“Pra quê fazer teatro na escola?”: perspectivas do ensino de teatro na educação formal

“Why do theater in school?”: perspectives on theater education in formal education

 

Jailton Ferreira de Oliveira Júnior [1]

Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, PE, Brasil

Mauricio Antunes Tavares [2]

Fundação Joaquim Nabuco, Recife, PE, Brasil

 

Resumo

O presente artigo busca compreender o desenvolvimento das práticas teatrais nas escolas de ensino básico regular, por meio de um levantamento das principais produções acadêmicas brasileiras em nível de mestrado e doutorado. Utilizando a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) como principal fonte de dados, a pesquisa abrangeu produções de 2018 a 2023, utilizando o descritor "Ensino de Teatro para Adolescentes". Foram encontrados 63 trabalhos, dos quais 33 atenderam ao critério de incluir o teatro como processo de desenvolvimento artístico e pedagógico com adolescentes. Focando na prática artístico-pedagógica do teatro no ambiente escolar, a análise delimitou-se aos trabalhos desenvolvidos no contexto da educação formal, resultando em 13 produções relevantes. Este levantamento oferece uma visão abrangente das abordagens e práticas teatrais nas escolas, destacando seu potencial estético e pedagógico no desenvolvimento de adolescentes.

 

Palavras-chave: Teatro-educação; Teatro na educação; Pedagogia do teatro; Teatro para adolescentes; Teatro na educação formal.

 

Abstract

This article seeks to understand the development of theatrical practices in regular basic education schools through a survey of major Brazilian academic productions at the master's and doctoral levels. Utilizing the Digital Library of Theses and Dissertations (BDTD) as the primary data source, the research covered productions from 2018 to 2023, using the descriptor "Teaching Theater to Adolescents." Sixty-three works were found, of which thirty-three met the criterion of including theater as a process of artistic and pedagogical development with adolescents. Focusing on the artistic-pedagogical practice of theater in the school environment, the analysis was limited to works developed within the context of formal education, resulting in thirteen relevant productions. This survey provides a comprehensive overview of theatrical approaches and practices in schools, highlighting their aesthetic and pedagogical potential in the development of adolescentes.

 

Keywords: Theater education; Theater in education; Theater pedagogy; Theater for adolescents; Theater in formal education.


 

Introdução

O sistema hegemônico desvaloriza tudo aquilo que não se apresenta em aspectos práticos, utilitários e tangíveis. Por sua vez, a arte é o campo do intangível, das subjetividades, das expressões plurais, o que explica a falta de investimento em tempo e em recursos destinados à educação estética. Ainda assim, a arte não deve ser compreendida de forma distanciada e elitizada, nem tampouco vista apenas como entretenimento, pois tem o propósito importante de espelhar as vivências no nosso tempo-espaço. Dessa maneira, John Dewey (2010, p. 61) aponta para a reflexão de que a arte não deve ser entendida apenas em seu contexto de contemplação, como se fosse uma insígnia de bom gosto e superioridade, pois, para ele, a arte é também uma dimensão estética formada por nossas experiências cotidianas.

Dewey (2010) relaciona o estado de experiência como sendo próprio da criatura viva, conectado com o que acontece em sua volta no presente. Para ele, “[...] A arte celebra com intensidade peculiar os momentos em que o passado reforça o presente e em que o futuro é uma intensificação do que existe agora” (2010, p. 82). O estado de experiência seria a conexão de todos os nossos sentidos no movimento presente, fundindo-se com o meio em que estamos, sendo assim, “Por ser a realização de um organismo em suas lutas e conquistas em um mundo de coisas, a experiência é a arte em estado germinal” (Dewey, 2010, p. 84).

Quando se é questionado sobre práticas artísticas na escola, mais importante que listar “benefícios” – como criatividade, espontaneidade e comunicação – é ter em mente que a arte e a experiência estética são necessidades humanas. Assim, educar os sentidos através das artes é tão importante quanto estudar os universos linguísticos, matemáticos e científicos. E, atualmente, assumir o papel de artista no contexto social em que vivemos é também assumir esse compromisso com a educação estética. Desse modo, a partir da noção crítica de educação de Paulo Freire (1996) que podemos compreender em nosso contexto a concepção de “experiência estética” a qual Dewey (2010, p. 84) acredita ser necessário provocar experiências prazerosas para obter novas percepções sobre o mundo.

Corroborando com esse pensamento, Ernest Fischer (1987) acredita que a arte consegue incorporar todas as experiências dos seres viventes em uma linguagem universal, capaz de fazer com que o indivíduo compreenda melhor sua realidade social. Dessa forma, podemos afirmar que a experiência estética pode capacitar o indivíduo a compreender sua realidade, ajudando-o não só a suportá-la, como também a transformá-la. Segundo o autor, “A arte, ela própria, é uma realidade social” (1987, p. 57). Nessa ótica, o pensamento estético contribui para o processo de (re)conexão dos indivíduos em um momento mundial de crise, principalmente das crises identitárias que surgiram da descentralização do sujeito na pós-modernidade (Hall, 2016), pois, “A arte pode elevar o homem de um estado de fragmentação a um estado de ser íntegro e total” (Ficher,1987, p. 57).

No Brasil, o lugar da arte – e do teatro – na educação esteve muito relegado a uma atividade auxiliar, podendo servir como instrumento metodológico para a transmissão dos conteúdos de outras áreas de conhecimento ou sendo apenas uma atividade complementar dentro da “Educação Artística”. Não satisfeitos com isso, muitos arte-educadores e artistas agiram em uma dedicada luta para a mudança desta situação, tendo a Lei de Diretrizes e Bases (LDB, Lei n.º 9.394), de 1996, e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), de 1998, como conquistas fundamentais para a reestruturação da relação entre a Arte e a Educação.

No Dicionário do teatro brasileiro (2009), organizado por J. Guinsburg, João Roberto Faria e Mariângela Alves de Lima, o verbete assinado por Ingrid Dormian Koudela, “pedagogia do teatro”, descreve que a área “[...] incorpora tanto a investigação sobre teoria e prática da linguagem artística do teatro, quanto a sua inserção nos vários níveis e modalidades de ensino (Koudela In: Guinsburg; Faria; Lima, 2009, p. 266)”. Trata-se, então, de um conceito guarda-chuva, que caracteriza uma vasta gama de ações artístico-pedagógicas em diferentes campos e com distintos objetivos. Koudela finaliza o verbete apresentando o GT da Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-graduação em Artes Cênicas (ABRACE) de Pedagogia do Teatro e Teatro na Educação, um importante passo para o compartilhamento desses pesquisadores que acreditam que “[...] a prática da ação dramática cria espaços e possibilidades para dar à consciência pós-moderna e pós-colonial, sensíveis à pluralidade, diversidade, inclusão e justiça social” (2009, p. 266).

A partir da perspectiva da Pedagogia do Teatro, foram concebidas e difundidas muitas abordagens metodológicas para estruturar o ensino do teatro na educação formal e na educação informal. Ponderando que o ensino de Artes só saiu da condição de Educação Artística com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB, Lei nº 9.394) de 1996 e que, no Ensino Formal, a linguagem artística mais contemplada é a das artes visuais, podemos considerar que já existem muitas pesquisas que refletem no potencial artístico-pedagógico do teatro na educação. Todavia, ainda existe uma grande lacuna de explorações acadêmicas se compararmos com outras áreas do conhecimento.

Na busca por uma compreensão de como se desenvolve as práticas teatrais nas escolas de ensino básico regular, o presente artigo apresenta um levantamento das principais produções acadêmicas brasileiras em nível de mestrado e doutorado. Com esse objetivo, foi utilizado a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) como banco de dados, no mês de março de 2024. Em outros bancos de dados, como o Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), foram encontrados os mesmos trabalhos selecionados, com poucos resultados diferentes que possuem relevância para esta pesquisa.

 

Levantamento das produções acadêmicas: ensino de teatro para adolescentes

Como descritor para este levantamento, utilizamos o “Ensino de Teatro para Adolescentes”, sendo assim foram encontrados sessenta e três (63) trabalhos de áreas diversas produzidos de 2018 a 2023. O principal critério de inclusão teve em vista se o teatro é assumido no trabalho como um processo de desenvolvimento artístico, em seu potencial estético e pedagógico, com adolescentes, ou se possui um caráter exclusivamente instrumental da linguagem teatral. Afinal, o nosso objetivo está alinhado exatamente com o aprofundamento da prática artístico-pedagógica do teatro com adolescentes no espaço escolar. Dos sessenta e cinco (65) trabalhos, apenas trinta e três (33) estavam dentro desse critério. Por conseguinte, ainda utilizamos o recorte temporal de cinco (5) anos dos trabalhos já encontrados. De 2018 até 2023, foram encontrados vinte (20) trabalhos, sendo sete (7) no contexto da educação informal; e treze (13) trabalhos no contexto da educação formal.

Delimitando ainda mais ao nosso objetivo, a análise neste levantamento considera apenas os trabalhos que foram desenvolvidos e/ou refletem sobre o teatro na educação formal. Com isso, foram selecionados: quatro (4) teses e nove (9) dissertações, sendo duas (2) teses e duas (2) dissertações na área da Educação, seis (6) dissertações na área de Artes, uma (1) tese na área da Enfermagem e uma (1) tese e uma (1) dissertação na área das Artes Cênicas. Para uma melhor visualização, a seguir apresento os estudos encontrados ordenados com os títulos, pesquisadores, áreas do conhecimento, universidades e os anos em que foram publicados:

 

Tabela 1 – tabela dos trabalhos selecionados

Título do trabalho

Autor/a

Área/

Universidade

Trabalho

Ano

1

O uso do método alba emoting aplicado aos jogos teatrais de Viola Spolin no ensino médio

Daniela Josper Cavalcanti

PROF Artes UnB

Dissertação

2023

2

Teatro Improvisacional na escola: espaço de escuta do adolescente

Lorena Oliveira de Souza

Educação, Linguagem e Psicologia USP

Dissertação

2022

3

Teatro, jogo e adolescência: um encontro das potencialidades do jogo quando presente na escola

Kauê Antonio da Silva Rocha

Artes

UFMG

Dissertação

2022

4

O teatro com adolescentes como possibilidade pedagógica de letramento histórico para o enfrentamento de negacionismos e neofascismo

Juliana Fraga

 

Educação UFRGS

 

Dissertação

2022

5

A construção da experiência teatral na educação básica pela exploração de dispositivos tecnológicos

Lisinei Fatima Dieguez Rodrigues

Artes Cênicas UFRGS

Tese

2020

6

"Eu seguro minha mão na sua": teatro na educação e construção da identidade

Talitha Cardoso Hansted

Educação UNICAMP – SP

Tese

2020

7

Partitura Dramática: uma proposta metodológica para o ensino de teatro em ambiente escolar

Ezequias Soares de Andrade

PROF Artes UnB

Dissertação

2020

8

Onde está o herói?: processo de criação corporal com adolescentes no contexto educacional contemporâneo

Adriana Paes Leme Paiva Gomes

Educação UNICAMP – SP

Tese

2020

9

Trajetória e significado de um grupo teatral no âmbito escolar: o espetáculo Seca do Grupo Cutucart

Getulio Souza Cruz

PROF Artes UnB

Dissertação

2018

10

(PER)CURSOS DE OLHARES DE SI: entre o Teatro do Oprimido e a Mímese Corpórea no processo de Ensino-Aprendizagem

Bianca Rodrigues Holanda.

PROFArtes UFU

Dissertação

2018

11

Encenando gênero em espaço de confiança: experiências pedagógicas e teatrais com adolescentes

Joyce Sangolete Chaimsohn.

Artes Cênicas UFBA

Dissertação

2018

12

Enfrentamento do bullying na escola: o Teatro do Oprimido como estratégia de intervenção

Lidiane Cristina da Silva Alencastro

Enfermagem USP

Tese

2018

13

Adolescentes espectadores: um olhar teatral sobre o aluno do ensino médio

Tatiana Trindade Gomes Nascimento

PROF Artes UnB

Dissertação

2018

           

Fonte: produzido pelos autores.

 

Inicialmente, podemos reconhecer que as práticas teatrais desenvolvidas pelos professores-artistas-pesquisadores deste levantamento são tão diversas quanto o próprio Teatro. As pesquisas apresentam diferentes caminhos possíveis para a inserção das práticas teatrais com os adolescentes. O que é apropriado, pois, apesar de todas desenvolverem suas pesquisas no ambiente escolar com estudantes do ensino fundamental anos finais e do ensino médio, ter um espaço temporal semelhante entre elas e de ter o teatro como uma prática processual de desenvolvimento artístico, estético e pedagógico, há diferenças geográficas, diferenças na área do conhecimento em que a pesquisa foi desenvolvida e, principalmente, diferenças de participantes em suas pesquisas.

Aliás, se faz notável que todos os trabalhos expandem as concepções sobre adolescência para além do estereótipo de momento problemático de seres sempre irritados e contraditórios. Em “O uso do método alba emoting aplicado aos jogos teatrais de Viola Spolin no ensino médio”, de Cavalcanti (2023), “Teatro Improvisacional na escola: espaço de escuta do adolescente”, de Souza (2022), e “Teatro, jogo e adolescência: um encontro das potencialidades do jogo quando presente na escola”, de Rocha (2022), somos apresentados à adolescência como fase da vida por óticas diferentes, tomando como base os movimentos internos de ordem psicológica e os movimentos externos de ordem social. Os três trabalhos possuem o objetivo de investigar os ganhos do encontro entre o jogo teatral/improvisacional e os adolescentes no espaço escolar, assim como os importantes estímulos que a prática teatral pode oferecer aos adolescentes.

Dessa maneira, o trabalho da Cavalcanti (2023) emprega os jogos de Viola Spolin (1906 – 1994) e as técnicas do Método Alba Emoting (centrado no reconhecimento dos padrões corporais causados pela emoção, segundo o estudo de Susana Bloch) na prática teatral, visando ao exercício da emoção aos adolescentes estudantes da rede estadual do Distrito Federal. Para a pesquisadora, seu trabalho aponta que a existência do conteúdo relacionado à emoção, a comunicação não verbal e ao teatro, garante o desenvolvimento de atitudes sociais melhores na adolescência – momento em que as emoções, por questões biológicas e/ou sociais, podem fugir ao controle.

Souza (2022) fundamenta seu trabalho na perspectiva da psicanálise, acreditando que a prática de teatro de improvisação no espaço escolar configura um importante espaço em que eles podem elaborar suas questões, possibilitando formas mais assertivas para se relacionarem com os saberes inconscientes. A pesquisadora pondera que nem Sigmund Freud (1856-1939), nem Jacques Lacan (1901-1981) desenvolveram profundamente o assunto, mas que a atual concepção psicanalítica sobre adolescência se baseia na leitura que os dois autores fizeram da peça de teatro “Despertar da Primavera”, escrita pelo dramaturgo alemão Frank Wedekind. Citando o psicanalista Mario Elkin Ramírez, na apresentação do livro “Despertar da adolescência: Freud e Lacan leitores de Wedekind”, Souza (2022, p. 45) afirma que Lacan considerou que a peça teatral conseguiu retratar bem os sentimentos e sensações dos sujeitos que precisam encarar o despertar de um sonho, o momento de ruptura entre a quebra da infância para o despertar da sexualidade.

 

Por fim, compreendemos a passagem adolescente como o momento em que o sujeito se vê convocado a "acordar" do seu sonho de infância, reconfigurando seus processos identificatórios. É o momento em que ele passa a ser questionado a respeito de sua inscrição na ordem simbólica e a respeito do furo que a sexualidade encarna, enquanto inscrição que acontece no real do corpo. Trata-se de interrogações em relação às quais ele precisa inventar suas próprias respostas, sabendo-se ser faltoso, cuja completude da satisfação sempre será inacessível (Souza, 2022, p.47).

 

Ao aprofundar-se na perspectiva social da adolescência, Rocha (2022) – além de desenvolver o jogo como principal abordagem metodológica, amparando inclusive sua argumentação na legislação brasileira que define o ensino de artes e de teatro nessa faixa etária – como na Lei de Diretrizes e Bases (LDB), nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – utiliza-se do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), do Estatuto da Juventude e da abordagem sociológica para definir essa fase da vida. Rocha (2022) ainda descreve a problemática que pode haver na mistura dos entre adolescência e juventude. Centrando apenas na questão etária, ambos se caracterizam pelo período que antecede a vida adulta, mas a adolescência está entre o período de doze aos dezoito anos de idade e a juventude dos dezoito aos vinte e nove anos.

Atualmente no Brasil, os pesquisadores problematizam essa distinção etária homogênea, considerando que, mais que uma época de transformações físicas, cognitivas e biológicas, a adolescência e a juventude são épocas de fortes mudanças sociais. O indivíduo passa pouco a pouco a ganhar responsabilidades da vida adulta. Rocha (2022) ainda resgata o pensamento do cientista social português José Machado Pais (2009), que coloca a “juventude” como uma construção social que, apropriando-se das culturas juvenis, classifica, normatiza e define sujeitos sociais, assim como seus direitos e deveres. Concordando com Rocha (2022) e considerando a afirmação de Pais (1990) defendendo que “a juventude pode ser tomada tanto como uma unidade (quando referida a uma fase da vida), como ser tomada no sentido de conjunto social obviamente diversificado” (Pais, 1990, p. 150), é perceptível que, mesmo quando tomamos juventude como unidade, não devemos tratar a categoria como uma unanimidade. Devemos, então, considerar principalmente as diferenças sociais, identitárias e geracionais dessa passagem da vida.

Essas abordagens e classificações acadêmicas sobre adolescência auxiliam nas escolhas metodológicas para o ensino de teatro voltado para esses sujeitos. Nesse sentido, a dissertação “O teatro com adolescentes como possibilidade pedagógica de letramento histórico para o enfrentamento de negacionismos e neofascismo”, de Juliana Fraga (2022), e a tese “A construção da experiência teatral na educação básica pela exploração de dispositivos tecnológicos”, de Lisinei Fatima Dieguez Rodrigues (2020), situam os adolescentes da “geração Z” como nativos conectados que são expostos cotidianamente a milhares de informações conflitantes. Não há consenso no Brasil, mas a maioria das referências sobre o tema designa de “geração Z” todos os que nasceram em meados de 1990 até 2010, período marcado pela evolução tecnológica e pela popularização da internet. Utilizando o termo “nativos digitais” do estadunidense Marc Prensky, a pesquisadora Rodrigues (2020, p. 31) caracteriza essa geração como tendo o desenvolvimento biológico e social com o contato constante das mídias digitais, em oposição à geração anterior, denominada por Prensky como “imigrante digital”, que precisou adaptar-se, ou não, às evoluções dos aparelhos tecnológicos ao longo da sua vida.

Interpondo essa caracterização dos adolescentes da atualidade, Fraga (2022, p. 36) reflete sobre a utilização das chamadas “tecnologias digitais de informação e comunicação” (TDICs) no ambiente escolar a partir da dissertação do pesquisador Diógenes Gewehr, destacando que pela primeira vez há uma inversão da ordem do conhecimento, em que a nova geração, mais ágil no domínio da tecnologia, repassa informações para seus pais e avós. Porém, a pesquisadora alerta para os perigos que o comodismo virtual pode oferecer aos processos educacionais, afirmando que esses TDICs desenvolveram um novo tipo de ignorância. Explicitando os perigos do uso contínuo das redes como base de informação e comunicação, Fraga (2022), citando as reflexões do filósofo Pablo Rubén Mariconda, pondera a forma como a comunicação virtual tem fortalecido os movimentos de desinformação e produção de discursos de ódio, esses denominados atualmente como “pós-verdade”. Assim, com a comunicação virtual apelando para as emoções e crenças, os fatos deixam de ter influência na opinião pública e podem provocar o que o estudioso Amarildo Luiz Trevisan (2020, p. 9 apud Fraga, 2022, p. 36) chama de “efeito multidão”, em que as pessoas deixam de refletir criticamente sobre os conteúdos que estão consumindo e compartilham em manada, criando uma rede de fake news e violência.

Com essa perspectiva, a pesquisadora tenta atenuar tais efeitos em seus alunos e alunas. Para isso, ela não reduziu a prática artística a uma metodologia meramente representativa de contextos históricos, e sim explorou as potencialidades processuais da prática artística. Em sua pesquisa, Fraga (2022) adota o objetivo de “analisar a estratégia pedagógica do teatro para debate entre adolescentes e o desenvolvimento do letramento histórico, combatendo negacionismos e neofascismo” e, para atingir esse objetivo, a professora-pesquisadora-artista precisou compreender, praticar e analisar o teatro como linguagem possibilitadora do letramento histórico. Dessa maneira, é notório que em seu trabalho o letramento histórico perpassa pela educação estética, pois, a arte é aberta e agrega múltiplos conhecimentos epistemológicos e sensibilizadores. Considerando a liberdade que o jogo teatral promove à aprendizagem e ao engajamento de forma coletiva, a pesquisadora recorre à Pedagogia do Teatro, defendida pelo professor Flávio Desgranges (2017):

 

O teatro vem sendo trabalhado, nas mais diversas instituições educacionais e culturais, preferencialmente, a partir da prática com jogos de improvisação, e isto porque se compreende que na investigação proposta por estes exercícios o prazer de jogar se aproxima do prazer de aprender a fazer e a ver teatro, estimulando os participantes (de qualquer idade) a organizar um discurso cênico apurado, que explore a utilização dos diferentes elementos que constituem a linguagem teatral, bem como a empreender leituras próprias acerca das cenas criadas pelos demais integrantes do grupo (Desgranges, 2017, p. 87).

 

Desenvolvendo esse pensamento, Rodrigues (2020), a partir da obra “Homo Ludens” do Johan Huizinga (1872–1945), reflete a capacidade que o jogo, de qualquer natureza, possui de impor a um grupo de pessoas uma experiência extracotidiana:

 

O jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da “vida quotidiana” (Huizinga, 1999, p. 33).

 

Como professora de Artes, Rodrigues (2020) aponta que há uma dificuldade latente de engajamento nas aulas por parte dos estudantes e também destaca que o Jogo Teatral comprometido com as referências simbólicas dos adolescentes surge como uma das principais ferramentas nas suas práticas artístico-pedagógicas. Ou seja, sua proposta metodológica não nega, mas sim incorpora os smartphones e outros dispositivos tecnológicos como instrumentos propositores de criação e reflexão do cotidiano de seus educandos. Com o objetivo de investigar a construção da experiência teatral a partir do uso de dispositivos, a pesquisadora conseguiu melhorar a participação dos alunos em suas aulas, tendo como resultado dois experimentos pedagógicos em aulas de teatro para adolescentes do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

No quinto trabalho, a tese "Eu seguro minha mão na sua": teatro na educação e construção da identidade”, a pesquisadora Talitha Cardoso Hansted (2020) trouxe colocações muito interessantes, mas, enquanto este trabalho foca na reflexão e produção da experiência cênica com os adolescentes, como um acontecimento teatral, Hansted (2020) dedica-se à investigação das contribuições do teatro, em contextos educacionais, para a construção das identidades dos adolescentes. Para isso, executa entrevistas com sujeitos que participam e/ou participaram de grupos teatrais escolares na adolescência.

A pesquisadora destaca o teatro como oportuno para o encontro com o outro, para o processo de reconhecimento e para o exercício da alteridade. As narrativas e memórias que são entrelaçadas nas entrevistas aos alunos e aos ex-alunos de teatro comprovam que as práticas teatrais na educação podem auxiliar sobremaneira na formação de sujeitos emancipados, cidadãos com autonomia de ação e pensamento. Hansted (2020, p. 149) conceitua a emancipação como o exercício do indivíduo de olhar a sua realidade a partir de novas possibilidades, ampliando as formas de ser e estar em sua realidade e construindo, por conta desse movimento, novas realidades. Apoiada em autores como Viola Spolin (2010), Hebert Marcuse (1977), Desgranges (2017), Japiassu (2009), Pupo (2011), entre outros, ela conclui que o teatro promove o aguçamento crítico e uma expansão das perspectivas sobre a vida, causando novas formas de organização identitárias, pois o encontro com o outro oportuniza aos sujeitos, principalmente na adolescência, encontros consigo mesmo.

Próximo dessa reflexão, o sexto, o sétimo, o oitavo e o nono dos trabalhos aqui elencados investigam as possibilidades metodológicas do ensino do teatro para adolescentes, centrando em processos artístico-pedagógicos de criação teatral a partir da dramaturgia, do corpo e da pedagogia de grupos dentro da escola. São eles, respectivamente, a dissertação “Partitura Dramática: uma proposta metodológica para o ensino de teatro em ambiente escolar”, de Ezequias Soares de Andrade (2020); a tese “Onde está o herói?: processo de criação corporal com adolescentes no contexto educacional contemporâneo”, de Adriana Paes Leme Paiva Gomes (2020); a dissertação “Trajetória e significado de um grupo teatral no âmbito escolar: o espetáculo Seca do Grupo Cutucart”, de Getulio Souza Cruz (2018); e a dissertação “(Per)cursos de olhares de si: entre o Teatro do Oprimido e a Mímese Corpórea no processo de Ensino-Aprendizagem”, de Bianca Rodrigues Holanda (2018).

De acordo com a BNCC (BRASIL, 2017), os desafios da educação estética, ou como coloca Andrade (2020, p. 21) “alfabetização estética”, consiste em desenvolver habilidades, conteúdos e competências das Artes, através dos movimentos de fruição, reflexão e produção. Por ser um componente curricular visto pelos adolescentes como tendo pouca importância prática em suas vidas, os arte-educadores precisam, antes de qualquer coisa, trabalhar a forma como suas turmas se relacionam com as Artes. Os trabalhos de Andrade (2020), Gomes (2020), Cruz (2018) e Holanda (2018) buscam dar respostas metodológicas para conquistar o engajamento dos adolescentes e conseguir efetivar o acesso à cultura teatral.

Assim, Andrade (2020), através de uma pesquisa-ação considerou a realidade dos alunos, na faixa-etária dos 11 aos 14 anos, do Centro de Ensino Fundamental do Gama no Distrito Federal, nos anos de 2015 a 2019, para desenvolver a metodologia da “Partitura Dramática”. O professor-artista-pesquisador foca no texto dramático como condutor de suas práticas em sala de aula, sua técnica utiliza símbolos gráficos para decodificar a estrutura dramática dos textos clássicos, como “Sonho de uma noite de verão”, de William Shakespeare, transformando-a em uma partitura para facilitar a apropriação dos alunos-atores e dos alunos-espectadores (Andrade, 2020, p. 40). Para ele, o método “[...] numa primeira fase, mobiliza os conteúdos e as habilidades para gerar competência em leitura imaginativa; e, numa segunda fase, mobiliza os conteúdos e as habilidades para gerar as competências em encenação” (p. 41).

Em seu trabalho, Gomes (2020) envolve o corpo dos estudantes do Instituto Federal de Goiás (IFG), em um processo artístico-pedagógico associado aos jogos teatrais e ações dramáticas (Spolin, 2010; Koudela, 1992; Boal, 2005), buscando relações com os mitos, a memória e a imaginação. Dessa forma, a pesquisadora foca na criação cênica a partir da imagem simbólica do personagem herói em corpos adolescentes. A proposta é baseada no trabalho do Joseph Campbell (1904 – 1987), principalmente na função pedagógica do mito e no dinamismo lúdico-criativo do corpo que se coloca em experiência, no encontro em jogo do imaginário pessoal e do imaginário cultural dentro de um contexto socioeducacional, sensibilizando os corpos de maneira criativa em suas qualidades individuais e, ampliando suas percepções, suas qualidades coletivas (Gomes, 2020, p. 184).

O trabalho Getulio Souza Cruz (2018) descreve e reflete sobre as contribuições que o Grupo Teatral Cutucart – que até então possuía dez anos de experiência dentro da escola pública Centro Educacional 1 do Cruzeiro Velho, Brasília-DF – trouxe para a formação integral dos alunos e alunas. A prática de grupo teatral de forma extracurricular nas escolas públicas surge como resposta à falta de oportunidades de experiências artísticas do teatro dentro da base curricular das instituições e, ainda, a falta de interesse que os estudantes tinham com a disciplina Artes. Em seu trabalho, Cruz (2018) reflete em como a educação estética pode servir como instrumento de transformação social para os adolescentes da cidade-satélite, a partir de levantamento bibliográfico, entrevistas e da montagem do espetáculo “Seca”. Seu trabalho narra a proposta positiva em que o grupo ocupa os adolescentes, com atividades lúdicas e artísticas, enquanto oferece novas perspectivas críticas de seus contextos.

Em sua dissertação, Holanda (2018), embasada pela teoria educacional de Paulo Freire (1921-1997), mostra-se preocupada em desenvolver uma metodologia de ensino libertadora/emancipadora para combater as opressões incentivadas por essa nova onda ideológica neofascista, que influenciam negativamente os processos educacionais cognitivos e afetivos no espaço escolar brasileiro.

Situada em uma escola pública de ensino profissional de Fortaleza (CE), em que é professora de Artes e Projeto de Vida, desenvolve sua prática de pesquisa com alunos e alunas entre 14 e 18 anos de idade e, para oferecer uma abordagem realmente significativa para seus discentes, inicia uma reflexão sobre os métodos educacionais de Freire (1996), formando o Círculo de Cultura – método dialógico, em que o professor ou professora instiga o desejo de todos por participar nas problematizações sobre suas realidades, desenvolvendo leituras horizontais da realidade. Com essa prática, os discentes têm a oportunidade de expor as opressões vividas por eles e elas dentro da escola e fora dela. Para a pesquisadora-artista-docente, os educadores devem provocar diálogos capazes de perceber como os corpos dos sujeitos realmente ocupam o espaço escolar, pois “[...] Fechar os olhos para a politicagem de hoje e o que ela ocasiona na educação e na sociedade como um todo é nos ausentarmos do nosso próprio direito de ser” (Holanda, 2018, p. 19).

O processo de conscientização e aprendizado partiu das leituras de textos de Paulo Freire e das práticas de mímese corpórea — na busca de conectar o corpo à mente e o discurso à expressão. Assim, buscando efetivar o processo de aprendizado de Freire, aprender e ensinar, a pesquisadora assume com seus alunos os métodos criados por Augusto Boal (1931 – 2009), como forma de compartilhar e ampliar para toda a escola o processo de conscientização sobre questões sociais relevantes. O Teatro do Oprimido (TO) proporciona uma tomada de consciência autônoma para os praticantes quebrarem as relações que os oprimem. Para Holanda (2018, p. 118), o trabalho faz perceber as formas como a opressão se impõe, “[...] Podemos senti-la e absorvê-la corporalmente, mentalmente, emocionalmente ou podemos pegá-las, analisá-las e modificá-las em luta para que o ocorrido não se repita nem com quem passou nem com outras pessoas”.

Augusto Boal, criador do Teatro do Oprimido (TO), defendeu com diversas proposições a “dessacralização” do teatro. Boal (2005) aponta que as práticas com o TO surgiram da necessidade de continuar produzindo teatro em meio às censuras da Ditadura Militar no Brasil. Suprimindo o texto, o cenário e os edifícios teatrais, o que nos resta é a essência — a relação entre atores e público. O TO inclui algumas modalidades, mas o cerne é desmecanizar as formas de expressão que podem ser usadas por atores e não-atores como instrumento para reflexão e transformação social. Tais métodos são muito utilizados no mundo todo, em contextos pedagógicos e profissionais. Além disso, seu método cria um espaço dialético em que leva à cena conteúdos/vivências para discuti-los estética e politicamente, incentivando o coletivo a buscar possíveis ações para a resolução de problemas.

A dissertação “Encenando gênero em espaço de confiança: experiências pedagógicas e teatrais com adolescentes”, de Joyce Sangolete Chaimsohn (2018), e a tese “Enfrentamento do bullying na escola: o Teatro do Oprimido como estratégia de intervenção”, de Lidiane Cristina da Silva Alencastro (2018), décimo e o décimo primeiro dos trabalhos selecionados, também utilizam-se do arsenal de jogos e proposições cênicas do Teatro do Oprimido de Augusto Boal (2005) como principal metodologia cênico-pedagógica para trabalhar a relação dos adolescentes com questões de opressão das identidades sociais nas escolas.

Nesse viés, Chaimsohn (2018) preocupada com as discussões sobre gênero e sexualidade que rodaram o país durante a formação da do Plano Nacional de Educação (PNE, Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014) – momento em que os conservadores criaram o mito da “ideologia de gênero” e como esses discursos arbitrários atingem os adolescentes e a própria adolescência – pesquisou um processo artístico-pedagógico utilizando-se de experiências sobre gênero, sexualidade e raça. Nas práticas desenvolvidas de outubro de 2016 a dezembro de 2017 com o ensino médio da Colégio Estadual Thales de Azevedo, em Salvador (BA), buscou-se criar um espaço de confiança que inspirasse liberdade suficiente para investigar as potencialidades do diálogo entre a pedagogia do teatro, a educação disruptiva e os estudos de gênero, sexualidade e raça para o desenvolvimento social. Chaimsohn (2018), em seu trabalho, deixa evidente a potência do TO para envolver os adolescentes na ressignificação nas opressões vividas em suas vidas, assim como o trabalho de multiplicação de informações sobre gênero e sexualidade.

O entendimento da estudiosa sobre todas essas questões, principalmente a de gênero, que surge como construção social, leva a acreditar que é possível transformar as relações estabelecidas, desnaturalizar a violência e criar relações mais respeitosas, livres e democráticas. Empreendimento que também foi analisado na perspectiva da área de enfermagem por Alencastro (2018) em sua tese, compreendendo o bullying escolar como comportamento agressivo de intimidação contínua e sistemática que se manifesta de forma física, verbal e/ou psicológica. A pesquisadora alerta que a alta taxa de ocorrência e o nível de perigo ao desenvolvimento dos estudantes caracteriza o bullying como grave problema de Saúde Pública. Alencastro (2018) teve o objetivo de analisar os efeitos de uma intervenção educativa na ocorrência do bullying entre adolescentes de 1º séries do ensino médio de duas escolas públicas de Cuiabá (MT), por meio de oficinas do TO com uma proposta de conscientização com o Teatro Fórum. Além da experiência de dramatização das opressões, a pesquisadora utilizou como coleta de dados um questionário de caracterização sociodemográfica e a Escala de Agressão e Vitimização entre Pares. Com isso, foi confirmada a hipótese de que, depois da experiência, houve menor ocorrência do bullying, como também, os adolescentes conquistaram uma maior confiança para o enfrentamento de ações de violência.

Por fim, o último trabalho selecionado neste levantamento, “Adolescentes espectadores: um olhar teatral sobre o aluno do ensino médio”, de Tatiana Trindade Gomes Nascimento (2018), busca uma ressignificação reflexiva do ensino da linguagem cênica para as terceiras séries do ensino médio que, além de todas as dificuldades presentes neste momento da vida, precisam se preparar para a prova do Programa de Avaliação Seriada (PAS) para conquistar sua vaga na Universidade de Brasília (UnB). Partindo dos estudos de Johann Friedrich Herbart, Jonh Dewey, Lev Vygotsky, Paulo Freire, Edgar Morin, Rene Barbier, além de Viola Spolin, Peter Slade, Augusto Boal e Flávio Desgranges, a pesquisadora-artista-docente desenvolve uma metodologia de ensino das artes cênicas, mais especificamente de História do Teatro, por meio de conteúdos programáticos que, para muitos, pode parecer uma estruturação rígida e tradicional, mas que, para Nascimento (2018, p. 87), possibilita explorar uma visão mais ampla do mundo, construindo repertório de forma questionadora e reveladora. Nesse sentido, seu trabalho é interessante por fugir do privilégio à abordagem metodológica mais prática, sem perder o caráter crítico e processual da linguagem artística.

 

Considerações finais

Os trabalhos apresentados contribuem, sem dúvidas, para a compreensão da prática dos arte-educadores na escola regular como um constante processo artístico-investigativo em que privilegia a ampliação das conexões entre a sala de aula, a escola e a vida dos educadores e estudantes fora desses espaços. Sendo assim, reafirmam a necessidade de investir em pesquisas que se dedicam à investigação dos processos de criação teatral artístico-pedagógicos com adolescentes, visto as inúmeras possibilidades de ganhos nos processos de formação desses sujeitos.

Os autores escolhidos para este levantamento desenvolveram suas pesquisas a partir de práticas artísticas que verdadeiramente são dotadas da capacidade intrínseca de espelhar as experiências humanas – papel fundamental da linguagem teatral. Pois, sem essa competência, o potencial da arte no espaço escolar é esvaziado e relegado à simples instrumentação. Para isso, precisamos reconhecer que o ambiente escolar não se limita apenas a ser um local para o compartilhamento de conhecimento curricular. E, apesar das dificuldades de tempo, espaços e condições inadequadas, é possível instaurar na escola um espaço de diálogo no qual os adolescentes reivindicam o papel de sujeitos detentores de conhecimento, reafirmando suas subjetividades a partir da criação artístico-pedagógica.

Contudo, vale salientar que, assim como na prática profissional do teatro, não existem fórmulas passíveis de repetição na pedagogia teatral. Mesmo tendo um recorte direcionado para adolescentes estudantes do ensino médio e fundamental anos finais do ensino regular, os participantes e os contextos do campo de pesquisa são cruciais para os resultados dos processos artístico-pedagógicos.

Podemos afirmar que os trabalhos aqui apresentados representam um recorte das possibilidades metodológicas do ensino de teatro, como: a utilização dos Jogos Teatrais de Viola Spolin (2010) para apropriação da linguagem teatral de forma lúdica (Cavalcanti, 2023; Souza, 2022; Rocha, 2022); o uso dos métodos do Teatro do Oprimido de Boal (2005) para trabalhar com os adolescentes, em cena, questões de opressão das identidades sociais (Chaimsohn, 2018; Alencastro, 2018); a criação cênica a partir da dramaturgia (Andrade, 2020) e do corpo (Gomes, 2020; Holanda, 2018); a incorpora de dispositivos tecnológicos como instrumentos propositores de criação (Fraga, 2022; Rodrigues, 2020); a pedagogia de grupos teatrais e as contribuições na construção das identidades de pessoas que praticaram o teatro em contextos educacionais na adolescência, a médio e longo prazo (Cruz, 2018; Hansted, 2020); o foco na experiência do espectador (Nascimento, 2018; Rocha, 2022).

Comparando com outras áreas do conhecimento, ainda é perceptível que existe um longo caminho de aprofundamento e fortalecimento da relação entre o Teatro e a Educação. Os próprios trabalhos apontam para possíveis aprofundamentos em futuras pesquisas, como: a mediação interdisciplinar das práticas teatrais com outros componentes curriculares; o teatro aplicado à inclusão de estudantes com necessidades especiais; a prática teatral na formação continuada dos educadores; os impactos a longo prazo das práticas teatrais na vida dos sujeitos; a formação de grupos e festivais de teatro estudantis; o estudo da linguagem teatral a partir da experiência dos estudantes-espectadores. No entanto, algumas dessas lacunas citadas só poderão ser preenchidas com a valorização (em tempo, espaço e recursos) das linguagens artísticas no espaço escolar e nas universidades.

Não à toa, a maioria dos trabalhos selecionados encontrou na escola pública um espaço para o desenvolvimento da pesquisa artístico-pedagógica. O que lança aos arte-educadores um importante dado de atenção sobre o currículo escolar e as disputas políticas/institucionais que enfrentamos constantemente no Brasil. Afinal, ainda que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, Lei nº 13.415) indique para os estados e municípios uma elaboração curricular fundamentada na educação integral – trabalhando necessariamente as dimensões física, intelectual, cultural, social e emocional do sujeito (BRASIL/MEC, BNCC, 2018, Art. 3., § 7º) – sabemos que, se não houvesse a obrigatoriedade, Artes seria dificilmente contemplada. E essa desvalorização reflete, inclusive, na falta de engajamento dos estudantes. Afinal, o interesse precisa ser provocado/motivado. Portanto, precisamos buscar sempre novos caminhos metodológicos que fortaleçam, ainda mais, as linguagens artísticas como condutores para a educação estética nas escolas básicas. Promovendo uma ampliação dos sentidos dos estudantes, professores e toda a comunidade escolar.

 

REFERÊNCIAS

ALENCASTRO, Lidiane Cristina da Silva. Enfrentamento do bullying na escola: o Teatro do Oprimido como estratégia de intervenção. 2018, 103 f. Tese (Doutorado em Ciências) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.

 

ANDRADE, Ezequias Soares de. Partitura Dramática: uma proposta metodológica para o ensino de teatro em ambiente escolar. 2020, 68 f. Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade de Brasília, Brasília, 2020.

 

BECKER, Daniel. O que é adolescência. Cidade: São Paulo: Ed. Brasiliense, 1999.

BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

 

BRASIL. Lei nº 12.852/2013, de agosto de 2013. O Estatuto da Juventude. Brasília: DF, agosto de 2013.

 

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Brasília, DF, 1996.

 

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e dá outras providências. Versão atualizada. Brasília, 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 8 maio 2024.

 

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.

 

BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Brasília, DF, 1997.

 

CAVALCANTI, Daniela Josper. O uso do método alba emoting aplicado aos jogos teatrais de Viola Spolin no ensino médio. 2023, 160 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Artes) – Universidade de Brasília, Brasília, 2023.

 

CHAIMSOHN, Joyce Sangolete. Encenando gênero em espaço de confiança: experiências pedagógicas e teatrais com adolescentes. 2018, 238 f. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018.

 

CRUZ, Getulio Souza. Trajetória e significado de um grupo teatral no âmbito escolar: o espetáculo Seca do Grupo Cutucart. 2018, 97 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Artes) – Universidade de Brasília, Brasília, 2018.

 

DESGRANGES, Flávio. Pedagogia do espectador. São Paulo: Hucitec Editora, 2003.

 

DESGRANGES, Flávio. Pedagogia do teatro: provocações e dialogismo. São Paulo: Hucitec Editora, 2017.

 

DEWEY, John. Arte como experiência. Tradução Vera Ribeiro. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

 

FISCHER, Ernest. A necessidade da arte. Tradução Anna Bostock. Rio de Janeiro: Editora Guanabara,1987.

 

FRAGA, Juliana. O teatro com adolescentes como possibilidade pedagógica de letramento histórico para o enfrentamento de negacionismos e neofascismo. 2022, 196 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2022.

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

 

GOMES, Adriana Paes Leme Paiva. Onde está o herói?: processo de criação corporal com adolescentes no contexto educacional contemporâneo. 2020, 259 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2020.

 

HANSTED, Talitha Cardoso. "Eu seguro minha mão na sua": teatro na educação e construção da identidade. 2020, 239 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2020.

 

HOLANDA, Bianca Rodrigues. (PER) CURSOS DE OLHARES DE SI: entre o Teatro do Oprimido e a Mímese Corpórea no processo de Ensino-Aprendizagem. 2018, 124 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Artes) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2018.

 

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens. São Paulo, Perspectiva, 1999.

 

JAPIASSU, Ricardo. Metodologia do ensino de teatro. Campinas: Papirus, 2001.

 

KOUDELA, Ingrid Dormian. Jogos teatrais. São Paulo: Perspectiva, 1992.

 

KOUDELA, Ingrid Dormian. Pedagogia do teatro. In: GUINSBURG, J.; FARIA, João Roberto; LIMA, Mariângela Alves de (orgs.). Dicionário do teatro brasileiro. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2009. p. 266.

 

NASCIMENTO, Tatiana Trindade Gomes. Adolescentes espectadores: um olhar teatral sobre o aluno do ensino médio. 2018, 91 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Artes) – Universidade de Brasília, Brasília, 2018.

 

PAIS, José Machado. A Construção Sociológica da Juventude - alguns contributos. Análise Social. XXV, 1990. p. 139-165.

 

PUPO, Maria Lúcia de Souza Barros. Entre o Mediterrâneo e o Atlântico: uma aventura real. São Paulo: Perspectiva, 2006.

 

ROCHA, Kauê Antonio da Silva. Teatro, jogo e adolescência: um encontro das potencialidades do jogo quando presente na escola. 2022, 177 f. Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2022.

 

RODRIGUES, Lisinei Fatima Dieguez. A construção da experiência teatral na educação básica pela exploração de dispositivos tecnológicos. 2020, 195 f. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2020.

 

SANTOS, Vera Lucia Bertoni dos; VELOSO, Verônica. In: ALMEIDA JUNIOR, José Simões; KOUDELA, Ingrid (Coords.). Léxico de pedagogia do teatro. São Paulo: Perspectiva; SP Escola de Teatro, 2015.

 

SOUZA, Lorena Oliveira de. Teatro Improvisacional na escola: espaço de escuta do adolescente. 2022, 140 f. Dissertação (Mestrado em Educação, Linguagem e Psicologia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2022.

 

SPOLIN, Viola. Improvisação para teatro. São Paulo: Perspectiva, 2010.

 

SPOSITO, M. P. O Estado da Arte sobre juventude: uma introdução. In O Estado da Arte sobre juventude na pós-graduação brasileira: educação, ciências sociais e serviço social (1999-2006) (p. 11-15). Belo Horizonte: Argvmentvm, 2009.

 

Imagem 1

This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International (CC BY-NC 4.0)



[1] Arte-educador, professor e artista de teatro. Mestre em Educação, Culturas e Identidades pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ). Pós-graduado em Arte Educação e Pedagogia Social. Licenciado em Teatro pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Orcid: https://orcid.org/0009-0002-9523-3028. E-mail: jailtonferreirajunior5@gmail.com

[2] Doutor em Sociologia, Pesquisador Titular do Centro de Estudos em Cultura, Identidade e Memória da Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ) e docente do Programa Associado de Pós-graduação em Educação, Culturas e Identidades (Fundaj / UFRPE). Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7022-0402. E-mail: mauricio.antunes@fundaj.gov.br