Deficiência Visual, Arte e Inclusão
reflexões sobre a programação artístico-cultural do I Congresso Internacional do Instituto Benjamin Constant (2022)
Visual Impairment, Art, and Inclusion
Reflections on the Artistic and Cultural Programming of the 1st International Congress of the Benjamin Constant Institute (2022)
Caue de Camargo dos Santos[1]
Instituto Benjamin Constant
Luiz Paulo da Silva Braga[2]
Universidade Federal Fluminense
Resumo
O artigo examinou a programação artístico-cultural do I Congresso Internacional do Instituto Benjamin Constant (I CONIN-IBC), realizado em novembro de 2022, cuja temática foi a deficiência visual. O objetivo foi caracterizar a referida programação, por meio de uma abordagem qualitativa, considerando suas especificidades estéticas e inclusivas, a partir de um diálogo teórico entre os Estudos Culturais e as filosofias da diferença. As divergências e aproximações entre as duas perspectivas possibilitaram uma compreensão mais abrangente das práticas envolvendo arte e inclusão, um fenômeno emergente e complexo. Do ponto de vista teórico-metodológico, também foi considerado o significado simbólico das atividades realizadas em um espaço reconhecido como lócus de produção científica sobre a temática. Os resultados mostraram que a programação artístico-cultural do evento foi inclusiva e multissensorial, configurando-se como uma experimentação deleuziana de arte menor e inclusão menor, que estimulou a produção de novos significados. As atividades propostas também questionaram a supremacia visual, convidando os participantes do congresso a desestabilizarem a hegemonia sensorial dela. Concluiu-se que a inclusão de pessoas cegas e com baixa visão nos processos de criação e fruição artístico-cultural, embora desafiadora, dispara o surgimento de outras possibilidades de arte e sociabilidade.
Palavras-chave: Arte menor; Deficiência visual; I CONIN-IBC; Inclusão menor; Multissensorialidade.
Abstract
This article examined the artistic programming of the 1st International Congress of the Benjamin Constant Institute (I CONIN-IBC), held in November 2022, with a thematic focus on visual impairment. The aim was to characterize the artistic and cultural programming of the event through a qualitative approach, considering its aesthetic and inclusive specificities, while engaging in a dialogue between Cultural Studies and philosophies of difference. The divergences and convergences between these two perspectives facilitated a broader understanding of the complex and emergent phenomenon of practices involving art and inclusion. Theoretical and methodological considerations also considered the symbolic significance of the activities conducted in a space recognized as a locus of scientific production on the subject. The findings revealed that the artistic and cultural programming of the event was inclusive and multisensory, embodying a Deleuzian experimentation of minor art and minor inclusion, thus stimulating the generation of new meanings. The proposed activities also challenged visual supremacy, inviting congress participants to destabilize the sensory hegemony of vision. It was concluded that the inclusion of blind and visually impaired individuals in the processes of artistic and cultural creation and appreciation, although challenging, triggers the emergence of alternative possibilities for art and sociability.
Keywords: Minor art; Visual impairment; I CONIN-IBC; Minor inclusion; Multisensoriality.
Entre os dias 7 e 10 de novembro de 2022, ocorreu – no Rio de Janeiro, com transmissão online – o I Congresso Internacional do Instituto Benjamin Constant (I CONIN-IBC). O objetivo central do evento foi fomentar e aprofundar discussões relacionadas à temática da deficiência visual. Para tanto, o congresso priorizou o compartilhamento de experiências e saberes entre os participantes, bem como a interação e a colaboração entre diferentes áreas de conhecimento (I CONIN-IBC, 2022). Houve destaque, no entanto, para as áreas da Educação e do Ensino, dada a natureza da instituição promotora do congresso: o Instituto Benjamin Constant (IBC).
Centro de referência nacional na temática em tela, o IBC é um órgão federal singular da Administração Pública direta, vinculado ao Ministério da Educação (MEC). Inaugurada em 1854, a instituição centenária foi concebida inicialmente como um educandário assistencialista para cegos, mas, ao longo do século XX, ampliou e ressignificou suas frentes de atuação (Braga, 2021). Dentre elas, desde a década de 1940, o IBC atua na promoção e na divulgação de pesquisas, sendo a realização de eventos científicos[3] uma de suas atuais atribuições regimentais (BRASIL, 2018).
Os eventos científicos são espaços privilegiados para a comunicação da ciência, e, consequentemente, para a educação, a produção e a popularização científicas (Guimarães; Innocentinihayashi, 2015). Com destaque, estes ambientes possibilitam a troca de experiências e a criação de redes de colaboração; a formação de novos pesquisadores e a visibilidade de novas pesquisas; e, no caso de pesquisas em andamento, a apresentação prévia aos pares, o que permite legitimar a investigação em curso ou deflagrar a necessidade de alterações e aprimoramentos teóricos e metodológicos (Spiess; Mattedi, 2020).
O I CONIN-IBC contou com a participação de aproximadamente 800 congressistas (IBC, 2022b), e com uma agenda diversificada de plenárias e atividades mediadas, incluindo uma programação cultural. Repertório comum aos eventos científicos de médio e grande porte no Brasil, a programação cultural geralmente é sustentada por atividades artísticas. Na conformação geral, estas ações contribuiriam para a integração dos participantes (Mendes; Lima, 2020) em meio a uma programação mais dura de debates.
No entanto, a programação artístico-cultural de um congresso pode ser elaborada como um modo de educar o pensamento estético, em diálogo com as pautas do evento, visto que a Arte é um campo de experimentação, produção de conhecimento e de sentidos. No caso do I CONIN-IBC, estiveram em jogo a busca pela criação e o consumo de possibilidades artísticas inclusivas. Dessa forma, a proposta teria sido tensionar, por meio das atividades realizadas, aspectos da produção na área das Artes, articuladas à temática da deficiência visual.
Assim, estruturou-se um Grupo de Trabalho[4] (GT) na Comissão Organizadora, responsável pela proposição da programação cultural, sustentada por tais premissas. Buscando um diálogo com os congressistas sobre arte inclusiva para pessoas cegas, com baixa visão e com surdocegueira (I CONIN-IBC, 2022), o GT estabeleceu três atividades na programação cultural: uma exposição coletiva de artes visuais, que ficou aberta entre os dias 8 e 10 de novembro, e duas apresentações – uma musical, na abertura do congresso, e uma teatral, no encerramento[5].
Discussões e estratégias relacionadas à acessibilidade em espaços culturais vêm sendo desenvolvidas no ocidente desde a década de 1980 (Montija, 2022). No Brasil, a partir da década de 1990, ocorre a promoção de políticas públicas com esta finalidade (Guerreiro, 2016). No entanto, é preciso observar que a acessibilidade cultural possui três dimensões, e que somente a viabilização das três permitiria o pleno acesso e a participação das pessoas com deficiência visual nesses processos: a acessibilidade física, a acessibilidade informacional e a acessibilidade estética (Guerreiro, 2016). Com destaque, esta última diz respeito à interlocução sensorial e emocional com a arte, marcada pela noção deweyana de experiência estética.
A despeito disso, a dimensão estética da acessibilidade, em particular, tem sido frequentemente negligenciada e menos compreendida pelos envolvidos na produção, circulação e consumo de bens culturais (Montija, 2022). Como resultado, a experiência de fruição para pessoas com deficiência visual ficaria comprometida. Em articulação, ao se pensar o papel subsidiário do IBC nas ações e políticas de inclusão desse grupo de pessoas, bem como os objetivos do I CONIN-IBC, a programação artístico-cultural do congresso se revelou como um espaço não apenas para discussão de formas de acessibilizar produções visuais. O GT teria buscado propor e legitimar outras formas de produção e fruição, que rompessem com a noção de supremacia visual, o que implicou repensar as práticas artísticas tradicionais.
Desse modo, o objetivo deste trabalho é caracterizar e discutir a programação artístico-cultural do I CONIN-IBC a partir de uma abordagem qualitativa. Para tanto, serão analisadas três das atividades propostas pelo GT responsável pela agenda, em suas especificidades estéticas e inclusivistas. Leva-se ainda em consideração o caráter simbólico atribuído ao fato das apresentações e da exposição terem sido executadas dentro de um espaço entendido como lócus da produção científica contemporânea sobre o tema – um congresso científico internacional promovido por um centro de referência nacional na temática da deficiência visual.
Processos artísticos e deficiência visual: os Estudos Culturais e as filosofias da diferença em conversação
Com base no exposto, propõe-se que os processos do campo artístico-cultural sejam aqui interpretados a partir de uma aliança entre os Estudos Culturais e as filosofias da diferença. Defende-se que as divergências e aproximações entre as duas linhas possibilitam uma compreensão mais abrangente do fenômeno. Em primeiro lugar, as duas perspectivas teóricas parecem partilhar a preocupação com a diferença e a multiplicidade. Ambas rejeitam a ideia de que existe uma cultura homogênea e essencialista, e procuram analisar a influência das relações de poder e de outras dinâmicas sociais na conformação das formas de produção de sentidos (Deleuze; Guattari, 2011a; Hall, 2006).
Nesse plano de consistência, no qual operam os conceitos, os Estudos Culturais se interessam por como as diferenças identitárias são construídas e como elas afetam a vida social (Barker, 2003). Enquanto isso, as filosofias da diferença problematizam a fixidez e a hierarquização das práticas, das representações e das identidades (Deleuze, 2021). Assim, se a primeira linha parece se debruçar sobre o mapeamento das relações de poder e os processos de insurgência a elas, a segunda opera sob uma perspectiva mais horizontalizante da realidade, implodindo as premissas de ordenação e de determinismo sociocultural. Portanto, embora as duas possam ajudar a problematizar categorias hegemônicas como autenticidade cultural (Hall, 2006) e essencialismo cultural, são as filosofias da diferença que desafiam a noção de cultura como um conjunto homogêneo de valores e crenças compartilhados.
Desse modo, a proposta de abordagem da cultura nas filosofias da diferença se trata “menos de compreendê-la que de subvertê-la. É isto o que resume, numa primeira aproximação, a aposta contra-cultural [sic] deleuziana” (Pellejero, 2008, p. 10). Essa perspectiva parece, portanto, entender a categoria como um arranjo de forças e fluxos, em constante tensão e transformação. Por outro lado, os Estudos Culturais tendem a operar com noções socioculturais mais relativamente estáveis e definidas[6] (Laraia, 2001), ainda que passíveis de transformação e constantemente sob constrangimentos da política, da globalização, das tecnologias etc.
É a partir desse espectro teórico que se problematiza o lugar da pessoa com deficiência visual, e da própria cegueira, nos processos artístico-culturais, sob o prisma da supremacia visual. Hegemônico no ocidente, o paradigma visuocêntrico (Sousa, 2004) é um sistema de sociabilidade que privilegia a visão em detrimento dos outros sentidos na percepção do mundo. Esse arranjo se refletiria em diversas dimensões da vida social, incluindo a arte e a estética, que operam a partir da premissa de que a representação visual e a imagem são centrais e primordiais. O paradigma, portanto, tem implicações determinantes na construção das hierarquias sociais, na medida em que o visuocentrismo tende a marginalizar e a desvalorizar as formas de conhecimento e expressão que não são visualmente representáveis.
Assim, a necessidade de se pensar e de se produzir uma arte menor[7] – capaz de gerar um enfrentamento à tradição artístico-cultural visuocêntrica, capacitista e excludente – emerge respaldada pela conversação das duas perspectivas teóricas. Por um lado, com base nos Estudos Culturais, subverte-se a hegemonia dando voz a grupos subalternos, a partir de uma disputa discursiva na qual o valor e a relevância de certos tipos de produção sejam ressignificados. Por outro, no pensamento das filosofias da diferença, rompe-se com a ideia de hierarquização estética e artística, permitindo que outras formas de produção, afetação e fruição possam emergir e se desenvolver, de maneira descentralizada e menos impositiva.
Em adição, a partir de uma perspectiva sociológica, os desafios da inclusão artístico-cultural dialogam ainda com a noção de campo (Bourdieu, 2012). Nesse sentido, destaca-se a presença na curadoria de artistas-pesquisadores e de professores-artistas detentores de certo poder simbólico relacionado à deficiência visual. Tal lugar foi construído e conquistado a partir da formação e/ou da atuação deles, conexa à temática. Esse poder é essencial para que haja a legitimação dos fazeres artísticos não-hegemônicos e/ou contra-hegemônicos circulantes no evento. Isto porque ele consegue impor significados e fazê-los autênticos, sendo, portanto, instrumento privilegiado de conformação e de integração social.
Nessa perspectiva, três seriam as características constituintes de uma arte menor (Deleuze; Guattari, 2015). A primeira é a desterritorialização da linguagem hegemônica, por meio da criação experimental de outras formas de linguagem. A segunda é a valoração política da individualidade (Rodeghiero, 2022), ou seja, a valorização das experiências e das representações individuais, desestabilizando a generalização dos modelos estruturalizantes. E, por fim, a busca pela diversidade e a heterogeneidade, inclusive com a rejeição de cânones (Shilina-Conte, 2018), o que marca a linguagem menor como forma de resistência.
É importante salientar que as formas de arte menor não desqualificam outras linguagens. Pelo contrário, elas trazem condições para uma insurgência no âmbito daquilo que é considerado como “grande”, oferecendo alternativas para a uniformização e a hierarquização estética: “Menor é a revolução dentro da Maior” (Rodeghiero, 2022, p. 120). No âmbito do I CONIN-IBC, este arranjo fomentou a produção de obras e apresentações artísticas constituídas a partir de dois elementos: a multissensorialidade e a representatividade.
Por uma arte menor e uma inclusão menor: multissensorialidade e representatividade
Elemento chave para compreender a ação de pessoas com deficiência visual no campo artístico-cultural, a multissensorialidade consiste em utilizar os cinco sentidos na percepção de um objeto ou em uma experiência sensorial (Kastrup, 2015; Sarraf, 2018). O conceito surgiu na década de 1960, com propostas da Arte Contemporânea que buscavam romper com a primazia artística da visão (Montija, 2022), experimentando a utilização, individual ou articulada, de outros sentidos na criação e na apreciação artísticas. A cegueira e a baixa visão passam então a ser entendidas somente como mais uma característica humana que influenciará na fruição, e não como um impedimento a ela. Dentro desse arranjo, a multissensorialidade é uma força em multiplicidade, composta por duas dimensões.
Em primeiro lugar, surgem as propostas que buscam tornar acessível a experiência estética essencialmente visual, a partir de ferramentas, recursos e tecnologias específicos[8]. Elas permitiram à pessoa com deficiência visual o ingresso nos regimes de visualidade, em condições análogas às das pessoas videntes. Contudo, a necessidade de uma desterritorialização (Deleuze; Guattari, 2015) da visualidade como linguagem dominante faz emergir possibilidades de criação que vão além de somente acessibilizar obras essencialmente visuais.
Dessa forma, manifesta-se a segunda dimensão da multissensorialidade, que seria a busca por uma estética tátil (Kastrup, 2015). A proposta consiste em conhecer e explorar os limites e as possibilidades sensoriais do tato, de modo que as proposições artísticas táteis rompam com o visuocentrismo (Almeida; Carijó; Kastrup, 2015). Primeiramente, há diferenças entre a percepção ótica e a percepção háptica (Deleuze, 2007) que interferem no processo de tradução do visual para o tátil. Se não levadas em consideração essas especificidades, a adaptação pode ser pouco eficaz do ponto de vista da fruição:
Para Deleuze a percepção ótica se caracteriza pela organização do campo em figura e fundo. A forma salta do fundo, instalando uma hierarquia e uma profundidade no campo. A cognição se configura na dicotomia sujeito-objeto, numa perspectiva distanciada e característica da representação. O ótico não remete apenas à visão, mas traz algumas de suas características marcantes. Já a percepção háptica é uma visão próxima, onde não vigora a organização figura-fundo. Os componentes se conectam lado a lado, localizando-se num mesmo plano (Kastrup, 2015, p. 78).
Assim, a adaptação tátil de obras visuais pode não funcionar, já que o háptico não reproduz o modus operandi, hierárquico e imageticamente contextualizado, presente na percepção ótica. Além disso, essa tradução pode reduzir a obra a um mero objeto tátil, negligenciando outras dimensões importantes para a fruição, como a cor e a luz. Portanto, para alcançar uma estética tátil, seria necessário considerar outras abordagens que levem em consideração as propriedades cognitivas do tato (Almeida; Carijó; Kastrup, 2010) e que criem uma relação de proximidade entre a pessoa com deficiência visual e a obra.
Por outro lado, embora de natureza sequencial e fragmentada, características opostas às do ótico, a percepção háptica é capaz de captar direta e imediatamente as sensações, em oposição à percepção ótica, marcada pelo distanciamento e pela separação sujeito-objeto. Isso aponta ainda para uma potencialidade do tato que pode ser explorada por outros sentidos, inclusive a visão, o que promoveria uma verdadeira revolução estética multissensorial, para além das adaptações táteis:
o conceito deleuziano de percepção háptica busca dar conta da experiência com a arte, independente de qual o sentido envolvido. Haveria então uma visão háptica, assim como uma escuta háptica ou um tato háptico. A visão pode ser háptica e o tato pode ser ótico. O tato pode ser ótico se quer só substituir a visão e é háptico ao perceber movimentos intensivos, ritmos e forças emergentes. (Kastrup, 2015, p. 79).
Além da multissensorialidade, outro elemento para se pensar a construção de uma arte menor inclusiva seria a representatividade. O conceito é polissêmico, e pode ser entendido, em primeiro lugar, como a qualidade que um organismo adquire ao representar uma determinada coletividade. Além disso, a representatividade pode ser vista como um processo no qual nos entendemos como coletividade a partir de certas características pretensamente comuns ao grupo do qual fazemos parte (Dess, 2022), como a cor da pele, o gênero, a classe social ou a deficiência. Por fim, a representatividade também pode ser entendida como uma delegação, isto é, o falar pelo outro, o que se situaria no eixo “vontade e ação”.
Desse modo, do ponto de vista político, a representatividade se manifestaria por meio da participação – autônoma e com poder de decisão –, de pessoas com deficiência visual nos diferentes níveis da vida social. Em coexistência a esse modo de pensar as práticas socioculturais minoritárias, outra forma de concebê-las é como experimentações e re-invenções para além do que está posto como modelo, tradição e macropolítica. Insurgiria assim, como filosofia de vida para alguns, ou como resistência e potência no microcotidiano, a inclusão menor:
Menor, no sentido deleuziano, é aquela maneira habitual [...] que admite o desterro nas entranhas dos costumes palradores da maioria, de modo a se tornar como um forasteiro em seu próprio território, em sua própria língua, consentindo aparecer à inflexão particular regional, e o não reconhecimento daquele que fala fora do lugar ou daquele que toma para si espaços de anonimato, descaracterizados e impessoais. A inclusão menor [...] não se torna um exemplo de conquista nacional, mas é um acontecimento provocador de devires e chama à desterritorialização para o acesso de todos, sem discriminação à educação (Orrú, 2016, p. 53).
Assim, a inclusão menor aparece como zona de produção de uma micropolítica, necessária para garantir a diversidade de vozes e perspectivas e, além disso, evita a criação de espaços segregados ou de presença sem representatividade. Nessa perspectiva, o I CONIN-IBC intentou funcionar com um disparador para recolocar a problemática dos modos de operar a acessibilidade, que, no caso do campo artístico-cultural, deve ser discutida e efetivada de maneira mais ampla, como um elemento constituidor dos processos de criação e fruição estética.
Em articulação, a questão das identidades culturais, fragmentadas e múltiplas (Hall, 2006), pode ser mobilizada como chave interpretativa do valor enunciativo coletivo e não unificante (Shilina-Conte, 2018) da arte e da inclusão menores. No campo artístico-cultural, as pessoas com deficiência visual, por exemplo, podem se identificar e atuar como artistas com deficiência ou não, ou mesmo com outras identidades não diretamente relacionadas à sua condição visual. Portanto, essas identidades não são fixas e podem se sobrepor e se transformar, sendo importante reconhecer essa complexidade para evitar a redução das pessoas a apenas uma dimensão de suas vidas, ou a homogeneização de grupos heterogêneos (Dess, 2022).
Com base no exposto até aqui, parte-se agora para uma análise de como os aspectos constitutivos de uma arte menor e de uma inclusão menor teriam sido explorados no I CONIN-IBC. Como metodologia, o desenvolvimento das atividades foi acompanhado e mapeado in loco, durante a realização do evento. Também foi possível recorrer a gravações do congresso, disponíveis na plataforma de compartilhamento de vídeos YouTube[9] e a materiais de divulgação e de acessibilidade das produções, disponíveis no site do IBC e no site do evento. Utilizou-se ainda, em menor escala, bibliografia secundária para a sustentação analítica.
Exposição Coletiva Multissensorial
A Exposição Coletiva Multissensorial foi uma das atrações do Pavilhão Expositivo do I CONIN-IBC, e contou com a curadoria do grupo de pesquisa Trabalho, Arte, Educação, vinculado ao IBC[10]. Um edital foi lançado em maio de 2022 com o objetivo de selecionar obras-projeto (IBC, 2022a) para compor a mostra. Das 12 vagas oferecidas pelos curadores, foram aprovadas quatro propostas: a da dupla Ana Paula Campos e Ildo Nascimento e as de Mozileide Neri, Patricia Neves e Valter Lano[11]. A seleção foi feita pelo grupo de pesquisa com base em critérios de originalidade, qualidade artística e a articulação com a experimentação multissensorial acessível (I CONIN-IBC, 2022).
Nessa perspectiva, convém salientar novamente que a acessibilidade estética só pode ser alcançada se, em conjunto, a acessibilidade informacional e a acessibilidade física sejam proporcionadas. Dessa forma, a curadoria preparou para as obras, em articulação com os autores, áudios que continham: a identificação da obra, os materiais e técnicas utilizados em sua produção e um breve memorial descritivo. A exposição contou ainda com um mapa tátil do pavilhão – no qual se indicou a localização da exposição – além de marcações de piso tátil, que situavam espacialmente as obras.
Em relação à representatividade, em primeiro lugar, é preciso destacar a ausência de sujeitos cegos e com baixa visão, tanto na curadoria como entre os expositores selecionados. Apesar disso, no que diz respeito à concepção e à organização da exposição, como visto, os artistas e professores-artistas envolvidos são dotados de capital cultural e poder simbólico, legitimados por uma atuação pregressa no âmbito do experimentalismo estético inclusivo em suas atividades desenvolvidas no IBC[12]. Ou seja, a capacidade de escuta e de reflexão por parte dos curadores em relação às pessoas com deficiência visual tem sido constantemente exercitada por eles em seus repertórios de atuação.
Em adição, a representatividade é um fenômeno que deve ser concebido a partir de modos transitórios de ser ou de meios temporais de comunicação, e cuja legitimidade não depende de um critério de verdade, mas de acordos políticos posteriores a debates e conflitos (Dess, 2022). Dessa forma, a conformação estabelecida não deslegitimaria necessariamente a proposta intentada pela curadoria. Isto porque a genuinidade da representação não depende apenas das características do representante, mas também dos compromissos éticos e morais que ele assume com a emancipação e com os interesses da coletividade representada.
No que diz respeito aos artistas expositores, uma vez que a composição do grupo foi fruto de uma chamada pública, não havia como garantir que artistas cegos e com baixa visão pleiteassem participação – o que, de fato, não ocorreu. Além da questão da deficiência visual, a diversidade sofreu outros atravessamentos – notadamente de raça e de regionalidade. A seleção de expositores exclusivamente videntes, brancos e com erradicação fluminense pode ter, contudo, uma justificativa administrativa: devido às limitações orçamentárias do congresso, o edital não previu qualquer tipo de auxílio ou custeio aos selecionados (IBC, 2022a) – o que pode ter limitado a amplitude das participações. Todavia, como no caso da curadoria, a configuração pouco representativa do ponto de vista identitário não impediu que aspectos da arte menor se manifestassem na exposição.
A artista Ana Paula Campos contribuiu com três obras para a exposição: duas delas em parceria com Ildo Nascimento – réplicas táteis de dois quadros do pintor Antônio Parreiras (1860-1937) – e uma individual – o objeto multissensorial Maleta Jardim dos Parreiras. No caso dos quadros, os artistas se propuseram a acessibilizar as obras Marinha, de 1902, e O Fogo, de 1936, recorrendo essencialmente à técnica de alto-relevo. Como visto, no contexto da adaptação de obras de arte para pessoas com deficiência visual, o alto-relevo é frequentemente considerado uma solução natural e adequada, pois torna as formas acessíveis à ponta dos dedos. No entanto, a literatura indica que a técnica pode não gerar uma versão tátil da obra, mas "outra" versão visual (Almeida; Carijó; Kastrup, 2010; Montija, 2022).
Isso significa que, para pessoas cegas, especialmente as congênitas, seria problemático dotar de sentido um desenho em alto-relevo isolado. Além disso, a bidimensionalidade, estranha ao tato, limita a exploração manual e, sem as indicações tridimensionais, que funcionam como uma espécie de guia na percepção háptica (Kastrup, 2015), a pessoa cega pode perder seus referenciais de apreensão. Ou seja, se o recurso do alto-relevo for utilizado de modo tradicional, o acesso a gravuras tende a ser impreciso, além de estar sujeito a distorções.
Ressalta-se, contudo, que o trabalho de Campos e Nascimento é relevante porque representa esforços para construir formas de acessibilizar obras visuais para cegos, que não devem cessar no campo artístico-cultural (Almeida; Carijó; Kastrup, 2010). O problema não possui uma solução óbvia e instaura um desejo de criar oportunidades e experimentações em novas direções, que permitam ao público explorar as obras por meio do tato.
Além das pinturas adaptadas, Campos propôs uma maleta sensorial. A obra-projeto consistia em uma maleta de PVC em que foram depositadas réplicas táteis de folhas e flores, sementes, apitos de madeira que reproduzem sons de pássaros e outros objetos que remetem a experiências sensoriais encontradas em jardins – no caso, os jardins do Museu Antônio Parreiras, na cidade de Niterói (RJ), que foi anteriormente a residência do pintor. Com a Maleta Jardim dos Parreiras, a artista rompeu com a adaptação do visual para o tátil, produzindo um material que poderia ser experimentado por meio do tato e da audição, e que valoriza as potencialidades dos dois sentidos como modalidades perceptivas.
Nesta mesma linha, a obra-projeto de Mozileide Neri apresentou ao público uma diversificada sequência multissensorial. Utilizando materiais do cotidiano, como itens de papelaria e sucata, a artista propôs um percurso de interação com objetos idiofônicos e de ressonância, essências e texturas diversas. Provocativa, do ponto de vista da estética tátil, a proposta pode ser considerada introdutória, por não tensionar ou articular as experiências sensoriais a uma representação artística propriamente. Em alguns momentos, o percurso assume inclusive um caráter quase pedagógico e circunscrito à exploração sensorial em si. Assim, as escolhas de Neri parecem propor um ritual de iniciação dos espectadores ao mundo da multissensorialidade.
A percepção tátil é influenciada pelas propriedades materiais dos objetos, e a exploração tátil pode ser mais complexa do que a visual (Almeida; Carijó; Kastrup, 2010). Dessa forma, a criação de uma estética tátil autônoma, que valorize as potencialidades do tato como modalidade perceptiva, além de estimular as características hápticas dos outros sentidos (Kastrup, 2015), se revela como um caminho para o rompimento de certas lógicas hegemônicas. Nesse sentido, Patricia Neves apresentou a obra-projeto intitulada É duro ser princesa, na qual propõe uma discussão política sobre o salto alto e a sua relação com o inconsciente coletivo e a construção do feminino.
Apresentando um sapato de salto alto emoldurado – utilizando outros elementos acessórios, dispostos sobre a moldura, como um esparadrapo –, o trabalho de Neves busca questionar o valor simbólico atribuído ao calçado no ocidente, bem como sua construção histórica. Em uma abordagem interseccional, além de questionar valores e símbolos gendéricos e transculturais na concepção da obra, Neves amplia a proposta contra-hegemônica ao propor um repertório de fruição multissensorial para ela.
Embora de forte apelo visual – um sapato de salto alto vermelho vibrante, feito de vinil e emoldurado – a peça também foi feita para ser tocada. A plasticidade do sapato, feito todo de um único material, liso, homogêneo, com curvas bem delineadas e com um salto finíssimo, pode transmitir a noção de poder. No entanto, o sapato está "preso" em um quadro, o que sugere que o poder que ele representa é limitado e controlado. Esse poder é emoldurado pela presença de elementos que o relacionam à dor, opressão e fragilidade, mas, no entanto, a presença deles não nega completamente o poder que o salto pode representar.
Assim, a proposição de Neves amplia a compreensão da fruição estética, articulada à noção de arte como uma forma de expressão e comunicação que transcende outras barreiras hegemônicas socialmente estabelecidas[13]. Na mesma linha, as obras de Valter Lano, Diálogo Silencioso 1 e 2 – duas esculturas, uma feita com palha de carnaúba e outra de tecido recheado com poliéster – estão comprometidas com a problematização do belo. Ao contrário da obra de Neves, as peças tridimensionais de Lano apresentam pouco apelo de cor, embora suas formas cônicas, que remontam a um emaranhado de cornucópias, chamem atenção visual.
Com Diálogo Silencioso, Lano parece propor uma reflexão sobre a criação e o movimento da matéria. A experiência multissensorial se dá pela utilização de materiais agradáveis ao tato, mas em uma composição disforme, que produz um estranhamento háptico e ótico, proposta por meio da qual o autor tensiona a construção da beleza. Assim, Lano promove uma desestabilização do paradigma visuocêntrico, desafiando a noção de que a arte e o belo são puramente visuais. Esta articulação entre tátil e visual permite aos espectadores, cegos e videntes, experimentarem a obra de uma maneira mais visceral, porque fornecem uma experiência sensorial complexa.
Dessa forma, como unidade, a exposição apresentou a multissensorialidade de maneira multifacetada, por meio de propostas que tornaram a supremacia visual instável, colocando-a em questionamento sob aspectos diversos. A participação de artistas cegos poderia ter complexificado ainda mais as discussões. Isto porque esses sujeitos seriam capazes de oferecer uma abordagem diferente e mais imaginativa para a criação de imagens (von der Weid, 2020) e para a própria produção tátil, destacando ainda a importância do som e do cheiro nessas representações. Esta representatividade foi o que marcou as duas apresentações culturais do I CONIN-IBC.
Apresentações do grupo musical Ponto de Vista e do grupo de teatro Corpo Tátil
Como visto, a inclusão de pessoas com deficiência visual nos processos de criação artístico-culturais permite que elas sejam donas de suas produções e possam interpretá-las posteriormente (Faria, 2021). Emergem assim afetos e perceptos, possibilitando a criação de outras formas de arte, de sociabilidade e de vida (Deleuze, 2015). Nesse sentido, o GT responsável pela programação cultural do I CONIN-IBC convidou dois coletivos para se apresentarem, ambos constituídos essencialmente a partir da ação de pessoas com deficiência visual[14].
O primeiro deles, que se apresentou na abertura, é o grupo Ponto de Vista, que opera apresentações musicais de adultos cegos e com baixa visão. O projeto, formado em 2015 com alunos da reabilitação do IBC, trabalha a percepção auditiva e a espacial, além da exploração vocal dos participantes (I CONIN-IBC, 2022). Por meio dos ensaios e apresentações, o grupo também desenvolve e aprimora o senso estético e crítico de seus membros, em relação ao fazer artístico.
À época da realização do evento, o Ponto de Vista estava sob a condução dos professores videntes do IBC Caroline Camargo e Denis Martino (Música) e Antonio Souza e Vanessa Zardini (Corporeidade). Tinha como integrantes os intérpretes musicais Cibele Maux, Helena Azevedo, Leonice de Oliveira, Luciane Pereira, Daniel Neto, Eli Gomes, Iris Paschoal e Jorge Monteiro, todos com deficiência visual, além dos músicos Alexandre Marques (bateria) e Renato Thomas (violão).
Já o segundo coletivo, responsável pelo encerramento do congresso, foi o grupo de teatro Corpo Tátil. Surgido no IBC em 2003, a partir de trabalhos desenvolvidos pela professora vidente de Artes Marlíria Flávia Coelho da Cunha, o coletivo contava, à época do evento, com quatro atores fixos com deficiência visual, sob a direção de Cunha: Liliane Fontoura, Marcos Felipe, Claudia Marcia e Karen Cristina. O objetivo do Corpo Tátil é oferecer ao público um teatro investigativo: o coletivo busca explorar todos os sentidos durante as apresentações, utilizando o corpo como elemento constituinte da percepção (I CONIN-IBC, 2022).
O processo de montagem das peças começa com a escolha de um tema pelo grupo e a realização de pesquisas sobre ele. Em seguida, coletivamente, eles criam um argumento da história, explorando a contingência histórica da discriminação e da opressão pelo paradigma visuocêntrico (Cunha, 2021). Finalizado o roteiro, passa-se então aos ensaios, em que são utilizadas técnicas adaptadas de Stanislavski e Boal para desenvolver os personagens e a expressividade de cada ator. Nas apresentações, elementos como cordas e pisos táteis são utilizados para acessibilizar o espaço cênico e permitir a expressividade dos corpos em cena.
Cunha (2017) reconhece a relevância do tato para pessoas com deficiência visual e, em suas investigações, desenvolveu uma metodologia de trabalho denominada vivências. Por meio dela, ao apresentar certos objetos aos atores em seus processos de preparação, ela busca explorar a percepção tátil e cinestésica deles, utilizando-a como um disparador capaz de enriquecer a expressão corporal e orientar a elaboração cênica.
Nas performances dos dois coletivos, a potencialidade dos corpos com deficiência visual é evidenciada, por meio de apresentações cujo foco narrativo não é necessariamente pautado pela cegueira e a baixa visão, desmistificando assim o lugar da deficiência. Além disso, operam dentro de uma lógica dialógica: por um lado, há uma transformação fenomenológica (Santos; Nunes; Gomes, 2020) dos próprios artistas, em uma pedagogia mediada pelos professores-pesquisadores. Ou seja, ao performar, eles encontram novas formas de se apropriar de seus corpos e de se relacionar com eles e com o mundo ao redor.
Por outro lado, os espectadores são convidados a compreender o corpo com deficiência visual como “produtor de agência, local da experiência, veículo e motor de constituição de novos significados e da construção de si” (Santos; Nunes; Gomes, 2020, p. 3146). Nessa perspectiva, parece haver uma desconstrução das noções de falha e incapacidade atribuídas à experiência da deficiência visual, tanto para a performance em si, como para a vida social em sentido mais amplo.
Assim, em oposição à Exposição Coletiva Multissensorial, as apresentações culturais do I CONIN-IBC contaram com uma representatividade e atuação direta de pessoas com deficiência visual nas performances e produções de sentido. Contudo, destaque-se, esta operação é mediada e/ou conduzida por professores-artistas videntes, dotados de poder simbólico na temática. Ainda assim, a performance pode ser uma ferramenta poderosa para a redefinição do corpo e para a criação de novas normas e compreensões para a deficiência (Garoian et. al., 2020).
Considerações finais
Ao produzir uma conversação entre os Estudos Culturais e as filosofias da diferença, duas linhas teóricas divergentes, o presente trabalho buscou constituir uma operação em revezamento de pensamentos para analisar as atrações artístico-culturais do I CONIN-IBC (2022). Além disso, a articulação auxiliou na composição de uma cartografia da criação, produção, fruição e mediação no campo das Artes, articuladas aos processos de acessibilização e inclusão. Nesse sentido, introjetou-se um olhar para o funcionamento das proposições artísticas, intentando percorrer os modos de existir e experimentar a multissensorialidade e a representatividade como elementos mobilizadores da criação estética.
Por um lado, os Estudos Culturais problematizam as relações de poder e as práticas artístico-culturais adotadas no I CONIN-IBC, como constituidoras de noções identitárias articuladas a uma representatividade desenvolvida no contexto de uma instituição especializada. O arranjo teria então gerado uma noção de inclusão menor, agenciadora de processos de desterritorialização (Deleuze; Guattari, 2011b). Além disso, as filosofias da diferença mobilizam um experimentalismo que rompe com a supremacia visuocêntrica. Propõem, assim, uma estética tátil ou um modo multissensorial de produzir, abrindo caminho para a materialização de uma arte menor.
A articulação das duas noções conformou, então, uma aposta analítica desvinculada de modelos tradicionais e macropolíticos, pensada por meio das experimentações e criações cotidianas, efetivadas em microcontextos. Nesses microespaços, nos quais a inclusão “se faz presente em disputa acirrada com aquilo que já está posto no macrocontexto da sociedade para diferenciar e classificar pessoas, é que concebemos [...] um espaço menor, que existe e coexiste com o maior” (Orrú, 2016, p. 50). Portanto, conclui-se que o sentido de menor é a insurgência de outro possível, ao produzir-se a diferença, re-inventar resistências e potências.
Assim, a exposição oportunizou uma gama de possibilidades multissensoriais aos participantes do congresso. Levando em consideração as experimentações propostas, a curadoria organizou a mostra partindo de obras acessíveis mais tradicionais, passando por algumas de caráter mais pedagógico e chegando a outras marcadas por atravessamentos complexos. Em adição, as apresentações vislumbraram uma imersão na noção de inclusão menor, por meio de uma arte feita por performers com deficiência visual, dotando-os de autonomia e protagonismo.
A escrita buscou acolher para a conversação as práticas e provocações lançadas pelos artistas que expuseram e se apresentaram no congresso; pelo projeto curatorial do grupo de pesquisa Trabalho, Arte, Educação; pela organização dialógica do I CONIN-IBC em todas as dimensões do evento; e pelo Instituto Benjamin Constant, como lócus da produção na temática da deficiência visual no Brasil. Nesse sentido, ao se debruçar sobre o tema e suas ramificações, expressas na negociação entre mundo acadêmico e fazer artístico-cultural, esta contribuição espera ampliar tanto a realização como as discussões de ações que mobilizem a produção da diferença, pelo viés de uma arte menor e de uma inclusão menor.
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[1] Professor de Artes Visuais do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Departamento de Estudos, Pesquisas Médicas e de Reabilitação (DMR) do Instituto Benjamin Constant (IBC). Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Orcid: https://orcid.org/0000-0001-8164-4737. E-mail: caue.camargo@ibc.gov.br
[2] Técnico em assuntos educacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutorando em História, Política e Bens Culturais pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4962-7205. E-mail: luizpsb@id.uff.br
[3] Conforme informações disponíveis no Portal de Dados Abertos do IBC, a instituição promoveu, entre 2018 e 2022, 24 eventos científicos, sendo: quatro em 2018, três em 2019, quatro em 2020, oito em 2021 e cinco em 2022, incluindo o I CONIN-IBC.
[4] O Grupo de Trabalho 2 – GT2: Atividades Culturais – da Comissão Organizadora do I CONIN-IBC foi coordenado por Caue de Camargo dos Santos e contou com a participação de: Anderson de Oliveira Vallejo, Arheta Ferreira de Andrade, Camila Santana Mascarenhas, Denis Martino Cota, Eliana Paula Calegari, Glauce Mara Gabry de Freitas Arder, Helton Messini da Costa (UFF), Luciana Bernardinello, Maria Luciene de Oliveira Lucas, Marliria Flavia Coelho da Cunha e Rafael Topazio Muricy. A Comissão Organizadora foi presidida por Luiz Paulo da Silva Braga. Todos os pesquisadores citados possuíam, à época, vínculo institucional com o IBC, exceto quando especificado o contrário (I CONIN-IBC, 2022).
[5] A exposição ficou disponível somente para os participantes presenciais do evento, enquanto as apresentações foram transmitidas online, ao vivo, também para os congressistas remotos.
[6] Outro ponto de tensão parece ser a abordagem adotada em relação à política e à transformação social. As filosofias da diferença enfatizam a necessidade de ruptura com as estruturas existentes de poder e de abertura para a possibilidade de mudança radical. Enquanto isso, os Estudos Culturais muitas vezes enfatizam a transformação gradual por meio de mudanças na representação e na cultura popular, em vez de desafiar as estruturas mais fundamentais de poder e desigualdade diretamente.
[7] O conceito de "arte menor" é indiretamente abordado por Gilles Deleuze em algumas de suas obras, por meio de análise de formas artísticas específicas, em especial em Kafka: por uma literatura menor (2015), em que, como o nome sugere, ele e Guattari tratam de literatura. As características da literatura menor apontadas por Deleuze foram extrapoladas por estudiosos pós-deleuzianos para a descrição de outras formas de arte, como cinema (Shilina-Conte, 2018), e, assim como no presente trabalho, artes visuais, teatro e música.
[8] Nessa perspectiva, a multissensorialidade se apresenta ainda como uma alternativa não apenas para a inclusão de outro grupos identitários podem se beneficiar dos recursos de acessibilidade artístico-cultural em museus, galerias de arte etc., tal qual idosos, crianças e pessoas com transtornos como a dislexia (Sarraf, 2018).
[9] Disponível em: https://www.youtube.com/@InstitutoBenjaminConstant. Acesso em 14 de maio de 2023.
[10] No período de planejamento e realização do evento, os integrantes do grupo eram: Camila Santana Mascarenhas, Caue de Camargo dos Santos, Eliana Paula Calegari, Glauce Mara Gabry de Freitas Arder, Helton Messini da Costa (UFF) e Luciana Bernardinello. Todos os pesquisadores citados possuem vínculo institucional com o IBC, exceto quando especificado o contrário.
[11] A exposição contou ainda com uma performance de abertura de Ana Klaus, artista visual e docente de Artes Visuais no Colégio Pedro II (CPII). A convidada propôs uma apresentação intitulada O som da montanha, que consistiu na produção e na performance de um poema inspirado em diversos outros poemas e em trechos de letras de músicas que discorrem sobre a relação entre o corpo e a paisagem.
[12] Com destaque, os membros do grupo de pesquisa mantêm, desde 2019, um curso técnico em artesanato, oferecido pelo IBC a pessoas com deficiência visual. Além disso, promoveram, entre maio e junho de 2022, o curso de extensão Livro de Artista: experimentações dialógicas e coletivas, que abordava a questão da produção e fruição multissensorial.
[13] A proposta inicial de Neves previa, além da exposição da obra multissensorial, uma intervenção na qual o público seria convidado a experimentar sapatos de salto alto e andar com eles pelo pavilhão expositivo. No entanto, alegando questões de segurança, a artista preferiu não executar esta parte do projeto.
[14] Do ponto de vista da acessibilidade informacional e física, as duas apresentações contaram com audiodescrição e havia no teatro uma equipe de apoio tanto aos artistas como ao público com deficiência visual.