Uso de abordagens para o ensino das artes visuais como posicionamento docente: considerações sobre a Artografia e a Decolonialidade
Use of approaches to teaching visual arts from an educator position: The consideration of A/r/tography and Decoloniality
Sonia Tramujas Vasconcellos [1]
Universidade Estadual do Paraná, Curitiba, PR, Brasil
Resumo
Este texto apresenta reflexões sobre abordagens de ensino discutidas e exercitadas em um curso de Licenciatura em Artes Visuais de uma universidade pública estadual. Considera-se que essas ações pedagógicas são práticas sociais que expressam concepções e posturas sobre educação e aprendizagem que afetam e transformam as aulas de arte e as relações com os sujeitos, com os conhecimentos e processos de apropriação. Entre as propostas estudadas, aborda-se neste artigo o enfoque Artográfico e o Decolonial, subsidiados por autores como Irwin (2004, 2013, 2024), Capra; Momoli; Loponte (2016), Diederichsen (2018), Sasso (2023), Quijano (2005), Moura (2016), Adichie (2019), Mignolo (2020) e Krenak (2022), entre outros. O objetivo é situar autores, conceitos e pensamentos no campo das abordagens de ensino e evidenciar suas contribuições para a revisão e reinvenção da prática docente em arte. A metodologia é exploratória, focada na apresentação de abordagens que se propõem a mobilizar diferenças e romper com centramentos do saber, do pensar e do ser. Ainda é pouco expressivo o uso dessas abordagens pelos estudantes em seus estágios supervisionados, com maior repercussão nos trabalhos de conclusão de curso. Contudo, e em uma perspectiva mais ampla, espera-se que a discussão sobre as abordagens para o ensino das artes visuais colabore – em diferentes graus e momentos – para uma maior compreensão da ação docente e das escolhas epistemológicas que permeiam a prática educativa em arte.
Palavras-chave: Licenciatura; Artes Visuais; Abordagens de ensino; Artografia; Decolonialidade.
Abstract
This paper showcases reflections about teaching approaches discussed and exercised inside an undergraduate art education program at a public state university. These pedagogical actions are considered social practices as they express educational concepts and learning attitudes that affect and transform art classes, as well as the students’ relationships with knowledge and its acquisition processes. Among the proposals studied, this paper addresses the A/r/tography and Decoloniality. Both approaches are supported by authors as Irwin (2004, 2013, 2024), Capra; Momoli, Loponte (2016), Diederichsen (2018), Sasso (2023), Quijano (2005), Moura (2016), Adichie (2019), Mignolo (2020), and Krenak (2022), among others. The paper’s objective is to situate these authors, concepts, and thoughts in the field of teaching approaches and highlight their contributions to the review and reinvention of art educational practices. The methodology used is exploratory, focusing on approaches that mobilize differences and divide into the clusters of knowing, thinking, and being. The use of these methods by students in their supervised internships was not significant yet, but there have been a few appearances of this in some students’ final undergraduate projects. However, and from a broader perspective, it is expected that the discussion of approaches to teaching visual arts will contribute – to different degrees and at different times – to a greater understanding of the epistemological and pedagogical choices that permeate practices in art education.
Keywords: Undergraduate teaching program; Visual Arts; Teaching approaches; A/r/tography; Decoloniality.
Contextos da docência em arte
Na formação inicial de professoras e professores de Artes Visuais, o estudo e discussão sobre a docência e o trabalho pedagógico em arte abordam, via de regra, exercícios envolvendo concepções e abordagens de ensino. Essas práticas pedagógicas se situam como práticas sociais e expressam entendimentos e posturas sobre educação e aprendizagem que afetam e transformam as percepções sobre a profissão, o ensino da arte e as relações estabelecidas entre sujeito, conhecimento e apropriação de saberes.
Como professores de arte, sabemos que somos sujeitos históricos de uma minoria no coletivo de educadores (Azevedo, 2008) e ainda encontramos profissionais de outras áreas assumindo a disciplina de arte com pouco alarde das instituições e da sociedade. A baixa carga horária, a falta de apoio institucional, espaço inapropriado, a quantidade de alunos por turmas, a polivalência em arte – que confronta a formação específica dos cursos de graduação –, se situam como obstáculos para o pleno exercício da educação em arte.
Ações e questionamentos sobre essas e outras questões foram e continuam sendo realizados por coletivos de professores, por associações e pela Federação de Arte/Educadores do Brasil, a FAEB, em âmbito local, regional e nacional. Por um lado, tivemos avanços, como a explicitação das artes visuais, dança música e teatro como componentes curriculares da disciplina arte pela Lei 13.278/2016, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9.394/1996). Também ocorreu uma maior aceitação, que nem sempre é imediata, dos diplomas de licenciado em música, teatro e dança[i] nos concursos para o magistério público da educação básica. Mas a incompreensão de instituições, de secretarias, de diretores, sobre as especificidades da formação em arte, sobre a importância da experiência estética, do conhecimento artístico, dos cruzamentos entre saber inteligível e sensível na formação dos alunos, é algo que ainda enfrentamos.
A urgência em encontrar soluções para a melhoria do ensino de arte aguça o interesse sobre “como ensinar”, mas não há receitas ou modos isolados de solução para essa questão. De outro lado, os métodos de ensino precisam ser estudados, debatidos, fundamentados, atravessados pelas experiências e pontos de vista dos sujeitos para se tornarem escolhas, para produzirem sentido e significado ao que se faz e por quê. É nesse complexo contexto profissional que insiro a discussão sobre abordagens de ensino como parte da formação inicial de professoras e professores de artes visuais em uma instituição pública de ensino superior, a Universidade Estadual do Paraná (Unespar).
Abordagens, métodos, não se restringem ao campo das ideias, da teorização, mas envolvem teoria e prática, sujeitos e objetos, intenções e contextos, em relações de maior e menor harmonia. Os processos pedagógicos são intencionais e se desmembram em situações de aprendizagem que ocorrem em espaços, tempos e públicos variados. Os caminhos, as escolhas, se configuram como posicionamento docente, como atitude pedagógica frente ao que entendemos (e lutamos) como educação, acesso, experiência estética, criação e conhecimento.
Neste artigo, reflito sobre alguns encaminhamentos metodológicos para o ensino das artes visuais na contemporaneidade, demarcados pelo pós-modernismo e pela leitura, interpretação e crítica do patrimônio cultural e das visualidades. Entre as diversas abordagens estudadas e experienciadas em sala de aula, seleciono para maior aprofundamento nesse texto a perspectiva Artográfica e a Decolonial.
Escolhas metodológicas
A seleção de conteúdos e modos de ensinar requerem posicionamentos reflexivos e críticos da professora, do professor, diante do desafio de ensinar/aprender arte em um mundo diverso e afetado por transformações científicas, tecnológicas, políticas, artísticas e culturais (Azevedo, 2008). Muitas foram as mudanças ocorridas historicamente nos modos de ensinar arte que, no caso das artes visuais, perpassou a cópia, o domínio de códigos e ferramentas, a experimentação, a autoexpressão, a leitura de imagens. Transformações que envolveram silenciamentos, hierarquias, revisões e mudanças de paradigma.
O contato com imagens e produções culturais pela leitura, contextualização e produção é um legado da Abordagem Triangular, de Ana Mae Barbosa, delineada na década de 1980, na perspectiva do pós-modernismo[ii], envolvendo o acesso ao patrimônio cultural, ao conhecimento de códigos visuais, à leitura interpretativa e crítica das imagens. Nas décadas seguintes, como método, a “estratégia da leitura de imagens” foi majoritariamente inserida na prática pedagógica de professoras e professores de arte (Schlichta, 2009, p. 13). Inicialmente atrelada ao vocabulário visual e aos códigos de apreciação de elementos visuais, posteriormente ampliou a ênfase na contextualização do que se faz e do que se vê.
Estudantes do curso de Licenciatura em Artes Visuais[iii] realizam registros textuais e visuais sobre as memórias das aulas de arte na escola[iv] nas primeiras aulas da disciplina de Fundamentos e metodologias do ensino das artes visuais. Nesses registros, destacam-se a visita a espaços culturais, a leitura e releitura de obras de arte, o contato com códigos visuais e o acesso a determinados acervos artísticos. Essas recordações se cruzam com tópicos abordados na disciplina, como a história do ensino de arte no Brasil, em outros países da América Latina, e com as abordagens contemporâneas para o ensino das artes visuais.
No tocante às abordagens de ensino estudadas na disciplina, as/os estudantes realizam leituras de textos e a elaboração e realização de propostas de aula como forma de experienciar o que leram e entenderam. Os apontamentos sobre as abordagens e as proposições feitas pela/o estudante e colegas são registrados em cadernos que, até 2019, eram no formato físico e depois migraram para o digital. Esses registros situam-se como diários, modos próprios de relatar o que estudaram e praticaram. São também memórias discentes de aspectos da docência, da educação em arte.
Imagem 1 – Registro de cadernos das/dos estudantes contendo
anotações das abordagens e os exercícios propostos. Dimensões variadas.
Fonte: Arquivo pessoal (2019).
Os enfoques[v] que temos experienciado na disciplina, alicerçados por autoras, autores e suas publicações, são: Abordagem Triangular, Cultura Visual, Estética do Cotidiano, Interculturalidade, Educação Estética, Projeto de Trabalho, Territórios de Arte e Cultura, Artografia e Decolonialidade. A intenção dessas ações propositivas é apresentar enfoques pedagógicos, seus conceitos e características, para subsidiar a compreensão de seus pressupostos e objetivos. O estudo em separado visa evidenciar as especificidades para uma melhor compreensão da abordagem, o que não significa que os enfoques, na prática docente, não possam ser conjugados, cruzados e transformados.
Concordo com Schlichta (2009, p. 21) de que é um equívoco pensar que “os problemas do ensino da arte na escola têm origem no método ou na proposta metodológica, acreditando-se que a renovação metodológica, por si só, promoverá mudanças”. O como fazer – o método – necessita estar conjugado a debates e questionamentos sobre políticas educacionais, diretrizes para o ensino de arte e profissão docente, mas o que procuro destacar neste texto é a necessidade se se investigar encaminhamentos e métodos, visto que a natureza do trabalho docente é a mediação entre alunos e conteúdos (Libâneo, 1991).
Maria Heloísa Ferraz e Maria Fusari (1993, 2009[vi]) são referências nas discussões sobre metodologias para o ensino de arte e argumentam que as propostas de ensino precisam abarcar a realidade dos alunos, o conhecimento em arte e a interdisciplinaridade entre métodos. Para as autoras, a escola possui um papel fundamental para que ocorram mudanças sociais e culturais e é importante que sejam construídas práticas educativas para o acesso e democratização de processos e produtos artísticos e culturais. Como professoras e professores de arte, precisamos questionar e aprender com os caminhos trilhados para que as “escolhas teóricas e didáticas favoreçam uma atitude de disponibilidade para uma modificação constante do pensamento a partir das práticas, experimentações e conhecimentos artísticos” (Capra; Momoli; Loponte, 2016, p. 184).
O estudo e a experimentação de distintas abordagens de ensino ocorrem no segundo ano do curso, anterior aos estágios obrigatórios, com o intuito de favorecer atitudes de reflexão, de posicionamento, de modificação do pensamento, mas as relações e usos de práticas e conhecimentos artísticos ainda são pontos frágeis. As escolhas das/dos estudantes do que ensinar e por quê nos estágios obrigatórios revelam apropriações do que aprenderam na família, na escola, no curso de graduação, em espaços não formais de ensino, entrelaçadas por concepções pessoais sobre educação e arte. Entre escutas e revelações, anotações e exercícios, percebo as preferências, desejos e inseguranças da/do estudante. Situações e confrontos que participam da constituição da sua profissionalidade docente.
Outros modos de pensar e existir: reflexões sobre a Artografia
De modo amplo e envolvendo a Pesquisa Baseada em Arte (PBA), a Pesquisa Educacional Baseada em Arte (PEBA) e a A/r/tografia, destaco que esses gêneros investigativos questionam o privilégio e a manutenção de determinadas epistemes e estruturas do conhecimento, ao mesmo tempo em que evidenciam as potencialidades das linguagens, das produções artísticas, nos processos de investigação e de ensino. São posicionamentos e procedimentos que revelam outros modos de realizar experiências, de construir sentidos e entendimentos, de produzir registros e análises.
O engajamento e uso dessas metodologias artísticas de investigação possibilitam a abertura para categorias como incerteza, imaginação, introspecção (Dias, 2013), produzindo outras maneiras de reflexão e de ação no mundo, na pesquisa, na escola. Buscam-se modos expandidos de imaginar e significar o que fazemos, situando-se como caminhos investigativos e de ensino que problematizam “a maneira como vemos, pensamos e vivemos”, desencadeando posturas poéticas e “processos de devir-arte, de devir-pesquisa” (Diederichsen, 2018, p. 21).
Converso com as/os estudantes sobre esses processos investigativos, destacando que são enfoques “mais envolvidos com a subjetividade, a inclusão de vozes/opiniões dos envolvidos e [com] novas práticas e políticas de interpretação” (Vasconcellos; Siegesmund, 2023, p. 446). Ao demarcar a A/r/tografia como objeto de estudo e de experimentação na disciplina, apresento o nome desta abordagem com barras entre as letras iniciais para evidenciar a constituição da palavra em inglês A/r/tography (Artist/Researcher/Teacher) e a relação com as identidades e atividades do artista, pesquisador e professor. Contudo, como em português a relação entre letra inicial e palavra perde o sentido, tenho optado pelo uso da palavra Artografia sem barras.
No debate sobre o enfoque artográfico, procuro evidenciar o quanto os processos e elementos contidos na arte, nas experiências artísticas, nos percursos formativos de estudantes, artistas e educadores podem se transformar em potencialidade investigativa e propiciar a elaboração de novos rumos e propostas para as aulas de arte. Ainda que os estudantes durante sua formação profissional estudem e experienciem linguagens artísticas, processos de criação na arte e no ensino, permanece uma barreira entre a prática artística e a educativa. Uma mais propensa à exploração, aos desafios, à inventividade, e a outra mais “acuada e por vezes asfixiada por normas, bases curriculares” (Vasconcellos; Siegesmund, 2023, p. 455). Essas distinções afetam a formação docente e podem reforçar “uma práxis imitativa, em que o professor não vive a alegria do processo criador, reduzindo sua ação educativa à repetição infinita de si mesmo ou à mera reprodução de ações criadas por outrem” (Mattar, 2016, p. 82).
Precisamos mudar essa percepção, esse cenário, e aprofundar as relações entre criação, colaboração, planejamento, escuta de si e do outro. Aprofundamentos que podem propiciar a autoria de projetos poético-pedagógicos, o cultivo da docência criadora, autoral, envolvendo a exploração de processos artísticos, de estratégias propositivas e modos de ensinar. Deste modo, situamos o ato de “pesquisar, ensinar e fazer arte como atividades que se costuram através das outras, um entrelaçamento de conceitos, atividades e sentimentos” (Irwin, 2013, p. 127). Possibilidades e potencialidades instauradoras de novas miragens, pontos de vista, questionamentos e mudanças. Afinal, a teoria não precisa estar sempre antes da prática e outros enredamentos pedagógicos podem ser feitos para a exploração de experiências estéticas e para a apropriação e criação de saberes.
Não é escopo deste artigo situar historicamente as metodologias artísticas de investigação, mas é importante destacar que a Artografia é uma prática de PEBA criada no Canadá e o nome A/r/tography foi proposto pela pesquisadora Rita Irwin[vii] no intuito de diferenciar essa abordagem da pesquisa-ação, ainda que diretamente ligada a ela. É a modalidade de pesquisa baseada em arte mais conhecida no Brasil e insere a produção artística no centro do processo de investigação. Uma “investigação viva baseada em arte” (Irwin; Cosson, 2004) na qual as pesquisas, as proposições impregnadas de práticas, se tornam parte da vida do pesquisador, do professor, do sujeito.
Esses atravessamentos auxiliam na compreensão das abordagens de ensino como um posicionamento docente, pois envolve a indagação do que queremos realizar como professoras e professores de arte. Indagação que envolve intelecto, sentimento, intencionalidade, corporeidade, ao mesmo tempo que provoca movimentos, desvios, recomeços e aprendizados. No contexto da Artografia[viii], essa indagação atravessa a mestiçagem de relações “que foi inicialmente definida por identidades e mais tarde por todo o tipo de relações” (Irwin, 2024, p. 19) que envolve o ato de pesquisar, ensinar e fazer arte.
Várias investigações têm sido realizadas com entrelaçamentos entre processos artísticos e formas de pensamento com o intuito de descolar modos de pensar e agir na docência, como as realizadas por integrantes do grupo de pesquisa ArteVersa[ix]. “Nessas pesquisas, a materialidade da arte e os deslocamentos provocados por processos e práticas artísticas permitiram a produção de um pensamento em torno da arte e da escola para além de domínios conhecidos” (Capra; Momoli; Loponte, 2016, p. 185).
A exploração de ideias, de conteúdos, de encaminhamentos educativos, de proposições artístico/poéticas, propicia outros modos de pensar o ensino de arte, questionando limites e epistemes. Ações envolvendo criação, exploração, deslocamento e incompletude alargam a concepção do que pode ser o trabalho docente em arte e possibilitam novos arranjos e novas compreensões do ato de educar.
Acreditamos que tanto a arte quanto a educação, compreendidas como campos expandidos e abertos de pensamento, podem aprender mutuamente outros modos de enfrentar as urgências de nosso tempo em relação à educação básica, com atenção especial às artes visuais. (Capra; Momoli; Loponte, 2016, p. 180)
Esses outros modos de encontro e de enfrentamento também se situam como características da Artografia, como ações evocativas e provocadoras frente ao que vemos, pensamos e sentimos, possibilitando mudanças no modo de pensar, agir e de ensinar.
Foucault (1995) propõe uma estética da existência, relacionando a arte não apenas com objetos, mas com as pessoas, com a vida. Nesse sentido, a estética da existência envolve práticas que tem a vida como objeto. Práticas que nos constituem construtores de nossa conduta e possibilitam que habitemos a docência, transformando-a (Loponte, 2005; Diederichsen, 2018). Situam-se como exercícios de criação, formas de pensar que inventam novos sentidos, novas formas de agir que, “através de uma problematização constante do que somos, possibilitam que nos tornemos outros” (Diederichsen, 2018, p. 29).
Esses exercícios de criação, envolvendo por vezes a elaboração ou adoção de procedimentos que subvertem a norma, a padronização, se situam como ‘excessos’ no contexto da Artografia, em que se valoriza “aquilo que sobra, que não tem visibilidade, como por exemplo, anotações, ou aquilo que se descarta para depois ser recuperado e ganhar novos significados” (Sasso, 2023, p. 5). Essas situações estão bastante associadas a contextos artísticos, mas não tanto no campo da pesquisa e do ensino. Um dos exercícios que a Artografia propõe é de abertura, de atenção aos excessos, às particularidades, àquilo que tradicionalmente não teria importância. São fenômenos e situações provocadoras de reverberação, de conexão e de sobreposição, os chamados renderings.
O conceito de rendering que também define a a/r/tografia é melhor entendido como as sobreposições de poéticas às teorias e práticas em interações e relações que fazem com que a compreensão de um fenômeno particular ganhe em acuidade, significação e visibilidade. (Sasso, 2023, p. 5)
Ou seja, um modo próprio e alternativo de articular o imaginário, as visualidades e as poéticas com as teorias e modos de elaboração de práticas investigativas e pedagógicas, propiciando uma compreensão mais significativa do que se pesquisa e se ensina.
Há vários anos realizo discussões e experimentações sobre essa abordagem (dentre outras) e percebo o interesse das/dos estudantes com a inserção direta de práticas e processos artísticos no planejamento e na atuação docente. Interesse que reverbera de forma pontual e ocasional nos estágios obrigatórios e nos trabalhos de conclusão de curso (TCC).
Os estágios em espaços educativos são, para muitos estudantes, o primeiro contato com o exercício profissional, o que provoca receio e medo de alterar o formato das aulas. Somado a isso, o tempo de observação e de atuação é limitado e circunscrito pelo tempo das aulas e por conteúdos pré-determinados. Essas situações tendem a distanciar o ato de educar do ato de inventar e de construir novas territorialidades do pensamento. Já nos TCC, a Artografia tem ganhado um pouco mais de espaço, possibilitando entrelaçamentos singulares entre arte e docência, entre atividades e descobertas.
Frente a esses contextos da formação inicial, persisto na ideia de que o estudo e a experimentação de fundamentos da Artografia têm condições de fazer fissuras nas práticas investigativas e de ensino, borrando fronteiras territoriais do pensamento e subvertendo os espaços/lugares da prática artística e educativa nos cursos de licenciatura em arte e nas escolas. Alguns colegas de curso já exploram e exercitam esses borramentos, esses entrelugares, permitindo a ampliação de perspectivas para a docência em arte. Não ser um ato solitário, de uma disciplina, é um ótimo sinal.
A necessidade de uma abordagem Decolonial
É recente o meu contato com textos que discutem a colonialidade do poder e do saber, bem como a percepção destas marcas em minha trajetória de vida, de estudante e na carreira como professora. Enquanto realizava leituras e conversas com pesquisadoras e pesquisadores[x] sobre o mundo colonial/moderno e os impactos na América Latina, ofertei uma disciplina optativa sobre Decolonialidade[xi] e o ensino de arte em 2019. As leituras, debates e provocações realizadas com e pelos estudantes me impactaram. O vídeo[xii] e a leitura do livro de Chimamanda Adichie (2019) foram a porta de entrada para a discussão sobre colonialidade e hegemonia, pelo alerta do perigo de uma história única. A autora alerta que a seleção de uma narrativa, de um determinado recorte cultural como sendo o mais importante, e por conseguinte o único que importa estudar, cria estereótipos sobre o mundo e mantém invisibilizados muitos outros saberes, histórias e referências.
Imagem 2 – Registro do Café Decolonial organizado por estudantes
da disciplina optativa que discutiu o pensamento decolonial.
Fonte: Arquivo pessoal (2019).
Uma das provocações realizadas por um grupo de estudantes foi o Café Decolonial, em oposição ao café colonial oferecido em várias regiões do Brasil. Foram servidas diversas degustações para a turma, como o bolo nega maluca, os doces maria mole, teta de nega, preto de alma branca, a fruta manga batida com leite e o café.
Enquanto saboreavam os doces e bebidas, os estudantes leram o cardápio e discutiram sobre a origem dos nomes, a escravidão por trás das plantações de café e o imaginário construído sobre o consumo da manga com leite. Essa experiência, entre outras vivenciadas pela turma, reforçou o quanto a manutenção de nomenclaturas, atitudes, valores e tradições perpetua o racismo e a herança colonial até os dias atuais.
Nesse mesmo ano, como reverberação das leituras e ações que aconteceram nessas aulas, inseri como conteúdo da disciplina obrigatória de Fundamentos e metodologias para o ensino de arte a questão decolonial. A inserção deste pensamento enquanto abordagem tinha a intenção de confrontar e refletir o que selecionamos como conteúdo e como o abordamos nas aulas de arte e por quê.
Na disciplina, o texto propulsor das discussões foi “A América Latina existe! Notas para pensar a decolonialidade e a desobediência docente em artes visuais”, de Eduardo Moura (2016). Neste texto o autor expõe suas indagações em torno da uni-versalidade do conhecer na região latino-americana, sobre as (im)possibilidades de produção de conhecimentos e sobre a educação das artes visuais nas escolas e nos cursos de formação de professores.
Os questionamentos ressaltam o espaço de hegemonia norte-eurocêntrica no ensino da arte e o quanto essa hegemonia “pouco ou nenhum sentido/significado traz para o (re)conhecimento das realidades – social, política, cultural, artística (em suas diversas expressões) – latino-americanas” (Moura, 2016, p. 2). Ao inferir que o ensino das artes visuais nas escolas e em diversas situações reflete uma formação docente reprodutivista, por vezes acrítica e apolítica, Moura advoga por um “pensar decolonial, que não significa a deslegitimação do conhecimento europeu/estadunidense, mas a legitimação de epistemologias outras da/na América Latina” (Moura, 2016, p. 2).
Nas recentes palavras de Bárbara Carine ao falar de colonialidade, a autora destaca que “esse conceito se remete a um padrão subjetivo de rebaixamento existencial dos povos tidos ‘colonizados’ frente aos povos autointitulados ‘colonizadores’” (Carine, 2023, p. 25). Ou seja, deixamos de ser colônia com a Proclamação da Independência, mas a colonialidade – esse padrão subjetivo, por alguns denominado de síndrome de vira-lata – permanece até os dias de hoje, mantendo periférica a diversidade da nossa identidade e, por conseguinte, perpetuando a centralidade no saber norte-eurocêntrico.
“Os antigos diziam que quando a gente botava um mastro no chão para fazer nossos ritos, ele marcava o centro do mundo. É mágico que o centro possa estar em tantos lugares, mas de que mundo estamos falando?” (Krenak, 2022, p. 31-32). O fato é que aceitamos e reproduzimos histórias únicas e uma determinada visão de mundo, deixando de imaginar outras cartografias, outras “camadas de mundo, nas quais as narrativas sejam tão plurais que não precisamos entrar em conflito ao evocar diferentes histórias de fundação” (Krenak, 2022, p. 32). Essas outras memórias e narrativas contém a possibilidade de dar sentido às experiências singulares que acontecem em diversos lugares do mundo e em nós.
Nos lugares promotores de cursos de bacharelado e licenciatura, já se percebe movimentos para a revisão de currículos, disciplinas e conteúdos. Também se ampliaram os lugares de proposições pedagógicas para a promoção da educação das relações étnico-raciais e de gênero nas instituições de ensino[xiii]. Ações que procuram reverter a “violência sistêmica” e que tem como alvo privilegiado “os grupos étnico-raciais, de gênero e as sexualidades divergentes ou não hegemônicas” (Nascimento, 2021, p. 54). Esses lugares e movimentos têm promovido mudanças no âmbito acadêmico, mas é fato que a colonialidade do pensamento continua a demarcar e manter o privilégio de determinados saberes e culturas, impondo silenciamentos, perseguições e deslegitimações ao que não se enquadra nesse recorte.
Precisamos assumir – esse é o primeiro passo – que as posturas coloniais estão internalizadas em nós e participam de nossas práticas educativas, seja no espaço escolar, seja no acadêmico, entre tantos outros espaços formativos. Posturas que introduzem modos de constituição de sujeitos, “espelhos de nós, repetidores de nossas verdades, apreciadores de nosso instruído ‘bom gosto’” (Paiva, 2021, p. 28).
O currículo, os conteúdos disciplinares e o que se situa como história da arte em grande medida continuam sendo elaborados e reproduzidos a partir de uma perspectiva europeia, denominada eurocêntrica, e que posteriormente incluiu a estadunidense. Essa perspectiva hegemônica “constrói discursos, naturaliza preconceitos e afeta a seleção do que deve ser ensinado e compreendido como arte” (Romero Sánchez; Vasconcellos, 2021, p. 44). Como consequência, outras culturas, histórias e descobertas são silenciadas, por vezes folclorizadas e destituídas de valor epistêmico. A decolonialidade, portanto, é uma atitude radical e de ruptura contra as narrativas e subjetividades que situaram a Europa e depois os Estados Unidos como o palco privilegiado da civilização humana em detrimento de todos os demais (Mignolo, 2020; Nascimento, 2021).
Para maior compreensão do pensamento Decolonial, ressalto alguns marcos históricos, autores e conceitos, começando com o grupo Modernidade/Colonialidade (M/C)[xiv], formado em 1998 e muito ativo na primeira década do século XXI. Suas ações convergiram para o estudo, discussão e proposição de perspectivas analíticas decoloniais, demarcando a relação direta entre modernidade e colonialidade[xv].
As discussões problematizavam a separação que coloca a modernidade em função da Europa – envolvendo a conexão do Mediterrâneo com o Atlântico e a colonização da América – e a colonialidade em função dos não europeus e atrelada a processos de subalternização, de inferioridade, abarcando os traços fenotípicos e as descobertas culturais (Quijano, 2005; Mignolo, 2020). É na constituição da “diferença colonial” (Mignolo, 2020) que emerge a colonialidade do poder e as atividades de controle como a colonialidade do saber, do ser e do pensar. Mesmo tendo origem e caráter colonial, Aníbal Quijano (2005) ressalta que a colonialidade do poder provou ser mais duradoura e estável, se iniciando com o processo de modernidade – que situou o centro hegemônico do mundo na zona centro-norte da Europa Ocidental – e mantida até hoje pela globalização em curso.
Para esse autor, a elaboração intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva e um modo de produzir conhecimento eurocentrado, sendo que “o padrão de poder baseado na colonialidade implicava também um padrão cognitivo, uma nova perspectiva de conhecimento dentro da qual o não-europeu era o passado e desse modo inferior, sempre primitivo” (Quijano, 2005, p. 116).
É revoltante percebermos o quão colonial foi o recorte da história que estudamos na escola, com a supressão dos povos indígenas e africanos de seu lugar na história e na produção cultural da humanidade. Antes da Lei 10.639 de 2003, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas de educação básica – atualizada pela Lei 11.645 de 2008 que incluiu a obrigatoriedade do ensino da história e cultura indígena –, escassas e estereotipadas informações sobre essas culturas eram apresentadas nos espaços educativos. Caricaturas de ‘índios’[xvi] e de negros permeavam os desenhos, os murais, as festividades escolares e ainda que isso continue a ocorrer em algumas instituições, a conscientização, os movimentos sociais, leis e diretrizes curriculares específicas têm alterado esse cenário.
Antes de avançar nas discussões sobre decolonialidade, quero destacar, colocar em exposição a fala de Quijano (2005) sobre a vinda dos ibéricos e a consequente conquista, nomeação e colonização de parte da América. Eles, os ibéricos,
encontraram um grande número de diferentes povos, cada um com sua própria história, linguagem, descobrimentos e produtos culturais, memória e identidade. São conhecidos os nomes dos mais desenvolvidos e sofisticados deles: astecas, maias, chimus, aimarás, incas, chibchas, etc. Trezentos anos mais tarde todos eles reduziam-se a uma única identidade: índios. Esta nova identidade era racial, colonial e negativa. Assim também sucedeu com os povos trazidos forçadamente da futura África como escravos: achantes, iorubás, zulus, congos, bacongos, etc. No lapso de trezentos anos, todos eles não eram outra coisa além de negros. (Quijano, 2005, p. 116, grifo no original)
Essas reduções, generalizações e apagamentos permanecem no imaginário de muitas pessoas, são alimentadas pelo racismo, pelo preconceito e naturalizadas como sendo de menor valor. Eis aí a diferença colonial e a colonialidade do poder.
De acordo com Walter Mignolo (2020, p. 10), a diferença colonial é “o local ao mesmo tempo físico e imaginário onde atua a colonialidade do poder, no confronto de duas espécies de histórias locais visíveis em diferentes espaços e tempos do planeta”. O autor destaca que a ‘diferença’ é o espaço em que histórias locais, que procuram implementar projetos globais, encontram outras histórias locais e as rejeitam, as rebaixam, encenando dicotomias e binarismos onde haveria pluralidades e múltiplas históricas locais. Demarca-se, assim, o que é dominante, centro, e o que é margem, inferior, subalterno.
O pensamento liminar, localizado na fronteira da colonialidade do poder, é uma consequência da diferença colonial, uma reação a ela, se situando como um pensamento outro, epistemológico e ético, que procura superar a limitação do pensamento eurocêntrico e das dicotomias norte-sul global. Um pensamento que emerge das histórias locais dos legados espanhóis e portugueses na América e se abre para outras geopolíticas, outras geopoéticas (Moura, 2006). Lugares e dimensões que se situam como “uma maneira de pensar que é universalmente marginal, fragmentária e aberta” (Mignolo, 2020, p. 102) e, portanto, não “etnocida[xvii]” (Khatibi apud Mignolo, 2020, p. 102).
Essas reflexões desaguam, neste texto, no propósito de situar a abordagem decolonial na perspectiva das pedagogias decoloniais, enfoque que ganha força no Brasil e envolve o entrelaçamento de conceitos-chaves como modernidade, colonialidade, racismo epistêmico e diferença colonial com estudos e propostas educacionais. Essa perspectiva é pensada “a partir da ideia de uma prática política contraposta à geopolítica hegemônica monocultural e monorracional” (Oliveira, 2021, p. 19), para que movimentos de desconstrução de paradigmas e de abertura a outras geopolíticas e geopoéticas possam acontecer na formação e na atuação do/da professor/a de arte
Nas palavras da Maria Auxiliadora dos Santos Coelho (2021, p. 9), indígena, intelectual e militante, “é preciso considerar outras formas de produzir conhecimentos que possam incidir na realidade e permitam orientar ações e consciência crítica frente às diversas formas de colonialidade”. São formas outras de produzir saberes, contra hegemônicas, capazes de viabilizar a superação de processos educacionais colonizantes e o fortalecimento de novas perspectivas pedagógicas, com outra lógica epistêmica.
Nos exercícios realizados em sala, as/os estudantes debatem a hegemonia de um tipo de saber, incluindo memórias escolares, assim como pesquisam e apresentam artistas e produções culturais de distintas territorialidades. Percebo o interesse e o acesso que muitos possuem de artistas e de produções culturais não-hegemônicas, mas ainda com poucas referências da América Latina. Situações que mostram a urgência de revisões sobre o que ensinamos nos cursos de graduação e para além das ações pontuais que já acontecem.
Alguns arremates
O intuito principal deste texto foi evidenciar a relevância de abordagens de ensino para a reflexão e fundamentação das práticas pedagógicas em arte, com recorte para as artes visuais, minha área de atuação. São enfoques que mobilizam diferenças, desestabilizam modus operandi e rompem com centramentos do saber, do pensar, do ser.
Procurei ressaltar o compromisso ético, estético e político que está engendrado nas escolhas que fazemos e na educação que realizamos. Esta foi a intenção do detalhamento das abordagens Artográfica e Decolonial: destacar posicionamentos investigativos que questionam privilégios e a manutenção de determinadas estruturas de conhecimento, ao mesmo tempo em que apontam outros caminhos.
Junto a tudo isso, é importante dizer que a reverberação do estudo das abordagens de ensino no cotidiano acadêmico permanece pequena. Procuro percebê-la como latência, como expressão que necessita de tempo entre os estímulos e as ações para produzir sentido e significado na formação e na docência em arte. A questão é que precisamos de uma desobediência epistêmica em várias dimensões (Ferreira, 2017) para que a transformação, de fato, aconteça no âmbito pessoal, profissional, estrutural e legal.
Persisto nas ações de apresentar, debater e experienciar abordagens de ensino, entendendo que podem ampliar a compreensão do ato de educar e das escolhas epistemológicas que permeiam as aulas de arte. Desejo, também, que essas discussões e fundamentações colaborem para evidenciar a especificidade e a importância da arte como área de conhecimento, cognitivo e sensível, tão necessária para a educação e para a vida.
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Notas
[1]Professora associada da Universidade Estadual do Paraná, atuando como docente e coordenadora de estágio da Licenciatura em Artes Visuais do Campus de Curitiba II. Doutora e mestre em educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com estágio de doutoramento na Northern Illinois University. Especialista em Filosofia da Educação pela Universidade Católica do Paraná, com graduação em Educação Artística (UFPR) e bacharelado em Pintura pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná. É colíder do Grupo de pesquisa Arte, Educação e Formação Docente (GAEFO-UNESPAR/CNPq) e integrante do Grupo de estudo e pesquisa em Arte e Docência (ARTEVERSA-UFRGS/CNPq). Também realiza projetos e trabalhos artísticos com o Coletivo Bordas, de Curitiba/PR, com ênfase nas manualidades. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-0586-4874. E-mail: sonia.tramujas@ies.unespar.edu.br
[i] Os concursos permanecem, na sua maioria, polivalentes e no momento de assumir a vaga várias secretarias de educação contestam os diplomas de graduação em que não consta a palavra arte ou educação artística. Mais recentemente os licenciados em música conseguiram assumir com mais facilidade seus postos por conta da inserção do ensino de música na educação básica pela Lei 11.769/2008, ampliado pela inserção das demais linguagens artísticas na Lei 13.278/2016, com ação expressiva da FAEB. Ainda assim, as associações nacionais e regionais que representam os professores de arte precisam, em várias situações, elaborar documentos para que os licenciados em teatro e dança os apresentem aos órgãos públicos e assim possam assumir suas vagas na carreira do magistério da educação básica.
[ii] A arte/educação modernista enfatizava a experimentação, a autoexpressão e o valor libertário da arte na educação. “Ao objetivo de desenvolvimento da expressão pessoal, o pós-modernismo acrescentou a ideia de analisar obras e imagens da arte ou da cultura visual, o que significa interpretação e crítica de imagens.” (Barbosa, 2021, p. 19)
[iii] Refiro-me ao curso ofertado pelo campus de Curitiba II da Universidade Estadual do Paraná. A Unespar é uma instituição pública mantida pelo Governo do Estado do Paraná e nasceu da junção de sete faculdades estaduais. Os sete campi estão situados em diversas cidades do Estado do Paraná, sendo dois em Curitiba: a Escola de Música e Belas Artes do Paraná (campus de Curitiba I) e a Faculdade de Artes do Paraná (campus de Curitiba II).
[iv] Também são relatadas situações nas aulas de arte envolvendo a música e o teatro – praticamente a dança não aparece nesses relatos – mas é evidente a hegemonia das artes visuais.
[v] Em 2023 mais dois enfoques foram debatidos em sala de aula: a abordagem freiriana e a abordagem antirracista.
[vi] A edição de 2009 do livro Metodologia do ensino de arte: fundamentos e proposições foi revista e ampliada pela autora Maria Heloísa Ferraz devido ao falecimento de Maria Fusari, mas expressa as “preocupações conjuntas das autoras e as novas teorias e práticas do ensino de Arte.” (Ferraz, 2009, p. 12).
[vii] Rita Irwin é pesquisadora e professora da University of British Columbia (UBC), no Canadá, e uma das criadoras da metodologia denominada A/r/tografia. É conhecida internacionalmente pelo trabalho e divulgação desta metodologia investigativa, envolvendo orientações de pesquisa, seminários, palestras, publicação de artigos e livros.
[viii] Neste texto, o foco é a Artografia como abordagem de ensino. No campo da pesquisa acadêmica seriam necessárias outras reflexões e ponderações.
[ix] O ArteVersa é um grupo de estudo e de pesquisa em arte e docência (CNPq/UFRS) liderado pela pesquisadora Luciana Gruppelli Loponte. É possível acessar as pesquisas e outras produções feitas por integrantes do grupo e convidados pelo site <https://www.ufrgs.br/arteversa/>.
[x] Destaco as conversas e ações feitas em conjunto com a pesquisadora Monica Romero Sanchez, da Colômbia.
[xi] A opção pelo termo decolonial tem relação direta com os autores estudados, mas tenho me inteirado das discussões de autores atrelados ao pensamento pós-colonial, contracolonial e anticolonial.
[xii] O vídeo se refere a uma palestra proferida por Chimamanda Adichie no TED Talk, em 2009. TED é um evento para disseminação de ideias no formato de 18 minutos, com transmissão pela internet, e sua sigla significa Tecnologia, Entretenimento e Design.
[xiii] Na Unespar, foi criado o Centro de Educação em Direitos Humanos (CEDH) que é coordenado pela Diretoria de Direitos Humanos da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e Direitos Humanos. O CEDH é composto pelo Núcleo de Educação Especial Inclusiva; Núcleo de Educação para Relações Étnico-raciais e Núcleo de Educação para Relações de Gênero (https://unespar.edu.br/projetos/cedh)
[xiv] O grupo M/C envolveu, ao longo dos anos, pesquisadores da América Latina de diversas áreas, como os sociólogos Aníbal Quijano e Ramón Grosfoguel, os semiólogos Walter Mignolo e Zulma Palermo, a pedagoga Catherine Walsh, os antropólogos Arturo Escobar e Fernando Coronil, os filósofos Enrique Dussel, Santiago Castro-Gómes e María Lugones, entre outros.
[xv] Para outros estudiosos, como Néstor García Canclini, o colonialismo na América se associa ao período colonial (início do século XVI ao início do século XIX) e é depois disso que se instaura a modernidade. “Nessa perspectiva, o ‘período colonial’ é percebido como anterior à ‘modernidade’, não como sua face oculta” (MIGNOLO, 2020, p. 79). Já Enrique Dussel, na linha do grupo M/C, situa o início da modernidade planetária e europeia “com a ‘descoberta’ da América, sendo uma consequência dela e do estabelecimento do circuito comercial e financeiro do Atlântico” (Ibid.)
[xvi] Os indígenas rejeitam a denominação índio, considerando-a preconceituosa e associada a uma ideia generalista de quem seriam os povos originários brasileiros. O termo índio também representa o equívoco das expedições ibéricas do séc. XV que julgavam ter chegado nas Índias e não em um novo continente. A partir de 1970 o termo índio para designar os povos originários começou a ser questionado e em 2023 o Dia do Índio deu lugar ao Dia dos Povos Indígenas. Daniel Munduruku esclarece que “índio é uma palavra vazia de significado, indígena é uma palavra cheia de significado. Índio não significa nada, indígena significa originário”. Mais informações em: <https://www.dw.com/pt-br/pela-primeira-vez-brasil-celebra-dia-dos-povos-ind%C3%ADgenas-e-n%C3%A3o-dia-do-%C3%ADndio/a-65363077>
[xvii] O etnocídio é a ação de extermínio de uma cultura. A destruição de uma etnia no plano cultural (https://www.dicio.com.br/etnocidio/). Etnocida é a pessoa ou situação que promove o etnocídio.