A formação docente e o ensino das artes visuais na perspectiva da arte indígena contemporânea
Teacher training and the teaching of visual arts from the perspective of contemporary indigenous art
Mariluci Ramos de Quadros Brasil [1]
Prefeitura Municipal de Mangueirinha, Mangueirinha, PR, Brasil
Valéria Metroski de Alvarenga [2]
Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil
Instituto Federal Catarinense, Concórdia, SC, Brasil
Resumo
O presente artigo é resultante de uma dissertação do Mestrado Profissional em Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina (PROF-ARTES-UDESC) defendida em 2023. O foco temático foi a formação de professores e o ensino de arte na comunidade indígena Kaingang do Paraná. O problema da pesquisa consistiu em analisar “como ocorre a formação continuada dos professores em Arte ofertada pela Secretaria Estadual de Educação do Paraná (SEED-PR) na comunidade Indígena Kaingang, da Terra Indígena Mangueirinha (PR)?”. O objetivo geral foi: Investigar a formação continuada do professor de arte e suas consequências no ensino de arte ofertado na Educação Indígena, da Terra Indígena Mangueirinha, no Paraná, relacionando-a com a produção artística contemporânea indígena nacional. Utilizou-se uma metodologia de cunho qualitativo, a qual incluiu revisão bibliográfica e entrevistas. Como aporte teórico, contou-se com o apoio dos seguintes autores: Saviani (2009, 2021), Lagrou (2013), Helm (2007, 2012), Mota (1994), entre outros, assim como documentos curriculares da área. Foram obtidos os seguintes resultados: a formação continuada para professores de Arte ofertada pela SEED-PR, que também atinge a comunidade analisada, não contempla as especificidades do contexto indígena Kaingang, já que, quando há formação, esta ocorre de modo acelerado, padronizado, no formato de Educação a Distância (EaD) e se encontra alinhada aos interesses do neoliberalismo.
Palavras-chave: Arte Indígena Contemporânea; Ensino de Arte; Artes Visuais; Formação docente.
Abstract
This article is the result of a Professional Master's dissertation in Arts at the State University of Santa Catarina (PROF-ARTES-UDESC), defended in 2023. The thematic focus was teacher training and art teaching in the Kaingang indigenous community of Paraná. The research problem consisted of analyzing “how does the continued training of teachers in Art offered by the State Department of Education of Paraná (SEED-PR) occur in the Kaingang Indigenous community, in the Mangueirinha Indigenous Land (PR)?” Our general objective was to: Investigate the continued training of art teachers and its consequences in the art teaching offered in Indigenous Education, in the Mangueirinha Indigenous Land, in Paraná, relating it to contemporary national indigenous artistic production. We used a qualitative methodology, which included bibliographic review and interviews. As a theoretical contribution, we have the support of the following authors: Saviani (2009, 2021), Lagrou (2013), Helm (2007, 2012), Mota (1994), among others, as well as curricular documents in the area. We obtained the following results: the continued training for Art teachers offered by the SEED-PR, which also reaches the proven community, does not include the specificities of the Kaingang indigenous context, and when there is training, it occurs in an accelerated, standardized way, in the format of Distance Education (EaD) and is aligned with the interests of neoliberalism.
Keywords: Contemporary Indigenous Art; Art Teaching; Visual arts; Teacher Training.
Introdução
Neste artigo, apresenta-se a síntese de uma dissertação de mestrado, defendida no PROF-ARTES-UDESC em 2023, cujo foco foi a Formação Continuada dos professores de Arte da Terra Indígena Mangueirinha, Aldeia Sede em Mangueirinha, da etnia Kaingang, no Estado do Paraná. Focou-se nos aspectos da Arte Indígena Contemporânea e suas possíveis aproximações com a Pedagogia Histórico-Crítica. O problema de pesquisa foi o seguinte: Como ocorre a formação continuada[i] dos professores de Arte ofertada pela Secretaria Estadual de Educação do Paraná (SEED-PR) na comunidade Indígena Kaingang, da Terra Indígena Mangueirinha (PR)?
Para responder a tal pergunta, foram elencados os seguintes objetivos: Investigar a formação continuada do professor de arte e suas consequências no ensino de arte ofertado na Educação Indígena, da etnia Kaingang da Terra Indígena Mangueirinha (PR), relacionando-a com a produção artística contemporânea indígena nacional. Para atingir esse objetivo geral, foram elaborados os seguintes objetivos específicos: (1) contextualizar a situação dos indígenas no Brasil na contemporaneidade, em especial a comunidade Kaingang da Terra Indígena Mangueirinha (PR); (2) Caracterizar como ocorre a formação continuada em Arte, orientada pelo Núcleo Regional de Educação de Pato Branco (PR), para os professores de Arte da Escola Indígena da Terra Indígena Mangueirinha; (3) Analisar a produção artística indígena contemporânea e suas dimensões cultural-sociais, no sentido do protagonismo indígena e para a resistência do grupo cultural; e (4) Apresentar aspectos da Pedagogia Histórico-Crítica, pensado em uma possível relação desta com a educação escolar indígena no contexto pesquisado.
Optou-se por uma metodologia da pesquisa de cunho qualitativo, com revisão bibliográfica e pesquisa de campo, utilizando para a coleta de dados entrevistas com pessoas que trabalhavam diretamente no Colégio Indígena Kókoj Ty Han Já (PR), assim como pessoas que auxiliam na formação docente por meio de documentos curriculares e/ou cursos de formação continuada.
Contou-se com o aporte teórico dos seguintes autores: Lagrou (2013), Saviani (2009, 2021), Almeida (2021), Fonseca da Silva e Buján (2016), Helm (2007, 2012), Mota (1994), entre outros. Foram utilizados, também, documentos específicos sobre a temática, como: Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (1998), Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de Professores Indígenas (2015) e Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Indígena (2012), assim como foram realizadas pesquisas em sites sobre comunidades indígenas: Portal Kaingang e Indígenas do Brasil.
O artigo está organizado em cinco subtópicos: (1) Os Indígenas e a Comunidade Kaingang no Paraná; (2) A Educação Escolar e a Formação Docente Indígena; (3) Formação Continuada do Professor Brasileiro da Escola Pública; (4) Um Olhar para a Produção da Arte Indígena Contemporânea; e (5) Universo da Pesquisa: formação continuada.
Os Indígenas e a Comunidade Kaingang no Paraná
O indígena é a pessoa descendente dos primeiros habitantes que viviam no Brasil quando os europeus (portugueses) chegaram aqui (IBGE, 2013). Pode-se dizer que são Povos Originários da América que viviam nesse continente antes da delimitação territorial imposta pelos ocidentais e seu projeto, chamado por eles, de “civilização” desses povos.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2013), quando os portugueses chegaram ao Brasil, havia em torno de cinco a sete milhões de pessoas no país. Todavia, durante o processo de colonização, a maioria foi dizimada. Atualmente, conforme aponta o IBGE (2013), 896 mil pessoas se declararam indígenas, sendo que algumas vivem em áreas urbanas, outras em áreas rurais e outras ocupam áreas reservadas especificamente aos indígenas. Esse mesmo censo apresentou um total de 305 etnias indígenas vivendo no Brasil que falam 274 línguas indígenas. Considerando esses dados, observa-se que ocorreu uma redução gigantesca da população indígena ao longo dos últimos séculos.
Logo, os indígenas buscam ocupar espaços nos diferentes lugares sociais, lutam pelos seus direitos, tentando preservar e manter sua cultura, assim como sua diversidade étnica e linguística, que ainda se faz presente em território brasileiro.
Entre essa diversidade de etnias, línguas e culturas, aqui nesta pesquisa, aborda-se de modo mais específico a etnia Kaingang, iniciando com o conhecimento de suas raízes históricas e culturais em âmbito nacional.
Há relatos que, os povos originários Kaingang pertencem à família linguística Jê, habitantes da Região Sul e Sudeste do país. Sua presença no Paraná está datada de aproximadamente três mil anos atrás. A designação kaingang, tal como alcunhados hoje, pode-se dizer que é recente. Receberam, no passado, várias outras denominações, mas foi com Telêmaco Borba e Frei Luiz de Cimitile, a partir de 1882, que foram denominados Kaingang. Anteriormente a isso, eles eram reconhecidos como “Coroados” (Mota; Novak, 2008; Portal Kaingang, 2022).
Considera-se que esses povos vieram para o Paraná por essa região ser de terras altas, fornecendo, assim, uma fauna e flora abundantes. Esses povos possuíam uma agricultura rudimentar, na qual o plantio era feito com coivara[ii], produzindo milho, abóbora, feijão, amendoim e mandioca. No inverno, o trabalho de subsistência era realizado por meio de caça, pesca, coleta de mel, raízes e frutos. Eles caçavam com arco e flecha, arpões e armadilhas. Também confeccionavam cestos, em taquara, para armazenar seus alimentos, usando porongos ou “purungos” (cabaças) e algumas peças de cerâmicas, essas últimas confeccionadas por eles mesmos (Mota, 1994).
Segundo o que consta no Portal Kaingang (2022), hoje, “os Kaingang correspondem a 50% das populações falantes da língua do Tronco Jê, e o quinto maior grupo indígena, com aproximadamente 50 mil pessoas”.
Na sequência, serão apresentados elementos relativos ao contexto histórico da comunidade indígena de Mangueirinha (PR), a qual será o foco desta pesquisa.
Os kaingang, que deram origem à Terra Indígena de Mangueirinha, vieram da região de Guarapuava (PR) para se refugiarem na região de Palmas (PR), por volta de 1810 e, desde então, passaram a fazer contato com os não índios (Helm, 2007). Todavia, em busca de refúgio, de sobrevivência ou para escapar do contato do não indígena, principalmente dos catequizadores, os Kaingang se embrenhavam mata adentro, como relata Cecília Helm (2012, p. 2):
Por volta de 1819, um grupo Kaingang chefiado por Candói que vivia na região de Palmas, deixou o local e se estabeleceu no Covó, antiga denominação do rio Iguaçu, para fugir do contato com os não índios, que integravam a frente pastoril que se estabeleceu na região. No Covó, passaram a ser dirigidos por Antônio Joaquim Cretãn. Os seus toldos foram erguidos em uma extensa área de terras coberta por densa floresta, onde predomina até os dias de hoje, a Araucária angustifolia, o pinheiro-do-Paraná.
Mais tarde, com a implantação da Colônia Militar do Chopim, o grupo de Antônio Joaquim Cretãn prestou serviços para os militares na abertura de picadas, ou seja, estradas que ligavam Palmas e Guarapuava. Com uma boa comunicação e também boa relação social, Cretãn permitiu o contato de seu grupo com o não índio, vindo a desenvolver trabalhos e relações de negócios. Segundo Helm (2007; 2012), os militares que dirigiam à Colônia para estabeleceram relações de camaradagem com os Kaingang chefiados pelo cacique Cretãn[iii]. Esse mesmo grupo foi responsável pela fundação da Aldeia Terra Indígena de Mangueirinha (PR).
Mais tarde, de acordo com Helm (2012), nos anos de 1940, foi imposta uma política pelo Governador do Paraná, com o intuito de restringir as terras indígenas, desse modo, a terra indígena de Mangueirinha foi dividida e doada a fazendeiros e madeireiros da época.
Foram anos de conflitos e de luta judicial. De um lado, estavam os indígenas lutando pela posse da terra com veemência, do outro, estavam os empresários e os colonos que “ganharam” ou compraram uma terra que já tinha dono há muitos anos. Por fim, em 2005, o governo estadual proferiu o parecer entregando definitivamente essas terras para os Kaingang e os Guarani que ali vivem. Após essa breve contextualização dos indígenas Kaingang, serão apresentados alguns aspectos relativos à educação escolar e à formação docente indígena.
A Educação Escolar e a Formação Docente Indígena
A educação indígena, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ganhou base legal, se diferenciando das demais modalidades de ensino, tanto no que diz respeito ao idioma quanto no que se refere à aprendizagem em si.
A partir desse momento, houve a valorização da língua materna indígena no contexto escolar e também um estímulo para a conservação dos valores tradicionais herdados culturalmente. Mais tarde, essa concepção fez parte da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei n. 9.394/96, que, em seu artigo 78, discorre o seguinte:
Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilíngue e intercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos: I - proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências; II - garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-índias (Brasil, 1996, p. 27).
Desse modo, pode-se dizer que está garantido por Lei o ensino da língua materna e, também, os conhecimentos culturais de cada etnia indígena, com o propósito de reafirmar sua identidade cultural e étnica, possibilitando que a sua descendência partilhe e/ou conheça seus códigos culturais. Esse é um direito garantido e executado pelas escolas indígenas.
Um dos grandes entraves para uma educação indígena de qualidade é o currículo. A questão da criação do currículo voltado para os valores de suas culturas e a existência de profissionais da educação que compreendam a importância desse olhar diferenciado para com os conhecimentos-base associados às especificidades da cultura das comunidades indígenas costumam ser empecilhos para a educação indígena. Os motivos estão relacionados a uma precária formação nas graduações sobre as culturas indígenas, assim como o próprio desenvolvimento desse currículo diversificado, ou ainda, à cobrança da comunidade em ensinar conteúdo do currículo-base sem menções à sua cultura (Brasil, 2012b).
Ressalta-se que é necessário ensinar conteúdos presentes na educação básica, pois o indígena está inserido em um contexto que faz uso, no seu dia a dia, desses saberes, mas tais conteúdos precisam ser adaptados a partir das vivências culturais. Já as Diretrizes para a Educação Indígena têm por objetivos orientar essa modalidade de ensino no contexto nacional, assim cabe a cada estado criar materiais específicos para as etnias e os povos presentes em seu território e construir um currículo com suas especificidades étnicas regionais.
Segundo as Diretrizes para a Educação Indígena:
Art. 3º Constituem objetivos da Educação Escolar Indígena proporcionar aos indígenas, suas comunidades e povos:
I – a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e ciências;
II – o acesso às informações, conhecimentos técnicos, científicos e culturais da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não-indígenas.
Parágrafo único: A Educação Escolar Indígena deve se constituir num espaço de construção de relações interétnicas orientadas para a manutenção da pluralidade cultural, pelo reconhecimento de diferentes concepções pedagógicas e pela afirmação dos povos indígenas como sujeitos de direitos (Brasil, 2012b, p. 3).
Quanto à estrutura de funcionamento e à organização das Escolas Indígenas, pode-se dizer que a educação indígena tem um modo próprio de se organizar. Ela deve primar pelo uso da língua materna, e as escolas devem estar em territórios indígenas para que possam atender somente aos indígenas, com professores e gestores da comunidade indígena, acolhendo representantes da comunidade para a socialização de saberes culturais, sociais, políticos e religiosos.
Em linhas gerais, tanto a nível nacional quanto estadual, as Leis e as Normas que regulamentam a educação indígena garantem a esses grupos culturais o direito básico que é o uso da Língua Materna, além da língua Portuguesa, no ensino regularizado e o reconhecimento dos processos próprios de aprendizagem, a exemplo disso o uso da tradição oral.
No que tange à formação do professor indígena no Brasil, no contexto atual, após anos de luta, o indígena faz-se presente nos bancos universitários, seja por meio de políticas afirmativas ou não. Estar na universidade é parte da afirmação de grafar sua história, enfatizando suas especificidades culturais e mostrando para o mundo o quão multifacetado é o Brasil.
Com a promulgação da Lei n. 12.711/2012, conhecida como Lei de Cotas, a presença do indígena nas universidades públicas e privadas está sendo bem significativa, visto que, anteriormente a isso, pouquíssimos indígenas passavam pelo ensino superior com sucesso.
De acordo com a legislação brasileira, em especial a LDB de 1996, para ser professor, é necessária uma formação acadêmica universitária, formação de nível superior, que pode ser Licenciatura em Pedagogia ou em alguma área do conhecimento específico, ou ainda formação específica para a Educação Indígena.
Em 2015, foram instituídas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores Indígenas, por meio da Resolução n. 1, de 7 de janeiro de 2015, que, em sua redação, traz como princípios para a formação de professores indígenas o seguinte:
Art. 2º Constituem-se princípios da formação de professores indígenas:
I – respeito à organização sociopolítica e territorial dos povos e comunidades indígenas;
II – valorização das línguas indígenas entendidas como expressão, comunicação e análise da experiência sociocomunitária;
III – reconhecimento do valor e da efetividade pedagógica dos processos próprios e diferenciados de ensino e aprendizagem dos povos e comunidades indígenas;
IV – promoção de diálogos interculturais entre diferentes conhecimentos, valores, saberes e experiências;
V – articulação dos diversos espaços formativos, tais como a comunidade, o movimento indígena, a família e a escola; e
VI – articulação entre docentes, gestores e demais profissionais da educação escolar e destes com os educadores tradicionais da comunidade indígena (Brasil, 2015, p. 1).
Nota-se, portanto, que tais Diretrizes vêm orientar a formação dos professores a nível de Brasil quanto à sua atuação na Educação Escolar Indígena no exercício da docência, da gestão e da pesquisa, respeitando como princípios pedagógicos a construção e o desenvolvimento do currículo, as metodologias e a avaliação de acordo com cada povo ou etnia indígena.
No Estado do Paraná, foi instituído o Vestibular[iv] dos Povos Indígenas, organizado em conjunto com a Comissão Universidade para os Povos Indígenas (CUIA) e a Universidade Federal do Paraná (UFPR). Esse vestibular consiste em uma prova objetiva com conteúdos-base do Ensino Fundamental e Médio, uma redação que aborda temas indígenas e uma entrevista (Paraná, 2001). Tal possibilidade é muito significativa para a ampliação da formação em nível superior dos indígenas paranaenses.
Formação Continuada do Professor Brasileiro da Escola Pública
Segundo a LDB atual (Brasil, 1996), a formação inicial se dá por meio de curso de graduação de nível superior em Licenciatura em Pedagogias ou em áreas específicas das ciências da educação, podendo, também, ser de nível médio na Modalidade Normal Superior. O tempo médio dos cursos é de três a cinco anos, os quais podem ser ofertados nas modalidades presencial ou a distância (EaD).
De acordo com a Base Nacional Comum para a Formação Continuada de Professores da Educação Básica (BNC-Formação Continuada) (Brasil, 2020), a Formação Continuada são cursos de extensão, de preparação ou de capacitação que podem ter até 360 horas. Com carga horária superior a 360 horas, são consideradas Especializações (Pós-Graduação Lato Sensu). E o Mestrado e o Doutorado, que são Pós-Graduação Stricto Sensu, com foco maior na pesquisa e na docência acadêmica, também são considerados formas de formação continuada.
Além desses cursos da pós-graduação com carga horária mais extensas, é comum a oferta de cursos de formação continuada com carga horária reduzidas (geralmente de 20h ou 40h) ofertadas pelas próprias instituições de ensino. Tais cursos contribuem para a atualização profissional, em todas as áreas, a fim de proporcionar qualidade no trabalho que será realizado. Na educação, essa formação continuada é responsável em proporcionar momentos para estudos e reflexões inerentes ao contexto vigente e às demandas emergentes (Brasil, 2020).
A Formação Continuada é, portanto, composta de momentos de estudos, encontros pedagógicos, seminários e congressos que agregam aos professores objetivos de melhorias no ensino-aprendizagem. É um momento para refletir sobre sua prática pedagógica, socializar e conhecer elementos que permeiam a educação e o ensino em todas as esferas (Fonseca da Silva; Buján, 2016).
Tal formação costuma ser constituída em conjunto, articulando os sistemas de ensino Básico e Superior e, para o professor, além de ser um momento de aprimoramento, também costuma servir para a sua progressão funcional. Vista como um meio de aperfeiçoamento, estudo e reflexão frente à sua atuação em sala de aula, a formação continuada também proporciona o conhecimento de métodos e a construção de materiais e/ou conhecimentos que serão socializados em sala de aula (Fonseca da Silva; Buján, 2016).
Ainda de acordo com os autores supracitados, para melhorar os índices educacionais, é preciso ofertar políticas públicas que garantam e efetivem uma Formação Continuada de qualidade e contextualizada, do contrário, a Formação Continuada serve apenas para cumprir o calendário escolar, perpetuando os déficits que fazem parte da história da educação brasileira (Fonseca da Silva; Buján, 2016).
Apesar de algumas conquistas, atualmente a formação do professor, seja inicial ou continuada, é considerada precária e superficial. Para Saviani (2021, p. 98):
[a] formação dos professores, que também resulta precária, sendo agravada porque são obrigados a ter uma sobrecarga de aulas, o que, em consequência, traz dificuldades para a teoria [...]. Em tais condições, fica difícil para esses professores assimilar as propostas teóricas e procurar implementá-las na sua prática.
Observa-se, portanto, que há um projeto neoliberal de educação para desqualificar a formação docente, em suas diferentes etapas, com ofertas de cursos aligeirados e, muitas vezes, sem o devido aprofundamento teórico-prático na área escolhida e/ou deixando para a formação continuada a responsabilidade de adquirir o que não foi apreendido na formação inicial.
Na Educação Escolar Indígena, a Formação Continuada não é diferente das orientações gerais para os não indígenas. E por estarem na mesma sociedade capitalista, eles sofrem as mesmas interferências mencionadas anteriormente. Os documentos que normatizam essa modalidade de ensino deixam claro a obrigatoriedade e a função dessa formação:
[...]
§ 8º A formação continuada dos profissionais do magistério indígena dar-se-á por meio de cursos presenciais ou cursos à distância, por meio de atividades formativas e cursos de atualização, aperfeiçoamento, especialização, bem como programas de mestrado ou doutorado (Brasil, 2012, p. 10).
Destaca-se, portanto, que a formação inicial e continuada está amparada em diversas políticas públicas educacionais que apresentam organizações próprias, assim como permitem diversificações, principalmente quando se trata da formação continuada. E, no caso da formação continuada em arte, considera-se essencial o conhecimento sobre a arte indígena contemporânea.
Um Olhar para a Produção da Arte Indígena Contemporânea
A Arte Contemporânea é a arte produzida em nosso tempo, na atualidade. Não há consenso entre os pesquisadores sobre o momento exato do início da Arte Contemporânea, há os que dizem que seu primórdio ocorreu com o Movimento das Vanguardas europeias (principalmente o Dadaísmo), e há aqueles que defendem que o contemporâneo iniciou com o Movimento da Pop Art, enquanto alguns teóricos afirmam que, devido à proximidade temporal que estamos vivenciando, é difícil estabelecer marcos específicos para o que seria denominado contemporâneo. Todavia, é necessário reconhecer que, durante a segunda metade do século XX, houve um grande avanço nas tecnologias da informação com a corrida espacial e a revolução social (movimentos dos negros, das mulheres etc.). Tais avanços possibilitaram o aparecimento de novas concepções artísticas (Freire, 2006, p. 8; Archer, 2001, p. 4).
Após os anos de 1960, o uso de várias linguagens, meios, materiais, técnicas e poéticas propiciaram aos artistas novas e constantes experimentações estéticas, por exemplo, o happening, a videoarte, a performance, a instalação, a arte postal, etc. Nesse contexto, surgem também novos atores e temáticas (Archer, 2001, p. 1). E é em meio a essas novas concepções artísticas que se pode encontrar a arte indígena brasileira contemporânea, a qual, nas últimas décadas, passou a ser sistematizada e divulgada no cenário artístico, ganhando visibilidade nacional.
No que se refere à “Arte indígena”, é fundamental destacar que:
Dada a diversidade de mundos, de concepções de homem, relações de trabalho e arte, a questão da arte indígena no Brasil se estabelece com algumas perturbações. Uma delas é que para alguns povos, não todos, não existe um conceito de arte e estética ou equivalência, muitas sociedades indígenas não partilham sequer da mesma noção de arte (Almeida, 2021, p. 37).
Nota-se, portanto, que há muitas concepções possíveis que abrangem o termo Arte para diferentes etnias indígenas. Sendo assim, é necessário considerar que a Arte indígena difere da arte eurocêntrica, da clássica e/ou da acadêmica pelo fato de o objeto artístico, em geral, ter funcionalidade empregada em sua existência, servindo para fazer algo, e que tem utilidade prática para alguém, sendo que essa função vai além da função estética empregada na obra de arte. Além de ser, muitas vezes, uma arte funcional, está relacionada à natureza, às crenças religiosas, aos mitos e aos costumes dos diferentes grupos étnicos.
Para Lagrou (2013, p. 14):
[...] a grande diferença reside na inexistência entre os povos indígenas de uma distinção entre artefato e arte, ou seja, entre objetos produzidos para serem usados e outros para serem somente contemplados, distinção esta que nem a arte conceitual chegou a questionar entre nós, por ser tão crucial à definição do próprio campo.
Outro elemento marcante da cultura dos povos originários é o Artesanato. A arte está presente nessa forma de imprimir códigos étnicos culturais, se manifestando por meio de diferentes técnicas, significações, expressões, materiais, formas e cores. Com a prática do artesanato, os conhecimentos e as memórias ancestrais são repassados de geração em geração, sendo também uma forma de perpetuação dos costumes e das tradições. É por meio de diferentes expressões artísticas que os indígenas encontram meios de transmitir, perpetuar e dar visualidade à sua cultura (Vieira, 2014, p. 27).
De acordo com algumas concepções indígenas, o artefato produzido pelo artesanato é único e desenvolverá uma função específica, podendo ser considerado um objeto artístico, pois passou pelo processo criativo de alguém e, além da técnica empregada, o fato de ser a cópia de um processo já internalizado não interfere no produto final, já que o modelo e a cópia fazem parte da mesma natureza. De acordo com Lagrou (2013, p.39):
Na tradição pictórica ocidental temos que a cópia tende a ser de outra natureza que o modelo. [...]. No universo artefatual ameríndio, no entanto, a cópia é muitas vezes considerada como sendo da mesma natureza que o modelo, e tende a ser produzida através das mesmas técnicas que o original.
Com isso, é possível dizer que um artefato, resultante do artesanato indígena, costuma ter sua funcionalidade e sentido definidos a partir do contexto em que se inserem. Destaca-se, ainda, que há diferenças valorativas relativas às manifestações artísticas realizadas por meio do artesanato (cestaria, brincos, pulseiras, escultura em madeira e/ou argila) que têm valor cultural para a própria comunidade indígena e o setor comercial, que, na maioria das vezes, gera renda imediata para a comunidade. Além disso, ressalta-se que alguns trabalhos artísticos realizados por indígenas já atingiram os espaços formais e fazem parte do sistema de arte. Enquanto os primeiros trabalhos estão vinculados aos processos culturais mais amplos e/ou alinhados à necessidade que o capitalismo impõe de venda desses objetos artesanais, os últimos passaram por ressignificações diversas, permitindo uma mudança de status no que foi produzido (Brasil, 2023).
No que se refere à arte indígena e/ou aos artistas indígenas na contemporaneidade, é necessário considerar que:
Indígena e arte são de origem comum e indissociável. Aceitar essa sentença adianta o entendimento. O sistema de arte é algo paralelo e hoje eles se tocam, envolvendo-se para além das percepções dos especialistas. A arte indígena contemporânea seria então o que se consegue conceber na junção de valores sobre o mesmo tema arte e sobre a mesma ideia de tempo, o contemporâneo, tendo o indígena artista como peça central. Um componente trans-tempo histórico e trans-geográfico é requerido (Esbell, 2018).
Portanto, a Arte Indígena Contemporânea é uma arte feita por indígenas, anexada às vivências culturais do indivíduo para o coletivo, geralmente ressaltando características de sua etnia e o momento histórico vivido pelo artista, assim como, muitas vezes, as produções artísticas dialogam com os formatos e as materialidades em voga no âmbito artístico formal, vinculados ao sistema de arte.
Pode-se citar exemplos da Arte Indígena Contemporânea, como: Denilson Baniwa, Jaider Esbell, Daiara Tukano, Arissana Pataxó, Vera Kaingang, esta última da etnia Kaingang grupo cultural foco do estudo. Os demais são de diversas regiões brasileiras e de etnias diversas (Baniwa, Makuxi, Tukano e Pataxó). Cabe ressaltar que as obras desses artistas abordam características diversas sobre suas etnias e as problematizações sobre o contexto em que vivem e trabalham com diversas vertentes artísticas, as quais perpassam pela pintura, videoarte, gravura, instalação artística, intervenção urbana e a performance (Silva; Bastos, 2023).
Entre os artistas indígenas supracitados, serão realizados breves apontamentos sobre Vera Kaingang. Essa artista, de etnia Kaingang, vive em Porto Alegre, Rio Grande do Sul e é professora na Aldeia Fag-Nhin, onde vive. Seu trabalho destaca-se no desenho e na Xilogravura, viabilizando aspectos gráficos da cultura Kaingang. Tem como elemento constitutivo de seu fazer artístico as memórias e as histórias dos mais velhos e as vividas por ela, a cosmologia indígena Kaingang e a natureza (Ortega, 2020).
A artista se encantou a cada contato com as técnicas artísticas durante o processo de graduação em Artes Visuais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ela destaca, em tudo o que faz, o Grafismo Indígena, e vê neste possibilidades de maior visualidade das Marcas Clânicas que deu origem ao povo Kaingang. Em uma entrevista realizada com Vera Kaingang, por Ortega, a artista afirmou que:
A nossa realidade está baseada na interligação entre mundo social e humano, natural, ecológico, sobrenatural e espiritual. A possibilidade de representar essa ligação por meio do desenho foi o que me levou a me apaixonar mais pelo curso que escolhi. Gosto de trabalhar as representações a partir dos grafismos porque vejo a arte como o espaço visual onde a gente pode colocar o nosso próprio mundo, o nosso passado, as nossas histórias e convivências. – Vera Kaingang (Ortega, 2020).
Vera Kaingang vê nas Artes Visuais uma forma de externar os códigos da sua cultura e de materializá-los, perpetuando-os e mostrando ao mundo a sua identidade artística. Na sequência, é possível observar um dos trabalhos dessa artista.
Figura 1 – Sem título, Vera Kaingang, 2018, Matriz de Xilogravura
Fonte: Ortega (2020)
Ao longo desta pesquisa, constatou-se que, além de Vera Kaingang, outros artistas indígenas costumam criar suas obras de arte a partir de vivências próprias ligadas às suas etnias, muitos deles fazem críticas consistentes a visões equivocadas dos não indígenas.
Universo da Pesquisa: formação continuada
Neste momento, é fundamental analisar dados coletados no Colégio da Comunidade Kaingang da Terra Indígena Mangueirinha (PR) – Aldeia Sede. Os integrantes da pesquisa foram três: a técnica (entrevistada A) do Núcleo Regional de Educação de Pato Branco (PR); a diretora (entrevistada B); e a pedagoga (entrevistada C). Apenas a técnica do núcleo não é indígena, as demais são. Vale ressaltar que, no momento da pesquisa, o colégio estava sem professor de Arte, por isso não houve uma entrevista específica com um profissional da área. Os questionários foram respondidos no ano de 2022, e foram selecionadas algumas perguntas do questionário que constam na dissertação para que se possa apresentar uma síntese.
Ao perguntar “Como ocorre a formação continuada de professores de arte na Comunidade Kaingang da Terra Indígena Mangueirinha (PR)?”, as três entrevistadas afirmaram elementos semelhantes, a saber: que a formação ocorre de acordo com o calendário escolar, tal como previsto pela SEED-PR, havendo possibilidades de ser na modalidade EaD e presencial (modelo híbrido implantado desde 2018).
Essas formações ocorrem tanto na Semana Pedagógica, nos Momentos de Planejamento quanto nos Dias de Estudos. Destaca-se que a Educação Indígena no Estado do Paraná é estadualizada. Uma das propostas de formação continuada no Paraná denomina-se “Formadores em Ação”. Nesse modelo, os próprios professores da educação básica compartilham conhecimentos pré-moldados pela SEED-PR com conteúdos de cada Componente Curricular e/ou temas contemporâneos, com ênfase em recursos midiáticos/tecnológicos, associados às experiências positivas deles como docentes com foco em metodologias ativas. Considera-se que essas trocas de experiências significativas, apesar de o tempo de aprofundamento dos assuntos ser escasso e, muitas vezes, também escassa a forma em que tais cursos são apresentados/organizados, elas não contribuem muito para a qualidade da formação continuada que se pretende.
Cabe destacar que a entrevistada B informou que para a Educação Indígena não é ofertada a formação continuada específica por Componente Curricular, ou seja, não há cursos que abordem as especificações dessa modalidade, e sim uma formação generalista.
Uma das perguntas era se as formações envolviam ou não palestras/conversas com indígenas locais/regionais e obteve-se como resposta o seguinte: tanto a entrevistada A quanto a B afirmaram que não há formação específica. Diferentemente, a entrevistada C afirmou que “Sim, com indígenas formados em arte e que trabalham em outros estados. Trocas de experiências com professores de outros estados, na questão do trabalho com arte indígena”. Vale ressaltar que a afirmação da entrevistada C indica casos pontuais, visto que isso não é uma prática frequente, tal como apontado pelas entrevistadas A e B. E, também, costuma ser mais por iniciativa dos próprios integrantes da comunidade indígena do que uma obrigação institucional.
Outra pergunta foi: “Na formação continuada disponibilizada, há indicação de textos e de artigos que tecem comentários sobre o conteúdo de arte, envolvendo a temática indígena nos livros didáticos? A entrevistada A disse o seguinte: “Sim, comentários práticos da cultura indígena”. Acredita-se que essa resposta se mostrou incoerente em relação à pergunta e às respostas das demais entrevistadas.
A entrevistada B respondeu que: “Não [há] material ofertado. Somente os que são produzidos na escola”. Segundo ela, não existem indicações ou disposição de textos e materiais físicos e on-line fornecidos pela mantenedora, e disse que existe um material produzido pelos professores indígenas (língua materna), supervisionados por instituições de ensino superior.
E a entrevistada C respondeu: “No início do ano letivo, os professores foram orientados a não usar livro didático”, porque deveriam utilizar outros meios e, a partir disso, desenvolver sua prática de forma que os alunos produzam suas obras, experimentem criações artísticas relacionadas ao conteúdo selecionado e fornecidos principalmente pelo material digital disponibilizado pela SEED-PR, conhecido como sistema RCO[v].
Tendo por base a Pedagogia Histórico-Crítica (PHC), pode-se tentar superar alguns dos desafios apresentados pelas entrevistadas relativos à formação continuada. É preciso considerar que a PHC tem como um dos seus objetivos, por meio da Prática social, conhecer a realidade da aprendizagem do aluno e considerar o que ele sabe, o seu conhecimento cultural e as informações inerentes a um conteúdo, transformando isso em conhecimento significativo, que auxiliará sua prática social. Todavia, embora a realidade do aluno deva ser considerada, não se pode negar a ele o direito de acessar os conhecimentos sistematizados e acumulados historicamente pela humanidade. Portanto, a prática social é o principal pilar da Pedagogia Histórico-Crítica, ela é o ponto de partida e de chegada dos estudos dessa pedagogia. Sendo assim, o professor também precisa de uma formação continuada consistente, de acordo com a realidade em que ele está inserido, e de subsídios teórico-práticos, inclusive artísticos, para exercer seu trabalho docente com qualidade.
Portanto, ao considerar as respostas obtidas referentes ao questionário, compreende-se que a formação delas, a experiência e o tempo de serviço com a educação indígena refletem suas respostas. Sendo assim, as entrevistadas demonstram um conhecimento de documentos legais sobre educação geral e especificamente sobre a educação indígena. Todavia, as respostas delas indicaram que a formação continuada ofertada pela SEED-PR, quando se trata das especificidades indígenas, são praticamente inexistentes.
Essa ausência de formação continuada específica, possivelmente, é resultante do fato de essa modalidade de ensino ser recente e de carecer de investimentos e de políticas públicas educacionais a nível estadual que possam suprir essas fragilidades. Desse modo, isso precisa ser revisto, pois já existem leis e políticas públicas educativas nacionais diversas, indicando que deve haver a garantia de ensino e de formação docente de qualidade que respeite as especificidades indígenas.
Sendo assim, ao pensar em uma Formação Continuada do professor da Educação Escolar Indígena nos moldes da Pedagogia Histórico-Crítica, esta deve possibilitar o conhecimento e o diálogo com sua realidade e buscar a transformação do espaço e a humanização dos alunos e professores. Todavia, é preciso reconhecer as dificuldades dessa empreitada, pois vive-se em uma sociedade capitalista e, de acordo com Saviani (2009), tal sociedade constrói políticas públicas educacionais frágeis e descontínuas, o que, muitas vezes, não viabiliza a presença das minorias.
Considerações Finais
A partir do exposto, acredita-se que é essencial a produção de mais pesquisas sobre como o ensino da Arte Indígena tem ocorrido nas escolas, tanto nas indígenas quanto nas não indígenas. Também considera-se necessário realizar mais pesquisas voltadas para a Arte Indígena Contemporânea com o intuito de subsidiar o trabalho dos professores de Arte, tendo a Pedagogia Histórico-Crítica como base, para a melhor compreensão da realidade histórica e da prática social emergente com o propósito de construir a transformação social e a ampliação dos processos de humanização.
Além disso, é importante viabilizar mais pesquisas que abordem sobre a formação inicial e continuada do professor de Arte no contexto indígena em diferentes comunidades étnicas e em diversas unidades federativas brasileiras, visto que, assim como a rede estadual do Paraná não fornece uma formação continuada, pensando nas especificidades dos indígenas, muitos outros estados podem estar desconsiderando as leis e os documentos que garantem tanto o ensino como a formação docente específica voltados para essas etnias.
Entende-se que é preciso garantir uma formação docente (inicial e continuada) em Arte de qualidade, com mais aprofundamento dos conteúdos abordados, maior carga horária disponibilizada para a formação continuada do professor, socialização de conteúdos e métodos em sala de aula, analisando reflexivamente os seus resultados, seja para indígenas ou para não indígenas, a qual possa propiciar respeito às especificidades das comunidades indígenas e suas concepções artísticas e estéticas, efetivando as garantias constitucionais já adquiridas por meio de anos de luta. Um caminho para isso é a aplicação da Lei n. 11.645/2008 de forma efetiva e consciente, sem reforçar estereótipos, assim como a ampliação do conhecimento sobre a arte indígena contemporânea.
REFERÊNCIAS
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Notas
[1] Mestrado em Artes pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC-2023) Brasil. Professora de Arte e Pedagoga na Prefeitura Municipal de Mangueirinha, PR, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0009-0006-4133-2652. E-mail: marilucirqb@gmail.com.
[2] Doutorado em Artes Visuais pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC-2020) Brasil. Professora de Arte no Instituto Federal Catarinense (Câmpus Concórdia, SC) e no Programa de Mestrado Profissional em Artes (PROF-ARTES-UDESC) Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-8975-5527. E-mail: valeriametroski@hotmail.com.
[i] No que tange à formação continuada, esta foi analisada a partir de uma abordagem geral dos cursos de curta duração ofertados pela própria SEED-PR: formatos (presencial ou EaD), frequência, abrangência, carga horária, assim como se tais cursos consideravam ou não os aspectos pedagógicos e/ou artísticos específicos da comunidade indígena selecionada.
[ii] Coivara: a plantação inclui o corte, a derrubada e a queima da floresta nativa, e o fogo desempenha papel fundamental.
[iii] Em alguns textos, o sobrenome dele aparece com C e, às vezes, com K. Ao longo deste texto, optou-se por padronizar a escrita com C, mas em citações diretas, preferiu-se manter o texto original no momento da transcrição.
[iv] Essa lei de 2001 foi atualizada pela Lei n. 14.995, de 9 de janeiro de 2006, a qual ampliou a quantidade de vagas reservadas para os indígenas, passando de três para seis vagas.
[v] “É um sistema disponível para os professores da Rede de Ensino do Paraná com planos de aula específicos para as disciplinas e séries, sugestões pedagógicas e encaminhamentos metodológicos. Pelo RCO, os professores podem fazer também o registro on-line de frequência” (Paraná, 2024). Considera-se que essas aulas “prontas”, em formatos de slides, e os planos de aula “prontos” não refletem as especificidades dos alunos e o contexto da comunidade escolar, já que tiram a autonomia docente, mesmo a mantenedora afirmando que os professores podem adaptar tais materiais, existem cobranças contínuas por meio de plataformas e de recursos avaliativos digitais diversos, tal como os “Quizizzes” relacionados a esse material disponibilizado.