação desse passado, com um olhar histórico e crítico à colonialidade.

 

Nomear a branquitude e atentar ao silêncio: escuta não reagente

As estratégias violentas de diferenciação adotadas pelos colonizadores europeus, que demarcaram o homem branco enquanto universal e que dão origem a uma parte da discussão étnico-racial contemporânea, devem servir como pano de fundo, quando não estar à frente, ao tratarmos da perspectiva decolonial. Isto é, devemos atentar ao fato de que foi no “bojo do processo de colonização que se constituiu a branquitude” (Bento, 2022, p. 22).

Para pensarmos em uma formação docente decolonial, é necessário que nomeemos a branquitude antes, ou que isso ocorra paralelamente a essa formação. Nomear quer dizer romper com lógicas universalizantes que sustentam a branquitude, isto é, “a não-marcação é o que garante as posições privilegiadas (normativas) seu princípio de não questionamento, isto é: seu conforto ontológico, sua habilidade de perceber a si como norma, e ao mundo como espelho” (Mombaça, 2021, p. 75). Luciana Alves (2010), ao realizar um levantamento acerca da genealogia dos estudos sobre a branquitude, percebe que, apesar de não haver consenso quanto a quem cunhou o termo “branquitude”, é possível apontarem-se autores brancos do início dos anos 1990 e intelectuais negros do início do século XX, sendo esses últimos, com os estudos sobre supremacia branca, os responsáveis pelos primórdios dos questionamentos sobre branquitude. A autora afirma que a branquitude é considerada um produto da dominação colonial europeia (Alves, 2010).

A branquitude não diz respeito só a características físicas, ao fenótipo – brancura, branquidade – ou ao pertencimento racial. Cardoso (2010, p. 607) afirma que pensar, investigar e analisar a identidade branca significa “problematizar aquele que numa relação opressor/oprimido exerce o papel de opressor, ou por outras palavras, o lugar do branco numa situação de desigualdade racial”. Para Schucman (2012), definir quem são os sujeitos que ocupam a branquitude é o nó dos estudos contemporâneos sobre a identidade racial branca, pois “as categorias sociológicas de etnia, cor, cultura e raça se entrecruzam, se colam e descolam uma das outras, dependendo do país, região, história, interesses políticas e época que estamos investigando” (Schucman, 2012, p. 22). Podemos, então, afirmar que a branquitude é múltipla.

Portanto, a branquitude representa “um lugar de privilégios simbólicos, subjetivos, objetivo, isto é, materiais palpáveis que colaboram para construção social e reprodução do preconceito racial, discriminação racial “injusta” e racismo” (Cardoso, 2010, p. 611). Ainda de acordo com Cardoso (2010), há necessidade de pensarmos a branquitude a partir de duas categorias: a branquitude crítica e a branquitude acrítica. O autor enfatiza, em seu trabalho, a importância de refletirmos sobre o crescente pensamento branco supremacista, o que, no Brasil, experimentamos nos anos de 2019 a 2022 com força, especialmente com a ascensão desse modo de pensar ao governo federal da época. A branquitude acrítica, assim, caracteriza-se pelo enaltecimento da ficção de “pureza racial”, que defende a superioridade racial (Cardoso, 2010), e, do outro lado, a branquitude crítica desaprova o racismo publicamente e não enaltece a pertença racial.

A branquitude crítica segue mais um passo em direção à reconstrução de sua identidade racial com vistas à abolição do seu traço racista, mesmo de forma involuntário e enquanto grupo. A primeira tarefa, talvez, seja uma dedicação individual cotidiana e, depois, a insistência na crítica e na autocrítica quanto aos privilégios do próprio grupo (Cardoso, 2010, p. 624). Ainda que Cardoso aponte a necessidade de olhar-se para a branquitude acrítica e para sua eminente emergência, refletimos, aqui, a partir da branquitude crítica e de seus desdobramentos.

Há um silêncio particularmente branco, que pode se manifestar de diversas formas. Para hooks, o silêncio e o medo branco são, justamente, “indicativos da carga significativa que raça e racismo têm em nossa sociedade’’ (hooks, 2021, p. 69). Desse modo, classificamos como “escuta não reagente” uma forte característica do comportamento da branquitude. Bento (2022) refere-se ao silêncio e à omissão como características dos pactos narcísicos da branquitude, afirmando (2022, p. 14) que o pacto da branquitude recebe o adjetivo “narcísico” por apresentar uma ideia de autopreservação, que trata o universal como branco e o diferente como ameaça, ou seja, o mundo como espelho. Assim, “esse sentimento de ameaça e medo está na essência do preconceito, da representação que é feita do outro e da forma como reagimos a ele” (Bento, 2022, p. 14). O silêncio, portanto, torna-se uma característica significativa da branquitude e, particularmente, dos pactos narcísicos da branquitude, por ser uma forte ferramenta de manutenção dessa autopreservação conveniente. Bento (2022, p. 14) acrescenta: “Tal fenômeno evidencia a urgência de incidir na relação de dominação de raça e gênero que ocorre nas organizações, cercada de silêncio”. 

A “escuta não reagente”, conforme estamos nomeando aqui, seria caracterizada por comportamentos e atitudes (ou por sua ausência) de pessoas brancas que, mesmo por vezes comprometidas com uma mudança interna antirracista inicial, ou seja, a partir de uma “dedicação individual cotidiana e, depois, a insistência na crítica e autocrítica quanto aos privilégios do próprio grupo” (Cardoso, 2010, p. 624), tendem a silenciar-se diante de episódios racistas. A “escuta não reagente” é o comportamento de pessoas brancas que, apesar de dispostas a repensarem práticas racistas, pouco agem. Enquanto pessoas brancas, quantas vezes não nos silenciamos diante de situações, facilmente retornando a nosso conforto branco? Considerando a vivência docente, “diante de tantos anos reproduzindo no plano educacional a lógica colonialista” (Suzuki, 2019, p. 3138), como romper com hábitos empedrados, sustentados pela manutenção constante da branquitude, por meio da lógica colonial de dominação? Enquanto professores e professoras brancos, o quanto não nos confortamos na reprodução de aulas-espelhos? Pensar a formação docente com lentes decoloniais é exercitar a nomeação da branquitude.

 

A docência antirracista e a branquitude enquanto lugar de fala

Uma formação docente que se pretende construir a partir de uma perspectiva decolonial deve refundar lógicas de dominação que se perpetuam no ambiente escolar, universitário e educativo de forma geral. Quando deparamos com a diversidade de formas de ser professor e de ser professora, para os que se consideram progressistas, há uma tendência de evitar ao máximo a reprodução de comportamentos daqueles que nos fizeram algum mal ou que, de alguma forma, foram para nós uma referência negativa. Essa questão foi observada em relatos de estudantes em fase final do curso de Licenciatura em Artes Visuais, já atuando em escolas como estagiários em escolas públicas de Ensino Médio, em 2023. 

Na busca de evitarmos reproduzir experiências negativas, surge a vontade de inventarmos outros modos de ser docente. Uma referência negativa apontada, de diversas formas, por estudantes-estagiários foram relatos de docentes que abusavam de sua autoridade em sala de aula e que dirigiam frases muito agressivas às crianças das escolas públicas, tais como “Vocês não prestam!”; “Vou ter que chamar o conselho tutelar para dar um jeito em vocês!”; “Um dia ainda vou ver vocês presos!”. Diante disso, devemos ter em mente que “abusar da autoridade”, considerando as heranças coloniais, é reproduzir uma lógica de dominação, e, para além disso, a autoridade de docentes brancos passa a ser a manutenção dos pactos da branquitude. Uma vez em que a lógica da disciplina é operada pelo castigo e pela punição nas salas de aula, hooks (2020, p. 175) diz que, nesses contextos, pode até haver deferência por parte dos alunos, mas essa atitude, “o cerne”, não seria movida pelo respeito, mas pela subordinação.

hooks (2020, p. 179) convida-nos a pensar que a autoridade dos professores em sala de aula não precisa reproduzir lógicas coloniais: “não somos todos iguais na sala de aula. Professores têm mais poder que estudantes. E, na cultura do dominador, é fácil para os professores usarem mal esse poder”. Esse é um convite para refundar a ideia de hierarquia. A questão não é a autoridade em si, mas o uso dela, uma vez que há uma responsabilidade necessária do docente que, em sala de aula, pode significar, por vezes, a sugestão de mudanças, a proposição de caminhos e o estabelecimento de limites. Dessa forma, opera-se uma lógica de medo em sala de aula, em que docentes em formação inicial ficam receosos de se fazerem ouvidos ou de darem qualquer tipo de limite. Por outro lado, muitas vezes, parecem ter dificuldade em ver ou inventar caminhos diferentes dos já conhecidos.

A autoridade é utilizada como ferramenta por professores e professoras, com efeitos a partir daquele ou daquela que a utiliza. Para os pactos da branquitude, a autoridade tornou-se um lugar cômodo e muitas vezes indiscutível. Mesmo para a branquitude crítica, a autoridade pode ser utilizada como ferramenta para alguém esquivar-se ou preservar-se diante de momentos desconfortáveis. Questões e pautas que envolvem grupos minoritários ainda são escanteadas a partir da frase “não é meu lugar de fala”, ainda que falemos de pessoas brancas bem-intencionadas, que denunciam racismo. Para Djamila Ribeiro, “o falar não se restringe ao ato de emitir palavras, mas de poder existir. Pensamos lugar de fala como refutar a historiografia tradicional e a hierarquização de saberes consequente da hierarquia social” (Ribeiro, 2017, p. 37). Resumir a questão, tomando-a a partir da “visão essencialista de que somente o negro pode falar sobre racismo, por exemplo”, é conveniente para a branquitude, que pode usar esse argumento para ausentar-se da discussão. De forma semelhante, é possível pensarmos no recorte de gênero, segundo o qual a autoridade está permeada pela construção da masculinidade, por professores que, homens cisgênero, forma criados dessa forma e podem, assim, lançar mão dessa “carta na manga” quando bem entenderem. Cabe citar o caso de um estudante, homem cisgênero branco, que, ao relatar frustração em relação à falta de atenção, participação e bagunça de uma turma de Ensino Médio, expôs essa “carta” da autoridade masculina. Enquanto a dificuldade de acessar essas referências de outros modos de docência pode ser uma possibilidade real, há também, por outro lado, uma conveniência e o conforto da utilização de uma ferramenta que compactua com a dominação em sala de aula.

As reações de autodefesa da branquitude podem, muitas vezes, revelar fragilidades da branquitude crítica (Cardoso, 2012). Uma reação de autodefesa comum entre pessoas brancas bem-intencionadas (isto é, pessoas brancas, independentemente de seu letramento racial, reconhecem as violências e tentam agir na contramão delas) é a ideia equivocada e essencialista sobre o lugar de fala. No texto “A branquitude é um lugar de fala sobre o racismo”, Tatiana Nascimento (2019) narra constantes pedidos de desculpas feitos por pessoas brancas, que pedem “desculpas por serem brancas” ou dizem não conseguirem “se situar”, pois não estão “em seu lugar de fala”. Nesse sentido, a autora indaga: “mas por que não buscam um lugar de onde falar sobre sua branquitude (que é muitas vezes seu racismo), ao invés de se desculpar por querer ocupar nossas experiências sem poder?” (Nascimento, 2019, s. p.). Trata-se, portanto, de assumir a branquitude enquanto um lugar de fala, e não um lugar em que a reflexão representa uma aspiração esvaziada de ser um branco antirracista. Dessa forma, Nascimento argumenta que “abraçar” a causa antirracista não é suficiente para fazer de uma pessoa branca menos racista. Não se trata, pois, de silenciar-se em sua branquitude para que uma “mágica antirracista” se efetive, muito menos se trata de deixar de ser alguém para torna-se outro/a. Para a autora, trata-se de “uma nova manifestação da culpa branca”, quando pessoas brancas utilizam-se da ideia de lugar de fala através de uma “equação”: “o lugar de fala dela / das pessoas negras é meu lugar de cala” (Nascimento, 2019). É aí que o silêncio representa uma inação, uma incoerência em relação a uma escuta ativa e reagente.

Para a docência em Arte, partindo da ideia de que “O lugar social não determina uma consciência discursiva sobre esse lugar” (Ribeiro, 2017, p. 40), afirmamos que tratar e ensinar um tema a partir da ideia equivocada de lugar de fala é compactuar com o racismo. Assim, quando docentes brancos assumem o lugar de fala da branquitude, de que modo podemos trabalhar com questões étnico-raciais de forma não estereotipada, engajada, com propósito antirracista?

 

Autodeclaração e letramento racial para uma docência branca

É necessário percebermos a formação docente inicial como um lugar de extrema importância e potência com que os iniciantes na docência podem entrar em contato a fim de desenvolverem e exercitarem práticas antirracistas em sua docência. Para docentes brancos, que aprenderam a normalizar certas atitudes e comportamentos, a formação inicial e continuada é, nesse sentido, fundamental.

Os diferentes formatos como pode acontecer uma aula de Artes Visuais parecem, de alguma forma, também levar implicações à introdução desse assunto e, também, desse componente curricular em sala de aula. O gosto pessoal manifesto em um planejamento de aula não é uma característica específica de professores e professoras de Artes, por óbvio; porém, a vasta gama de possibilidades entre as habilidades e competências apresentadas pela BNCC[i], por exemplo, demonstra a diversidade de temas que podem ser abordados nessa área do conhecimento. É competência específica das Artes no Ensino Fundamental “explorar, conhecer, fruir e analisar criticamente práticas e produções artísticas e culturais do seu entorno social” (Brasil, 2018, p. 194), com ênfase nos povos indígenas, nas comunidades tradicionais brasileiras e de diversas sociedades, enfatizando-se a necessidade do reconhecimento da arte como fenômeno cultural múltiplo, em seus diferentes contextos históricos. Desse modo, ainda que a descrição dessa competência contenha indicações importantes para a necessidade de mais diversidade na apresentação de produções artísticas e culturais, quais serão as escolhas de docentes imersos em seu repertório branco, tão legitimado pelos principais livros e compêndios sobre artes visuais disponíveis?

A diversidade pode incentivar aulas plurais, não engessadas, sem modelos predeterminados. Essa abertura pode fazer com que os professores desenvolvam aulas sobre temas semelhantes de formas muito diferentes, o que, porém, não impede que muitos deles acomodem-se em um modo único de preparar suas aulas (considerando-se a carga excessiva de trabalho, a baixa valorização e o desincentivo à autoatualização). Embora o texto na BNCC aparentemente considere os contextos culturais, históricos e os diferentes saberes em cada componente curricular, incluindo implicações políticas, a forma como determinadas habilidades e competências são ensinadas em sala de aula pode não refletir essa contextualização. Os motivos para aulas “descontextualizadas” (e essa falta implica justamente um contexto) podem ser vários, como os currículos extensos ou as demandas externas ao poder individual de um docente. É o que ocorre, por exemplo, com a matemática: seus conceitos e procedimentos, como álgebra, aritmética, estatística, acabam não englobando os impactos no mundo do trabalho e as formas de compreender o mundo, conforme sugerido pela BNCC (Brasil, 2018, p. 263). Isso revela um sistema educativo que se baseia em valores neoliberais e coloniais, que trata a educação como mercadoria, e não como um processo de aprendizagem implicado com as necessidades dos contextos dos estudantes.

Muitas vezes, as Artes têm diretrizes mais abertas a uma interpretação individual do/a professor/a, o que pode fazer com que se estabeleça uma forma padronizada de dar aula, que é reproduzida de forma inconsciente. Ou, então, pode fazer com que professores/as criem suas aulas a partir de interesses pessoais, distanciados, às vezes, da realidade dos estudantes, mesmo quando a formação docente estimula outros modos de elaboração da prática docente. Se estamos falando de uma grande parte, ou da maioria, de professores de Artes Visuais brancos, esses interesses pessoais poderão tender ao cumprimento de demandas da branquitude.

Não é característica exclusiva da branquitude a reprodução de lógicas supremacistas brancas, uma vez que a colonização e a colonialidade operam de modo que todos estejamos sujeitos a elas. bell hooks (2021, p. 65) afirma que professores são um grupo que reluta em perceber “a extensão da influência do pensamento supremacista branco na construção de cada aspecto de nossa cultura, incluindo a maneira como aprendemos, o conteúdo do que aprendemos e o modo como somos ensinados”. Muito se fala sobre a ausência de estudantes indígenas, negros e negras na universidade, mas, talvez, pouco se nomeie essa maioria branca e suas implicações. A falta de letramento racial de docentes brancos é visível, inclusive daqueles bem-intencionados. Assim, de que forma a docência pode desobedecer aos pactos da branquitude?

A existência dessa “pessoa branca antirracista” é questionável, já que o antirracismo, principalmente para pessoas brancas comprometidas, é um exercício constante, e não deve ser uma identidade a ser alcançada. Portanto, podemos pensar que há uma diferença entre uma branquitude crítica e pessoas brancas que exercitam o antirracismo. Cardoso (2010) alude ao antagonismo presente no cotidiano de pessoas brancas antirracistas, “que vivem o conflito de, por um lado, pertencerem a um grupo opressor e, por outro lado, colocarem-se contra a opressão” (Cardoso, 2010, p. 623). O autor aponta a atitude crítica da branquitude como mais um passo para a reconstrução da identidade racial branca, pois os privilégios de pertencimento a um grupo opressor causam conflito pessoal, que pode ser elaborado por meio de “uma dedicação individual cotidiana e, depois, a insistência na crítica e autocrítica quanto aos privilégios do próprio grupo” (Cardoso, 2010, p. 624).

Em seu Ensinamento 5, “O que acontece quando pessoas brancas se transformam”, hooks (2021) alerta sobre a importância de acreditarmos que pessoas brancas podem tornar-se antirracistas e destaca o quanto isso fortalece a luta contra o racismo e o preconceito. Para ela, acreditar na ideia de que pessoas brancas são irredutíveis à sua branquitude é perigoso e nocivo, pois fortalece e mantém a estrutura supremacista branca vigente (hooks, 2021, p. 107). Acreditar na educação e no ensino de Artes Visuais enquanto uma ferramenta de transformação social é, portanto, acreditar em fissuras nessa lógica.  

De forma a apresentarmos práticas docentes e artísticas que corroboram a defesa até aqui desenvolvida, destacamos uma experiência vivida pelo grupo de pesquisa ArteVersa - Grupo de estudo e pesquisa em arte e docência[ii]. Na exposição OCUPAÇÃO: (re) inventar a escola[iii], com co-curadoria do grupo, criou-se uma sala de aula pública, concebida como uma obra da própria exposição, um espaço ativado por professores/as, educadores/as de diversas áreas do conhecimento, oficineiras, pessoas que tinham algo a dizer em uma sala de aula. Naquele período de ocupação, nós, integrantes do grupo de pesquisa ArteVersa, trabalhamos como mediadores/as e propositores/as. A aula proposta pelo professor e pesquisador Ário Gonçalves, intitulada “EU ME DECLARO: Percepções de si e do outro a partir da autodeclaração étnico-racial”, apresentou caminhos para repensarmos práticas coloniais enraizadas. A proposta era, junto a uma discussão disparada por obras como “Tintas Polvo”, de Adriana Varejão[iv], e “Humanae”, de Angélica Dass[v], que os participantes pensassem sobre sua autodeclaração étnico-racial. O propositor, um professor negro de Artes Visuais, conduziu uma conversa sensível e atenta entre jovens aprendizes e professores brancos e negros. Além da escuta, partilha e conversa, o professor propôs que os participantes reproduzissem as cores de suas peles em tinta guache. Após essa reprodução, apenas com cores primárias, os participantes deveriam pintar uma folha inteira com aquela cor e criar seu autorretrato de olhos fechados.

O exercício da autodeclaração étnico-racial é de extrema importância para a desconstrução da identidade branca da branquitude, pois contribui para deixar de lado o discurso de que “questões étnico-raciais” são responsabilidade apenas de pessoas não brancas. Além disso, o exercício também contribui para a autopercepção a partir da atitude individual perante a autoimagem, que, porém, a partir do individual, representa um todo, um coletivo, uma história que podemos reproduzir ou em que podemos encontrar brechas para reescrevê-la. Esse é um convite para esperançarmos e desobedecermos; para nomearmos conflitos e antagonismos; para reconhecermos erros e estarmos dispostos à transformação.

 

Caminhos para encarar o conflito

Acreditamos que a desconstrução pode e deve acontecer de forma interna e que não nos impede de errar; contudo, é necessário lembrarmos que o antirracismo só acontece na ação, na transformação efetiva. bell hooks (2021), ao abordar as transformações verdadeiras, diz que o comprometimento de pessoas brancas com o antirracismo, especificamente de mulheres brancas, não significa que nunca erraremos, ou que não haverá reprodução de estruturas que reforçam a dominação racial cotidiana, pois, para a autora, “Isso sempre poderá acontecer inconscientemente. O que significa é que, quando errarem, serão capazes de encarar o próprio erro e corrigi-lo” (hooks, 2021, p. 113-114). Ser um professor branco ou uma professora branca que não está disposto/a a racializar seu discurso e seu corpo significa compactuar com uma docência que atende a lógicas violentas, amarradas nos modos como se ensinar hoje. Ser um docente branco que repercute a ideia essencialista de que “este não é meu lugar de fala” para a educação das relações étnico-raciais significa fazer da causa antirracista um símbolo para massagear sua culpa branca.

Pensar na branquitude como ferramenta de análise e apontar as violências existentes para a manutenção desse grupo não deve ser motivo para evitarmos olhar para nós mesmos ou não refletirmos sobre os conflitos de lutar contra uma opressão ao mesmo tempo em que estamos no grupo opressor. Nomear a branquitude na docência em Artes Visuais é um caminho para desviarmos das lógicas coloniais, racistas e patriarcais de dominação; é um exercício para uma educação múltipla, que se recusa a assumir uma história única (Adichie, 2019). É um exercício de olhar para o espelho e nomear o que se vê, e não de olhar para o mundo como se ele fosse reflexo de si. É enfrentar o conflito para exercitar uma docência antirracista.


 

REFERÊNCIAS

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

 

ALVES, Luciana. Significados de ser branco: a brancura no corpo e para além dele. 2010. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

 

BENTO, Cida. Pacto da branquitude. São Paulo: Companhia das Letras, 2022.

 

BOTELHO, Maurilio Lima. Colonialidade e forma da subjetividade moderna: a violência da identificação cultural na América Latina. Rio de Janeiro: Espaço e Cultura, UERJ, 2013.

 

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018.

 

CARDOSO, Lourenço. Branquitude acrítica e crítica: a supremacia racial e o branco anti-racista. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, v. 8, n. 1, p. 607-630, jan. / jun. 2010.

 

ESSABAA, Lobna. Arte, docência e práticas desobedientes em educação: exercícios decoloniais no estágio de licenciatura em Artes Visuais. Dissertação (Mestrado em Educação). Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2024.

 

HOOKS, bell. Ensinando comunidade: uma pedagogia da esperança. São Paulo: Elefante, 2021.

 

HOOKS, bell. Ensinando pensamento crítico: sabedoria prática. São Paulo: Elefante, 2020.

 

MOMBAÇA, Jota. Não vão nos matar agora. Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2021.

 

MOURA, Eduardo Junio Santos. Des/obediência na de/colonialidade da formação docente em arte na América Latina (Brasil/Colômbia). Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2018.

 

NASCIMENTO, Tatiana. A branquitude é um lugar de fala. In: MEDIUM. [S. l.], 21 set. 2019. Disponível em: https://tatiananascivento.medium.com/. Acesso em: 04 dez 2023.

 

O'GORMAN, Edmundo. A invenção da América. São Paulo: Editora Unesp, 1992.

 

PEREIRA, Marcos Villela; LOPONTE, Luciana Gruppelli. Formação da sensibilidade na educação básica: gênese e definição das seis dimensões da experiência estética na Base Nacional Comum Curricular Brasileira. In: SILVA, Fabiany de Cássia Tavares; XAVIER FILHA, Constantina (orgs.). Conhecimentos em disputa na Base Nacional Comum Curricular. Campo Grande: Oeste, 2019.

 

QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, Edgardo (org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais, perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005.

 

RIBEIRO, Djamila. O que é: lugar de fala? Belo Horizonte: Letramento: Justificando, 2017.

 

SANTOS, Renata Aparecida Felinto dos. A pálida História das Artes Visuais no Brasil: onde estamos negras e negros? Revista GEARTE, Porto Alegre, v. 6, n. 2, p. 341-368, maio/ago. 2019.

 

SCHUCMAN, Lia Vainer. Entre o “encardido”, o “branco” e o “branquíssimo”: raça, hierarquia e poder na construção da branquitude paulistana. 2012. Tese (Doutorado em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

 

SUZUKI, Clarissa. Retornar ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro: de-colonialidade no ensino das artes visuais. In: 27º. ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS (ANPAP) – PRÁTICAS E CONFRONTAÇÕES, 2019, São Paulo. Anais [...], São Paulo: UNESP, Instituto de Artes, 2019. p. 3131-3143. Disponível em: http://anpap.org.br/anais/2018/. Acesso em: 12 jul. 2024.

 

WALSH, Catherine. Interculturalidad, pluri nacionalidad y decolonialidad: las insurgencias político-epistémicas de refundar el Estado. Interculturalidad, estado, sociedad: luchas (de)coloniales de nuestra época, n. 9, p. 131-152, 2008.

 

WALSH, Catherine. Interculturalidade crítica y educación intercultural. In: SEMINARIO “INTERCULTURALIDAD Y EDUCACIÓN INTERCULTURAL”. La Paz, Instituto Internacional de Integración del Convenio Andrés Bello, 2009.

 

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Notas



[1] Licenciada em Artes Visuais (UFRGS) e Mestre em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação (UFRGS). Bolsista de Apoio Técnico a Pesquisa (CNPq).  Pesquisadora vinculada ao ARTEVERSA - Grupo de estudo e pesquisa em arte e docência (UFRGS/CNPq). Orcid: https://orcid.org/0009-0003-6125-3167. E-mail: lessabaa@gmail.com

[2] Doutora em Educação, professora titular da Faculdade da Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, líder do ARTEVERSA - Grupo de estudo e pesquisa em arte e docência. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-0552-0529. E-mail: luciana.loponte@ufrgs.br



[i] Base Nacional Comum Curricular, aprovada em dezembro de 2018, após muitas mudanças de perspectiva política. Em relação a especificidade do componente arte no documento, ver Pereira e Loponte (2019).

[ii] Grupo criado em 2015 na Faculdade de Educação da UFRGS, coordenado por Luciana Gruppelli Loponte (UFRGS) e Daniel Bruno Momoli (UFPEL). Para mais detalhes sobre o grupo, ver o site www.ufrgs.br/arteversa

[iii] A exposição da professora e artista Juliana Veloso “OCUPAÇÃO – (re)inventar a escola”, aprovada dentro do Edital Força e Luz Energia Cultural 01/2022, ocorreu de 31 de agosto a 10 de outubro de 2023. Em parceria com o grupo de pesquisa ArteVersa, a exposição comportou “espaço sala de aula” com dispositivos escolares e não escolares para se criar e pensar “o que pode (ser) uma sala de aula?".

[iv] Ver em <http://www.adrianavarejao.net/br/imagens/categoria/10/obras> Acesso em: 11 jun. 2024.

[v] Ver em <https://angelicadass.com/exhibitions/nude-fotografiska/> Acesso em: 11 jun. 2024.