O espaço expositivo como laboratório de conhecimento em arte fundamentado na Abordagem Triangular

The exhibition space as a laboratory of knowledge in art based on the Triangular Approach

 

Thais Rosa dos Reis [1]

Universidade Feevale, Novo Hamburgo, RS, Brasil

Laura Marcela Ribero Rueda [2]

Universidade Feevale, Novo Hamburgo, RS, Brasil

Denise Blanco Sant'Anna [3]

Universidade Feevale, Novo Hamburgo, RS, Brasil

 

Resumo

As contribuições da sistematização da Abordagem Triangular para o ensino da Arte no Brasil resultaram da eclosão dos discursos pós-modernos do final do século XX e das correntes de pensamento do ensino da arte, influenciando a estruturação dos três eixos que a fundamentam, a contextualização, o fazer e a leitura de imagem. Considerando a Abordagem Triangular proposta por Ana Mae Barbosa, a presente pesquisa tem como objetivo discutir a sua aplicação enquanto estratégia de mediação artística, cultural e social, compreendendo o espaço expositivo como Laboratório de Conhecimento. Deste modo, a metodologia empregada caracteriza-se como uma pesquisa de abordagem qualitativa de cunho exploratório. Conclui-se que ao tratar a Abordagem Triangular enquanto estratégia para a mediação cultural social e artística, possibilita-se o contato dos sujeitos com a arte a partir da experiência, da valorização do repertório cultural, e a reflexão sobre aspectos culturais e sociais.

Palavras-chave: Abordagem Triangular; Arte/educação; Espaço expositivo; Mediação cultural e social; Mediação artística.

 

Abstract

The contributions of the systematization of the Triangular Approach to the teaching of Art in Brazil resulted from the outbreak of postmodern discourses at the end of the 20th century and currents of thought in art teaching, influencing the structuring of the three axes that underlie it, contextualization, making and reading images. Considering the triangular approach proposed by Ana Mae Barbosa, this research aims to discuss its application as an artistic, cultural and social mediation strategy, understanding the exhibition space as a Knowledge Laboratory. In this way, the methodology used is characterized as research with a qualitative approach of an exploratory nature. It is concluded that by treating the Triangular Approach as a strategy for social and artistic cultural mediation, it is possible for subjects to interact with art based on experience, the appreciation of the cultural repertoire, and reflection on cultural and social aspects.

Keywords: Triangular approach; Art/education; Exhibition space; Cultural and social mediation; Artistic mediation.

 

A Abordagem Triangular e os contextos da Arte/educação

“A leitura verdadeira me compromete de imediato com o texto que a mim se dá e a que me dou e de cuja compreensão fundamental me vou tornando também sujeito” (Freire, 2022 p. 29).

 

Ao longo de décadas o ensino da arte no Brasil tem passado por modificações vinculadas aos contextos sociais e políticos do país e na conjuntura da eclosão dos discursos da pós-modernidade, encontra-se a sistematização da Abordagem Triangular.

Neste sentido, nas décadas de 1980 e 1990 no país, entre as discussões deste “discurso pós-moderno global e o processo consciente de diferenciação cultural também pós-moderno” Ana Mae Barbosa (1998, p. 33), sistematizou-se a abordagem que em um primeiro momento ficou conhecida como Metodologia Triangular[i], atualmente denominada como Abordagem Triangular.

A Abordagem Triangular para o ensino da arte, se deu em um primeiro momento, através de pesquisas realizadas por Ana Mae Barbosa, enquanto ocupava o cargo de gerência do Museu de Arte Contemporânea da USP: o MAC/USP, nos anos de 1987 a 1993 em parceria com a equipe de pesquisadores[ii] que fazia parte do setor educativo da instituição, segundo Adriana D’Agostino (2022).

A sistematização da Triangulação Pós-colonialista do Ensino da Arte no Brasil, nome pelo qual também ficou conhecida a abordagem, foi pensada a partir de reflexões sobre o contexto das condições estéticas da pós-modernidade. Portanto, a arte/educadora defende que a abordagem não foi trazida, mas sistematizada, pois o verbo trazer significaria apenas transportar algo já existente e a abordagem, enquanto sistema tem suas singularidades (Barbosa, 1998).

Deste modo, foi sistematizada e amplamente testada entre os anos de 1987 e 1993, e de 1989 a 1992 foi levada às escolas da rede Municipal de Ensino de São Paulo, inicialmente por Ana Mae, e depois pelas artes/educadoras Regina Machado e em um terceiro momento, por Cristina Rizzi, orientando alunos, nesta etapa, para conhecer e analisar obras ao vivo nos museus da cidade (Barbosa, 1998).

A Abordagem Triangular, baseia-se em três eixos principais que denotam ações: a contextualização, o fazer e a leitura de imagem sem uma sequência predeterminada, pois entende-se que o que determina a ordem dos eixos, depende da construção metodológica que cada contexto exige, cabendo ao professor e alunos a leitura mais adequada para a ordem da sua realização (Barbosa, 2014).

Assim, a abordagem, pretende que o ensino da arte parta de ações que dialoguem com diferentes metodologias, sendo uma proposta aberta que encontra como referência pesquisadores do campo da educação, da arte e da filosofia, e três vertentes mundiais de ensino da arte as Escuelas Al Aire Libre do México, o Critical Studies da Inglaterra e o Discipline Based Art Education (DBAE) dos EUA.

A contextualização na perspectiva da Abordagem Triangular, deriva do pensar atrelado a vertentes humanísticas, que pode ser histórica, social, psicológica, antropológica, geográfica, ecológica, biológica etc. Deste modo, a contextualização não se comporta como uma disciplina fechada na abordagem, mas como um derivado de saberes que podem ser disciplinares ou não (Barbosa, 1998). Neste sentido, contextualizar significa o estabelecimento de relações abertas à interdisciplinaridade através da contextualização da obra de arte ou imagem, a partir de seu contexto histórico, social, político, ambiental, espacial etc., objetivando relações com o contexto de quem busca a aprendizagem através da Arte/educação (Rizzi, et al., 2017).

O fazer ligado a Abordagem Triangular, se distingue de um fazer que visa somente a produção artística, portanto, dialoga diretamente com os eixos da contextualização e da leitura de imagem e almeja o estímulo do pensar acerca da criação, através da experiência da criação e leitura para realização do julgamento crítico das imagens produzidas ou do cotidiano, portanto

 

[...] necessita da contribuição simultânea da história e de teorias da arte que iluminem a leitura da obra de arte assim como de uma prática problematizadora. A prática sozinha tem se mostrado impotente para formar o apreciador e fruidor de arte. (Barbosa, 2014, p. 42).

 

Deste modo, o fazer se mostra diferente do que propõe a livre expressão, que não visa uma análise crítica pautada na contextualização deste fazer.

Para que haja a contemplação dos três eixos da Abordagem Triangular, faz-se necessário um contato com padrões avaliativos da arte através da sua história para que não se caia na expressão de uma pura catarse emocional, sem criticidade, pois encarar a arte apenas como expressão, pode levar a concepções superficializadas, de modo que, “se a arte não é tratada como forma de conhecimento, mas como um grito da alma não estamos fazendo nem educação cognitiva nem educação emocional” (Barbosa, 2014, p. 43).

Esta forma de pensar a Arte/educação, não pretende que se deixe de lado os movimentos emocionais e subjetivos que a arte tende a manifestar, mas direciona para uma aprendizagem capaz de levar ao conhecimento, considerando contextos históricos, sociais, políticos e ambientais da arte, demonstrando mais uma vez seu potencial interdisciplinar ao encarar o humano por inteiro.

Assim, a leitura de imagem confere um caráter de construção a partir de um campo de sentido decifrável, aproximando esse sentido ao da gramática sem deixar de lado a poética pessoal do decodificador da imagem. Diferentemente do termo apreciação[iii], por exemplo, que sugere uma interpretação voltada para um deslumbramento com a imagem, em uma relação banal sem vínculo crítico e contextual (Barbosa, 2014).

Deste modo, as inquietações que fizeram com que Barbosa, sistematizasse uma abordagem para o ensino da arte no contexto do MAC/USP, se mostraram alinhadas a perspectiva do museu enquanto espaço expositivo artístico, capaz de promover diferentes manifestações culturais por meio da participação, valorização da população e suas diferentes perspectivas culturais, culminando na política cultural que formou o “primeiro programa intercultural em um museu brasileiro” (D’Agostino, 2022, p. 58).

Com isso, é possível dizer que a Abordagem Triangular, desde a sua origem, se insere numa perspectiva de aproximação da população com a arte, mediada pela reflexão, contextualização e experiência. Propõe estabelecer significados capazes de levar a compreensão das estruturas que condicionam o papel dos sujeitos na sociedade, fazendo com que estes decifrem de forma crítica os códigos culturais vistos como aspectos de seu cotidiano.

 

Correntes de pensamento em ensino da arte e suas influências na Abordagem Triangular

Segundo Ana Mae Barbosa (2009, p. 21) toda mediação cultural é social, quando promove a reflexão da população sobre a cultura que a cerca, através do discernimento e da valorização das suas diversidades, resultando, deste modo em “benefícios sociais como qualidade das relações humanas e compreensão de si e do outro.”

Neste sentido, as perspectivas que conduziram o modo como a pesquisadora concebe a relação entre arte, Arte/educação e mediação cultural e social, encontram eco em sua trajetória biográfica e acadêmica, na qual o contato com as ideias do educador Paulo Freire e com o pensamento de John Dewey figuram em lugar de proeminência, bem como, as pesquisas realizadas na Inglaterra com o Critical Studies, no México com as Escuelas Al Aire Libre e nos Estados Unidos com o Discipline Based Art Education: o DBAE (D’Agostino, 2022).

As contribuições do educador brasileiro Paulo Freire[iv], concederam a Ana Mae uma visão de educação com perspectivas que recusam a imposição da cópia de modelos dados pelo poder dominante, isto é, uma educação voltada para a conscientização da população acerca das estruturas sociais na perspectiva do papel do professor, enquanto um estimulador da produção de sentidos e relações com o mundo e por isso, capaz de ensinar e aprender com seus alunos lendo o seu contexto (Freire, 2022). Deste modo, esta forma de ensinar e aprender referenciada em Freire, dialoga diretamente com a leitura crítica para o ensino da arte, baseada no pensamento de John Dewey[v], crucial para a sistematização da Abordagem Triangular (Barbosa, 2015a).

De maneira ampla, o pensamento de Dewey é considerado importante, porque antecipa impasses da condição pós-moderna, através do conceito de experiência (Henning, 2023) que na sua perspectiva, não se desvincula da teoria, e pretende “a recusa da história como monumento, desconectada da ideia de progressão em história, e aproximada da “noção de história como sintoma”. (Barbosa, 2015b p 19).

Quando Barbosa escreve sobre essa ideia de história, a contextualiza nos percursos do ensino da arte no Brasil, pois a “história do Ensino da Arte e do desenho no Brasil passou por fases que se acrescentam umas às outras: se intercalam, raramente dialogam e operam como em cascata, em camadas, ou placas tectônicas” (Barbosa, 2015b p. 13).

Assim, ela entende que na atualidade se convive constantemente com o passado e que desenhar a trajetória do ensino da arte no Brasil, através deste ponto de vista histórico, pode ser um caminho para a compreensão das origens das influências que ainda direcionam os pensares sobre arte nos seus diferentes contextos.

Exemplos da forma como Barbosa transita por essas diferentes perspectivas ao longo da sua carreira, são as Escuelas Al Aire Libre (1913-1932), desenvolvidas por Adolfo Best Maugard[vi] e buscadas por Ana Mae, quando pesquisava sobre a história do ensino da arte em três países, especificamente Argentina, Uruguai e México (Barbosa, 1998). Nesta pesquisa, ela se interessou pelas Escuelas por terem ocorrido no México em um contexto de movimento educacional, onde as ideias se baseavam em inter-relacionar arte como livre expressão e como cultura, dialogando com o ensino-aprendizagem, para Barbosa, estas escolas foram cruciais no desenvolvimento muralista mexicano, e visavam além disso,

 

A recuperação dos padrões de arte e artesania mexicana, a constituição de uma gramática visual mexicana, o aprimoramento da produção artística do país, o estímulo à apreciação da arte local e o incentivo à expressão individual. (Barbosa, 1998, p. 34).

 

Nesse sentido, as mudanças no ensino da arte no país, associaram movimentos culturais com a livre expressão, sendo considerado o único movimento modernista para o ensino da arte capaz de articular as duas ideias (Barbosa, 2015b).

Outra linha de ensino que corrobora na variação de influências para a sistematização da Abordagem Triangular, e que integrava a ideia de arte como expressão e como cultura foi o movimento de Critical Studies da Inglaterra.

 

Tomei contato, então com outra linha de ensino integradora da ideia de arte como expressão e como cultura, especialmente através do trabalho de Victor Pasmare e Richard Hamilton na Universidade de Newcastle. Posteriormente, os textos de David Thistlewood e as conversas com ele sobre o movimento de Critical Studies, na Inglaterra, muito ecoaram na minha opção epistemológica. (Barbosa, 1998, p. 34).

 

Ana Mae Barbosa, realizou pesquisas a partir de leituras de livros, artigos e depoimentos, sobre o início do ensino modernista na Inglaterra do século XIX e início do XX, encontrando como único paralelo às Escuelas Al Aire Libre o trabalho de Marion Richardson, que “procurava integrar a livre expressão em pintura e desenho ao exercício de caligrafia.” (Barbosa, 2015b, p. 66). Deste modo, a arte/educadora destaca que chegou a encontrar projetos que pretendiam ensinar a arte como história, enfocando sua apreciação, mas sem a inclusão do fazer artístico.

O contexto formal do abstracionismo, no qual a Grã-Bretanha entrava, devido ao decorativismo de movimentos como o Arts and Crafts, da Escola de Arte de Glasgow e do Omega Workshop, influenciou aos poucos os grafismos realizados nos exercícios propostos por Richardson, a terem uma função plástica, porém sem perder a “ideia de legibilidade da linha, de controle motor e beleza de um manuscrito” (Barbosa, 2015b, p. 66). 

Com o intuito de fazer um paralelo entre as recepções dessas duas vertentes, Ana Mae realiza uma crítica que denota as diferentes tratativas dos trabalhos dos arte/educadores em seus países.

 

É doloroso notar a perversidade destrutiva da intelectualidade em países do Terceiro Mundo. Enquanto na Europa e nos Estados Unidos os artistas e críticos modernistas das duas primeiras décadas do século XX usaram a arte das crianças, sua espontaneidade para a construção visual como propaganda da Arte Moderna, [...] no México a experiência mais avançada do ponto de vista político, social, cultural e mesmo formal foi destruída por arrufos entre artistas e prepotência de críticos [...] Nenhuma ação destruidora foi perpetrada contra Marion Richardson por seus contemporâneos, e ela é até hoje comemorada. (Barbosa, 2015b, p. 98).

 

No México, as tendências para o ensino da arte dos arte/educadores modernistas, desprestigiadas por artistas e críticos, foram mote para uma série de medidas que causaram a sua destruição. Contudo, as influências das Escuelas nas escolas comuns do México foram grandes.

 

Ironicamente, as Escuelas de Pintura al Aire Libre do México, [foi] o movimento modernista de ensino da Arte, que mais se aproxima dos valores defendidos para o ensino da arte hoje na pós-modernidade, isto é, arte como expressão e cultura, foi interrompido no seu início e varrido dos livros de História do Ensino da Arte. (Barbosa, 2015b, p. 99).

 

O livro Arte-educação: leitura no subsolo (1997), organizado por Ana Mae Barbosa, apresenta o resultado de uma pesquisa da arte/educadora acerca da influência de pensadores estrangeiros nas mudanças do ensino da arte modernista para o ensino pós-moderno no Brasil, realizada nos anos de 1981 e 1993. Além da análise de teses e dissertações, traz ensaios de autores estrangeiros com o intuito de facilitar o acesso para professores brasileiros.

Dos textos presentes na coletânea, encontra-se o de David Thistlewood[vii], intitulado em versão traduzida, Estudos Críticos: o museu de arte contemporânea e a relevância social, onde são apresentadas algumas caraterísticas do Critical Studies ou Estudos Críticos. Segundo Thistlewood, os Estudos Críticos, abrangem inúmeros objetivos e métodos variados, existindo diferentes formas de encarar as suas perspectivas acadêmicas (Barbosa, 1997).

 Dentre os objetivos, surge a apreciação de arte, em uma perspectiva de transmissão de grandes temas, abrangendo o aspecto mais acadêmico da História da Arte, como por exemplo os da pintura e escultura (Barbosa, 1997).

Após 1930, quando a disciplina de História da Arte voltou a ser obrigatória nas faculdades da Inglaterra, com o intuito de disseminar o conhecimento em História da Arte e alargar o número de especialistas na área, foram introduzidos Os Estudos Complementares, vistos como extensão do enriquecimento da disciplina para que os estudantes passassem a encará-la a partir das perspectivas de profissionais como sociólogos, ambientalistas e cientistas, além de historiadores, pois “o resultado híbrido foi precursor dos modernos Estudos Críticos, difundindo-se por todo o ensino universitário de arte, penetrando nas escolas secundárias uma geração mais tarde” (Barbosa, 1997, p. 142).

Diante disso, como característica dos Estudos Críticos, tem-se uma variedade de perspectivas sobre seus objetivos, onde destacam-se concepções voltadas para a ideia de que garantiriam uma observação detalhada para as obras de arte, evitando um olhar pouco aprofundado. Outra perspectiva seria a da sua valorização, apenas se o objetivo final fosse capaz de levar a uma prática que partisse de conhecimentos adquiridos de procedimentos artísticos e novas técnicas aprendidas. Havia também, os que afirmavam que seu intuito seria o de alcançar um melhor entendimento do mundo compreendendo-o do ponto de vista dos artistas, outros salientavam a finalidade dessa abordagem para levar ao esclarecimento do potencial socioeconômico da arte, ou um caminho para o conhecimento da história convencional, retratados nas obras de arte.

 

Usando uma definição ampla, mas flexível, pode-se dizer que Estudos Críticos é a esfera do ensino da arte que transforma os trabalhos de arte em percepção precisa e não casual, analisando sua presença estética, seus processos formativos, suas causas espirituais, sociais, econômicas e políticas e seus efeitos culturais. (Barbosa, 1997, p. 143).

 

As concepções trazidas pelos Estudos Culturais ou Critical Studies, influenciaram diretamente na sistematização da Abordagem Triangular, assim como o contato de Ana Mae com pesquisadores como Elliot Eisner, Ralph Smith e Brent Wilson, formuladores do Disciplined Based Art Education (DBAE). Segundo ela, estes pesquisadores foram responsáveis pelo estímulo do seu “posicionamento culturalista em relação às políticas artísticas” (Barbosa, 1998, p. 34).

Elliot Eisner[viii] apresenta no livro Arte-educação: leitura no subsolo (1997) organizado por Ana Mae Barbosa, as discussões acerca dos otimismos e das controvérsias estimuladas pela entrada do DBAE nos Estados Unidos. O DBAE propunha uma estruturação partindo de quatro disciplinas, baseadas na produção, na crítica, na história e na estética da Arte que poderiam ser abordadas de forma isolada ou integrada quando possível com outras áreas de ensino, desde que os “valores da arte” não fossem diminuídos (Barbosa, 1997, p. 85). Os valores da arte, nesse cenário eram encarados partindo de parâmetros que propunham valorizar o ensino da arte como uma área de estudo, frente às percepções de que a educação pela arte seria permissiva em comparação a outras áreas, tais perspectivas eram justificadas principalmente em função da abertura da arte para que a criança pudesse manifestar suas emoções e imaginação (Barbosa, 1997).

O DBAE estruturava-se em quatro disciplinas descritas como Produção de Arte, vista com uma forma da criança pensar sobre a criação de imagens, a Crítica de Arte que tinha como propósito o desenvolvimento da habilidade para ver imagens, a História da Arte, que objetivava o entendimento dos contextos temporais, territoriais e sociais dos trabalhos artísticos e a Estética como forma de compor as bases teóricas, permitindo um julgamento da qualidade das obras. (Barbosa, 1997).

De forma geral o DBAE, compreende a relação da arte e de seu ensino a partir de suas disciplinas, no intuito de instrumentalizar a experiência com a arte, portanto neste sentido,

 

O que a arte proporciona é uma contribuição ampla ao desenvolvimento e às experiências humanas. Primeiramente a arte, isto é, as imagens e eventos cujas propriedades fazem brotar formas estéticas de sentimentos, é um dos importantes meios pelos quais as potencialidades da mente humana são trazidas à tona. (Barbosa, 1997, p. 89).

 

O Discipline-Based Art Education, enquadra-se como um sistema para o ensino da arte, aproximado de ideias pós-modernas, mas com uma construção modernista, pois disciplinariza os seus componentes de ensino. Mesmo que possa ser visto a partir da integração com outras áreas, a disciplina e a estrutura são a linha principal, de modo que pode ser ensinado sem o estabelecimento de ligações entre as suas áreas de estudo.

Nesse sentido, ao comparar a Abordagem Triangular com DBAE, percebe-se que a maior diferenciação entre as duas perspectivas se dá na forma como encaram seus eixos, enquanto a Abordagem parte de uma perspectiva interdisciplinar aberta o DBAE estrutura as suas ações em disciplinas fechadas que apesar de dialogarem entre si, continuam propondo a disciplinarização dos conhecimentos.

Diante dessas diferenciações, pode-se dizer que a Abordagem Triangular, compreende a aprendizagem em arte como um processo de alfabetização aberto a ampliação do repertório de conhecimento em arte partindo da leitura dos diferentes códigos culturais e do entendimento de seu contexto histórico e social, objetivando a formação de sujeitos críticos, capazes de refletir sobre os padrões que estruturam o acesso a arte e a cultura.

 

Espaço expositivo enquanto laboratório de conhecimento em arte

O entendimento do espaço expositivo enquanto “laboratório de conhecimento em arte” (BARBOSA, 2009 p. 13) perpassa pela ideia de que a mediação artística nesse espaço pode ser fundamental para o desenvolvimento do pensamento crítico, capaz de mobilizar questões sobre o acesso a arte e reflexões sobre diferentes aspectos da cultura. Porém, “o prestígio dos departamentos de educação dos museus de arte é muito recente” (Barbosa, 2009, p. 14) tornando crucial o esforço dos arte/educadores em aproximar o campo da arte com a educação.

Segundo Ana Mae Barbosa (2009), o campo de estudo que se desenvolve ao analisar tais concepções de mediação engloba também a análise das situações as quais profissionais e público são expostos nesses espaços. A partir disso, ela observa que “Na camiseta dos mediadores da Bienal de 1998 havia a frase “TIRA DÚVIDAS”, (Barbosa, 2009, p. 14), um exemplo de como as concepções de mediação e do papel do mediador estava apresentado nesse contexto.

A partir de uma concepção mais contemporânea difundida por Nicholas Serota[ix] a educação em museus e espaços expositivos desempenha papel de importância, sendo compreendida de forma ampla e englobando ações como a organização dos acervos expositivos, montagem, disposição das obras no espaço, design e curadoria como também parte do processo de educação e não como assunto restrito a um setor ou departamento específico do espaço expositivo (Barbosa, 2009).

Esta concepção está alinhada a ideia de um espaço expositivo que aproxime o público através da educação pela experiência e interpretação das obras, tornando este, um Laboratório de Conhecimento em Arte (Barbosa, 2009) onde o aprendizado se dá através da leitura dos trabalhos, dialogando com seu contexto e com o repertório de significados trazidos pelo público. Deste modo, o papel do mediador seria o de estimular através de comparações e do seu conhecimento prévio o interesse do público pelo contexto e significados dos trabalhos e não apenas tirar dúvidas.

            Para Rejane Coutinho (2009), a mediação artística que limita o papel do mediador a roteiros sem dar espaço para o diálogo com o público, provém de perspectivas diretivas da mediação, pautadas em discursos informativos de modo que o público se relacione de forma passiva frente aos objetos expostos (Coutinho, 2009, p. 172) já a Abordagem Triangular contribui para uma concepção mais ampla, considerando o diálogo por meio da Arte/educação crucial no espaço expositivo.

            Nesse sentido, a Abordagem Triangular, surgida no contexto do MAC/USP acompanhou os esforços de arte/educadores para que o campo da arte em espaços expositivos se aproximasse do olhar educativo e da interculturalidade, dando ao público a possibilidade interpretativa dos elementos expostos no contexto de exposições e da participação no processo constitutivo das mostras, dialogando com seus códigos culturais e sua diversidade, tanto nas atividades educativas bem como nos cursos oferecidos no museu. Uma das exposições realizadas neste sentido foi a intitulada Mulheres não devem ficar em silêncio da artista Barbara Kruger, nascida no ano de 1945 nos EUA, que consistiu na aplicação de outdoors pela Cidade Universitária da Universidade de São Paulo durante a inauguração do prédio do MAC/USP, no ano de 1992 (D’Agostino, 2022).

 A exposição visava a promoção desse olhar educativo e intercultural a partir de uma estética provinda do repertório visual da publicidade, através de outdoors (Figura 1) também conhecidos como billboards, com o intuito de provocar na população, reflexões relacionadas à mulher violências e sociedade.

 

Figura 1 – Barbara Kruger. Mulheres não devem ficar em silêncio, outdoor exposto na sede do MAC/USP, Cidade Universitária, 1992.

Fonte: Acervo do MAC/USP.

           

A forma como a exposição foi pensada, surgiu do entendimento da necessidade de um espaço expositivo que fosse de encontro com a população e que dialogasse com aspectos visuais conhecidos do público. Assim, para além do trabalho de Kruger, um grupo de artistas populares foram convidados a desenhar um tapete com areia colorida, referenciando uma prática social elaborada no Brasil nos rituais religiosos de Corpus Christi, evidenciando a valorização dos códigos conhecidos pela população como um convite de entrada da população no espaço expositivo (D’Agostino, 2022).

            A importância do espaço expositivo e do ensino da arte na promoção da diversidade dos códigos culturais, entendendo-os como direito da população, contribuem para o entendimento da arte enquanto ferramenta de pensamento crítico e ao conceber este ensino a partir da experiência pretende o acesso a diversidade de códigos culturais enriquecendo o repertório cultural dos sujeitos e dos espaços expositivos. Essa concepção dialoga com o conceito de mediação cultural e social sendo a Abordagem Triangular entendida como estratégia que leva a essa concepção de mediação, pois pretende que a experiência no espaço expositivo, visto como um laboratório de conhecimento permita a apropriação dos diferentes saberes a partir da construção de significados e de sua leitura (Coutinho, 2009).

            Cabe ressaltar, que a mediação cultural e social se dá na formação de significados do público com o espaço expositivo, através da leitura que estabelece conexões com seu repertório, tornando-o capaz de transformar suas perspectivas a partir do contato com a arte. Sobretudo, sendo a mediação artística facilitadora desses diálogos e o espaço expositivo um Laboratório de Conhecimento em Arte capaz de ser articulado de forma intercultural.

 

Considerações finais

            Diante do exposto, é possível destacar que a Abordagem Triangular, considerada em seu contexto de sistematização no Brasil, nos anos de 1980 e 1990 e as correntes de pensamento que influenciaram a sua construção a partir de três eixos, além de contribuir para a entrada do ensino da arte brasileira nas perspectivas da pós-modernidade, contribuiu para o diálogo de diferentes áreas de estudo em uma perspectiva de interculturalidade, também nos espaços expositivos.

Conclui-se que a mediação cultural é social quando corrobora para a reflexão de diferentes públicos, promovendo a valorização de seus códigos culturais e a construção de significados pelos sujeitos ao ter acesso aos espaços expositivos de forma consciente.

            A concepção de leitura, tratada na Abordagem Triangular, vincula-se às perspectivas de leitura crítica e reflexiva dos códigos culturais, onde o sujeito ao ser estimulado por meio do diálogo e da mediação estabelece uma relação com seu repertório de significados, partindo do conceito de experiência demonstrado ao longo desta pesquisa. Nesse intuito, foi possível perceber que o conceito de mediação cultural e social se aproxima do entendimento da cultura como um processo, no qual a ampliação do repertório dos sujeitos, engloba possibilidades de reflexão acerca das formas de arte e seu acesso.  

            Deste modo, o espaço expositivo, entendido como um Laboratório de Conhecimento em Arte pode contribuir para essas reflexões, sendo a Abordagem Triangular uma estratégia para estimular a mediação cultural e social, encarada em diálogo com o público, promovendo o seu acesso ao espaço expositivo.

            Ressalta-se que a mediação cultural e social dada a partir da promoção de significados do público, em consonância com os conhecimentos oferecidos no contato com o espaço expositivo, pode transformar perspectivas ao promover o acesso a diferentes formas de conhecimento ampliadas pela Arte/educação por meio da Abordagem Triangular, contribuindo deste modo, para a mediação cultural e social dos sujeitos.

 

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Ana Mae. (Org.). Arte-educação: leitura no subsolo. São Paulo. Editora: Cortez 1997.

 

BARBOSA, Ana Mae. Tópicos Utópicos. Belo Horizonte: Editora C/ Arte, 1998.

 

BARBOSA, Ana Mae. Mediação cultural é social. In Arte/educação como mediação cultural e social. Editora UNESP. – São Paulo, pág. 13-22, 2009.

 

BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte. 9° edição. Editora Perspectiva. - São Paulo, 2014.

 

BARBOSA, Ana Mae. John Dewey e o ensino da arte no Brasil. 8ª edição. São Paulo. Editora: Cortez 2015a.

 

BARBOSA, Ana Mae. Redesenhando o desenho: educadores, política e história. – São Paulo. [livro eletrônico] Editora: Cortez. 2015b.

 

BROOKE, Donald. Stanford Professor Elliot Eisner, champion of arts education, dies. Stanford graduate school of education. Sessão: News and Media, 16 de janeiro de 2014. Disponível em: <https://ed.stanford.edu/news/elliot-eisner-champion-arts-education-dead-80>. Acesso em: fev. 2024.

 

COUTINHO, Rejane Galvão. Estratégias de mediação e a abordagem triangular. In Arte/educação como mediação cultural e social. Editora UNESP. – São Paulo, pág. 171–186, 2009.

 

COUTINHO, Rejane Galvão. Tecendo histórias do ensino de artes: conversas com Ana Mae Barbosa. Revista ARJ: Art Reseach Journal. v. 2, n 2. P. 123 – 140. Jul/dez. 2015. Disponível em: <https://periodicos.ufrn.br/artresearchjournal/article/view/7619>.  Acesso em: set. 2024. 

 

D’AGOSTINO. Adriana. Ana Mae Barbosa no MAC/USP. Ano de defesa, 2023, 214 f., Tese Doutorado no Programa de Pós-Graduação Interunidades em Estética e História da Arte. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2022. Disponível em: < https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/93/93131/tde-23122022-131219/pt-br.php>. Acesso em: set. 2024.

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 74ª ed. – Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 2022.

 

GADOTTI, Moacir. (Org.). Paulo Freire: uma biografia. São Paulo. – Cortez Editora, 1996. Disponível em: < https://acervoapi.paulofreire.org/server/api/core/bitstreams/010c2d36-b5ef-446b-8234-c4b4b806d0e5/content>. Acesso em: set 2024.

HENNING, Leoni Maria Padilha. Experiência, arte e educação pela perspectiva de Dewey. In Experiências Dissidentes no Ensino de Artes Visuais. Revista Apotheke. v. 9 n. 2, pág. 152-167, 2023. Disponível em: <https://revistas.udesc.br/index.php/apotheke>. Acesso em: set. 2024.

 

RIZZI, Maria Christina de Souza Lima; SILVA, Mauricio da. Abordagem Triangular do Ensino das Artes e Culturas Visuais: uma teoria complexa em permanente construção para uma constante resposta ao contemporâneo. Revista GEARTE, Porto Alegre, v. 4, n. 2, p. 220-230, maio/ago. 2017. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/gearte>. Acesso em: set 2024.

 

SEROTA, Nicholas. Experience or Interpretation – The dilema of Museums of Modern Art. Editora: Thames and Hudson. - Italy, 2005.

 

Imagem 1

This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International (CC BY-NC 4.0)

 

Notas



[1] Mestranda em Processos e Manifestações Culturais na Universidade Feevale. Graduada em Artes Visuais - licenciatura pela Universidade Feevale (2022). Orcid: https://orcid.org/0009-0006-8688-5103. E-mail: th.dosreis@hotmail.com

[2] Doutora em Artes Visuais pela Universidade de Barcelona, Espanha (2013). Atualmente é pesquisadora e professora permanente na Universidade Feevale/RS, atuando no PPG em Processos e Manifestações Culturais. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-5675-7721. E-mail: laurarueda@feevale.br

[3] Doutora pelo Programa de Pós-graduação em Processos e Manifestações Culturais da Universidade Feevale (2020); Mestre em Educação (2005) pela UFRGS. Atualmente é pesquisadora e professora na Universidade Feevale, atuando no PPG em Processos e Manifestações Culturais. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-0233-6638. E-mail: denise@feevale.br



[i] A denominação “metodologia” foi utilizada na primeira edição do livro A imagem no ensino da Arte no ano de 1991 depois, a autora passou a considerar que o termo metodologia remete a construção que cada professor realiza em sala de aula, considerando as especificidades do seu próprio contexto educacional, portando hoje prefere a substituição do termo para Abordagem ou Proposta. (Barbosa, 2014).

[ii] Lourdes Galo, Sylvio Coutinho, Amanda Tojal, Mirtes Martins e Christina Rizzi, entre outros, eram integrantes da equipe do setor educativo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo e contribuíram para a construção da Abordagem Triangular (Barbosa, 2014).

[iii] Os PCNs do MEC de 1997, designaram a decodificação da obra de arte como apreciação, Ana Mae demonstra um posicionamento contrário para essa denominação, pois determina, além da relação apreciativa para a relação com a obra, um número de minutos para a observação da imagem.  (Barbosa, 2014)

[iv] Freire (1921-1997) foi um dos fundadores do Movimento de Cultura Popular (M.C.P.) do Recife, trabalhou, ao lado de outros intelectuais e do povo, para a valorização da cultura popular, defendendo a presença participativa das massas populares na sociedade brasileira através da educação (Gadotti, et. al., 1996).

[v] Dewey (1859-1952) filósofo, pedagogo e psicólogo americano, a autora pesquisou a influência americana no ensino da arte no Brasil em sua tese de doutorado em Humanistic Education, pela Boston University nos Estados Unidos, intitulada American influences on Art Education in Brazil: analyses of two moments: Walter Smith and John Dewey em 1979 (Coutinho, 2015).

[vi] Todas as abordagens conhecidas do ensino da Arte Modernista entre os anos 10 e 30 associavam a liberdade de expressão a algum tipo de conhecimento sistematizado, embora somente Adolf Best Maugard, o autor do livro didático usado nas “Escuelas de Pintura al Aire Libre”, tenha associado liberdade de expressão à análise da cultura visual (Barbosa, 2015b p 67).

[vii] Publicado originalmente na Revista Critical Studies in Art Design Education. London, Essex Longman, 1989. P 1-13. Trad. Heloisa Margarido Sales. Ver. Maria Cristina Bromberg (Barbosa, 1997 p. 141).

[viii] Elliot Wayne Eisner (1933-2014) foi Professor Emérito de Educação Lee Jacks na Escola de Pós-Graduação em Educação de Stanford e Professor Emérito de Arte. Propôs em sua trajetória formas de pensar a arte como uma ferramenta crítica capaz de desenvolver habilidades, dentre os principais temas pesquisados pelo professor estão: currículo, inteligência estética, ensino, aprendizagem e mediação qualitativa. (Brooke, 2014).

[ix] Foi diretor da Tate Gallery e da Tate Modern, no período de 1988 a 2017. No livro Experience or interpretation – the dilema of Museums of Modern Art, Serota aponta para uma perspectiva de ampliação da relação dos espaços expositivos com público, artistas e curadoria, englobando concepções de educação em museus através da experiência em arte (Serota, 2005).