Cartografia dos Cortejos: caminhadas, crianças e cidade pelo olhar de educadoras das infâncias.

 

 

 

Cartography of Parades: walks, children and the city through the eyes of childhood educators.

 

 

Cartografía de Desfiles: paseos, niños y ciudad a través de los ojos de los educadores infantiles.

 

 

Dilma Ângela da Silva1

Secretaria Municipal de São Paulo

 

Mirian Celeste Ferreira Dias Martins2

Universidade Presbiteriana Mackenzie

 

Resumo

Considerando as práticas de caminhadas-cortejos como possibilitadoras de experiências estéticas, performáticas, educativas, coletivas mediadas pela escola, entre as crianças e a cidade e que transbordam para além de seus muros, este artigo focaliza como as professoras reelaboraram seus olhares sobre a cidade e a cultura. Seguindo a pista da entrevista cartográfica apontadas por Tedesco et al. (2016) foram abordados dois planos: 1. a experiência de vida ou vivida e 2. a experiência pré-reflexiva ou ontológica como indissociáveis. Das cartografias realizadas durante as entrevistas com três professoras depreendemos as suas concepções a respeito dos cortejos, a relação com a comunidade, com as linguagens e o lúdico. No processo da investigação constatamos que os cortejos são definidos nas narrativas das educadoras como uma prática caminhante pela cidade e de mediação cultural entre a escola, a experiência lúdica e a corporalidade da criança na cidade. Como práticas artísticas e culturais, abre um caminho plausível que muito podem contar sobre a cidade gerando afetividade, pertencimento, celebração, encontro; acabam por se constituírem como modos de provocar uma experiência estética desenvolvendo assim o olhar, a atenção e a sensibilidade das crianças, da comunidade e de toda a escola.

Palavras-chave: Mediação Cultural, Caminhadas-Cortejos, Infância, Arte, Educação.

 

Abstract

Considering the practices of walks-parades as enabling aesthetic, performative, educational, collective experiences mediated by the school, between children and the city and which overflow beyond its walls, this article focuses on how the teachers re-elaborated their perspectives on the city and the culture. Following the lead of the cartographic interview pointed out by Tedesco et al. (2016) two planes were approached: 1. the life or lived experience and 2. the pre-reflective or ontological experience as inseparable. From the cartography carried out during the interviews with three teachers, we deduced their conceptions regarding the processions, the relationship with the community with the languages ​​and the ludic. In the investigation process, we verified that the processions are defined in the educators' narratives as a walking practice through the city and of cultural mediation between the school, the ludic experience and the child's corporality in the city. As artistic and cultural practices, they open a plausible path that can tell a lot about the city, generating affection, belonging, celebration, meeting; end up constituting ways of provoking an aesthetic experience, thus developing the look, attention and sensitivity of children, the community and the entire school.

Keywords: Cultural Mediation, Parades, Childhood, Art, Education

 

Resumen

Considerando las prácticas de las caminatas-desfiles como posibilitadoras de experiencias estéticas, performativas, educativas, colectivas, mediadas por la escuela, entre los niños y la ciudad y que desbordan sus muros, este artículo se centra en cómo los docentes reelaboran sus miradas sobre la ciudad y la cultura. Siguiendo la línea de la entrevista cartográfica señalada por Tedesco et al. (2016) se abordaron dos planos: 1. la experiencia de vida o vivida y 2. la experiencia pre-reflexiva u ontológica como indisociables. De las cartografías realizadas durante las entrevistas a tres docentes, deducimos sus concepciones respecto a los desfiles, la relación con la comunidad, con los lenguajes y lo lúdico. En el proceso de investigación, verificamos que las procesiones se definen en las narrativas de las educadoras como una práctica de caminar por la ciudad y de mediación cultural entre la escuela, la experiencia lúdica y la corporalidad del niño en la ciudad. Como prácticas artísticas y culturales, abren un camino plausible que puede decir mucho de la ciudad, generando afectividad, pertenencia, celebración, encuentro; terminan por constituirse como modos de provocar una experiencia estética, desarrollando así la mirada, la atención y la sensibilidad de los niños, de la comunidad y de toda la escuela.

Palabras clave: Mediación Cultural, Caminatas-Desfiles, Infancia, Arte, Educación

 

 

Introdução

Imagem 1: Título: Caminhadas-Cortejo: Viva Boi! , ano 2019. Foto-ensaio[1] composto por sete fotografias digitais de Michele Marques. Acervo da autora.

 

Que cortejo é esse protagonizado por crianças de escolas da infância que caminham entre a multidão apressada das ruas, avenidas, praças histórias e marcas do passado e do presente da cidade? Toda essa movimentação cortejante segue agitando o velho centro em São Paulo, encantando a cidade com brincadeiras, sorrisos, cantos, danças e desenhos.

As caminhadas-cortejo vêm se constituindo em ações poéticas, realizadas pelas EMEIs Armando de Arruda Pereira, Gabriel Prestes, João Theodoro, Patrícia Galvão e Monteiro Lobato, pertencentes à rede municipal de educação paulistana que juntamente com o Coletivo Entusiasmo[2] constituem o Território Educativo das Travessias e desde 2014, têm articulado atividades coletivas especialmente com a Virada Educação[3].

Esse coletivo (Território Educativo das Travessias) tem como objetivo ocupar os espaços da cidade com as crianças ampliando as práticas educativas para além dos muros da escola, bem como fortalecer as relações com a comunidade e as trocas entre educadoras/es.

Além de tecerem uma rede de articulação coletiva que veem as caminhadas-cortejo como prática profícua para a abordagem de inúmeras temáticas pertinentes ao trabalho com a educação infantil.

Denominadas caminhadas e/ou cortejos elas vêm se constituindo como práticas coletivas de uso e apropriação dos espaços da cidade, inspiradas nas culturas tradicionais como o Boi-bumbá, também se liga à ideia de mover-se em grupo pela cidade.

Careri (2013) contribui com nossas reflexões a esse respeito ao afirmar que o caminhar, mesmo não sendo uma construção física de um espaço, implica em transformação do lugar e dos seus significados. Andarilhar, caminhar e cortejar a cidade são gestos que desvelam formas possíveis de relação das crianças com o caminho, as poéticas produzidas em suas ações, bem como percepções e intervenções sobre espaço.

Conforme podemos apreciar no foto-ensaio acima a prática do cortejo, enquanto ação pedagógica possibilita aos diferentes atores sociais se sensibilizarem para a existência das crianças e articularem com a escola seus diferentes saberes, ampliando, desta forma, as possibilidades de aprendizagens das crianças.

Como marca dessa presença, ao realizarem as proposições poéticas e pedagógicas, as crianças e professoras ao caminharem pela cidade, deixam marcas, rastros pelo caminho ao imprimirem nas calçadas os dizeres: “Criança na área”[4] sendo essa uma ação para dar visibilidade às crianças e sua presença no território gerenciado pelo adulto.

Na experiência de construção dos cortejos muitas proposições são mediadas pelas professoras e construídas com as crianças.  Elas pesquisam sobre os elementos da cultura popular através de leituras, dramatizações e escuta das diversas versões das histórias, aprendem canções do repertório popular como Coco, Maracatu, Carimbó, Ciranda e toadas do Boi-Bumbá e se arriscam a tocar alguns instrumentos.  

Fazem brincadeiras e diversas atividades explorando os espaços da cidade por meio de caminhadas a pé para os espaços culturais ou simplesmente andarilhando para observar os monumentos, as mudanças das folhas das árvores nas diversas estações, realizam oficinas de desenhos e pinturas nas praças públicas e que se tornam em diversas intervenções artísticas no entorno na qual a escola se insere, além de explorarem a espacialidade por meio da leitura e produção de mapas.

Assim sendo, as caminhadas-cortejos foram o tema da dissertação de mestrado[5] que trazemos para este texto, com um recorte focado nas cartografias produzidas a partir da perspectiva de três professoras, atuantes nas  escolas do Território Educativo das Travessias. Adentramos aqui no universo de uma prática singular  utilizando do método da cartografia, tal como proposto por Passos et al. (2015, p. 8):  “compreensão da cognição inventiva e uma política cognitiva criadora”, bem como investiga a experiência a partir dela mesma.

As análises foram organizadas a partir de categorias cujos conteúdos-chaves referem-se às entrevistas com as educadoras, seguindo a orientação na cartografia, em que procuramos compreender a experiência “em suas duas dimensões, de forma e de forças de modo que a fala seja acompanhada na / da experiência”. (PASSOS et al, 2016, p. 97).

Para mantermos o sigilo e confidencialidade sobre a identidade das educadoras, nos referiremos a elas como: Crianceira[6]1, Crianceira2 e Crinceira3 e utilizaremos as abreviações C1, C2 e C3.

 

Cortejos: definições potenciais

 

[...] talvez a definição, está nas suas próprias experiências... nos foi passada a ideia de um cortejo poético. Ele também é poético, também tem música, ele também tem brincadeiras. (C1).

 

Ao longo da análise das entrevistas, procuramos depreender a concepção das professoras a respeito dos cortejos. Logo nas primeiras descrições o aspecto poético é salientado, uma vez que a realização das caminhadas-cortejo envolve diferentes linguagens tanto nas proposições que os antecedem como nos trajetos em si.

As crianças têm a oportunidade de cantar, dançar, brincar, criar adereços e, muitas vezes, se vestir de personagens que compõem algumas narrativas previamente discutidas; além de desenhar e escrever cartas, sendo que essas últimas produções possibilitam um diálogo com os passantes à medida que são a eles distribuídas.

Todas essas linguagens somadas à ação de sair pela cidade conferem um teor poético não só aos cortejos como prática educativa, mas à cidade que recebe essas intervenções.

[...] O cortejo não é só um cortejo. É tanta coisa envolvida. Diálogo em território... Cortejo é uma estratégia de diálogo, ele é uma estratégia de vínculo num clima de parceria com as pessoas. E é esparramar a escola pelo território. (C2)

 

Outra característica apontada pelas professoras é que os cortejos se configuram como uma oportunidade para pensar e questionar a cidade enquanto território com rico potencial educativo.

Desta forma, entendemos que o conceito de território dialoga com as ideias de Santos (2007, p. 14, grifo do autor), segundo as quais, território é mais que “sistemas naturais e coisas sobrepostas”, é o “chão”, é identidade e pertencimento. O autor vai além ao afirmar que o território “é o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida”. Tal conceito reforça a perspectiva das educadoras ao entenderem o cortejo como diálogo no e com o território.

Ao agregar o educativo ao território a escola atribui a ele uma dimensão mais ampla em que as práticas de cortejo como forma de conceber a experiência educativa possibilitam romper com o conhecimento fragmentado e sem relação com a vida cotidiana.

Assim, para a realização dos cortejos, as escolas conversam com outras instituições tais como a Guarda Civil Metropolitana e a Polícia Militar (algumas vezes a GCM e a PM colaboram para a organização dos trajetos); a comunidade do entorno escolar que, aos poucos vai se habituando a ver dezenas de crianças compondo as paisagens da metrópole e também com as famílias das próprias crianças que passam a entender essa prática como produtiva.

Recorrendo à investigação etimológica, o vocábulo corteggiare ou cortejar significa fazer a corte, galanteio, gesto atencioso à cidade e de amabilidade.

C2 nos traz em seu relato um olhar sensível para sua compreensão de cortejo a partir das discussões realizadas pelo grupo de professoras e crianças: “[...] essa conversa era bastante legal, poder namorar a cidade, poder ser namorado dela, poder cortejar a cidade”.

“Namorar a cidade”, se deixar encantar por ela assemelha-se a uma relação dialética na qual as caminhadas-cortejo são uma ferramenta que possibilita experiências de articulação e reflexão do conhecimento da criança da e na cidade. Sendo essas ações importantes para dar visibilidade às crianças e chamar a atenção para a presença delas no território.

Ao mesmo tempo, tal prática possibilita aos diferentes atores sociais se sensibilizarem para a existência das crianças, buscando articular com a escola seus diferentes saberes e ampliando as possibilidades de aprendizagens das crianças.

Observamos ainda o significado da palavra cortejo relacionada aos folguedos e festas populares de rua como o Maracatu e o Bumba meu Boi, semelhante aos autos, às encenações nas quais se misturam danças, músicas, teatro e circo.

Assim, para além das acepções do vocábulo, outras relações podem ser tecidas a respeito do cortejo como possibilidade de aprendizagem e, também como percursos poéticos mediados pela arte e pela cultura em diálogo com a cidade.

Entendemos aqui o poético no campo das artes, como póieses (do grego) um ato criador que segundo Martins et al. (1998, p. 24) “aproxima o criador da sua força criadora mediante a ação que necessita de um conhecimento técnico, uma técnica (techné), para realizar a vontade criadora”.

Sendo assim, as crianças ao se prepararem para o cortejo lançam mão de sua força criadora nas mais diversas linguagens de modo que os percursos realizados pela cidade em caminhadas-cortejos podem desvelar uma forma delicada e sensível de relação com o entorno, contrapondo-se a “dura poesia concreta” das esquinas da cidade.

Cortejo e a cidade

 

[...] Acho que na educação [o cortejo] é uma forma de mostrar para as crianças a cidade e, também mostrar para a cidade as crianças. Mostrar o que elas produzem e a visão que elas têm dessa cidade onde elas estão, do entorno delas. (C3)

 

De diferentes modos as educadoras defendem a crença de que ao realizar as caminhadas-cortejo são trazidas à tona questões relativas à cidade, ao modo como se estabelecem as relações entre a cidade e o cotidiano das famílias, das crianças e da escola.

O estabelecimento de parcerias entre as escolas, o Coletivo Entusiasmo e espaços culturais[7], é outra característica marcante dessa prática. Além disso, também são discutidas questões que dizem respeito à comunidade local e global, pois as temáticas levantadas, na maioria das vezes, se relacionaram a assuntos daquele território. 

O cortejo surgiu de uma questão que nos motivou realmente que era a ideia de minimizar a violência. De o cortejo ser uma estratégia para se falar de relações mais humanas, humanizadoras. Fizemos dois cortejos, inspirados no Cortejo da Paz[8]. [...] fomos levantando com as pessoas o que é qualidade de vida. E as pessoas foram falando que era: lazer, moradia, emprego, parque, como o Parque Augusta. Espaços de lazer, espaços de entretenimento, menos violência e mais policiamento. (C1)

 

Isso nos leva a inferir que ao olharmos para a escola como mediadora entre as aprendizagens das crianças e os potenciais educativos da cidade, numa perspectiva de diálogo e de possibilidade de encontro, podemos reinventar essa relação, potencializar as aprendizagens das crianças compartilhando com a comunidade os saberes locais, dividindo com ela e também com as instituições do entorno a responsabilidade pela educação das crianças.

Ao caminhar com as crianças pelas ruas, as educadoras acessam informações sobre o modo de vida das crianças bem como suas leituras de mundo, compartilham e mediam saberes sobre seus lugares e sobre a cidade. Tais saberes dificilmente seriam acessados no ambiente restrito da sala de aula.

Assim, a prática das caminhadas-cortejos pode alargar a concepção das educadoras e da escola para os modos de ver e ser criança na cidade de São Paulo, ampliando seus olhares como mediadora das experiências de mundo, das relações com o território educativo, tal como Martins (2018, p. 85) propõe ampliar os “horizontes que levam em conta a singularidade dos sujeitos em processos educativos na escola ou fora dela”, adaptando-se ao contexto da comunidade repensando suas práticas para além de seus próprios muros.

Então sair com as crianças da escola também é dar uma oportunidade para a cidade aprender a se comportar. Tem um comportamento de cidadania, que é impresso pela escola na rua para o outro. Então eu acho que, tanto a gente provoca um olhar para cidade, quanto provoca um olhar para a escola. (C2).

 

Recorremos a Corsaro (2011) dado a sua noção de crianças como produtoras de culturas infantis de pares, pois segundo essa ideia as crianças aprendem na relação com o outro, elas ganham com as aprendizagens na cidade e a cidade também ganha com a presença das crianças. Há uma relação de troca em que as crianças revelam suas percepções a respeito da cidade e das relações que nela são tecidas. Em decorrência da percepção das crianças, C2 segue com as suas ponderações:

Então olha que legal! A ideia de imprimirmos nas crianças as possibilidades que a cidade oferece. As riquezas da cidade, as belezas da cidade. Apesar de ela ser feia, apesar dela ser hostil, dela ser perigosa, dela ser violenta, dela ter coisas que a gente não gosta de ver. Quantas vezes as crianças não falaram:

“A gente não gosta de ver morador de rua, porque a gente queria que todo mundo tivesse casa, a gente não queria que as pessoas morassem na rua, passando frio e fome”. (Relato das crianças à C2).

 

As reflexões das crianças se manifestam permeadas de delicadeza e revelam um olhar sutil para os problemas que a cidade apresenta. Assim, as cidades deveriam ser cuidadas por todos, tendo como referência para sua construção as crianças. 

As ruas das cidades trazem, em si, a potência da diversidade e dos encontros que aparentemente podem ser despretensiosos. Jacobs (2014, p. 57) defende a ideia de que nos “contatos nas ruas se constituem a pequena mudança a partir da qual pode florescer a vida pública exuberante da cidade”.

As crianças constroem conhecimentos e culturas infantis, nos diferentes contextos. Logo, as ruas e a cidade podem ser entendidas como espaços potenciais de aprendizagem.

Você aprende a estar junto, aprende a conviver com a cidade, com os limites que a cidade tem. Você tem os semáforos, tem os transeuntes, o morador da rua ali no chão, que você tem que respeitar. Então você aprende a respeitar o que a cidade tem e acho que as crianças também aprendem nessa experiência de estar junto com as famílias e de mostrar a elas e compartilhar o que as crianças estão aprendendo em relação a isso porque é uma saída que proporciona aprendizagens. (C3 nos relatou que em sua escola, as famílias são convidadas a participar das caminhadas).

 

As crianças, de modo geral, têm seu dia-a-dia muito controlado, mesmo sendo moradoras da região central e passando por diversos lugares cotidianamente com seus familiares, muitas vezes, seus passos são apressados com objetivo de chegar logo a algum ponto da cidade.

Contrariando esse caminhar acelerado, ao estar com seus pares durante os cortejos, trocam informações e suas percepções sobre o lugar podem ser ampliadas a partir da experiência de vivenciar a cidade; percorrem os espaços com calma, com olhar de descoberta, ficando mais atentas às belezas e às contradições sociais.

Cortejo e comunidade

 

Se a educação acontece para além da sala de aula é muito importante que a escola crie mecanismos de articulação e parceria com a comunidade visando o melhor desenvolvimento das crianças.

Na atualidade se faz necessário outras formas de relações entre a escola e a comunidade, é preciso que a escola amplie sua atuação para além dos seus muros por meio de práticas que valorizem a cultura local, as diferentes manifestações artísticas, a forma de vida da comunidade e a diversidade. Investindo, assim, na potência do seu território para que seu entorno se torne um território educativo.

Fizemos um cortejo que surgiu da questão de moradia. Eu acho que na verdade ele se apresentou para nós como uma necessidade por conta da questão da ocupação do prédio da Polícia Federal, que foi incendiado e ficava ali perto do Largo do Paissandu. Nós tínhamos algumas crianças que moravam nessa Ocupação e nós também tínhamos pessoas de outras Ocupações que estavam ali para ajudar essas famílias.

[...] O cortejo é como um movimento de integração de convivência. (C1).

 

Partindo de uma situação muito difícil para uma parte da comunidade que vive a exclusão social e das crianças que ainda tão pequenas vivenciam diariamente a luta por direito à moradia, pois muitas são moradoras de ocupações, essa realidade foi transformada em discussão com as crianças de forma lúdica, nas rodas de conversas sobre as diferentes moradias.

As famílias participaram. Fizemos o convite aos comerciantes e ao pessoal do teatro e eles participaram também. Temos como vizinhos e parceiros o pessoal do Teatro Parlapatões[9] e a Cia Satyros[10]. (C1).

 

Dessa forma, um dos cortejos teve como finalidade chamar a atenção das pessoas para um assunto que demonstra o quanto o poder público não tem desenvolvido políticas que atendam direitos básicos de parte da população, especialmente no que diz respeito à moradia.

Os cortejos se constituem como um processo de mediação cultural entre a escola, os espaços culturais e as famílias, pois elas têm a possibilidade de participar das caminhadas-cortejos juntamente com as crianças e as professoras. Essa participação possibilita às famílias conhecerem e adentrarem em equipamentos culturais, que apesar de se localizarem próximos de suas residências, muitas vezes não são acessados pelas famílias no seu cotidiano.

As Crianceiras apontam diferentes razões, dentre elas, que as famílias acreditam que alguns equipamentos oferecem atrações caras ou sentem-se intimidadas pela arquitetura imponente de alguns desses lugares, não sentindo-se pertencente a esses espaços. A propósito disso discorre a C3:

Nós temos referências de mães que nos acompanham e que relatam que nunca tinham estado nesses equipamentos culturais. Então é uma oportunidade que a escola também proporciona, por isso que eu acho importante contarmos com as famílias é uma formação pra elas. (C3).

 

Já a C2, acredita que o cortejo é um convite para que a escola saia de si mesma e estabeleça uma relação estreita com a comunidade e o entorno:

A escola é um centro de liderança com a comunidade. Então, enquanto centro de liderança nós podemos vazar, transbordar, extravasar dela, para poder a ela retornar e fazer suas reflexões.

 

Em muitas comunidades a escola é o único equipamento que representa a presença do poder público. Sendo assim ao optar por um projeto educativo atuante no território, congrega em si possibilidades educativas e sociais, além de se constituir como um importante polo de cultura local.

Nós buscávamos lugares no Google Map, trazíamos um mapa para as crianças, traçávamos os percursos, os lugares, então as crianças, por exemplo, já sabiam os nomes das ruas [...]. (C2).

 

Outra perspectiva das caminhadas-cortejos como prática no território refere-se à sua metodologia de ação que possibilita a tomada de decisões coletivas considerando os olhares e interesses das crianças, bem como a busca da ampliação das percepções sobre o espaço, a cidade e o território onde as crianças habitam.

Cortejos e linguagens artísticas

 

A cidade se apresenta como uma nova formulação de investigações educativas que dialogam com a possibilidade de exploração e ampliação do conhecimento por meio das diferentes linguagens, especialmente as linguagens artísticas.

Os cortejos podem ser considerados como práticas estéticas de estar na cidade apostando nas linguagens artísticas como oportunidade para ampliar as percepções sobre ela, a apropriação do território e o saber sensível das crianças.

Podem ser considerados também como prática pedagógica que expande o conhecimento para além dos muros, uma vez que a escola não se constitui isoladamente dos contextos socioculturais, econômicos, políticos, éticos, dos territórios nos quais se encontram.

Pressupomos que as aprendizagens das crianças acontecem também na mediação com a arte entendida a partir de Barbosa (2008, p. 99) “como instrumento para identificação cultural e desenvolvimento individual”, presentes nas mediações culturais entre a escola e os diferentes espaços culturais, arquitetônicos, nas ruas da cidade e nas diferentes interações que as crianças estabelecem - entre si e também com os adultos.

Outra questão levantada pelas educadoras refere-se à possibilidade de o cortejo dialogar com a linguagem teatral, inspirada especialmente em uma parceria de formação para as educadoras, realizada com o Teatro Oficina.

Essa parceria com o Teatro Oficina foi uma oportunidade de imprimirmos nas crianças e nas professoras uma concepção de teatro que não é a concepção de teatro que a sociedade tem. (C2)

 

Dentre as ideias que embasam as práticas do Teatro Oficina está presente a de que a plateia não apenas contempla, mas participa ativamente do espetáculo.  Além do fato de C2 citar a parceria com o Teatro Oficina com objetivo de desconstruir uma concepção de teatro como entretenimento e predomínio da dramaturgia, sua concepção de teatro nos remete às ideias do teatro do oprimido, de Augusto Boal.

Se você for ver, o Augusto Boal diz que nossa vida é um teatro. Boal tem a ousadia de dizer que nós vivemos em teatro. Porque nós temos várias personas, nós temos vários personagens que nós apresentamos socialmente o tempo todo, não é à toa que somos atores sociais, o Boal fala isso sem medo de ser reprimido.

 

Na perspectiva de Boal[11], há uma desconstrução da ideia de teatro em que a plateia apenas assiste a um espetáculo, pois há uma aposta na potencialidade do ator e espectador se relacionarem e desenvolverem a linguagem teatral a partir do seu cotidiano e da ampliação das suas possibilidades de expressão e conscientização, visando à transformação social.

Na esteira das ideias de Boal as propostas de cortejo assumem também um caráter teatral, pois buscam o estabelecimento de relações para além da escola propiciando à criança contato com cotidiano da cidade e o exercício de sua expressão criativa.

A minha turma queria fazer uma apresentação de teatro [...] nós fizemos um conto das Vozes Bugras que chama Canela de Defunto. É um conto engraçado, quase um causo, porque dá medo, mas ao mesmo tempo é engraçado. A minha turma apresentou o Canela de Defunto e eu propus um cortejo de almas. (C2).

 

Tais ações impulsionaram as professoras a refletirem mais cuidadosamente sobre os fazeres da escola, no que se diz respeito ao potencial de despertar e construir sentidos presente nas vivências oferecidas pela escola.

Essas reflexões nos aproximam das proposições de Dewey (2010), pois suas ideias são de grande valia para que compreendamos a produção dos saberes pela via dos sentidos, afirmando a intrínseca relação entre corpo e mente. As crianças manifestam a capacidade criadora que compõe seu universo imaginativo, na experiência com o mundo real, como afirma o autor (2010, p. 33), “em função das relações mútuas, pelas quais os corpos agem uns sobre os outros, modificando-se reciprocamente”.

Eu acho que elas ficam muito animadas, principalmente em relação às fantasias. Acho que o cortejo serve para elas mostrarem o que produziram. Eu acho que isso é o mais valoroso para elas. Não é uma saída assim, fantasiado de qualquer coisa. Não, elas fizeram aquilo e querem mostrar para as famílias o que escolheram. (C3).

 

 Vemos aqui uma oportunidade para ampliar a visão de fantasias tão presente no contexto educacional como um mero acessório ou vestimenta de carnaval. Dessa forma, nos propomos a pensar o figurino como elemento artístico e estético, uma vez que envolve as crianças no processo criativo e imaginativo de confecção e, ao usar o figurino, a criança não apenas se veste ela se torna o personagem.

Essa construção de sentido que o figurino propicia pode ser relacionada à forma como as crianças valorizam suas criações e desejam mostrá-las aos passantes durante suas caminhadas - cortejos.

Além disso, há uma sintonia entre imaginação e corporalidade nos cortejos, pois a corporalidade das crianças é entendida como lugar do sensível e de inscrição de suas experiências,

As crianças entraram cantando a música Roda Viva e foi uma coisa assim, emocionante, chocante eu diria a você.

Aquele pé direito alto, uma coisa monumental, a escola é muito grande... E aqueles toquinhos de gente tudo com chita na cabeça, com cotidiáfonos[12] [...] foi muito bonito.

[...] E a ideia era essa, nós fazíamos estações[13] e andávamos pela rua cantando e brincando.

 

As experiências de construção das caminhadas-cortejos trazem muito do universo mítico que alimenta a imaginação criadora da criança, assim como a performance. Portanto, podem ser vistos como atos performáticos tal qual expresso por Machado (2010, p. 131) que amplia nossa compreensão acerca da corporalidade e imaginação criadora da infância como síntese de uma experiência que envolve a todos, conforme elucida o relato de C3:

Aprendem nessa experiência de estar junto com as famílias, de mostrar para as famílias e de compartilhar. As crianças percebem os espaços que estão em volta. Nesse trajeto todas elas vão vendo outras coisas, eles cumprimentam o vizinho que encontram pelo caminho e podem mostrar que eles tão ali.

 

Interessante pensarmos na palavra experiência, muito utilizada pelas Crianceiras em seus relatos, segundo Larrosa Bondia(2002, p. 21) a experiência é “aquilo que nos passa, ou que nos toca, ou que nos acontece”, ela é algo imprevisível, singular e que transforma o modo de estar, sentir, pensar o mundo e, consequentemente, os sujeitos nela envolvidos.

Assim como para C1 a experiência do cortejo é compreendida de forma bem singular:

Você não consegue realmente ler e entender, se você não vive. Uma situação bastante particular, uma experiência bastante única. As pessoas que estão inseridas nesse percurso têm um olhar muito específico para esse momento.

 

De tal maneira, ao estarem imersas na experiência dos processos de construção dos cortejos e em relação com o cotidiano da cidade durante a sua presença nas ruas, as crianças e adultos em suas caminhadas - cortejo criam rupturas, deslocam o cotidiano enquanto modos de vida predeterminados, criam suspensão no tempo e espaço caótico da vida urbana.

De um modo geral, as Crianceiras veem nos cortejos a possibilidade de ampliar as aprendizagens para além da sala de aula: “O cortejo é uma maneira das pessoas verem a escola e o seu trabalho de outra forma”. (C3). 

Acho que a nossa inspiração também são as crianças. Essa possibilidade de sair da escola e levar as falas e essa construção feita dentro da escola para fora do ambiente escolar. Para além mesmo dos muros da escola, acho que essa é a ideia. (C1)

 

Nas caminhadas pelas ruas da cidade, as crianças ampliam seus experimentos corporais - nos jogos, nas brincadeiras de criar e vivenciar diferentes personagens -, seu corpo se manifesta e dialoga com o outro, com a cidade, com a arte enquanto linguagem, forma de expressão e produção de sentido.

Cortejos e o potencial lúdico: corpos brincantes em movimento pela cidade

 

As entrevistas já evidenciaram os corpos brincantes nos cortejos, enfatizando o movimento como inerente à criança, assim a prática de cortejo cria um diálogo que extrapola o universo das palavras, trata-se de um diálogo de corpos, gestos, afetos fomentados por meio do canto, da dança, do brincar, do lúdico enfim; viabilizando, então, a experiência do encontro com o outro e com a cidade.

As crianças passam a maior parte do seu tempo em instituições, especialmente nas escolas que tradicionalmente tiveram práticas pautadas pela valorização da disciplina dos corpos, dos tempos e dos espaços relegando o movimento a um segundo plano.

Frequentemente a escola fomenta a dicotomia cartesiana que criou a separação entre corpo / mente; razão / sensibilidade e pela qual se constituiu a ciência, que valoriza a racionalidade em detrimento de outras formas de conhecimento como as linguagens artística e corporal, a imaginação, a intuição e a experiência.

Nesse sentido o cortejo se apresenta para C2 como: “Quase um grito de libertação mesmo, quando você liberta os corpos das crianças no território é maravilhoso”.

O corpo se expressa a partir dos sentidos e da sua percepção no mundo. É nele que podemos sentir a nós mesmos, como também interagir com o outro e com o mundo. Dessa forma, a criança tem possibilidade de construir e ampliar seu repertório, pois desde cedo dá significado ao mundo em que vive por meio do movimento.

Assim como enunciado por C2, libertar os corpos é romper com velhos paradigmas. O corpo é potência máxima para o desenvolvimento das crianças, com seus gestos e movimentos elas experimentam suas potencialidades e limites.

A escola apesar de ser um importante espaço de aprendizagem não é o único, nem exclusivo. Aprende-se na família, nos espaços culturais, nos espaços religiosos, na interação da criança com o meio físico e cultural, com os outros e por que não na relação com a cidade?

Entendemos, assim, que as aprendizagens se dão em diferentes locais e de variados modos através da ocupação e uso dos espaços que possibilitam o exercício da corporalidade:

 

[...] nosso corpo pode ser conhecido de modo brincante, pessoal e biográfico; nesta chave, todos os aspectos da tradicional psicomotricidade (equilíbrio, tônus, lateralidade, postura, atitude de atenção e esquema corporal) fazem parte do desenho da relação eu-corpo, e o papel do adulto será ampliar repertórios e referências, proporcionando a corporificação do eu, no habitar seu corpo próprio. (MACHADO, 2015, p. 58, grifo da autora).

 

Assim, o brincar como linguagem expressiva da criança, apresenta-se como uma forma lúdica de ampliação das experiências corporais pela criança. Ao brincar as crianças produzem culturas infantis, se comunicam, se relacionam e descobrem o mundo:

Procuramos trazer no cortejo algo que as crianças apreciassem e pudessem estar contentes de estar ali de alguma forma, cantando, brincando, com as suas criações, com a sua música.

E foi um desafio [...] porque o cortejo é uma caminhada e as crianças propuseram que tivesse uma brincadeira. Então nós precisamos parar para fazer brincadeira. E foi super bacana ter pensado nisso. (C1).

 

C1 aponta ainda para o papel do professor como mediador entre o potencial corporal expressivo da criança, o lúdico e as caminhadas - cortejo como práticas que vão além de um passeio pela cidade.

Na potência do brincar exploratório e na convergência da arte e cultura, o brincar pode ser, segundo Machado (2007), uma experiência estética em que as crianças, por meio do corpo que brinca, podem experimentar um viver criativo, mobilizar sensações, emoções e produzir conhecimentos, como expresso na experiência relatada por C3.

Então eles encarnam o personagem que estão vivendo. Na minha turma deve um acontecimento muito engraçado no cortejo passado [...] eles escolheram o Bicho Papão, que não era um personagem tão comum. Geralmente as crianças escolhiam a Iara, o Saci, esses mais conhecidos.  Eles começaram a trazer essa questão do Bicho Papão e porque não ser o Bicho Papão? E aí foi muito difícil. Como que a gente se transforma em bicho papão? (C3).

 

C3 revelam sua escuta atenta às necessidades das crianças nos levando também a confirmar a função simbólica do brincar e nos interessa pensar o brincar enquanto processo vivido no momento presente na experiência, uma vez que o brincar envolve complexos processos entre a realidade, a fantasia e a imaginação:

A imaginação é também um modo de conhecer. Quando a criança, em seu pensamento projetante, maneja a matéria – massinha, lápis, papel, tecidos, roupas, sons – e cria contato com ela, a imaginação criadora desvela. Uma imaginação que também é capaz de antecipar de antever, pois imaginar é também já ter hipóteses para sua ação. (MARTINS et al, 1998, p. 118).

 

O brincar da criança é imaginação em constante diálogo com a realidade, assim como, no relato de C3, o imaginário infantil está presente nas ações das crianças, alimentando sua imaginação criadora, ou seja, a imaginação teria a capacidade de adentrar ao mundo material e formar imagens que podem ir além da realidade.

O cortejo traz em si um potencial lúdico e brincante em que se exercita um estado de presença e disponibilidade. Ao estarem em movimento pela cidade, as crianças brincam, vivenciam papéis, criam narrativas; leituras gestuais e corporais transformam os sentidos na relação que se estabelece com o outro (adulto, criança, passantes) e com o mundo à sua volta.

Na experiência de construção dos cortejos a criança transcende a realidade, como um poeta ela inventa, apura os sentidos, confabula, mergulha num fazer criativo que vasculha seu pensamento e seu coração.

 

Considerações finais: um convite para novos cortejos

 

A realização das entrevistas na cartografia com as Crianceiras buscou ressignificar nosso olhar sobre a prática do cortejo. Entendida como um modo de as escolas de educação infantil realizar percursos, travessias e cortejar a cidade com as crianças.

Os cortejos podem ser compreendidos como possibilidade de provocar novas percepções e encontros com um território e com a cidade. De um lado a presença das crianças nas ruas permite que elas percebam o cotidiano da metrópole, se relacionem com ele, com seus pares, troquem informações, brinquem e experimentem a cidade. Por outro lado, provoca uma suspensão no cotidiano apressado da metrópole, subvertendo a lógica social estabelecida.

Certamente essa prática de estar na cidade, extrapolar os muros da escola implica em um grande desafio, pressupõe vencer barreiras que vão desde o medo da violência, do risco do trânsito às mudanças de práticas tão arraigadas no fazer da escola. Por outro lado é provocadora de sentidos, permite às professoras e professores, de forma lúdica e menos escolarizada, mediarem às leituras dos textos da cidade, aprenderem juntamente com as crianças a estabelecerem relações com seus modos de vida, seu cotidiano e viverem o processo de criação e a experiência artística que transita entre a escola e a cidade.

Sendo assim, muitas vezes, a escola torna-se o único lugar que a cidade reserva para a criança e quando a instituição escolar insere em seu projeto político pedagógico práticas que extrapolam seus muros, novos olhares para a cidade, para a infância e para as práticas educativas (dentre elas o cortejo) podem ser construídos.

As caminhadas-cortejos permitem que as crianças degustem da geografia física e humana do território, experimentem e vençam os perigos das travessias urbanas.

Assim as proposições das caminhadas - cortejantes geram, de um lado, ideias mediadoras lúdicas, experiências estéticas sensíveis com a arte, o reconhecimento do patrimônio cultural e, por outro lado, contribuem para a desconstrução e ruptura com um lugar que é tido como lugar de medo. Essa ousadia de tentar outros meios de diálogos entre a educação, arte e cultura levou as professoras a saírem inclusive de ônibus e metrô. Outro modo de conhecer a cidade e ir mais longe.

A cidade enquanto produção humana, obra e produto histórico-social nos desafia a pensar a mediação na formação de educadores. Como afirma Martins (2018, p. 85) “mediar implica complexa posição de ‘estar entre’, que possibilita uma rede de múltiplas provocações e possibilidades de relações entre sujeitos, objetos, espaços e contextos envolvidos”.

Os cortejos são definidos nas narrativas de Crianceiras como uma prática caminhante pela cidade e de mediação cultural entre a escola, a experiência lúdica e a corporalidade da criança na cidade. Eles criam afetividade, pertencimento, celebração, encontro; acabam por se constituírem como modos de provocar uma experiência estética desenvolvendo assim o olhar, a atenção e a sensibilidade das crianças, da comunidade e de toda a escola.

Fica aqui um convite para mover a escola para fora de seus muros, para amolecer fronteiras e provocar descobertas envolvendo as crianças, todo o corpo da escola e a comunidade, mostrando também para a comunidade que “criança na área” provoca um repensar sobre a própria cidade.

 

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[1] Foto-Ensaio – Instrumento de investigação em educação baseado nas metodologias artísticas (Marin-Vadel y Roldán - 2012, p.98).

[2] O Coletivo Movimento Entusiasmo foi criado em janeiro de 2014. Disponível em: viradaeducacao.me/ Acesso em: 02 fev. 2019.

[3] A Virada Educação é um evento anual que teve início em 2014 com objetivo era provocar o território a se reunir em torno de uma proposta mais coletiva e poética de educação. https://viradaeducacao.me/ Acesso em 10 fev. 2018.

[4] Para saber mais: Prêmio Paulo Freire 2021 de Qualidade do Ensino Municipal. Projetos Premiados: Conhecendo e sendo em São Paulo. https://www.saopaulo.sp.leg.br/premio-paulo-freire-2021/ Acesso em 15 jun.2023

[5] Andarilhar e perceber a cidade com crianças da educação infantil: cortejo, arte e mediação cultural. 2020

[6]  Crianceiras é o nome do CD do cantor e compositor Marcio Camillo que musicou poemas de Manoel de Barros. Disponível em: http://www.crianceiras.com.br/manoel-de-barros/disco Acesso em: 08 fev. 2019

 

[7] As escolas estabeleceram parcerias com a Biblioteca Monteiro Lobato, Centro Cultural Banco do Brasil, Cine Belas Artes (atualmente Petra Belas Artes), SESC Consolação e 24 de Maio, entre outros.

[8]  Criado em 1999, em razão do assassinato de uma aluna no interior do CEU Arlete Persoli, que à época se chamava Centro de Convivência Educativa e Cultural de Heliópolis.

[9] O grupo Parlapatões surgiu em 1991. Considerado um marco na revitalização do centro. Disponível em: http://parlapatoes.com.br/site/quem-somos/. Acesso em: 15 ago. 2019.

[10] Companhia de Teatro fundada em São Paulo, em 1989, têm realizado importante trabalho social, incluindo a revitalização da Praça Roosevelt. Disponível em: http://satyros.com.br/os-satyros/ Acesso em: 15 ago. 2019.

[11] Augusto Boal, diretor de teatro e dramaturgo. Disponível em: http://augustoboal.com.br/ Acesso em: 15 ago. 2023.

[12] Cotidiáfonos são instrumentos sonoros confeccionados com objetos e materiais de uso cotidiano. Fonte: http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/Portals/1/Files/33311.pdf Acesso em: 23 ago. 2019.

[13] Estações: Espaços educativos e culturais que recebiam as  crianças para interação com as outras crianças ou adultos. Nesses locais as crianças descansavam, podiam ir ao banheiro e beber água.