Tempo, arte e educa��o: suspens�es e fraturas na linearidade temporal

 

 

Time, art and education: suspensions and factures in temporal linearity

 

 

Carin Cristina Dahmer[1]

Universidade Federal de Santa Maria

 

Ang�lica Neuscharank[2]

Instituto Federal Sul-rio-grandense

 

 

 

Resumo

O presente artigo apresenta algumas passagens pelos labirintos do tempo, da arte e da educa��o. De modo inicial, aborda as concep��es que geriram a defini��o do tempo, desde o pensamento primitivo e seus desdobramentos no pensamento moderno. Assim como, procura ampliar a discuss�o com rela��o �s demarca��es temporais que organizam a vida, e consequentemente a educa��o e a arte, sendo relevante sua problematiza��o visto que durante a pandemia da Covid-19 nossa percep��o temporal sofreu alguns efeitos e modifica��es. Estas varia��es temporais tornam-se potentes ao introduzir no campo educativo um momento de suspens�o, intervalo em que a cronologia n�o mais organiza a exist�ncia, ao menos em alguns momentos, para ent�o fraturar sua linearidade, propiciando que a cria��o e a arte adentrem territ�rios outros. Embora tenhamos criado uma medida de tempo para tudo, que nos traz uma m�nima organiza��o social, quando nos desordenamos e raspamos qualquer n�mero que me�a a temporalidade, o tempo na sua nudez � um instante de vida, dura��o de um dia, afirma��o singular, inscrevendo sulcos e rastros em superf�cies.

Palavras-chave: Tempo; Arte; Educa��o.

 

 

Abstract

This article presentes some passages through the maze of time, art and education. Initially, it adresses the conceptions that managed the definicion of time, from primitive thought and its unfolding in modern thought.� As well, it seeks to broaden discussion regarding the temporal demarcations that organize life, and consequently education and art, its problematization being relevant since the Covid-19 pandemic our temporal perception suffered some effects and changes. This temporal variations become powerful when introducing a momento of suspension in the educational field, an interval in which chronology no longer organizes existence, at least in some moments, to then fracture its linearity, allowing creation and art to enter other territories. Although we have created a measure of time for everything, which brings us a minimal social organization, when we mess up and scrape any number that measures temporality, time in its nakedness is na instant of life, the duration of a day, a singular affirmation, inscribing grooves and tracks on surfaces.

Keywords: Time; Art; Education.

 

 

Introdu��o

 

Arrastados/as por for�as ingovern�veis de vida e de morte, a pandemia da COVID-19 veio nos compelir a repensar, de forma abrupta, o que compreendemos por educa��o e os seus supostos espa�os-tempos. Conceitos que foram embaralhados, dobrados, emaranhados e colocados em pauta no campo da educa��o e da arte. As institui��es educacionais que antes apresentavam seus espa�os demarcados e tempos cronometrados, for�osamente invadiram os lares dos/as docentes, estudantes e familiares, em uma indissoci�vel rotina de lazer-vida-trabalho-estudo-descanso, que n�o se finda nas horas cronol�gicas dos ponteiros anal�gicos e digitais. Mas afinal, que tempos t�m se enredado na educa��o? O que fazer com os acontecimentos que n�o tem lugar no tempo cronol�gico? O que fazer diante do caos que se apresenta? De que modo o caos, enquanto pot�ncia criadora, pode nos convocar a produzir outras formas de sentir e de pensar com o tempo?

Em tempos de pandemia, atentamos para as for�as criadoras que abrem vias para outras formas de pensamento e percursos de aprendizagem, para a produ��o de tempos outros, para a possibilidade de instaura��o de um intervalo ou suspens�o de um tempo linear. Procuramos apresentar produ��es que abordem varia��es junto a este tema, seus efeitos no campo educativo e desvios junto � arte, articulando alian�as e novos agrupamentos, viabilizando afastamentos e aproxima��es nos tempos que experienciamos, assim, oportunizando problematiza��es em meio arte e � educa��o.

Tempos outros que possam nos fazer aprender com o crescer e o minguar da lua, com as mar�s e as esta��es, a ouvir as batidas do cora��o, a perceber o tempo pelo ritmo do sono, pelo aviso do est�mago faminto e pela dura��o da solid�o (LIGHTMAN, 2014). Embora esta escrita esteja germinando, friccionada a uma situa��o de caos, uma �guerra biol�gica�, assim nomeada por alguns/algumas pesquisadores/as da �rea da sa�de, o exerc�cio foi de unir esfor�os em torno da tem�tica do tempo e suas alian�as com os campos da educa��o e da arte, em proposi��es que n�o compreendessem de forma fat�dica o que vivemos, mas apresentassem frentes de respiro, de cria��o e de experimenta��o. 

O desafio que se apresenta diz respeito a produzir algumas tentativas de esmaecer o que despotencializa a vida, e ent�o provocar algumas tor��es nesses campos. Para que possamos �acreditar no mundo [...] suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que escapem ao controle, ao engendrar novos espa�os-tempos, mesmo de superf�cie ou volume reduzidos� (DELEUZE, 2013a, p. 222). Deste modo, problematizar o tempo se faz potente para propormos outros modos para seu funcionamento e outras vias para nossa exist�ncia, infiltrando vida na cronologia, desordem e caos em sua organiza��o, para ent�o produzir novos arranjos de tempos.

Como haver outro modo de pensar o tempo sem a sua dimens�o cronol�gica? Sem sua divis�o sucessiva em passado, presente e futuro? O que seria a coexist�ncia de tempos e como a mesma poderia disparar na vizinhan�a com a educa��o? Como o pensamento, a vida, a lembran�a, a organiza��o, a educa��o, poderiam se comportar diante de um desordenamento? A escrita opera com essa proposta de desordem, um tempo anacr�nico, um tempo nada convencional, a partir do abandono de algumas coordenadas para repensar como viver em meio a ele, o que, ent�o, nos fez tra�ar algumas aproxima��es com a situa��o de isolamento social a qual estivemos vivenciando.

 

The time is out of joint�: do pensamento primitivo � filosofia moderna

 

Para os povos chamados �civilizados�, tornou-se banal datar cronologicamente os acontecimentos, de modo que cada data teria um valor espec�fico. Isto passou a fazer parte das culturas de diversos povos como uma forma de evitar que certos acontecimentos se perdessem na passagem dos anos. Essa no��o se fez importante, visto que a vida dos povos primitivos decorria segundo outras proposi��es, segundo os ritmos da natureza, por exemplo, e o devir hist�rico para eles reduzia-se ao presente como uma forma acabada, definitiva e est�tica (ANTUNES, 2009).

Tratava-se de um �tempo clim�tico� e uma forma objetiva de perceber o mundo, pois o reconheciam nas colheitas, nos ciclos dos astros, no florir de uma �rvore, no germinar de uma planta e n�o como l�gica abstrata, apenas enquanto real ou uma parte do real. Havia uma impossibilidade de se estabelecer a distin��o entre passado e presente, existindo t�o somente este �ltimo, e, por esse motivo, as ideias de evolu��o e transforma��o n�o se produziam em tais sociedades e culturas.

�Na filosofia greco-romana o tempo foi nomeado como kair�s: a mensura��o se dava pela experi�ncia do momento oportuno, isto �, o momento indeterminado em que algo de especial acontecia, uma forma de descri��o qualitativa do tempo, que esteve vinculado � mitologia grega e o tempo dos deuses (ANTUNES, 2009).

Para o fil�sofo grego Plat�o, o dom�nio do tempo estaria relacionado � ordem e estrutura criada para o caos primitivo. Seria, portanto, de origem cosmol�gica. A contribui��o de seus disc�pulos, como Plotino e Santo Agostinho, �vincula a dimens�o do tempo a uma esp�cie de parapsiquismo, em que o tempo existiria na medida em que existe uma consci�ncia capaz de reconhec�-lo� (ANTUNES, 2009, p. 80). Com a introdu��o de uma consci�ncia, de Locke em diante, se introduziu uma distin��o entre tempos objetivos e tempos psicol�gicos, o que veremos de modo mais adensado em Bergson (2005; 2010).

Na hist�ria da filosofia cl�ssica a vis�o de tempo foi constru�da sob duas caracter�sticas principais: a subordina��o do tempo ao movimento e, consequentemente, a circularidade do tempo, e o tempo nos eixos subordinado ao movimento: como medida do movimento, intervalo ou n�mero. Arist�teles, fil�sofo da antiguidade cl�ssica, considerava importante o mundo observado e entendia a no��o do tempo como intr�nseca ao Universo. Na filosofia aristot�lica o mundo existiria na forma de seu modelo cosmol�gico geoc�ntrico (a Terra est�tica no centro dos outros astros) desde sempre. A c�lebre defini��o aristot�lica diz que �o tempo � n�mero do movimento segundo o anterior e o posterior�, e como movimento circular, o tempo estaria subordinado ao curso do mundo, isto �, como que dobrado, curvado, circular, c�clico (ANTUNES, 2009).

J� na Idade M�dia, surgem outras inquieta��es em torno dessa tem�tica: o car�ter transit�rio do tempo. Motivo de ang�stia e de estudo em outros per�odos e por outras �reas, foi primeiramente a religi�o que tentou minimizar esse sentido passageiro, empregando a eternidade como a verdadeira realidade do tempo. A passagem seria uma apar�ncia, visto que nossa alma sobreviveria e nosso destino seria eterno. Desse modo, os crist�os introduziram outro pensamento em torno deste conceito, tratava-se de uma cren�a no tempo enquanto acontecimento �nico, um tempo que passaria, mas que jamais retornaria, por exemplo como a crucifica��o e ressurrei��o de Cristo, fen�menos que n�o se repetem. Sendo assim, apresentaram um tempo organizado segundo um prop�sito transcendente a esta vida, e justificado por leis e morais divinas, tal como na passagem b�blica que evidencia a no��o de uma predetermina��o temporal para as situa��es de vida:

 

Tudo tem o seu tempo determinado, e h� tempo para todo o prop�sito debaixo do c�u. H� tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar; Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dan�ar; Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abra�ar, e tempo de afastar-se de abra�ar; Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lan�ar fora; Tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar; Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz (B�BLIA, 1966, EC. 3: 1-8).

 

O tempo, para os que teriam alguma cren�a religiosa, era visto como uma evid�ncia de Deus, representando uma perfei��o, logo, n�o poderia existir sem um �Criador�, sem um ser universal, divino. �Os fil�sofos da �tica colocaram o tempo no centro de sua cren�a. O tempo � a refer�ncia com base na qual todas as a��es s�o julgadas. O tempo � a clareza para ver o certo e o errado� (LIGHTMAN, 2014, p. 23). Da� decorreram muitas express�es corriqueiras, tais como: �o tempo � o senhor do destino�, �s� o tempo ir� dizer�....

A temporalidade medieval era percebida e vivida concretamente, isto �, era percebida como ligada direta e imanentemente �s experi�ncias sensoriais humanas, mas isso sofreu uma ruptura radical no Renascimento, tendo sido substitu�da por uma nova temporalidade, marcada sobretudo pelo racionalismo e abstra��o do pr�prio tempo. Muitos autores colocam nessas novas maneiras de perceber, significar e usar o tempo � um tempo cada vez mais descolado das nossas experi�ncias sensoriais e at� mesmo do espa�o em que tais experi�ncias se d�o � a principal marca desse longo per�odo hist�rico que se estende do s�culo XV ao s�culo XX e ao qual denominamos Modernidade (VEIGA-NETO, 2004).

Ao tomar o tempo como um absoluto, o mundo e as formas de viver nele passam a ser consoladoras. Isso porque, mesmo sabendo que a vida � imprevis�vel, o movimento do tempo n�o o ser�. Ainda que possamos repensar quest�es existenciais ou sermos arrastados por devires que fazem escapar os modos intelig�veis de pensamento, o tempo absoluto continuar� seu percurso, preciso, s�brio e g�lido, apenas registrando acontecimentos, como um nascimento, o primeiro passo, a primeira paix�o, a despedida dos pais.

 

� imposs�vel caminhar por uma avenida, conversar com um amigo, entrar em um edif�cio, relaxar sob os arcos de arenito de uma velha arcada, sem ver um instrumento de medi��o do tempo. O tempo � vis�vel em todos os lugares. Torres de rel�gio, rel�gios de pulso, sinos de igrejas dividem os anos em meses, as horas em segundos, cada incremento de tempo marchando atr�s do outro em perfeita sucess�o. E, al�m de qualquer rel�gio espec�fico, uma vasta plataforma de tempo, que se estende por todo o universo, estabelece a lei do tempo igualmente para todos. Neste mundo, um segundo � um segundo. O tempo avan�a com exuberante regularidade, com exatamente as mesmas velocidades em todos os cantos do espa�o. O tempo � um soberano infinito. O tempo � absoluto (LIGHTMAN, 2014, p. 22).

 

No entanto, por s�culos prevaleceu a no��o metaf�sica de tempo absoluto, um tempo transcendental que independeria das coisas e dos processos, exteriores aos homens. E foi assim que seguimos na era moderna, por�m com outras �nfases, agora voltar�amos a constru��o de uma compreens�o de tempo �coisificado�, mercadol�gico, que se alastrou pela sociedade industrial e perdura at� os dias atuais. Trata-se de uma concep��o de tempo como uma categoria anterior � pr�pria experi�ncia humana, de descolamento do tempo em rela��o �s pr�ticas cotidianas e a sua correlata abstra��o, que levariam a perceber a temporalidade como um a priori, o �tempo como algo objetivo, que existe por si mesmo, um tempo tanto dos corpos em movimento quanto dos corpos em repouso� (ANTUNES, 2009, p. 79).

Portanto, vale destacar que foi na passagem do per�odo medieval para a era moderna que algumas mudan�as impactaram decisivamente nas formas de viver e conduzir a vida, ressoando nos dias atuais. Determinaram o que alguns estudiosos nomearam como �ser moderno� em que o tempo e o espa�o passaram a ser vividos, experimentados e articulados de maneiras singulares, seja por tentarmos percorrer cada vez mais o espa�o, ou ainda, por procurar fazer isso no menor tempo poss�vel (VEIGA-NETO, 2004).

Foram essas constru��es que funcionaram como condi��o para que se estabelecesse rapidamente todo um conjunto de regras, tendo por objetivo subordinar as a��es humanas, individuais e coletivas, a ordenamentos meticulosos em rela��o a �quando e onde� fazer as coisas, imprimindo modos de viver. Esse novo estado de coisas fundamentou uma l�gica econ�mica baseada na proposta de fazer circular cada vez mais r�pido os ciclos de produ��o ao consumo, e que deixariam uma sobra/lucro a ser acumulado na forma de capital. �Resulta desse fen�meno que, para aumentar o lucro, n�o apenas � preciso que se acelerem os ciclos de produ��o, � preciso produzir e consumir mais em menos tempo� (VEIGA-NETO, 2004, p. 8).

Por assim dizer, as novas configura��es que o espa�o e o tempo adquiriram na Modernidade, foram acentuadas pelos preceitos do capitalismo e sob a �gide de que � preciso produzir e consumir mais em menos tempo. Para que se cumpram tais fundamentos � preciso

 

[...] automatizar as cadeias de produ��o e consumo, encurtar a vida �til do que � produzido e promover a sua diversifica��o, criar continuamente novas necessidades nos consumidores, estimular o descarte, fragmentar e especializar o consumidor, etc (VEIGA-NETO, 2004, p. 8).

 

Ainda que de forma resumida, fizemos algumas conex�es com as refer�ncias ao capitalismo apontadas por Veiga-Neto (2004), em parte para lembrar de que o pr�prio capitalismo acabou contribuindo decisivamente para a crescente acelera��o do tempo e o encurtamento do espa�o. Em suma, as percep��es que se produzem nos dias de hoje, presentes em discursos em torno da volatilidade, efemeridade e transitoriedade do tempo, est�o muito vinculadas �s bases modernas, positivistas, de pensar a exist�ncia humana. Para o autor, foi o pr�prio capitalismo que se valeu das pr�ticas temporais e espaciais que j� vinham funcionando na escola, adaptando aos setores produtivos.

Vale lembrar que antes de ter sido instalada a primeira linha de montagem industrial, o curr�culo na escola

 

[...] j� funcionava fracionando, hierarquizando e sequenciando o tempo e o espa�o � principalmente simb�lico �, de modo a obter a m�xima economia nos processos de controle social, constru��o de subjetividades e constitui��o do sujeito moderno (VEIGA-NETO, 2004, p. 8-9).

 

Estes novos entendimentos sobre o tempo e tamb�m sobre o espa�o implicaram em outras l�gicas e representa��es acerca do �estar no mundo�, bem como, solicitaram uma nova base epistemol�gica. O fil�sofo Kant prop�s uma no��o de �tempo e espa�o como formas a priori da percep��o sensorial. N�o existiria o tempo das �coisas em si�. A no��o de tempo seria uma representa��o subjetiva, inata, inerente ao processo do conhecimento� (ANTUNES, 2009, p. 80), isto �, o conceito de tempo seria destitu�do de realidade, ainda que fizesse parte da nossa experi�ncia, ele n�o seria algo objetivo, nem uma subst�ncia, nem um acidente, nem uma rela��o, mas uma condi��o subjetiva atribu�da � natureza da mente humana.

Ainda na esteira moderna, Bergson menciona que seria preciso pensar o tempo como subst�ncia da nossa exist�ncia, de forma afirmativa e efetiva. Concebeu o tempo como dura��o subjetiva, imanente � consci�ncia.

 

A ess�ncia do tempo seria pura dura��o, decorrente da continuidade interior do indiv�duo. Bergson relaciona o tempo com a natureza viva, e n�o com a mat�ria inerte. Para ele, nada podemos afirmar sobre a dura��o do mundo exterior (ANTUNES, 2009, p. 81).

 

E um tanto depois, com Gilles Deleuze, teremos um atravessamento de concep��es das leituras que o fil�sofo fez de Kant, Hume e de Nietzsche. Deleuze utiliza-se da f�rmula de Hamlet de Shakespeare para dizer que: �The time is out of joint!�, o tempo est� fora dos eixos, dando-lhe o sentido conceitual de uma distin��o entre a concep��o que a Antiguidade Cl�ssica, basicamente Plat�o e Arist�teles, faziam do tempo. O autor n�o s� percebe este tempo liberado, desgarrado do movimento, tornado aut�nomo do presente, do passado e do futuro como centros, da subtra��o da raz�o da forma do c�rculo, mas faz do tempo a pr�pria forma, e, junto �s ideias de Kant, prop�e um tempo que n�o comporta a repeti��o do mesmo, a concilia��o dos ciclos (PELBART, 2000).

Como poderia no tempo os pontos n�o se conectarem entre si, destituindo a segrega��o entre passado, presente e futuro?

 

E como poderia no tempo o fim e o come�o n�o �rimarem�, isto �, n�o se reconciliarem na revela��o de um sentido pressuposto desde o in�cio, ou mesmo de uma historiciza��o retroativa, t�o comum nas teoriza��es sobre a hist�ria ou mesmo sobre o inconsciente? (PELBART, 2000, p. 20).

 

De fato, Deleuze oferece um rizoma temporal que contraria as figuras que representam o tempo: substitui a linha pela flecha (mesmo invertida), o c�rculo pela espiral. Portanto, ao inv�s de uma linha do tempo temos um emaranhado; em vez de um fluxo do tempo prop�e uma massa de tempo; em lugar de um rio do tempo um labirinto. Ou ainda, n�o mais um c�rculo, ordem, nem mesmo forma, mas um turbilh�o, varia��o, um tempo informal. O tempo passa a ser concebido n�o pela sucess�o, mas pela coexist�ncia. Tempo sa�do dos eixos, devolvido a si mesmo, tempo puro. Liberado do movimento que ele mede, o tempo deixa de ser cardinal e se torna ordinal (Ibidem).

Estamos tratando com Deleuze, portanto, de uma teoria sobre a multiplicidade temporal. O primeiro ind�cio s�o os in�meros tempos que operam em sua obra, nem sempre compat�veis em si. Eis alguns dos fragmentos elaborados por Pelbart (2000), que comp�em o mosaico deleuzeano do tempo, com suas respectivas colora��es:

 

[...] o presente como s�ntese passiva sub-representativa, ou contempla��o contraente (Plotino, Hume); o passado como Mem�ria ontol�gica, Mem�ria-mundo, Cone Virtual (Bergson); o futuro como retorno seletivo que rejeita Sujeito, Mem�ria, H�bito (Nietzsche); a oposi��o Aion/Cronos (est�icos); o tempo do Acontecimento (P�guy, Blanchot); o Intempestivo (Nietzsche); o tempo como �defasagem� (Simondon); a Cesura e um tempo que j� n�o �rima� (Holderlin); o tempo perplicado, o tempo puro ou reencontrado da arte (Plotino, Proust); o tempo liberado de sua subordina��o ao movimento (Kant versus Arist�teles); o tempo como Diferen�a, ou como Outro (Plat�o contra Plat�o); o tempo como Pot�ncia, n�o como Finitude (Bergson versus Heidegger); o tempo como Fora (Blanchot, Foucault) (PELBART, 2000, p. 88).

 

Diante da complexidade do pensamento deleuzeano em torno deste conceito, e das capturas que Deleuze realizou de outros autores, optamos por operar nesta escrita com a seguinte provoca��o: o que seria o aion e por que ele e n�o chronos e kair�s? Para escrever sobre essa quest�o encontramos amparo na proposi��o deleuzeana sobre o que seria o acontecimento, e foi em busca de conceitu�-lo que estabelecemos algumas zonas de vizinhan�a entre os conceitos elencados. Para o fil�sofo, o acontecimento n�o seria subjetivo nem objetivo, n�o estaria vinculado ao temporal nem atemporal, tampouco hist�rico e eterno, n�o pertenceria ao presente, passado ou futuro, nem � divis�o entre abstrato e concreto. O que Deleuze nos dispara a pensar � que o acontecimento � o �intervalo� entre o que acaba de acontecer e o que ainda vai acontecer, mas nunca o que se passa, pois n�o chega a se efetuar. � como um �entre-tempo�, uma cesura, um corte na linha do tempo, de modo que ela � interrompida para retomar sempre de outro lugar, sobre outro plano (ZOURABICHVILI, 2016).

O tempo do acontecimento, o aion, contraefetuaria o tempo fragmentado, sendo a pr�pria coexist�ncia, a dura��o e o eterno retorno afirma��es do tempo em sua vitalidade e iman�ncia. Por isso, ao falar em acontecimento, Deleuze (1974) exp�e o la�o primordial: tempo e sentido, isso porque se refere a um tempo que s� seria poss�vel em fun��o de um horizonte de sentido comum �s suas partes. Assim, o nosso amparo conceitual sobre a quest�o de porque o aion, est� na no��o de que se trata de um tempo atravessado pelas experi�ncias humanas, produzido na/pela consci�ncia.

Falar do tempo do acontecimento � tamb�m pensar na coexist�ncia de pontas do presente desatualizadas, ou ainda, um tempo que n�o � quantidade, mas qualidade, que n�o pode ser medido, mas existe, e � produzido. Um tempo que n�o � cont�nuo nem c�clico, mas se passa em dois modos temporais ao mesmo tempo, s�o coexistentes: o presente de sua efetua��o num estado de coisas, ou de sua encarna��o numa �mistura de corpos�, mas tamb�m uma eternidade paradoxal em que algo de inefetu�vel, de incorporal, transborda e sobrevive � efetua��o. O acontecimento n�o se reduziria a sua efetua��o, porque estaria passando para outro presente, seria pura mudan�a, visto que ele n�o pararia de advir, n�o cessaria, na impossibilidade de se findar. O acontecimento n�o seria o que acontece, mas o pr�prio acontecer.

Neste modo de pensar o tempo, o passado e o presente coexistem no que podemos chamar de dura��o ou mem�ria. Esta mem�ria enquanto dura��o n�o estaria associada ao ac�mulo de lembran�as, tampouco ao resgate das mesmas, mas � puro movimento e atualiza��o. Bergson (2010) apresenta a mem�ria de duas maneiras: mem�ria-lembran�a e mem�ria-contra��o, onde a primeira nos remeter� a uma sobreviv�ncia do passado, uma regress�o do presente ao passado, reconstitui��o a partir de um presente ulterior. A segunda diz respeito a um passado em que n�s nos colocamos de s�bito para nos lembrar, em que ele n�o deixou de ser, parou apenas de ser �til, mas sobrevive em si, ele � virtual, pois n�o se constitui depois de ter sido presente, ele coexiste consigo como presente.

Dessa forma, Bergson (2010) escreve que o presente e o passado s�o contempor�neos um ao outro, formando o mesmo mundo. Substituiu a distin��o de dois mundos para dois movimentos, para dois sentidos, na mesma dura��o e, por estarem na mesma dura��o, s�o coexistentes e n�o sucessivos. Para o fil�sofo, a dura��o se chama mem�ria, porque ela prolonga o passado no presente, e o presente, na cont�nua mudan�a de qualidade, assegura um crescente do passado. A dura��o � a coexist�ncia de si consigo, logo, o passado e o presente s�o dois graus extremos coexistindo na dura��o, onde o presente � o grau mais contra�do do passado.

Nesse sentido, Bergson (2010) vai pensar o tempo a partir da nossa consci�ncia, isto �, da maneira como o tempo vive e acontece em n�s, nos corpos, e vai dizer que isso se d� de modo cont�nuo e que a maior parte da consci�ncia � composta pela mem�ria, por isso, ela adquire uma grande import�ncia na sua teoria. Esta consci�ncia � como uma grande t�bua dividida espacialmente, � fluxo, onde as coisas n�o est�o separadas em segmentos e fragmentos. Dizer que as coisas duram, significa afirmar que elas atravessam o tempo. Para o fil�sofo, n�o separamos nossos pensamentos, nossas emo��es... nossa consci�ncia n�o obedece a esses comandos: delimitar, encerrar uma experi�ncia, sensa��o... para recome�ar outra.

Do ponto de vista da vida, da nossa exist�ncia, para Bergson (2010) o que acontece � a dura��o como sequ�ncia ininterrupta de momentos diferenciados, isto �, que nunca se interrompem. Ela � um modo de ser no tempo, que ultrapassa a experi�ncia do vivido. Para compreendermos essa realidade cont�nua produzida por esse tempo como dura��o, precisamos da intui��o, que por sua vez � o oposto de um conhecimento l�gico, de um controle da intelig�ncia. Ela se d� num fluxo, ritmo diferenciado e cont�nuo, onde acessamos um conhecimento de coisas que n�o t�m, muitas vezes, uma explica��o, de algo que n�o � intelig�vel em um primeiro momento, tais como as sensa��es e emo��es.

Ainda nessa perspectiva, o conceito de eterno retorno tamb�m nos interessa, pelo modo como Deleuze vai pensar junto a Nietzsche (2004; 2011) um outro modo de ver o tempo, n�o mais de forma circular. Nesse pensamento, o presente coexiste consigo mesmo, como passado e futuro, pois n�o se trata de um retorno do mesmo, n�o � o ser que retorna, mas � o pr�prio retornar que constitui o ser, do devir, do diverso, do m�ltiplo, da diferen�a. O que nos interessa � o fato de retornar em sua diferen�a, de estar em movimento, e que independe de nomear a natureza do que retorna. Ambos v�o tra�ar outros modos de lidar com a passagem do tempo a partir do movimento de afirmar a pr�pria vida em devir.

Sob um olhar deleuzeano, esse eterno retorno � um movimento de repeti��o que n�o se d� em ciclo, porque funcionaria na coexist�ncia da diversidade de planos, por isso, � a s�ntese do diverso, do devir e do ser em devir. A hip�tese c�clica trata de quest�es da ordem mec�nica, do previs�vel, o que n�o interessa para Deleuze, pois o conceito provoca o pensamento sobre a rela��o do ser humano e sua exist�ncia, sobre o entendimento de vida e de morte. � uma proposi��o de refutar a linearidade e a progress�o do tempo, de afirmar um amor � exist�ncia, � vida tal como a vivemos, e problematizar se valeria a pena repeti-la infinitas vezes, repetir esta vida, ela mesma, sem recortes, excertos, nega��es, e n�o outra. A afirma��o de cada dor, de cada ang�stia, deve ter a mesma intensidade da afirma��o de cada alegria, de cada amor. A vida se liga diretamente �quilo que pode, � sua pot�ncia, quando deixa de pensar em outros mundos, quando para de desejar outro curso para o que foi.

O pensamento do eterno retorno � propuls�o ao ser humano, de movimento, de cria��o de uma outra maneira de viver, de uma busca pela eternidade deste mundo e n�o de um mundo ut�pico, operando uma mudan�a de perspectiva capaz de encontrar outras formas de dar sentidos �s coisas. Esta capacidade de criar e de atribuir sentido � sua pr�pria vida � o que justificar� a exist�ncia de cada um. O eterno retorno potencializa a vontade criadora, a vontade de pot�ncia.

 

Na maior parte dos casos, as pessoas n�o sabem que voltar�o a viver suas vidas. Comerciantes n�o sabem que far�o neg�cio v�rias vezes. Pol�ticos n�o sabem que gritar�o da mesma tribuna um n�mero infinito de vezes nos ciclos do tempo. Pais e m�es conservam na mem�ria a primeira risada de seu filho como se nunca mais fossem ouvi-la. Amantes, ao fazer amor pela primeira vez, despem-se timidamente, mostram-se surpresos com a coxa acolhedora, o fr�gil bico do seio. Como podem saber que cada olhar secreto, cada toque, ser�o repetidos e de novo repetidos, exatamente como antes? (LIGHTMAN, 2014, p. 8).

 

Como reagir�amos se soub�ssemos que n�o h� mais nada al�m desta vida e que a mesma retornaria eternamente? O que desejar�amos que retornasse por mais incont�veis vezes? O que nos moveria a querer viver tudo outra vez? Para pensar em respostas propositivas, � preciso deslocar as justificativas e poss�veis conformismos, olhar para a vida de forma afirmativa, produzir sentido, nos tornarmos criadores dos pr�prios valores. Compreender que este retorno jamais ser� do mesmo, tampouco, de um movimento de julgar, classificando entre �erros� e �acertos� o que foi vivido, ou o que pretendia fazer e n�o conseguiu, mas que agora ser� poss�vel.

 

Neste mundo em que a dura��o de uma vida humana n�o passa de um dia, as pessoas prestam aten��o no tempo como gatos sintonizam suas antenas nos ru�dos do s�t�o. Pois n�o h� tempo a perder. Nascimento, escola, romances, casamento, profiss�o, velhice, tudo precisa caber em uma trajet�ria do sol, uma modula��o de luz. Quando as pessoas se cruzam na rua, tocam levemente seus chap�us e prosseguem apressadamente seus caminhos. Quando visitam ou s�o visitadas, perguntam umas �s outras como v�o de sa�de e ent�o retomam seus afazeres. Quando se re�nem em caf�s, observam nervosamente as mudan�as das sombras e n�o se demoram. O tempo � precioso demais. Uma vida � um momento em uma esta��o. Uma vida � precipita��o de neve. Uma vida � um dia de outono. Uma vida � uma delicada faixa de luz sendo rapidamente devorada pela penumbra quando se fecha uma porta. Uma vida � fugaz movimento de bra�os e pernas. Quando chega a velhice, na luz ou na escurid�o, uma pessoa descobre que n�o conhece ningu�m. N�o houve tempo (LIGHTMAN, 2014, p. 63-64).

 

A dura��o, a coexist�ncia, o eterno retorno e o isolamento social t�m como zonas de vizinhan�a o entendimento de que o tempo � sentido de outros modos pelos corpos, j� n�o funcionaria segundo as dimens�es cronol�gicas ou factuais, tampouco generalizadoras, nos ensinando que embora tenhamos criado uma medida de tempo para tudo, que nos traz uma m�nima organiza��o social, quando nos desordenamos e raspamos qualquer n�mero que me�a a temporalidade, o tempo na sua nudez � um instante de vida, dura��o de um dia, afirma��o singular, inscrevendo sulcos e rastros em superf�cies.

 

 

Alguns lampejos na cronologia do Tempo e da Educa��o

 

Nosso entendimento do tempo implica em variadas interven��es em nossas vidas, nos modos como percebemos sua passagem, pela cronometria do rel�gio, mas tamb�m pelos sulcos e vincos que nos deixam na face. A organiza��o do tempo apresenta seus desdobramentos por um tempo Chronos, seguindo ordeiramente entre passado, presente e futuro, ou ent�o pelo tempo aion, quando somos lan�ados em um acontecimento que nos tira dos eixos.

A partir dos apontamentos de Arist�teles aprendemos que o tempo � mudan�a, e a partir de Newton fomos ordenados pelo tempo linear, tendo por defini��o o tempo como independente do mundo e seus movimentos, pois, teria um fluxo uniforme e ordeiro, que n�o altera seu curso. Essas concep��es de tempo nos s�o familiares, por�m n�o podem ser definidas como �nicas abordagens ou modos de compreens�o do tempo e de sua passagem. Segundo Rovelli (2018) h� diferentes concep��es sobre o tempo, sendo que conforme Einstein estabelece, � poss�vel inserir uma cesura no modo como o entendemos, imut�vel e constante.�

Para a ci�ncia o tempo pode ser diverso, a partir das teorias de Einstein, o tempo apreendido pelo rel�gio passa mais vagarosamente para o sujeito que vive em altas altitudes ou est� em movimento, isso porque quanto mais afastado da massa que exerce o efeito gravitacional, mais devagar passar� o tempo. Assim, a gravidade exerce efeito de distor��o sobre os objetos, o que enseja a constitui��o de planos de espa�o-tempo que se alteram conforme se aproximam ou se afastam (ROVELLI, 2018).

Se para a ci�ncia � poss�vel conceber essas varia��es temporais, tamb�m podemos desloc�-las para a compreens�o que se estabelece para a nossa percep��o temporal. Ainda necessitamos da organiza��o que o rel�gio e o calend�rio nos oferecem, por�m, tamb�m necessitamos reconhecer sua produ��o e constru��o social, a partir de suas defini��es primitivas, assim como modernas.

Assim, �[...] n�o apenas n�o existe um tempo comum a diversos lugares, como tamb�m n�o existe sequer um tempo �nico num s� lugar� (ROVELLI, 2018, p. 39). H� in�meros tempos que orbitam o espa�o-tempo, sendo o espa�o o lugar que ocupamos, e tempo o modo como nos relacionamos com o mundo, s�o nessas intera��es particulares de lugar e modo que um tempo pr�prio � criado.

Desse modo, o tempo n�o � mais restrito a uma �nica linearidade, mas se enla�a por acontecimentos que n�o podem ser contidos pela cronologia, s�o desordem e imprecis�o, se comparados a organiza��o do tempo da linha temporal da hist�ria. Para Lapoujade (2017), foi Kant que elaborou o encaminhamento do tempo como uma linha, e apenas adicionamos a ele um passado j� constitu�do. O tempo enquanto um componente que organiza os conte�dos escolares dentro da linearidade hist�rica, seria ent�o um modo de organiza��o que fragmenta o tempo entre passado, presente e futuro, pois, s� conseguimos �[...] pensar o tempo � custa de variadas mudan�as na sua natureza� (LAPOUJADE, 2017, p. 12), o parcelamos, dividimos, medimos, e consequentemente, o reconstru�mos.

Nossa percep��o temporal pode ent�o ser elaborada pela compreens�o desta linearidade cont�nua e certeira, mas, pode tamb�m incluir na sua passagem momentos de cria��o de tempos outros, pr�prios, que dizem de nossos lugares e modos, e que s�o momentos em que os tempos parecem conviver e n�o apenas residir em um espa�o da linha do tempo. Este momento do intervalo em que n�o nos � poss�vel identificar um acontecimento na cronologia, instala uma suspens�o na passagem do tempo. O que se d� nesse intervalo n�o pertence a um �nico modo temporal, �[...] � preciso dar conta da possibilidade pr�pria do acontecimento como tal: n�o da nova situa��o ou do novo meio, mas do entre-dois-meios� (ZOURABICHVILI, 2016, p. 102). Este espa�o intervalar, do acontecimento, como o que irrompe e se instala em um momento, n�o diz respeito a passado ou presente ou futuro, mas sim ao entre meio, ao que Deleuze e Guattari (2010) conceituam como entre-tempos.

 

O entre-tempo, o acontecimento, � sempre um tempo morto, l� onde nada se passa, uma espera infinita que j� passou infinitamente, espera e reserva. Este tempo morto n�o sucede ao que acontece, coexiste com o instante ou o tempo do acidente, mas como a imensidade do tempo vazio [...]. Todos os entre-tempos se superp�em, enquanto que os tempos se sucedem (DELEUZE; GUATTARI, 2010, p. 187-188).

 

Os entre-tempos s�o momentos de suspens�o da linha do tempo, pois demarcam um corte na cronologia e na sua passagem, deslocando nossa aten��o para o agora. Neste sentido, os entre-tempos podem impulsionar a problematiza��o do tempo no campo da educa��o e da arte, pela introdu��o da cria��o junto a esta linha sequencial e progressiva do tempo, pelo afrouxamento desta vigil�ncia sobre o tempo regular, permitindo a intermit�ncia dos tempos, pois � poss�vel que passeamos �[...] de um meio a outro, de uma periodicidade a outra: crescer, partir, apaixonar-se, deixar de amar... � um devir, um acontecimento, ruptura ou encontro (mas h� uma ruptura em todo encontro)� (ZOURABICHVILI, 2016, p. 101).

O tempo ent�o pode se deslocar fora da flecha da linearidade, por um tempo labir�ntico, que segundo Pelbart (2015) n�o � o tempo finito, mas o tempo das infinitas alian�as entre passado, presente e futuro, um tempo sem forma e sem delimita��o.

 

A pura forma do tempo � precisamente um tempo n�o submetido a uma forma, a uma imagem � o tempo sem imagem como condi��o para o pensamento sem imagem: tempo liso. Se, todavia, for preciso servir-se de alguma imagem, ser� ela a mais vazia � a plan�cie, a estepe, o espa�o n�made (PELBART, 2015, p. 181).

 

A produ��o de um tempo sem a delimita��o temporal, alia-se ao conceito de imagem-tempo elaborada por Deleuze (2013b), onde h� a apresenta��o direta do tempo, a partir de seus estudos com rela��o a imagem do cinema. A imagem-tempo estaria liberta do movimento encadeado pela sucess�o de presentes, no caso do cinema, da sequ�ncia narrativa da imagem f�lmica, para ent�o ser deslocada para a conviv�ncia entre presente, passado e futuro, pois ser� apresentada por movimentos desconexos. Nesse processo, �[...] as imagens j� n�o se encadeiam por cortes e continuidades racionais, mas se reencadeiam sobre falsas continuidades ou cortes irracionais� (DELEUZE, 2016, p. 374). Estas defini��es libertam o tempo da linearidade de uma ordem sucessiva, onde a imagem n�o ter� uma forma previamente estabelecida, ou uma imagem representativa desta narrativa, desta forma, ser� uma imagem vazia de conven��es ou regula��es previamente reconhec�veis.

�Os cortes no encadeamento do tempo propostos por Deleuze nos auxiliam a problematizar a apari��o da imagem no campo educacional, como um momento de suspens�o, intervalo em que n�o dizemos tudo o que esta imagem pode ser ou afetar a quem a visualiza, desfazemos o percurso da flecha do tempo pela irrup��o de um acontecimento neste encontro. Desse modo, o tempo sem imagem implica a destitui��o desta forma pr�via de tempo que est� contido pela cronologia, para que assim possamos produzir arranjos de tempos que nos s�o pr�prios, instalando nesta pretensa linha alguns entre-tempos, pela conviv�ncia entre passado, presente e futuro.

Assim, os entre-tempos alteram a organiza��o do tempo, e seu desdobramento implica tal questionamento: como operar a arte e a educa��o por essa conviv�ncia de tempos? Suscitar um intervalo, lampejo nessa cronologia, a partir da suspens�o das defini��es e normatiza��es para os conte�dos da arte, pode ser uma estrat�gia que evoque um processo de conviv�ncia de tempos, pois permite uma parada na sua sequ�ncia certeira e determinada, apresentando tempos que n�o nos passam de um modo �nico, mas que s�o produzidos por n�s nos encontros e experi�ncias corriqueiras, no encontro com uma imagem ou um conte�do da hist�ria da arte.

Ao possibilitar a conviv�ncia de tempos diversos, podemos deslocar o tempo de sua linearidade, como mera narra��o sequencial do passado, para ent�o enla�ar os tempos em entre-tempos, como afirmam Deleuze e Guattari (2010). Os entre-tempos se referem ao tempo do intervalo na cronologia temporal e implicam um novo arranjo de tempo, acontecimento que s� pode ser ouvido no presente, mesmo que retumbe de um passado distante.

A produ��o deste intervalo requer certa for�a para a desorganiza��o desta cronologia. A constitui��o de um intervalo na passagem do tempo implica a apari��o de um lampejo na sua cronologia, instante de cesura da linha que o organiza. Um lampejo se faz necess�rio quando as �palavras parecem prisioneiras de uma situa��o sem sa�da� (DIDI-HUBERMAN, 2014, p. 130). Este corte se apresenta como um desvio no percurso certeiro do tempo linear.

Para Didi-Huberman (2014, p. 17) h� resist�ncias que se instauram nos mais variados campos, na hist�ria da arte, na palavra e nos vaga-lumes, pois s�o estes �ltimos que, mesmo em situa��es que nos parecem dif�ceis, permanecem
�[...] residentes de todos os tipos, ativos ou �passivos�, se transformam em vaga-lumes fugidios tentando se fazer t�o discretos quanto poss�vel, continuando ao mesmo tempo a emitir seus sinais�. Em momentos como estes, os vaga-lumes permanecem junto ao ar de seu tempo e em meio aos seus variados desafios, emitem pequenos feixes de luz, teimando em pensar intempestivamente[3]. Precisamos estar atentos a sua apari��o, � preciso apagar os holofotes da cronologia para que possamos introduzir no tempo alguns lampejos, para que com movimentos impercept�veis ou imprevis�veis possamos desordenar o encadeamento do tempo.

Fraturar a linha do tempo, implica ent�o na feitura de lampejos em sua organiza��o, para que pontos luminescentes possam irromper sobre sua passagem. Esta varia��o temporal pode instaurar uma experi�ncia com arte em que a conviv�ncia dos tempos oportuniza uma aproxima��o com a hist�ria da arte, por exemplo, em que intervalos na cronologia permitam que sua feitura se d� tamb�m articulada ao presente, por muitas poss�veis cria��es e hist�rias da arte.

Dessa forma, n�o temos como objetivo abandonar a cronologia em sua completude, mas de, entre ela, instalar entre-tempos, lampejos no tempo, para que possamos realizar algumas experimenta��es com a arte e a educa��o, a fim de criar passagem para o que surge junto ao agora, abrigo para a arte enquanto campo de experimenta��o na educa��o. Esta proposta de experimenta��o do tempo e da arte, apresenta uma amplia��o para o campo da educa��o, no que tange os estudos e pesquisas com e a partir de imagens, caso espec�fico das artes visuais.

Trabalhar com imagens como lampejos, produz uma via poss�vel para abordar estas no campo educativo, momento em que irrompem em uma sala de aula, trazendo n�o somente as identifica��es de seu passado, mas insurgindo como suspens�o de sua aloca��o em uma linha temporal, como a��o de cria��o com o agora. Para Didi-Huberman (2015, p. 106), �[...] a imagem n�o est� na hist�ria como um ponto sobre uma linha�; portanto, ela n�o pode ser fixada nesta linha do tempo que organiza a cronologia. A arte poderia ser tamb�m abordada pela conviv�ncia dos tempos, deslocando a imagem de sua linearidade para o espa�o do intervalo, do lampejo.

Esta problem�tica com rela��o a imagem, tamb�m � abordada por Didi-Huberman (2015), ao desarticular a imagem da hist�ria da arte de sua cronologia, propondo que o m�todo anacr�nico possa colocar em d�vida as certezas e determina��es para a Hist�ria da Arte, enquanto narrativa historiogr�fica que elenca e apresenta a compila��o de artistas, movimentos art�sticos e suas particularidades. A imagem enquanto forma vazia, ou seja, a ser vista e articulada a cada encontro, pode se instalar neste intervalo de tempo, entre-tempos. Por�m, seria oportuno nos lembrar que, �� uma tarefa dif�cil fazer essa hist�ria, pois ela exige encontrar a articula��o de dois pontos de vista aparentemente alheios, o ponto de vista da estrutura e o ponto de vista do acontecimento � isto �, a abertura feita na estrutura� (DIDI-HUBERMAN, 2013, p. 40).

Este deslocamento do tempo linear para o tempo anacr�nico, ou do acontecimento, implica tamb�m a acolhida no processo de aprendizagem de experi�ncias e afetos dos/as estudantes neste encontro com a imagem em seus variados tempos, pois �[...] nosso presente � plural, [...] cada um de n�s vive simultaneamente em v�rias linhas de tempo� (ZOURABICHVILI, 2016, p. 101). Na educa��o e na arte podemos abrigar, mesmo que momentaneamente, estes diferentes tempos que carregamos e habitamos simultaneamente em uma aula. Logo, o tempo pode ser desencadeado de sua sucess�o, entre passado, presente e futuro, e arranjado de modos diferentes, �s vezes irreconhec�veis, com combina��es e varia��es que n�o poder�o ser apenas reagrupadas na linha do tempo, pois pertencem ao momento dos entre-tempos, conviv�ncia dos tempos.

Ent�o, o que questionamos diz respeito ao que podemos fazer com os acontecimentos em educa��o que n�o t�m lugar no tempo cronol�gico. Como dar vez para os acontecimentos que n�o se inserem nos conte�dos e saberes convencionais? Para Pelbart (2015, p. 94), �[...] o tempo regular � estreito demais para abrigar todos os acontecimentos�. De fato, � poss�vel que duas leituras do tempo se estabele�am em uma aula, uma delas ocorre dentro da cronologia, e outra se passa no espa�o do intervalo, no lampejo e suspens�o de sua passagem, quando afrouxamos o controle e a vigil�ncia sobre sua dire��o e apostamos na conviv�ncia de tempos e na cria��o com imagens nos campos da arte e da educa��o. Essa abordagem do tempo procura produzir brechas e intervalos na linearidade da cronologia, lampejos e espa�os luminescentes nas imagens da arte, para que assim os espa�os educativos possam abrigar e viabilizar tamb�m a cria��o de outros tempos e outras hist�rias.

O tempo enquanto campo de problematiza��o para a arte e a educa��o � um potente ponto de articula��o para diversas pesquisas e estudos, e sua discuss�o nestes tempos pand�micos contribuem para a amplia��o de perspectivas e abordagens para esta tem�tica. Atentamos para os desafios e tamb�m brechas e intervalos que nos foram poss�veis junto aos tempos que criamos, observando as varia��es que nos chegavam e que produzimos neste contexto. A conviv�ncia dos tempos, a partir da suspens�o da passagem cronol�gica, pela irrup��o de lampejos em sua linearidade, atrav�s dos deslocamentos nas imagens da arte, foi uma tentativa de produzir algumas experimenta��es entre tempo, arte e educa��o.

 

Mas afinal, o que podemos aprender com os efeitos do isolamento social nas rela��es com o tempo?

 

Completamente sozinhos ou junto dos nossos entes queridos, por meio de v�deos ou liga��es, f�sica ou virtualmente, estamos reaprendendo a viver e estar com as pessoas. E nesse cen�rio, um dos primeiros efeitos do isolamento social foi o colapso nas compreens�es espa�o-temporais que produziram sensa��es que n�o eram reparadas, antes da quarentena. O que queremos dizer � que fomos repentinamente convidados a administrar as 24 horas di�rias como bem quis�ssemos ou pud�ssemos fazer, em troca disso fomos privados da liberdade de deslocamento espacial. Estivemos reorganizando nossas rotinas de modo a n�o precisar fragmentar o tempo nas conven��es sobre o ontem, o hoje e o amanh�, sobre a que horas vamos acordar para trabalhar e a que hora vamos dormir, porque estivemos diante de um tempo como dura��o.

Nos deparamos tamb�m com a necessidade de desaprender sobre muitas coisas: sobre os excessos e a velocidade com que experienciamos as coisas, a desacelerar e reparar no que realmente nos � importante, sobre o modo como nossa sociedade prioriza algumas coisas em detrimento de outras, sobre os lugares de privil�gio econ�mico, pol�tico e social de algumas pessoas, sobre o quanto ainda precisamos trabalhar �o cuidar de si porque o que sai de mim afeta de formas muitas vezes irrevers�veis quem est� a meu lado. Novos sujeitos e novos jeitos de estar no mundo produzem um novo mundo� (LACOMBE, 2020).

Foi um momento de recriarmos aquilo que nem sab�amos o que seria, pois voltamos a ter um tempo �cio, um tempo livre e n�o entend�amos o que fazer com ele. A compreens�o quase consensual expressada nas diversas redes de comunica��o foi e tem sido: a sensa��o de estarmos entediados ou de estarmos �improdutivos�, de n�o sabermos o que fazer com o tempo que nos �sobra�.

�Tempo livre� tamb�m � a tradu��o mais comum da palavra grega skol� (escola), ou seja, tempo livre para o estudo e para a pr�tica oferecida �s pessoas (MASSCHELEIN, 2014). Nesse contexto, eram poucas as pessoas que tinham o direito assegurado de ter um tempo �cio para pensar e se dedicar a uma vida contemplativa, a pr�ticas do pensamento, pois a outra grande maioria ocupava seu tempo com atividades laborais.

O tempo livre/�cio dos gregos se distancia cada vez mais dos dias de hoje, nos quais predomina a l�gica da otimiza��o e preenchimento do tempo. Na investiga��o, estivemos atentas para falas costumeiras sobre os diversos sentidos atribu�dos ao tempo, de estudantes de diferentes n�veis de ensino da educa��o b�sica e do ensino superior, de mensagens compartilhadas nas redes sociais, de conversas cotidianas com trabalhadores/as, e considerando tais sensa��es, conclu�mos que a rela��o metaf�sica com o tempo poderia estar na resist�ncia em afirmar a sua passagem, preocupa��o que j� aparecia na hist�ria apontada por outros povos, a sensa��o de que n�o conseguimos mais acompanhar a velocidade desse tempo, que ele nos �atropela�, pois n�o conseguimos, de fato, ter uma experi�ncia diante dos encontros com as pessoas, coisas, sons, imagens, informa��es.

�Repentinamente esse tempo que nos �consome�, que nos �devora�, um tempo que n�o temos ou que nos toma, � desacelerado abruptamente. Somos atravessados e atravessadas por d�vidas, medos, contradi��es, pensamentos perturbadores, desejos indiz�veis, mas � preciso falar sobre isso, descer de nossos pedestais seculares, encontrar nossa real humanidade � que � falha, vulner�vel, amedrontada, desesperada por solidariedade, por afeto, por amor. Talvez estejamos operando com um tempo mensurado a partir de outros par�metros, que n�o pensa apenas em fatos e n�meros, mas que grita em alto e bom som que precisamos aprender com um tempo que me�a o crescer e o minguar da lua, mar�s e esta��es, a ouvir um tempo pelas batidas do cora��o, a perceber o tempo pelo ritmo do sono, pelo aviso do est�mago faminto, pela dura��o da solid�o (LIGHTMAN, 2014).

� poss�vel que n�o tenhamos conseguido colocar em opera��o esse tempo, ao longo da pandemia e agora que nossas rotinas voltaram a certa �normalidade�, talvez possamos pensar nos efeitos nos corpos dessas outras temporalidades. �N�o h� consenso acerca daquilo que se ganha e daquilo que se perde entre o dia do nascimento e o da morte� (BERGSON, 2005, p. 18-19), pois o tempo da dura��o, como nos lembraria Bergson (2005), � produzido por um n�mero infinito de imagens, melodias, pensamentos e vidas n�o catalogadas que escapam dos compassos, de formas reconhecidas. �Por toda parte, onde algo vive, h� aberto em algum lugar, um registro no qual o tempo se inscreve� (BERGSON, 2005, p. 18), h� o devir-impercept�vel do tempo fazendo alian�as inusitadas, simbioses de heterog�neos.

Ami�de, para quem se instala no devir, a dura��o aparece como a pr�pria vida das coisas, como a realidade fundamental (BERGSON, 2005), onde o tempo � um sentido, como a vis�o ou o paladar: em que uma sequ�ncia de epis�dios pode ser r�pida ou lenta, branda ou intensa, salgada ou doce, motivada ou sem motivo, ordenada ou aleat�ria. Quem pode dizer que um evento acontece r�pido ou devagar, com ou sem motivo, no passado ou no futuro? Quem pode dizer que os eventos realmente acontecem? O tempo, assim, � tomado como organismo vivo e inacabado, como inven��o, cria��o de formas, elabora��o cont�nua do absolutamente novo, desvinculado de uma linha retil�nea, evolutiva e progressista, desmanchado dos segmentos para pensar apenas em dura��es, um tempo colado � vida e impercept�vel aos olhos, assim como a respira��o, mas axial para a exist�ncia.

 

E o que podemos aprender com o tempo pand�mico instalado na educa��o?

 

Durante os �ltimos anos estivemos vivendo uma nova experi�ncia de tempo, de repente nossa organiza��o cronol�gica rompeu, nossas preocupa��es se alteraram, e nossa aten��o percorreu caminhos inimaginados at� aquele momento. Com a pandemia vivemos tempos de preocupa��o de vida e de morte, desaceleramos nosso tempo para cuidarmos de n�s ou de outros, ou ainda, aceleramos nosso tempo para limitar no espa�o de poucas horas o trabalho de uma semana. As fronteiras com rela��o a vida, a educa��o e o tempo estiveram suspensos ou ao menos borrados.

Desse anacronismo de fatos, arriscamos algumas linhas de escrita que pudessem fazermo-nos experimentar perdas de tempo criadoras. Escrevemos sobre o necess�rio momento de isolamento social em decorr�ncia da pandemia, antes de qualquer e sequer esperan�a de vacina. Escrevemos sobre o confronto com um v�rus que nos convocou ao recolhimento, a construir um novo circuito de afetos para o cuidado com n�s mesmos e com os que amamos, principalmente com os mais vulner�veis.

Em meio a esse contexto que produziu uma pausa no tempo, ou ainda a acelera��o e suspens�o na cronologia, arriscamos escrever sobre o tempo e sua passagem, seus efeitos e atravessamentos na educa��o. O tempo como ponto articulador do campo da educa��o foi e tem sido abordado por suas variadas facetas e em diversas pesquisas, como quando nos referimos sobre o tempo da organiza��o escolar e disciplinar, o tempo do lazer, o tempo das conversas, o tempo para as avalia��es e reuni�es, o tempo cronol�gico que organiza os conte�dos, etc. Assim, o rompimento desta delimita��o temporal quanto ao tempo de aprender, tempo de lazer, tempo de f�rias, fez for�osamente para muitos, uma mudan�a de percurso nesta cronologia, alterando sua passagem e excluindo suas pausas, ao tornar espa�os de trabalho e de lazer homog�neos em nossas casas. Nossas percep��es temporais tamb�m mudaram neste cen�rio que se apresentou. Este tempo outro, vivido durante esses dois �ltimos anos, tamb�m sinalizou uma parada, um momento de suspens�o da passagem do tempo, mesmo que de um modo provis�rio e abrupto.

Este tempo outro n�o abrangeu apenas o tempo escolar e sua estrutura��o em per�odos disciplinares, do tempo para a escuta ou para a resolu��o de exerc�cios, ou ainda para uma conversa ou brincadeira. Esse intervalo abalou nossas concep��es e certezas quanto ao tempo, a passagem das horas, dos dias, das narrativas quanto ao que vivemos e aprendemos.

Ao nos perguntarmos que tempo tem se enredado na educa��o e na arte, tamb�m problematizamos nossa compreens�o quanto a sua organiza��o, pois h� um tempo que est� delimitado em uma ordem sucessiva, entre passado, presente e futuro, mas pode tamb�m haver outros arranjos para o tempo, para que possamos, em meio a sua organiza��o, criar engrenagens que introduzam varia��es na sua passagem, pela irrup��o de lampejos em alguns minutos do dia, e para que essas paradas nos sejam potentes no campo educativo.

A conviv�ncia dos tempos nos permite em um �[...] dado presente, n�o esgot�-lo nele mesmo, encontrar nele o acontecimento pelo qual ele se comunica com outros presentes em outros mundos� (PELBART, 2000, p. 90). Pois, em tempos de muitas janelas e vias, dependendo do ponto em que nos instalamos nessa passagem pand�mica, podemos n�o esgotar nosso olhar e f�lego neste presente, para ent�o permitir o tempo necess�rio para que os pulm�es inflem novamente, com o sopro de ar vindouro, como aponta Nietzsche (2003), para que seja poss�vel apontar alguns outros mundos futuros.

O tempo que se instalou neste intervalo, em meio a uma pandemia, provocou algumas oscila��es na sua passagem, antes certeira e irrepar�vel, e o desafio que se apresenta diz respeito a algumas tentativas que podemos realizar de, junto a estas experi�ncias, tamb�m nos reorganizarmos. Seja na sequ�ncia de um conte�do programado da hist�ria da arte, ou ainda nas formas com que nos comunicamos e criamos neste contexto, com pequenas incis�es na cronologia.

Problematizar o tempo na educa��o e na arte se mostra como potente ao produzir um outro modo de arranjo de sua passagem, em que em seus meandros possamos ver nessa suspens�o e parada, for�ada ou esperada, um intervalo na sua cronologia, para que estes muitos tempos que nos comp�em possam momentaneamente conviver, de uma janela para outra janela, ou ainda, de um tempo passado para o presente. � uma a��o de lampejar, cesura na linha do tempo, �[...] a cesura ou ruptura cortando irrevogavelmente o tempo em dois e for�ando-o a re-come�ar� (ZOURABICHVILI, 2009, p. 19).

Que este recome�o que se apresenta no presente possa nos oferecer for�a para �[...] experimentar por outras vias, outras correspond�ncias, outras montagens. [...] Ser� preciso desmontar tudo novamente, remontar tudo. Fazer novas tentativas� (DIDI-HUBERMAN, 2018, p. 114). Que a educa��o possa aprender novas vias diante dos variados tempos que se instalaram em nossas vidas durante a pandemia de COVID 19, que suas altera��es ou afeta��es, possam mover nossas formas de organizar ou abordar o tempo em sala de aula, nas nossas agendas e rel�gios, nos tempos disciplinares, no tempo de aprender e no tempo de lazer, sendo tamb�m um tempo para instalar lampejos na sua passagem.

 

Refer�ncias

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[1] Doutorado em Educa��o pela Universidade Federal de Santa Maria, Brasil (2021). Professora no Col�gio Militar de Santa Maria. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1265-6432. E-mail: carindahmer@gmail.com

[2] Doutorado em Educa��o pela Universidade Federal de Santa Maria, Brasil (2019). Professora de Artes no Instituto Federal Sul-rio-grandense, Campus Sapiranga. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9958-7563. E-mail: angelicaneuscharank@gmail.com

 

[3] Ao mencionar as experi�ncias intempestivas sobre a hist�ria, Nietzsche (2003, p. 7) prop�e atuar sobre a filologia cl�ssica de �[...] maneira intempestiva � ou seja, contra o tempo, e com isso, no tempo e, esperamos, em favor de um tempo vindouro�.