O ensino das artes na cultura contemporânea: enfrentamentos e recriação das práticas docentes para re-existir no currículo em tempos de “reformas”[i]

Teaching the arts in contemporary culture: confronting and recreating teaching practices in order to re-exist in the curriculum in times of “reform”

 

Marcos Antônio Bessa-Oliveira 1

Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS, Brasil

 

Resumo

O ensino de Arte sempre foi reformulado por meio de documentos de órgãos da educação – municipal, estadual ou federal. Recentemente o ensino de Arte enfrenta reformulações que parecem não se valer, na realidade, das práticas docentes nas escolas nas disciplinas de Arte. Desta vez a BNCC (2017) está promovendo reformas como um desmonte da Área de Arte no currículo. Logo, devemos promover enfrentamentos e recriar alternativas que resistam às proposições de documentos “reformadores” que interferem nas práticas docentes sem “tomar conhecimento” da realidade escolar brasileira: onde falta quase tudo e sobram leis que não representam a realidade da Educação, dos Corpos e dos Movimentos das instituições escolares no Brasil. A partir de discussões epistemológicas descoloniais fronteiriças que tratam da prática docente, da formação de professores e do ensino de Arte atuais, pretende-se apontar estratégias de atuação e de consciência epistêmica que resistam às imposições dos sistemas que (de)formam a realidade sociocultural, econômica e educacional brasileiras. Para, com isso, enquanto professores de Arte, evidenciar que é preciso re-existir para continuarmos existindo no currículo da Educação no Brasil.

Palavras-chave: Ensino de artes visuais; Formação de professores; Trabalho docente; Resistência; Re-existência.

 

Abstract

Art teaching has always been reformulated through documents from education bodies – municipal, state or federal. Recently, art teaching has faced reformulations that don’t seem to apply, in reality, to teaching practices in art schools. This time the BNCC (2017) is promoting reforms such as a dismantling of the Art Area in the curriculum. Therefore, we must promote confrontations and recreate alternatives that resist the propositions of “reforming” documents that interfere in teaching practices without “taking cognizance” of the Brazilian school reality: where almost everything is missing, and laws are left over that do not represent the reality of Education, Bodies and Movements of school institutions in Brazil. Based on borderline decolonial epistemological discussions that deal with teaching practice, teacher training and current art teaching, the aim is to point out strategies for action and epistemic awareness that resist the impositions of the systems that (de)form the Brazilian socio-cultural, economic and educational reality. In order to do so, as art teachers, we need to re-exist in order to continue existing in the education curriculum in Brazil.

Keywords: Visual arts teaching; Teacher training; Teaching work; Resistance; Re-existence.


 

Introdução: a que situação chegamos!

Os tempos vão de mal a pior! Muito calor em uns lugares, pouca chuva em outros, e, as flores e árvores que brotavam no outono já não o florescem mais por causa do descontrole das ações “naturais”. Até mesmo a migração de muitas aves está comprometida por falta de controle da Natureza sobre os homens. Verdade seja dita: desde que o homem aprendeu a dominar a Natureza – quando da Pré-história acerca de dois milhões de anos atrás – e que deixou de ser totalmente nômade para passar a ser sedentário porque conseguia plantar, criar para colher e cozinhar o de comer, nós, humanos, descontrolamos até mesmo o tempo da Natureza. Impusemos nosso tempo e modificamos as formas da Natureza. De lá para cá, cada dia numa crescente maior, reforçamos nosso controle sobre a Natureza e de todas as coisas animadas e até as inanimadas que vivem sobre a Terra.

Não diferente, insistindo nesta lógica de controlar, continuamos estabelecendo ao longo da história da humanidade, e da Natureza, normas a fim de controlar o tempo, a natureza e as coisas. Desenvolvemos artifícios que ajudam e até alguns mecanismos que atrapalham no controle desse tempo natural. Máquina e inteligência estão sendo usadas, cada uma na sua desnecessária utilidade de governança, para restringir reações naturais do tempo, da natureza e das coisas do mundo (o humano) sobre as coisas no mundo. Assim também tem ocorrido com as coisas que supostamente deveriam ser consideradas necessárias para o desenvolvimento da autogovernança dos humanos no mundo: o direito e acesso à arte, a cultura e aos conhecimentos dos próprios seres humanos. Logo, também a partir do reconhecimento da escrita como ferramenta de inteligência, o homem passou a governar os direitos, a democracia, a arte, a cultura e o acesso à educação por meio de políticas que parecem que desgovernam esses setores da sociedade.[ii]

Para que não pareça uma relação descabida, saliento que estou argumentando a partir da ideia de que desde que o homem passou a controlar a Natureza, o mundo ficou meio de ponta-cabeça. Ao invés de termos a Natureza ao nosso favor, por exemplo, passamos a viver sob as suas investidas catastróficas sobre aqueles que pensam controlá-la. E não o é diferente acerca da arte, da cultura e dos conhecimentos que se não se revestiram de ódio e não investem contra nós, são controlados, cada dia mais, por poderes políticos e econômicos que insistem em instalar danos catastróficos que nos trazem a certeza de que estamos vivendo em tempos que vão de mal à pior igualmente na arte, na cultura e na educação por meio da supressão das diferenças de artes, culturas e conhecimentos socioculturais. Logo, a maré que nunca esteve para qualquer peixe, agora também não está para um trabalho docente decente que se articula em prol da formação social e crítica do indivíduo contemporâneo. Mas é preciso resistir aos enfrentamentos contrários, recriando estratégias práticas docentes para resistir e re-existir no currículo de Arte, por exemplo, mas não somente nesse, que tem em implementação, pelas culturas dominantes, políticas que reforçam a lógica do crescer para trabalhar, para ter e assim consumir e sobrevier em uma sociedade branca, masculina e elitista consumista.

 

Deste último emerge – o que não é acidental – o desenvolvimento de questões relacionadas à colonialidade do ser, às definições de interculturalidade, à importância da memória e à restituição de genealogias “outras”, à implementação de conhecimentos que respondem a diversas racionalidades, etc. etc. Ambos os aspectos tiveram um impacto nas transformações políticas dos estados latino-americanos nos quais houve mudanças legais e institucionais significativas para construir sociedades mais solidárias, mas não atingem aqueles mais arraigados a bens fortemente ocidentalizados ou em processo de des-ocidentalização[iii] (Palermo, 2014, p. 64, tradução livre minha).

 

Se a colonialidade do ser é, como fora apresentado na passagem, um resultado do aparato Modernidade/Colonialidade/Descolonialidade (Palermo, 2014) que envolve às culturas marginalizadas pelo sistema moderno de controle – aos indígenas e afro-brasileiros no caso do Brasil – e igualmente sustenta uma lógica única de tratamento das diferenças, não diferentemente é possível dizer que a colonialidade hoje imposta por políticas de educação, por exemplo, uma colonialidade do saber está nos colocando em subserviência de um sistema de restrições impostas por meio de “reformas” que o tempo já cansou de mostrar que não deram/dão certo. A começar pela BNCC, Base Nacional Comum Curricular (2017), implementada na Educação Básica brasileira “recentemente”, mas que atinge também aos cursos universitários de diferentes Áreas de Conhecimentos. Mas, mais prioritariamente ainda, essa Base parece estar contra as Humanidades que devem/deveriam conscientizar o social e a criticidade dos indivíduos em prol de, cada vez mais, formar esses indivíduos para o mercado de trabalho.

Igualmente ao disposto pela passagem anterior acerca da colonialidade do poder, é com o advento da modernidade/colonialidade, que faz hoje erigir a descolonialidade, que enfrentamos também a categorização das diferenças por vias de relações de “interculturalidades” como se aquelas culturas marginalizadas vivessem em perfeita harmonia com a (sob controle da) cultura hegemônica. Em primeiro lugar, historicamente essas culturas foram subjugadas às categorizações impostas pelos poderes que as classificaram como inferiores. Em segundo lugar essa suposta convivialidade, acercada no conceito de interculturalidade erigido pela cultura hegemônica, quando muito possibilitou aos sujeitos das diferenças coloniais a comparação aos padrões de gênero, raça, classe, fé, línguas e de ciência estabelecidos pelos próprios europeus.[iv]

Desse sentido exposto, por exemplo, é evidente que a educação, através das chamadas “reformas” propostas por diferentes órgãos e sujeitos que regem à educação e a política brasileiras – municipal, estadual ou em nível federal –, está passando por um desmonte do sistema educacional desde 2016, mas que foi conquistado a duras penas por mais de um século de batalhas entre sujeitos da educação e indivíduos que politizam a educação. Desde as primeiras disposições da BNCC em relação à Arte – destituição de Área de Conhecimento para conteúdo de Linguagens – às políticas do “Sem Partido” ou “Sem Religião” que tiveram grande repercussão em contexto sul-mato-grossense, igualmente, mais recentemente, sob o rótulo de “contingenciamentos”, os cortes de verbas destinadas à Educação pública superior, por exemplo, têm mostrado para que tinham vindo o governo e seus atuais partidários que, também sob o rótulo de não-ideológicos, têm sufocado e contribuído para sufocar, cada vez mais, com supostas reformas as instituições que devem conscientizar o cidadão da necessidade de Educação em política ao contrário de políticas partidárias de educação: escolas e universidades.

Logo, que o ensino de Arte não vem passando por reformulações apenas na contemporaneidade não é segredo para ninguém. Especialmente porque me parece que mais é o ensino de Arte que sempre foi e ainda o é mais reformulado por documentos estabelecidos pelos órgãos da Educação – municipal, estadual ou federal – que também não é novidade nenhuma, à revelia do que se levar em consideração a real situação das instituições de ensino brasileiras.[v] Agora, por exemplo, mais recentemente, o ensino de Arte enfrentou mais uma dessas reformulações estabelecidas, prioritariamente, por documentos que parecem não querer saber, na realidade, das práticas docentes nas escolas nas disciplinas de Arte. Me refiro à BNCC (2017), um documento que se impõe como norteador às práticas no ensino brasileiro, também o de Arte, que não apenas propôs a reformulação dos currículos de Arte na educação no país. De certa forma, o documento promove o desmonte da Área de Arte no currículo escolar – uma Área que na verdade só foi reconhecida como tal até aqui, na grande maioria, mais por quem tem formação nesta –, por meio do reforço de habilidades e competências que claramente atendem ao mercado de trabalho, que têm promovido ainda discussões na Área em diferentes lugares e de linguagens artísticas.

Desta situação presente no ensino de Arte, mais uma vez, portanto, é necessário dizer que devemos promover enfrentamentos e recriarmos alternativas que resistam às proposições de mais um documento “reformador” que está interferindo nas práticas docentes sem “tomar conhecimento” da realidade escolar brasileira: um lugar onde tem falta de quase tudo. Falta de infraestrutura e materiais didático-pedagógicos, sem a efetiva atuação dos professores, falta até lápis de colorir nas aulas; trabalho docente com sobrecarga de afazeres operário, o professor têm que literalmente educar filhos de outras famílias; ambiente escolar muitas vezes não condizente à realidade sociocultural de alunos, professores e dirigentes, neste caso, muitas vezes a escola sofre total interferência estatal ou privada para “educar” aos moldes padrões; destituição da obrigatoriedade de formação nas áreas de atuação, várias disciplinas das Humanidades estão tendo destituídos seus profissionais formados; entre muitos outros fatores que representariam, aí sim, a real realidade da instituição escolar no Brasil a fim de orientação das necessárias políticas em Educação.

Ocorre, então, que essas políticas reformadoras não levam em consideração as diferenças e divergências que contemplam os espaços escolares: conhecimentos diferentes aos do saber científico moderno; corpos não padronizados ao rigor cartesiano – penso, logo existo como branco, masculino, elitista, de fé cristã, falante das línguas oficiais ocidentais –, mas que são “corpos neg(r)ados” (Bessa-Oliveira, 2018a) pelos vários sistemas de colonialidades do saber, ser, sentir e do fazer na contemporaneidade; e, do mesmo jeito, essas políticas neoliberais impõem movimentos formatados pelos sistemas que impedem aos vários corpos e conhecimentos negados se moverem como bem quiser sem se constrangerem com os sistemas das políticas que são erigidos para delimitar a ação/atuação desses conhecimentos, corpos e movimentos. As políticas brasileiras, de modo bastante geral, definidas por políticos que, cada vez mais, contemplam aos padrões coloniais e de colonialidades, estão antes baseadas em ideologias pessoais e/ou político-partidárias para viabilizarem atuação dessas políticas que delimitam os sujeitos, saberes, sentimentos, naturezas e os próprios fazeres de corpos não enquadrados pelos sistemas dessas políticas.

Assim, tendo em vista este cenário nada benéfico à educação brasileira, ao corpo e ao mover-se das diferenças, a partir de uma articulação do conceito de corpo-política (Mignolo, 2008) adaptado para pensar em uma educação, arte e cultura em políticas, tendo como estratégia refletir a partir de Mato Grosso do Sul, de algumas situações da minha própria prática docente bem como das estratégias desenvolvidas pelos meus/minhas orientandos/as nos cursos de Dança e Teatro – licenciaturas – ou no Programa de Pós-graduação Mestrado e Doutorado Profissional em Educação (PROFEDUC) da UEMS-UUCG (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – Unidade Universitária Campo Grande – Santo Amaro), por meio de um pensamento como perspectiva epistêmica descolonial biogeográfica fronteiriça, quero propor neste trabalho uma reflexão que resista por meio de práticas na educação a “tempos de reformas” que estão deformando o tempo e a educação no Brasil, do mesmo jeito estão impedindo os movimentos de corpos diferentes por pura ideologia política. Ainda que sem apresentar essas estratégias literalmente como métodos concretos, especialmente na perspectiva pós-moderna que diz resolver tudo da mesma forma, com continuísmos às outras situações de atritos entre reforma e contexto educacional, como se propôs sempre a fazer a razão moderna cartesiana de produção de conhecimentos, este artigo evidenciará que a única alternativa que nos restas, aos sujeitos da educação, por exemplo, é re-existir desobedecendo epistemicamente (Mignolo, 2008) aos sistemas ainda que estejamos sobrevivendo in(te)(fe)rnos aos/dos sistemas.


 

Contramétodo de razão moderna, explicações (des)necessárias

A opção descolonial como razão de articulação epistemológica, seja para discutir o ensino de Arte, seja para discutir a educação em si, seja ainda para tratar das questões relacionadas à arte como prática artística ou produção teórico-crítica em relação às produções artísticas latino-americanas não se constrói baseada em metodologias presentes no pensamento cartesiano e menos ainda em métodos baseados na lógica moderna de objeto, objetivos, metodologias e possíveis conclusões que formatam soluções. Como deveria estar evidente para os pesquisadores brasileiros, por exemplo, já que somos produtos dessa condição de colonizados, uma opção descolonial – como deve ser compreendido no próprio termo descolonizar – deve ser considerada enquanto ato de construção de um pensamento metodológico[vi] outro que não esteja praguejado pela lógica moderna de analisar um outro inventado por um discurso soberano de aferição a partir de Si como mesmo.

Assim, ainda que vários intelectuais brasileiros, nas Artes ou na Educação, e mesmo os aparatos institucionais e intelectuais, universidades e publicações, respectivamente – públicos e privados – estejam se valendo da ideia de que a opção descolonial é a oportunidade para criar seu próprio método novo, estes não podem, em hipótese alguma, estar baseados em um método de razão moderna de investigação. Quero dizer com isso que não basta agora falarmos em uma bela articulação teórica e bem definida metodologicamente – a primeira baseada em leituras meramente interpretativas de teóricos descoloniais e a segunda sustentada na manipulação e interpretação bem definida e decidida (objeto, objetivos, metodologias e conclusões prováveis) – que tenham base moderna como pressuposto estrutural. Assim, por melhor que tenham sido as intenções das razões moderna e pós-moderna de “leitura” do outro, nós os anthropos fomos sempre percebidos como meros outros divergentes.

 

É difícil pensar hoje que os dirigentes universitários em qualquer parte do mundo se proponham descolonizar o saber. Estes projetos provêm do corpo docente e discente, não da administração. Seria semelhante a esperar que o Estado inicie projetos de descolonização. Embora na Bolívia o Estado empregue este vocabulário, a descolonização não é uma questão de políticas estatais. Os Estados estão atrelados às corporações e aos bancos. A administração universitária pode apoiar, em certos momentos, algumas iniciativas, mas não lhe é possível iniciar estes projetos (Mignolo, Lorca, 2014, p. 2).

 

Logo, é fundamental e necessária a compreensão dos sistemas nos quais estamos envolvidos, mas que queiram fazer diferente em relação às diferenças coloniais, por exemplo: seja no currículo de Arte, seja na educação enquanto um saber disciplinar sistêmico, atender aos sistemas políticos em situação, construídos ou futuros – adequando-se ou atendendo-os – não faz de um trabalho científico, como os que estão sendo construídos sob articulações epistemológicas de desrazão moderna, uma opção descolonial. Essa desrazão como opção descolonial não é uma mera contraposição teórica ou invenção metodológica contra a razão cientificista moderna ainda hoje imperante, por conseguinte, na ideia de uma “Ciência da Educação” ou na “Arte como Ciência” para definir-se como produção de conhecimentos. Ainda que sejam compreendidas essas opções – como nomenclaturas ou como prática metodológica – tais rótulos e práticas ainda estão baseados na totalidade da razão moderna que impera como pensamento em relação ao pensamento descolonial que é outro no modo de perceber, ser, sentir, saber e fazer no mundo.

Neste sentido, deve ser desnecessário dizer que estou articulando um discurso epistemológico por fora da Era moderna de produção de conhecimentos que expõe, como “alternativa” única de saída, aprender a desaprender para reaprender (Mignolo, 2003), como não fazer e a não repetir o já feito, ainda que escrito em língua ocidental, mas que está implícito em nossos próprios corpos: descendentes de indígenas, negros africanos, europeus e, não somente artistas, mas artistas, pesquisadores e professores que trabalham em um contexto para sobreviver numa situação na qual impera totalmente como condição o saber disciplinar moderno nas práticas acadêmicas. Um saber que nos coloca à mera condição de corpus sem conhecimento, sem movimento, sem sentido, à qual, muitas vezes, passivamente nos submetemos. Portanto, não há ainda, a partir das universidades/escolas e/ou das instituições artísticas, um possível diálogo do saber acadêmico com os saberes em diferentes situações de constituição em perspectiva intercultural crítica. Antes porque a ciência impera na mentalidade dos teóricos e teorias que convergem, nós, os anthropos à categoria de humanidades e, em segundo lugar, porque a episteme de fronteira como processo de descolonialidade da razão acadêmica moderna é um pensamento outro que “ [...] coexiste e coexistirá em tensão com outras visões e sistemas de ideias (o liberalismo, o neoliberalismo, o marxismo, o cristianismo, o confucionismo, o islamismo), assim como com orientações e visões disciplinares (ciências humanas e naturais, escolas profissionais, etc.)” (Mignolo, Lorca, 2014, p. 2).

 

Nossos sentidos foram treinados pela vida para perceber nossa diferença, para sentir que fomos feitos anthropos, que não formamos parte – ou não por completo – da esfera de quem nos olha com seus olhos como anthropos, como “outro”. O pensamento fronteiriço é, dito de outra forma, o nosso pensamento, do anthropos, de quem não aspira se converter em humanitas, porque foi a enunciação da humanitas o que o tornou anthropos. Desprendemo-nos da humanitas, tornamo-nos epistemologicamente desobedientes, e pensamos e fazemos descolonialmente, habitando e pensando nas fronteiras e as histórias locais, confrontando-nos aos projetos globais (Mignolo, Lorca, 2014, p. 2).

 

Ainda que não esteja aqui defendendo uma prática sem “rigor acadêmico” e menos ainda uma não-produção de conhecimento como conhecimento, ou ainda mesmo qualquer coisa como construção de conhecimentos – o que de fato um dia deverá (terá que) ser compreendido como tal –, o que mais tem me preocupado acerca do pensamento descolonial e suas razões em terras brasileiras é o caminho para a qual “ela”, a descolonização do pensamento, vem sendo conduzida no Brasil, especialmente nas reflexões no campo das Artes e da Educação em contextos mais que subalternizados.[vii] Primeiro porque descolonização tem sido adotada como um tratamento teórico decoloniala diferencia de los que piensan en espanhol – como se fosse uma simples prática teórica como foram os Estudos Culturais quando muito mal interpretados nas instituições brasileiras; segundo, como já dito, porque vários teóricos cartesianos brasileiros têm se valido da nomenclatura para estabelecer até métodos novos “pós-coloniais” esperançados na graça de arrancar do próprio corpo a exclusão/condição que sentem pelo outro; em terceiro lugar, é preocupante através dessa prática dantes descrita, os muitos “especialistas” modernos e pós-modernos brasileiros que têm, a todo custo, teorizado com e sobre os próprios pensadores descoloniais como se esta fosse a mais nova teorização a migrar para o Brasil.[viii] Assim, aos desavisados no Brasil cabe a informação: falar de pós-colonial, pós-colonialista, decolonial não é pensar descolonialmente a diferença colonial sendo anthropos.[ix]

 

No dia em que as universidades públicas ou privadas gerirem a descolonização pedagógica, será porque os processos de descolonização que percebemos na sociedade política já contribuíram para uma mudança radical e para a dissolução da matriz colonial de poder. No momento, a descolonialidade é uma visão e uma orientação que coexiste e coexistirá em tensão com outras visões e sistemas de ideias (o liberalismo, o neoliberalismo, o marxismo, o cristianismo, o confucionismo, o islamismo), assim como com orientações e visões disciplinares (ciências humanas e naturais, escolas profissionais, etc.). A descolonialidade é uma opção entre outras (Mignolo, 2017, p. 21).

 

Por último, como (des)necessárias explicações, mas fundamentais acerca de informações, também sem a intenção de que o leitor deste compreenda ou mesmo as aceite; argumento apenas a fim de fazer valer a ideia de que sem adotar o objeto como coisa inanimada e inata por uma metodologia que literalmente enquadra-o à uma estrutura excludente, sem continuar tornando o outro abstrato pela simples lógica de nos assumirmos cientistas de dentro daquele padrão de moralização é que poderemos fazer valer uma compreensão do diferente nas suas diferenças coloniais interculturais. Parece difícil, mas o é mesmo! Não fomos construídos cognoscentemente a fim de aceitar e conhecer o que é da ordem do diferente dos nossos padrões de educação, de corpo e de movimentos do que compõem a nós mesmos. Preferimos continuar enjaulando corpos em padrões ao libertá-los para se movimentarem como quiser. Se alguém tem um conhecimento diferente do meu, se existe um corpo disforme do meu e se alguma coisa se move por lugares onde não concebo como possibilidade para meu corpo (de desrazão moderna), não nos dispomos a aceitar o direito de que esses Outros também têm conhecimentos, corpos e movimentos diferentes dos nossos.

 

Pensar descolonialmente significa desatrelar-se dos pressupostos da epistemologia moderna baseados na diferença entre sujeito cognoscente e objeto a conhecer. Quando, nas propostas de tese se lê “meu objeto de estudo é X” e “meu método é Z”, sabemos que estamos em plena colonialidade do saber. Mas, sem dúvida, é mais do que isto. A descolonialidade são os processos de busca de se estar no mundo e fazer nesse estar (kuscheanamente dito), desobedecendo àquilo que a retórica da modernidade e do desenvolvimento quer que sejamos e façamos (Mignolo, Lorca, 2014, p. 3).

 

Objetificar e metodologizar – “meu objeto de estudo é X” e “meu método é Z” – são papeis da razão moderna em contraposição à qualquer outra razão ecológica (Santos, 2010) de produção de conhecimento. É manutenção para contenção, sob as guardas das barras de ferro da razão moderna, da educação, do corpo e do movimento da diferença colonial que lutam e buscam uma direção outra para a liberdade de ser, sentir, saber e fazer-sendo dentro de suas lógicas de exterioridade (Bessa-Oliveira, 2024). Assim, estou falando de corpos desalojados dos cárceres dos sistemas que enclausuram, esses últimos, os corpos das diferenças coloniais; estou argumentando a favor da convivência entre conhecimentos (uma ecologia de saberes) que são desconhecidos pela ciência cartesiana moderna; por fim, não estou pensando neste trabalho em uma educação que não leva em consideração o corpo e os movimentos desses corpos desconsiderados – uma ciência da educação – que não é sensível às dores desses corpos. Não estou pensando em políticas em prol de poucos que não contemplam muitos. Logo, não estou falando de Educação e Arte que delimitam as atuações de corpos, professores e de conhecimentos a se movimentarem como bem quiserem.

 

“Reformas” (contra) que atacam as necessidades educacionais

A LDB – Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – no capítulo V, que trata acerca da Educação Especial, no § 1º versa que “Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial.” Igualmente, na mesma lei no artigo 59 do mesmo capítulo, o inciso III trata do requerimento de “professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns.” Esta Lei, instituída em 1996 e já “reparada” por várias outras “Redações”, dá tratamento e “Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional” que devem ser normativas da educação da escola básica à superior, pública ou privada. Lê-se, em vários de seus parágrafos e a partir deste pequeno fragmento apresentando acerca da Educação Especial, por exemplo, questões que abrem precedentes para “reformas” ocorridas na Educação Especial na cidade de Campo Grande, MS, como a que versa em relação ao professor especializado para atendimento à “clientela de educação especial”.

Outro ponto da mesma Lei que merece observação, a fim de contemplar meus propósitos que serão ilustrados bem brevemente, é o tratamento dado ao direito do aluno do pleno “exercício da liberdade de consciência e de crença” religiosa indiferente da sua situação na instituição de ensino. Ou seja, é bastante evidente também naquele texto o direito de ter liberdade de fé e de praticar o exercício dessa fé como bem quiser sem ser constrangido e/ou impedido disso. Mas é contraditório também o argumento na Lei de que fica “a critério da instituição”, por exemplo, o que sabemos acabar em âmbitos maiores, a política de decidir a compensação devida pelo estudante diante da necessária ausência para ou por exercício de sua fé religiosa. Ao certo este nem é o ponto mais importante da minha questão a ser debatida, compensação de “falta” em aulas para exercício da fé, mas quero discutir a referência ao livre árbitro de se ter fé nas escolas ou universidades brasileiras. Assim, versa a Lei acerca da questão suscitada:

 

Art. 7º-A Ao aluno regularmente matriculado em instituição de ensino pública ou privada, de qualquer nível, é assegurado, no exercício da liberdade de consciência e de crença, o direito de, mediante prévio e motivado requerimento, ausentar-se de prova ou de aula marcada para dia em que, segundo os preceitos de sua religião, seja vedado o exercício de tais atividades, devendo-se-lhe atribuir, a critério da instituição e sem custos para o aluno, uma das seguintes prestações alternativas, nos termos do inciso VIII do caput do art. 5º da Constituição Federal: (Incluído pela Lei nº 13.796, de 2019) (Vigência) (LDB Nº 9.394, 1996, online).

 

Outros dois parágrafos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDB – Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – que vão contemplar minhas discussões tratam, respectivamente, o 1º do artigo 26 e o 1º parágrafo do artigo 26-A, de políticas acerca da educação nacional brasileira. Antes de contemplar o artigo 26, quero abordar o parágrafo do artigo 26-A que versa sobre as culturas africanas e indígenas no currículo da educação escolar.[x] No parágrafo evidencia-se a necessária importância em desenvolver nas instituições de ensino brasileiro um trabalho sobre as culturas que constituíram a nossa formação, ressaltando o caráter étnico, histórico, cultural, sociais a fim de resgatar as contribuições dessas culturas para a formação da cultura brasileira. Entretanto, a Lei abre precedente para o tratamento dicotômico dessas diferentes etnias ao reforçar sua implementação nos currículos escolares pela ótica hoje em evidência de “reformas” social, cultural, política e econômica que não privilegiam as diferenças coloniais. Trata o parágrafo do artigo:

 

§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008). (LDB Nº 9.394, 1996, online).

 

Ainda neste mesmo Capítulo II que trata “Das Disposições Gerais” sobre a Educação Básica na Seção I, o 1º parágrafo do artigo 26 dá resolução de que “§ 1º Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil.” Quer dizer, fica a cargo das disciplinas, nas pessoas do professor e dirigente das escolas, por meio desse currículo instituído, contemplarem os vários conteúdos que a cultura brasileira apresenta. Mas, além de sabermos da dificuldade de abordagem da multiplicidade da própria cultura brasileira nas suas especificidades regionais, municipais e até mesmo particulares, a destituição de várias disciplinas por meio da implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC-2017), por exemplo, fez a redução de campo de atuação/reflexão e abordagem dessa multiplicidade de características da cultura brasileira, dirá então das várias outras culturas que transversalizam a nossa cultura nacional. Digo diferente: a “reforma” educacional da Base propiciou, além da destituição de alguns saberes disciplinares – que já não eram muita coisa na minha ótica –, também uma (de)forma(ção) para reduzir os campos de atuação de disciplinas que poderiam melhor abordar as questões sociais, políticas, culturais, econômicas e filosóficas das diferentes culturas que hoje nos formam enquanto brasileiros situados no tempo e espaço do agora.

Agora, retomando os pontos antes levantados acerca das políticas de Educação Especial em Campo Grande, MS, a Prefeitura Municipal, por intermédio da Secretaria Municipal de Educação – SEMED, “reformou”, sob a argumentação de maior legalidade na seleção de professores “auxiliares educacional especializados, os APEs”, todo corpo docente atuante na Educação Básica que dava assistência especial aos alunos com dificuldades de aprendizados. Ao contrário do que era exigido antes desses profissionais auxiliares para se candidatarem a uma vaga, ser professor graduado em Educação e com cursos de especialização em Educação Especial, no retorno das aulas da Educação Básica no segundo semestre de 2019 na cidade de Campo Grande, vários profissionais foram surpreendidos com demissões ainda no período de férias e com a aprovação na Câmara Municipal da cidade, em estado de urgência/emergência política, do Projeto que autorizou aquela Secretaria selecionar e contratar professores auxiliares para a Educação Especial apenas com formação do ensino médio e com salários com redução de quase 40% em relação aos valores dos salários anteriores.

Além do Prefeito Municipal à época, Senhor Marquinhos Trad, argumentar que os profissionais só ali foram selecionados e contratados por meio de edital e não por ‘indicações políticas’ como os anteriores, o administrador da capital de Mato Grosso do Sul ainda sustentou que os novos profissionais com ensino médio são mais competentes que os antigos professores ocupantes das vagas. Ressaltou suas reformas o prefeito ao dizer que os “‘Apoiadores inclusivos são mais qualificados que eles {professores de alunos especiais}’ disse [o] prefeito durante assinatura do contrato de reforma e ampliação do aeroporto de Campo Grande” (Penedo; Jornada, 2019, online). É evidente, portanto, que além de reduzir a exigência da formação especializada, a Secretaria Municipal de Educação foi autorizada por meio de Lei a “reformar” até mesmo a rubrica do cargo/profissão, de professores auxiliares educacional especializados para “apoiadores inclusivos”, sob o pretexto de ampliação do atendimento à comunidade necessitada da atenção especial nas escolas que era antes dado por aqueles que tinham formação especial para auxiliar àqueles que têm dificuldades no aprendizado. Esta atuação da SEMED-Campo Grande evidencia claramente uma atuação de políticas para identidades com fins claramente financeiros:

 

A política da identidade opera na suposição de que identidades essenciais entre as comunidades marginalizadas (por razões raciais, de gênero e sexuais) são as que merecem reconhecimento. Em geral, política de identidades não se compromete em nível de Estado e permanece na esfera da sociedade civil. Identidade em política, ao contrário, desliga-se da jaula de ferro dos “partidos políticos” como tem sido estabelecido pela teoria política moderna/colonial e eurocentrada (Mignolo, 2008, p. 312).

 

A política de identidade, no caso antes enunciado, evidente na situação da Educação Especial em Campo Grande, MS, apresenta-se como solução dada pela instituição (SEMED) da suposta continuidade do atendimento especial aos alunos necessitados, mas, corporativamente, desprezando a categoria de professores com formação de graduação e específica a fim de, na verdade, dar redução à folha de pagamentos da Prefeitura Municipal de Campo Grande com a Educação.[xi] Pior ainda, avalizada pelos representantes públicos da sociedade, a Prefeitura fez dessa classe de marginalizados, como observou Walter Mignolo quando argumenta de que a política de identidade está em favor da razão moderna, objeto de manobra para dispensar profissionais com qualificação especializada para, nada contra aos profissionais com menor formação, empregar cidadãos que estão desesperados ao menos por um salário mínimo fixo no fim do mês e que por isso acabam corroborando às políticas de identidades partidárias ao invés de lutar também por identidade em políticas das suas diferenças por melhores trabalhos que meros empregos.

É neste sentido que estratégias outras poderiam contribuir contra a instauração e manutenção de políticas identitárias partidárias que na verdade desatendem às necessidades dos necessitados quando fingem estar auxiliando as identidades que mais precisam de atenção. Não diferente, a atuação docente, neste caso, necessariamente precisa fazer evidenciar aos estudantes, seja na escola ou nas universidades uma construção de conhecimento que não se baseie em formar para trabalhar, para consumir e assim poderem sobreviver nesta sociedade que compreende que os deficientes, por exemplo, são somente corpos defeituosos que não se movem e não aprendem – caso dos estudantes com necessidades especiais – e que sim, são todos e todas indivíduos diferentes que precisam de atenção ao contrário de assistencialismos político partidário de autopromoção. Pois, mesmo que sem fazer a atribuição de mais uma sobrecarga de trabalho, está nas mãos dos professores em atuação, mais ainda nas mãos dos professores universitários que formam professores para a Educação Básica, o trabalho docente de trans-formar cidadãos socialmente críticos e politizados para compreender a diferença entre políticas partidárias de identidades (camufladas de reformas) que deformam em contraposição à necessária identidade em política.[xii] Em nota, por meio da SEMED, a Prefeitura Municipal de Campo Grande resguarda-se atrás da suposta necessidade de “reformas” para “melhorar” os sistemas que, como estão, são irreparáveis:

 

“A Semed informa que ainda não há o balanço do número de Assistentes Pedagógicos Especializados dispensados. Ressaltamos que eles serão substituídos pelos Assistentes de Educação Inclusiva, devidamente aprovados em processo seletivo, amparado pela Lei de Diretrizes e Bases. Nesse processo seletivo participaram mais de dez mil candidatos para 200 vagas. Tais profissionais têm formação de Normal Médio ou Magistério, porém, muitos contam com graduações e pós-graduação, mesmo não sendo uma exigência do concurso. É importante destacar que todos passarão por capacitações e formações aplicadas por técnicos da Divisão de Educação Especial da Reme, que irá acompanhar o trabalho dos selecionados junto aos alunos. Devem ser convocados, em um primeiro momento, 150 candidatos e os demais, podem ser chamados até o final do ano” (In: Chianezi; Pereira, 2019, online).

 

Outro ponto a ser suscitado é que, sob a égide de uma “suposta” liberdade de opção política, a ilógica reação do Projeto da “Escola Sem Partido” é a implementação nas escolas e universidades brasileiras de uma evidente política de partido “Por uma lei contra o abuso da liberdade de ensinar” (EscolaSemPartido, 2019, online). É evidente no projeto que tomou evidência a partir da negação do direito do cidadão de demonstrar as diferenças e divergências entre opiniões políticas, seja no espaço da escola ou da universidade, sejam em quaisquer outros espaços públicos que acabam promovendo muito claramente a Escola Com Partido. Ou seja, o Projeto da Escola Sem Partido é igualmente ao Projeto da “Escola Sem Religião” (Senado Federal, 2017, online), ao contrário do que pregam: são Escola COM Partido e Escola COM Religião específicos em oposição aos diferentes em opinião/fé. Primeiro porque ambos os projetos são evidências de políticas partidárias de extrema direita neoliberais que querem revogar o direito de opção, como prega a própria LDB, nas escolas, por exemplo, do estudante não ter que ser obrigado a deixar de praticar a sua fé, indistintamente de qual seja essa fé. E mesmo assim muitas escolas continuam fazendo filas e rezando ou orando orações cristãs católicas!

Em segundo lugar, o que responde à lógica de razão moderna, tão fortemente discutida pelo pensamento descolonial latino-americano e que temos levado à exaustão aqui em Mato Grosso do Sul como um pensamento de fronteira (por meio de pesquisas desenvolvidas no NECC e no NAV(r)E – Núcleos de Pesquisas na UFMS e na UEMS em que têm as pesquisas como e a partir de uma epistemologia que emerge dos lugares exteriorizados pelos pensamento colonial moderno e pela colonialidade do poder pós-moderna) –, aqueles do “SEM” são projetos de “reformas” que fazem a manutenção da racionalização moderna de raça, classe, gênero, de fé cristã, línguas ocidentais oficiais, reconhecidos pela ciência cartesiana, privilegiados ainda hoje na contemporaneidade, como forma de deslegitimar os pensamentos das diferenças coloniais. Pois, privilegia-se, nesses projetos, o poder homogêneo da raça branca, da classe elitista e do gênero masculino para fazer desmerecer as crenças de matrizes não-cristãs e as várias indígenas e africanas, por exemplo, e, igualmente, os conhecimentos produzidos e reproduzidos como conhecimentos empíricos das sociedades desconsideradas.

 

A descolonialidade não consiste em um novo universal que se apresenta como o verdadeiro, superando todos os previamente existentes; trata-se antes de outra opção. Apresentando-se como uma opção, o descolonial abre um novo modo de pensar que se desvincula das cronologias construídas pelas novas epistemes ou paradigmas (moderno, pós-moderno, altermoderno, ciência newtoniana, teoria quântica, teoria da relatividade etc.). Não é que as epistemes e os paradigmas estejam alheios ao pensamento descolonial. Não poderiam sê-lo; mas deixaram de ser a referência da legitimidade epistêmica (Mignolo, 2017, p. 15).

 

Na mesma toada dos bois, já que falamos de MS, desses dois Projetos do “Sem”, que como evidenciado são na verdade do “COM” – especialmente porque temos no Estado vários membros da “Bancada da Bala”, da “Bancada da Bíblia” e da “Bancada do Agronegócio”; onde a líder desta última por aqui (MS) era a “Dama do Veneno”, Ministra da Agricultura no governo passado, Senhora Tereza Cristina Corrêa da Costa Dias –, muitas coisas acontecem. Válida para todo o território estadual, aprovou-se a lei que autoriza a realização de “Serviço de Capelania Escolar [que] prevenirá violência nas instituições de ensino” (Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, 2019, online). Sancionada rapidamente pelo Governador do Estado – Senhor Reinaldo Azambuja – a Lei “5.326, que autoriza a realização de atividades do Serviço Voluntário de Capelania Escolar, na Rede de Ensino do Estado de Mato Grosso do Sul. [...], deu nova norma de fé dizendo que, [...], é uma importante ferramenta para prevenir a violência nas escolas” (Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, 2019, online). De autoria do então deputado Maurício Picarelli (PSDB) – também pastor evangélico e apresentador de programa de cunho sensacionalista na televisão local –, a nova norma foi publicada no Diário Oficial de sexta-feira (22 de agosto de 2019), e propõe “assistência emocional e espiritual; aconselhamento e orientações, fortalecimento de princípios e de valores éticos e morais e integração entre alunos, professores e funcionários da instituição de ensino” (Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul, 2019, online).

A primeira questão acerca da “Lei de Capelania” é se o serviço de assistência emocional e espiritual; aconselhamento e orientações, fortalecimento de princípios e de valores éticos e morais levaria em consideração as diferenças de crenças religiosas presentes, especialmente, nas escolas públicas? Pois, nas instituições privadas cristãs, tecnicamente desenvolvem pilantropia àqueles que ali querem estar. Uma segunda questão que coloca em dúvida a “boa vontade” da Lei deve estar na suspeição de quais princípios e valores éticos e morais, baseados em que lógica, são levados em consideração para “oportunizar” aconselhamentos? Entre muitas outras questões que podem ser colocadas acerca da efetiva ação da Lei, já que estou baseado na sua política-partidária-religiosa; quem pode definir os anseios que alunos, professores e funcionários diferentes precisam correspondidos nas instituições de ensino que deveriam ser apartidárias, areligiosas, antigêneros, sem raças e classes, esses sempre definidos por padrões impositivos? Observo essas questões a fim de descobrir qual é a real intenção de uma Lei de serviços de capelania como reforma na educação em um país que deveria ser laico?! Pois, como ficarão as religiões, por exemplo, de matrizes africanas, indígenas, budistas, orientais, as pessoas sem religião, sem crenças divinas, entre muitos outros indivíduos de fés diferentes, lembrados na LDB, que circulam nas escolas brasileiras?

A lógica cartesiana contemporânea de projetos de reformas dessa natureza, melhor, naturalizados como reformas que têm cunhos caóticos truculentos, está em fazer manutenção do pensamento que classifica os diferentes dentro dos padrões estabelecidos pela colonialidade europeia – neste último caso de fé cristã, por exemplo – como a única maneira de pensar as fés indígenas, africanas e de muitos outros povos que compõem, no meu caso, a cultura de Mato Grosso do Sul que é quase na sua totalidade divergente.[xiii] Sem perceber, na verdade sem respeitar – por isso se instauram as políticas do “COM” específicos – as diferenças religiosas, linguísticas, de corpos, etnias, até diferenças sociais e formas outras de construções de conhecimentos diferentes, projetos dessa natureza ao invés de reformar e propor estados desses em políticas DEFORMAM as diferenças impondo padronizações sobre tudo e todos. Neste sentido, mais uma vez é preciso dizer que negros são tornados brancos, indígenas são vestidos com roupas de brancos, também entre muitas outras coisas que são branqueadas, o currículo escolar está todo imposto nas escolas e universidades sob a lógica do mundo ocidental branco, macho, rico, cristão, de língua oficial e na cientificidade cartesiana modernos.[xiv]

Logo, é necessário e emergencial que o trabalho docente mude. Mas, sem sombra de dúvida, para que haja essa mudança efetiva a Formação de Professores – seja a inicial ou seja a chamada Formação Continuada – precisa mudar drasticamente. Quero dizer com isso que obrigatoriamente precisamos deixar de importar teóricos e teorias e parar de empregá-los em nosso repertório acadêmico-disciplinar de atuação como se aqueles e aquelas soubessem na totalidade dessas problemáticas muito brevemente aqui apresentadas como se suas reflexões nos salvassem como “reformas” das nossas situações caóticas. Há na escola e muito bem imposta nas Universidades brasileiras a empregabilidade da reflexão trazida e “traduzida” – ao pé da letra, quer dizer, sem transtradução mínima – de países europeus e/ou dos Estados Unidos a fim de sanar nossos problemas como se nós fossemos aqueles. Sem levar em consideração as diferenças básicas que são reais, linguísticas, culturais, sociais, políticas e econômicas, daqueles em relação à gente, aquelas reflexões necessitam, minimante, ser transtraduzidas – traduzidas e adaptadas por meio de reflexões locais – para serem, ainda sim, debatidas nos espaços educativos e formativos brasileiros a partir de suas situações específicas.

Nesta condição imposta, sem nenhuma sombra de dúvida, além da emergência de pensamentos e epistemologias outros erigidos de dentro, ou como argumentou Edgar Nolasco, a partir de nosso próprio lugar fronteiriço (2018) e “corpóreo biogeográfico fronteiriços” (Bessa-Oliveira, 2018) é que poderemos ter o desenvolvimento de um trabalho docente DECENTE que supere as imposições de reformas por meio de projetos políticos: Sem Religião e Sem Partido; imposições de datas específicas para o trabalho docente das especificidades como ex-cêntricas das Culturas Indígena e Afro-brasileira; superar a falta de compreensão da Arte como área de conhecimento como sempre se brigou para ser no Conteúdo Curricular, que agora a promove ao menor status de “Conteúdo Programático” de Linguagens cobrando o desenvolvimento de habilidades e competências para o trabalho; e, do mesmo modo, poderemos desenvolver um trabalho que poderá lutar para resistir e re-existir aos Cortes nas Universidades – sob o rótulo do que tentou ser o “FUTURA-SE” que mais pareceu ser um FÍNDA-SE, e, igualmente, hoje impera sob as rubricas de “Inovação, Tecnologia e Internacionalização”, quiçá se até não de “Flexibilização” e “Extensão” – tão frenéticos; o professor poderá desenvolver ainda um trabalho que contemple as diferenças dos estudantes, das escolas em suas sociedades e de si próprio em perfeito diálogo entre saberes (Santos, 2010), corpos e movimentos. Estou falando de mudança, primeiramente, de pensamentos acerca da educação que sempre imperou em “educar” corpos e movimentos nas escolas, para propor diálogos entre saberes, corpos e movimentos a partir das diferenças coloniais.

 

Considerações Finais

 

Minha última prece: Ô meu corpo, faça sempre de mim um homem que questiona! (Fanon, 2008, p. 191).

 

Meu corpo também é escravo do domínio colonial (ainda na contemporaneidade) que coloca o corpo sub judice do trabalhar para consumir e assim ter para sobreviver em sociedade de consumo de sobrevivência por meio de um emprego quase escravo. Ao contrário da suposta dignidade do trabalhar, defesa das políticas do Estado-Nação e das Corporações, que um estudar para alcançar o trabalho deve permitir e promover ao cidadão. Afinal, estamos falando de um contexto em que tem como ponto principal o corpo que deve estar sempre preparado/programado para o trabalho. E com a Educação não ocorre diferente. O indivíduo está sendo levado ao lugar em que faz compreender que trabalhar para consumir é o único modo de ter para sobreviver e é a condição única da atualidade. As escolas estão sendo levadas a este lugar; as universidades estão, cada vez mais, sendo obrigadas – MODERNIZAR-SE – a formar indivíduos que compreendem este lugar técnico para o trabalho como única alternativa. A noção falsa de ser apartidária da escola e da universidade, do falso direito de livre expressão de qualquer fé religiosa – impedindo as expressões diferentes – e a delimitação da atuação de determinados conteúdos, ainda que disciplinares, casos da Sociologia, da Filosofia, Antropologia e até da Arte são imposições como reformas que mais deformam os indivíduos em situação de construção de conhecimentos críticos em política. Mas re-existir é a única saída:

 

Os desafios do presente são os desafios em direção ao futuro. Um futuro homogêneo sonhado pelos dirigentes da cristandade depois de topar com uma massa de terra e de milhões de pessoas que não figuravam no relato bíblico, ou o sonhado pelos “falcões de Washington” no momento auge do neoliberalismo, já não é possível. Não se preocupem: China não será quem sucede aos Estados Unidos que sucedeu à Inglaterra que sucedeu à Espanha, fazendo o mesmo. Apesar disso, a opção descolonial pelo momento não é uma opção estatal. É uma opção da sociedade política global. A sociedade política globais está constituída não por milhares, mas por milhões de pessoas que se agrupam em projeto para ressurgir, reemergir e re-existir (Mignolo, 2017, p. 31).

 

A opção descolonial que estou colocando em evidência não é mais uma contraopção à razão moderna de educar os indivíduos supostamente sem educação. Igualmente não estou propondo uma nova educação em divergência à velha educação que temos na formação de professores e no trabalho docente e do mesmo modo fazem o currículo escolar de Arte que está em exercício nas escolas e que ressaltam as diferenças como divergências nos conteúdos em comparação às culturas europeias e/ou estadunidenses.[xv] Do mesmo jeito, igualmente ao colocado por Mignolo, o Estado-Nação menos ainda as Corporações podem ser descoloniais: suas lógicas estão em colonizar sempre para delimitar e dominar controlando os indivíduos das diferenças em relação a eles. Ainda tenho muito receio das palavras anteriores de Walter Mignolo não serem possíveis de ser concretizadas: talvez sempre tenhamos sim um discurso impositivo mais poderoso em substituição ao seu outro mandatário logo anterior. Sem o papel da educação como troca de conhecimentos e como estratégia epistêmica contra toda essa falácia da própria educação cientificista/tecnicista proposta pelas reformas que deformam e derrubam o que já fora construído, em nada vai adiantar formar professores descolonizados em pensamento para atuarem no serviço da docência descolonizando outros pensamentos para a atuação docente.[xvi]

De fato, se a sociedade não compreender que somos milhões de possíveis rebelados em relação aos poderes que se concentram nas mãos de bem poucos homens, brancos, de classe elitista, de fé cristã como única forma de salvação da alma – nem é do corpo –, dominadores da escrita das línguas oficiais ocidentais e que a ciência cartesiana ainda é o único recurso para produzir conhecimento, talvez nunca tenhamos a revanche que precisamos sobre os poderes coloniais e das colonialidades do poder, do ser e do saber. Não vai adiantar em nada as estratégias de descolonização dos pensamentos se continuarmos acreditando que o corpo do outro é o que quer o nosso padrão; que o conhecimento vindo de fora é o melhor que existe; que a fé cristã é soberana às fés de matriz indígena e/ou africana; que os conhecimentos femininos, indígenas, negros, comunitários e igualmente as línguas desses não nos servem para nada. É preciso descolonizar o pensar!

Eis o lugar a que devemos chegar: “Minha última prece: Ô meu corpo, faça sempre de mim um homem que questiona!” (Fanon, 2008, p. 191). Faça de nossos educadores sujeitos que sempre desconfiem de seus próprios repertórios teóricos formadores e docentes; que os corpos façam de nossas escolas e universidades, por meio de seu corpo docente, questionadores de todas as “reformas” políticas propostas. Oh nossos corpos, façam de nós sempre sujeitos questionadores, nunca sujeitos da passiva e, pior ainda, sujeitos que não respeitam as diferenças alheias! Que nós não continuemos ocupando corpos ocos para as políticas de Estado ou em vias de satisfazer as instituições privadas. Que nossa educação, ao invés de cada vez mais querer se cientificizar, busque humanizar – NATURALIZAR-SE – a si e aos seus dependentes. Pois, dessa forma, talvez, ainda é um talvez porque o poder imperativo é sempre uma arma em construção/expansão por poderes, tenhamos algum dia uma educação decente em prol daqueles que de fato carecem de políticas: educação, corpo e movimentos das diferenças coloniais.

 

REFERÊNCIAS

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WALSH, Catherine. Agrietar la Uni-versidad. Reflexiones interculturales y decoloniales por/para la vida. Compiladorxs: Rene Olvera Salinas, Víctor Torres Leal y Patricia Roitman Genoud. Universidad Pedagógica Nacional, Santiago de Querétaro, Querétaro, México; Lengua de Gato Ediciones, 2023.

 

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Notas



[i] Este texto está vinculado a um projeto de pesquisa intitulado “PRÁTICAS CULTURAIS LATINO-FRONTEIRIÇAS: ARTES DE “PAISAGENS”, SILÊNCIOS E APAGAMENTOS EM CENA NA CULTURA SUL-MATO-GROSSENSE”, registrado na Divisão de Pesquisa/PROPPI/UEMS, sob o protocolo de número 277652.1602.1343.05012022, e está vinculado ao Grupo de Pesquisa NAV(r)E – Núcleo de Artes Visuais em (re)Verificações Epistemológicas – UEMS/CNPq. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4783-7903. E-mail: marcosbessa2001@gmail.com

[ii] Durante um determinado tempo até pensávamos que determinadas políticas neoliberais, por exemplo, mais em evidência de 2016 para cá, eram ou são desgovernanças. Entretanto, independente das formas, se lícitas ou até ilícitas, o fato é que diferentes políticas em evidência na atualidade têm imposto ideologias em tudo que alicerça a sociedade. Portanto, são governanças “muito bem” arquitetadas em prol de perspectivas ideológicas para o controle.

[iii] “De estas últimas surge -lo que no es casual- el desarrollo de las cuestiones relativas a la colonialidad del ser, a las definiciones de interculturalidad, a la importancia de la memoria y de la restitución de genealogías “otras”, a la puesta en acto de saberes que responden a racionalidades diversas, etc. etc. Ambas vertientes han tenido incidencia en las transformaciones políticas de aquellos estados latinoamericanos en los que se han producido cambios jurídicos e institucionales significativos en orden a la construcción de sociedades más solidarias, pero no alcanzan a aquellos más arraigados a pertenencias fuertemente occidentalizadas o en proceso de des-occidentalización” (Palermo, 2014, p. 64).

[iv] O conceito de interculturalidade, a partir do pensamento descolonial, evidencia-se por meio da compreensão das diferenças coloniais: uma “interculturalidad crítica” (Walsh, 2023). Enquanto o conceito de interculturalidade forjado na perspectiva hegemônica, “interculturalidad funcional” (Walsh, 2023), hoje travestido de políticas estatais e institucionais, ancora-se exclusivamente no diferente cultural por óticas disciplinares. Quer dizer, a partir da noção hoje mais em evidência na cultura contemporânea de interculturalidade, da palavra como moda, o indígena, afrobrasileiros e asiáticos, por exemplo, são sujeitos diferentes que devem sobreviver sob as mesmas lógicas forjadas na perspectiva de Ocidente criada, inclusive nos espaços da Educação.

[v] Aqui estou fazendo referência a uma discussão que estou formulando (2023/2024) a respeito da necessidade de a arte ser compreendida como uma episteme educacional. Uma coisa que tais políticas partidárias educacionais já parecem compreender e, em muitos casos, muitos de nós, sujeitos das artes, ainda parecemos não ter aprendido.

[vi] Este termo “metodológico” é utilizado na falta de um termo melhor e menos cartesiano para ilustrar a proposta epistemológica aqui em construção. Mas, em contrapartida, é um termo usado para se fazer compreender a desnecessária função do método na articulação que se quer evidente enquanto opção descolonial fronteiriça de pensar, por exemplo, o ensino de Arte em um contexto em que a educação, o corpo e a liberdade de movimento desses estão sendo colocados em contradição porque são lidos analiticamente como ideologias baderneiras em prol das diferenças que são divergências à razão moderna.

[vii] Estou falando de Universidades, por exemplo, que se situam nas “fronteiras” subalternas do pensamento acadêmico brasileiro. Fronteira agora como geografia marginal “fora dos centros”. Caso da universidade onde trabalho e em muitas outras instituições que se acercam deste contexto de exterioridade ao pensamento moderno cartesiano insistindo ainda mais em usá-lo, o pensamento moderno, para delimitar a educação, o corpo e os movimentos desses. Os “pensadores” que pertencem aos quadros dessas instituições têm, ainda mais, um ranço acadêmico-disciplinar de subalternização/inferiorização ao método cartesiano que impera na necessidade de fazer evidenciar e valer uma razão moderna cientificista contra qualquer outra forma de construção de conhecimentos, corpos e movimentos não-disciplinares. Esses últimos, são deslegitimados em prol da legitimidade científica.

[viii] Esta preocupação última é muito relevante considerando que o uso equivocado do pensamento descolonial como uma prática de teorização faz, nas instituições disciplinares científicas, a construção da lógica cartesiana como a única razão de produção do que essa mais quer em evidência: o outro como outro e reflexo do mesmo; um objeto como coisa abstrata; uma metodologia definida como única estrutura possível para analisar esse abstrato a fim de chegar ao resultado almejado: pior, que mata, desqualifica, desinforma e marginaliza ainda mais o inclassificável nas categorias cartesianas. Pensar às vezes não é unicamente fazer! Portanto, pensamento descolonial não é teoriazar; é uma condição de pensar o mundo que está implícita no próprio corpo de quem tenta e quer pensar descolonialmente o mundo ainda que subjugado à experiência da colonização e das colonialidades.

[ix] Mais uma vez o brasileiro acadêmico-disciplinar sequer vê-se rendendo à uma língua colonial ao preferir se adaptar a decolonialidade.

[x] Sobre esta questão vale a leitura de dois trabalhos de dissertação de mestrado defendidos no PROFEDUC-UEMS já no ido março de 2017: discutindo as culturas indígenas no livro didático de Arte e a cultura afro-brasileira a partir da Lei 10.639/2003, respectivamente, de Maila Indiara do Nascimento e Gilmara de Souza de Brito, os trabalhos fazem abordagens epistemológicas descolonial acerca das questões evidenciando os problemas das políticas respectivas a essas culturas no Brasil e foram orientados por mim junto ao Programa de Educação Profissional citado.

[xi] Também fica evidente o claro jogo de poder estabelecido: Trabalhar para Ter e assim poder sobreviver. Ao contrário de Ser, para trabalhar e ter e conviver (Bessa-Oliveira, 2024a).

[xii] Aqui estou argumentando acerca da ideia dos professores que continuam usando dos mesmos modelos de escolas, no caso das artes, por exemplo, constituídas desde tempos históricos no Brasil. Primeiro daquele ensino religioso que sob a rubrica de filantrópico evidencia uma prática “pilantrópica” de educar; pois privilegiam uma razão de fé em contraposição a todas as outras fés existentes no Brasil. Mais tarde tivemos um padrão de professor que conduzia severamente o aprendizado à repetição de normas e padrões artísticos estabelecidos pela Europa neoclássica que, prioritariamente mediam a capacidade cognitiva do alunado: aqueles que não alcançavam os referidos padrões eram literalmente considerados desviados: incapacitados. Depois, a fim de consolidar um ensino que priorizava o mercado de trabalho, professores cobravam dos estudantes domínio técnico, por exemplo, do desenho e das geometrias para fins criativos técnicos comerciais. Logo, semelhança pouca aos dias atuais parece pouca bobagem. Afinal, continuamos tendo vários dos padrões dos tempos do “descobrimento”, na verdade um en-cobrimento (Dussel, 1977), em que mantemos padrões de arte europeia e estadunidense para julgar nossos fazeres artísticos e, do mesmo modo, cientificamos até a educação para dizer que agora sim produzimos uma ciência do conhecimento ainda que descabida em relação à ciência moderna cartesiana que tem o saber na cabeça do homem, branco, de classe alta, de fé cristã, dominante das línguas oficiais europeias.

[xiii] Como muitos estados brasileiros, Mato Grosso do Sul é composto por diferentes culturas que circulam em seu território geográfico: temos a segunda maior colônia indígena do Brasil; somos o segundo estado com o maior número de japoneses moradores fora do Japão; além da característica particular das culturas paraguaias e bolivianas que convivem com comunidades quilombolas, orientais de diferentes países e com africanos, venezuelanos e sírios que têm migrado para o estado nestas últimas levas de migrações recorrentes pelo mundo.

[xiv] Por exemplo, como estou argumentando a partir do Ensino de Arte, da Formação do Professor de Arte e do Trabalho Docente em Arte todo o currículo escolar – nas escolas e nas universidades – está baseado na História e na Teoria das Artes europeia e/ou estadunidense. Somos todos formados na lógica histórico-temporal-geográfica que prioriza totalmente as civilizações e os estilos, movimentos, nomenclaturas, artistas e obras e, igualmente, teóricos e teorias de línguas que privilegiam sempre a produção da Europa ou dos Estados Unidos como supostamente Universais/Tradições/Cânones.

[xv] Já falei algumas vezes, mas cabe lembrar que quando figuramos no currículo escolar, as culturas indígenas e/ou africanas, por exemplo, para falar da nossa formação por culturas subalternas, somos comparados como exóticos à cultura europeia e/ou às estadunidenses. Somos os outros que não tiveram direitos de sê-los. E não estou homogeneizando essas duas últimas culturas, mas é evidente que não somos aproximados sequer às problemáticas culturais que os diferentes europeus e “norte-americanos” têm. Pois, não somos nem próximos àqueles!

[xvi] Aqui talvez seja ou esteja a maior estratégia dentre as já discutidas neste trabalho: formar professores com pensamentos DESCOLONIZADOS. Mas, em um trabalho em desenvolvimento a partir das aulas que tenho ministrado na graduação em Dança e Teatro da UEMS, na disciplina de Arte Educação (AR), estou discutindo se é possível formarmos professores descoloniais considerando que o “alunado” tem ocupado o pior lugar na educação: o de formarem-se para ser meros operários?