Entre o piano e a pianista/pesquisadora/professora: algumas relações da cultura i/material

 

 

Between the piano and the pianist/researcher/teacher: some relations of i/material culture

 

Mirtes Antunes Locatelli Strapazzon[1]

Universidade da Região de Joinville

 

Dione da Rocha Bandeira[2]

Universidade da Região de Joinville

 

Sandra Paschoal Leite de Camargo Guedes[3]

Universidade da Região de Joinville

 

 

Resumo

O artigo trata da discussão sobre artistas que simultaneamente são pesquisadores e professores de Artes ao longo de suas carreiras/vidas.  A premissa conceitual está no entendimento de que o conhecimento produzido por meio das Artes, como espaço e objeto, contribui nas construções subjetivas dos sujeitos. Uma das inquietudes traduzidas em questão foi: quais seriam as relações da cultura i/material entre o piano e a pianista/pesquisadora/professora? Assim, o objetivo é refletir sobre as relações da cultura i/material encontradas a partir do tocar/pesquisar/ensinar por meio do piano e da narrativa vida/profissão da primeira autora deste artigo. Portanto, a metodologia escolhida foi A/r/tografia, sendo uma das metodologias de Pesquisa Educacional Baseada em Arte utilizada nas Ciências Sociais e Ciências Humanas. Esta abordagem interdisciplinar, constitui-se em significativa construção de projetos, diferentes metodologias e outras formas textuais, adentrando no universo das artes (música) e do conhecimento científico. No processo da investigação foram constados alguns resultados, entre eles: que materialidade e imaterialidade são uníssonas/inseparáveis e que a consonância entre o ser das coisas e o ser, é perceptível, tanto no olhar sensível quanto na escuta. A contemplação do piano enquanto objeto material é visual, a sonoridade do piano, por sua vez pode ser efêmera, i/material e sensível, que por vezes, é produzida pela musicista, outras, pela pesquisadora, e em algumas vezes, pela professora de música, trazendo contribuições interdisciplinares nos campos da Música, do Patrimônio Cultural, das Ciências Sociais e da Educação, sem perda das subjetividades, inerentes ao ser humano.

Palavras-chave:  I/materialidade; Piano; A/r/tografia.

 

 

Abstract

The article deals with the discussion about artists who are simultaneously researchers and Art teachers throughout their careers/lives. The conceptual premise is in the understanding that the knowledge produced through the Arts, as space and object, contributes to the subjective constructions of the subjects. One of the concerns translated into question was: what would be the relations of i/material culture between the piano and the pianist/researcher/teacher? Thus, the objective is to reflect on the relations of i/material culture found from the playing/research/teaching through the piano and the life/profession narrative of the first author of this article. Therefore, the methodology chosen was A/r/tography, being one of the methodologies of Art-Based Educational Research used in Social Sciences and Human Sciences. This interdisciplinary approach constitutes a significant construction of projects, different methodologies and other textual forms, entering the universe of arts (music) and scientific knowledge. In the investigation process, some results were found, among them: that materiality and immateriality are unison/inseparable and that the consonance between the being of things and the being is perceptible, both in the sensitive look and in the listening. The contemplation of the piano as a material object is visual, the sound of the piano, in turn, can be ephemeral, im/material and sensitive, which is sometimes produced by the musician, sometimes by the researcher, and sometimes by the music teacher. music, bringing interdisciplinary contributions in the fields of Music, Cultural Heritage, Social Sciences and Education, without losing the subjectivities inherent to the human being.

Keywords: I/materiality; Piano; A/r/tography.

 

Tecendo os primeiros fios  

Este artigo discute sobre o processo das produções de artistas/pesquisadores/professores que no decorrer de sua profissão compreendem que a Arte é uma área do conhecimento e que este, contribui para suas construções subjetivas. A partir de diálogos sobre interdisciplinaridades, cultura material e imaterial e metodologias de pesquisa do grupo de Estudos Interdisciplinares de Patrimônio Cultural e Sociedade, do qual sou pesquisadora, emergiu o seguinte questionamento: quais seriam as relações da cultura i/material entre o piano e a musicista/pesquisadora/professora de música?  Apoiado nessa questão, o objetivo deste artigo é refletir sobre as relações da cultura i/material encontradas a partir do tocar/pesquisar/ensinar por meio do piano e da narrativa vida/profissão de uma das autoras.

A pesquisa, portanto, aborda aspectos da cultura material e imaterial relacionadas com o campo da Música, da Antropologia e do Patrimônio Cultural. Os objetos de natureza material, como instrumentos musicais, objetos de arte, moedas, utensílios, alimentos, imagens materiais de divindades, entre outros, potencializam atravessamentos com a imaterialidade, tais como, os rituais sagrados, cerimônias religiosas, crenças ou sonoridades outras. Fato este, que ocorre no desenvolvimento de diversas e distintas sociedades desde os primórdios da história humana até nossa contemporaneidade (GONÇALVES, 2007).

Assim, o fio condutor que permeou os conceitos, as narrativas e as reflexões deste artigo foi a A/r/tografia, uma das metodologias de Pesquisa Educacional Baseada em Arte/PEBA, utilizada nas Ciências Sociais e Ciências Humanas, que nos permite uma escrita em primeira pessoa, e por vezes, o uso de metáforas. Nossa escolha A/r/tográfica também se deu por ser uma abordagem interdisciplinar, com elaboração de projetos, diferentes formas textuais, além de considerar as relações de intelecção da arte na construção do conhecimento científico. O termo “A/R/T: Artist (artista: músico, poeta, bailarino, fotógrafo...), Researcher (pesquisador), Teacher (professor) e GRAPH (grafia: escrita/representação)” é uma metáfora, conforme afirma Dias (2013, p. 25).

Nessa polifonia de informações, encontramos a i/materialidade como ligaduras entre o instrumento musical e o Ser social; entre o piano e a musicista/pesquisadora/professora; entre o objeto e o sujeito, tendo a A/r/tografia como pesquisa viva nesse processo de investigação.

A partir dessas premissas, abordamos três sessões e as conclusões no intuito de compartilhar com os leitores nossas inquietações, reflexões e articulações dessa pesquisa A/r/tográfica no campo da cultura i/material. Des/fiando uma Pesquisa Educacional Baseada em Arte: A/r/tografia como pesquisa viva é a primeira sessão em que trazemos o conceito de rizoma como base da metodologia escolhida. Também buscamos o conceito de A/r/tografia e suas implicações como pesquisa viva, pesquisa-ação e intervencionista, a partir da experiência vivível de artista/pesquisadora/professora.

A segunda sessão - Uma linha entrelaçada: a i/materialidade traz questões de valores culturais referentes a materialidade e a imaterialidade em que objetos e sujeitos encontram-se entrelaçados por meios mercantis, rituais, cerimoniais sagrados, hábitos cotidianos, entre outros aspectos. A relação estreita do objeto e do sujeito é uma linha, por vezes lisa, e em outras, por nós a serem des/atados.

A terceira sessão - Entre linhas e pontos musicais, algumas notas do piano e da pianista/pesquisadora/professora aborda a trajetória de vida de uma das autoras numa constituição de musicista/pesquisadora/professora no percurso da i/materialidade com seu instrumento musical, o piano.

Por fim, os Processos/conclusivos em intermezzo traz alguns processos/resultados dessa relação cultural i/material entre o piano e a pianista/pesquisadora/professora, bem como, compõem a in/conclusão dessa pesquisa, finalizando apenas o artigo.

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Des/fiando uma Pesquisa Educacional Baseada em Arte: A/r/tografia como pesquisa viva

Nas metodologias de Pesquisa Educacional Baseada em Arte não existe apenas um percurso, um único modo de conhecer, eles podem ser múltiplos. A pesquisa é viva acompanhando os processos sobre o objeto, os sujeitos envolvidos e o pesquisador. Além disso, ocorre a produção subjetiva de conhecimento do próprio trajeto de investigação. O pesquisador observa de perto e intervém nos processos, deixando-se tomar pela experiência, cuidando de si e do outro (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2014).

Para que adentremos nos conceitos da A/r/tografia, antes é necessário compreendermos o conceito de rizoma em que essa metodologia está amparada. O rizoma 

 

[...] não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança, unicamente aliança. A árvore impõe o verbo “ser”, mas o rizoma tem como tecido a conjunção “e...e...e”. Há nessa conjunção força suficiente para sacudir e desenraizar o ver ser (DELEUZE; GATTARI, 2011, p. 48).

 

Nesse sentido, o pensamento rizomático encontra-se num ‘ir vir’ de caminhos, pensamentos, sentidos em rizoma, que se propagam e se difundem com/em múltiplas conexões. Sem ter um ponto central, o pensamento eclode com a linearidade e a hierarquia, pois nessa condição, é um emaranhado de linhas sem início e/ou fim que transvasa em bifurcações, dimensões e encontros imprevisíveis (DELEUZE; GATTARI, 2010).

E como acontecem essas possibilidades múltiplas de criação com a A/r/tografia? Como um rizoma, sendo

 

[...] uma montagem que se move e desliza em um momentum dinâmico. O rizoma opera por variação, perversa mutação e por fluxo de intensidades que penetram o sentido [...] um espaço intersticial, aberto e vulnerável onde os significados e as compreensões são interrogados e rompidos (IRWIN; SPRINGGAY, 2013, p. 138-139).

 

Com base no rizoma, a A/r/tografia é utilizada nos Estados Unidos desde os anos 1970, entretanto, no Brasil, é pouco conhecida e discutida. Essa metodologia surgiu na Universidade da Columbia Britânica, no Canadá, e com a metáfora: artista/pesquisador/professor refere-se ao saber/fazer/realizar, que se entrelaçam criando uma linguagem híbrida permeando os múltiplos papeis de vida e profissão, produzindo um conhecimento diferente.

Pautada na interdisciplinaridade, a A/r/tografia, ainda que recente, pode apresentar excelentes possibilidades para artistas, pesquisadores e professores, assim como estudantes, em suas comunidades de práticas numa Pesquisa Viva, por meio de experiências e linguagens artísticas e textuais, ocupando um espaço criativo e intelectual para a pesquisa. Sua tratativa tem uma intenção acadêmica que pode ampliar possibilidades para artistas e educadores (IRWIN, 2013).

Esta metodologia tem caraterística de pesquisa intervenção, e os A/r/tógrafos, como diz Irwin (2013, p. 29), tem potência para criarem “[...] artefatos e textos que representam a compreensão adquirida a partir de suas perguntas iniciais, no entanto, eles também prestam a devida atenção para a evolução dos problemas durante a investigação”. Assim, a compreensão de ideias na A/r/tografia se entrelaça umas às outras, por exemplo, na barra [ / ] ou nas relações entre a arte e a escrita; sonoridades e canções; visualidades e partituras...

A pesquisa A/r/tográfica é uma pesquisa-ação, uma prática viva em que artistas/pesquisadores/professores tem “experiências vividas que permitem uma abertura à complexidade das relações entre coisas e pessoas [...] também reconhecem o “potencial do compromisso artístico para mudar hábitos de expressão” (CARSON; SUMARA,1997, p. xv apud IRWIN; SPRINGGAY, 2013, p. 142).

Além disso, os pesquisadores melhoram e compreendem suas práticas, as compartilham e as usam para inspirar as experiências de outros. Em seus projetos encontram-se as suas próprias investigações e novos conhecimentos, de forma inovadora e atrativa fazendo a diferença em suas comunidades.

Nessa intensidade, buscamos uma ligadura com a materialidade e imaterialidade, sendo o rizoma o fio condutor entre o objeto e o sujeito.

 

Uma linha entrelaçada: a i/materialidade

É fato que os objetos e as coisas nos cercam desde nosso nascimento, sendo assim já nascemos com uma relação – coisas e humanos. Uma rede de relações se forma quando temos necessidades, prazeres e outras sensações com as coisas, o fato é que transitam na vida social, sejam elas, roupas, mobílias, casas, joias, instrumentos de trabalho, objetos de artes, instrumentos musicais ou outros. Sob forma classificatória ou cultural nós mantemos, separamos e guardamos coisas de valores originais que foram construídos ou categorizamos de maneira simbólica com o passar do tempo. 

Esses objetos ao circularem na vida social das pessoas se deslocam e se transformam por meio de trocas mercantis e cerimoniais nos diversos contextos sociais e simbólicos. Ao acompanhar tais deslocamentos, passamos a compreender o próprio movimento da/na vida social/cultural, refletida em subjetividades individuais e coletivas (GONÇALVES, 2007).

A partir da década de 1960 os estudos antropológicos de Dolgin; Kemnitzer; Schneider (1977) se destacam por resgatarem a importância “social e cognitivas do estudo dos objetos materiais no contexto da vida cotidiana, dos rituais e dos mitos.” (GONÇALVES, 2007, p. 20).   As funções do simbolismo estavam entre/meio a vida social. Nesse aspecto, as coisas expressavam e demarcavam posições e identidade pessoal, que enquanto sistema simbólico, sujeitos e grupos socais experimentam subjetividades de suas identidades e seus status.

No século XX, os objetos deixam de ser estudados somente em contextos funcionais e são investigados a partir dos processos sociais, institucionais, políticos, entre outros aspectos. Na década de 1980, considerações sobre objetos foram ampliadas no sentido de que antes de chegarem à condição de coleções particulares ou objetos de museus, já tiveram sua funcionalidade primária como utilidade no cotidiano das pessoas, foram objetos sagrados ou mercadorias (GONÇALVES, 2007). Entretanto, estiveram por algum tempo nas mãos de pessoas, tendo seus apreços e significações oriundas da não materialidade, da não visualidade das sensações abstratas não visíveis, mas sentidas.

Nesse aspecto, podemos dizer que a imaterialidade pressupõe a ausência da matéria. Quando se trata de valores culturais nessa concepção, é impossível não associar o estudo da linguagem, uma fala que comunica sem falar, e ao mesmo tempo, diz muito quando se está atento. Como também é indissolúvel tratar da imaterialidade sem a materialidade. O tempo passou e o papel dos objetos considerados signos que nos representavam, é apenas uma parte de nossa contemporaneidade. Miller (2013, p. 21) traz um exemplo em suas pesquisas em que

 

[...] roupas representam diferenças de gênero, mas também de classe, nível de educação, cultura de origem, confiança ou timidez, função ocupacional em contraste como lazer noturno. [...] As roupas não são superficiais, elas são o que faz de nós o que pensamos ser (MILLER, 2013, p. 21).

 

Parafraseando Miller (2013) o piano no decorrer da história representa diferenças sociais, culturais, de gênero, entre outros aspectos. A linha da i/materialidade do piano nos leva a senti-lo não apenas pelo toque atravessando teclas e cordas, mas pelas sonoridades efêmeras do momento não registrado. Podemos dizer que o piano faz a pianista na mesma medida em que é feito por ela, temos então a linha da i/materialidade, buscando outras linhas e pontos entre o piano e a pianista/pesquisadora/professora.

 

Entre linhas e pontos, algumas notas do piano e da pianista/pesquisadora/professora 

Ao iniciar essa sessão, mencionamos o fato de que o piano, inicialmente chamado de pianoforte, é um instrumento musical considerado nobre, não apenas por ser construído em 1698 por Bartolomeu Cristofori, o encarregado da corte dos Medici em Florença/Itália, mas pela sua marcante presença em diversas cortes dos tempos que vieram posteriormente (DICIONÁRIO GROOVE DE MÚSICA, 1994). Entretanto, alguns dos pianistas/compositores/professores que faziam parte da nobreza não nasceram nobres, na maioria das vezes foram destinados à uma determinada elite para entretenimento e ensino do instrumento musical às meninas, em particular.

Mozart foi o prodígio mais apresentado para a nobreza de sua época, segundo Menuhine e Davis (1981, p. 137) “ele se sentia à vontade tanto com o cravo quanto com o instrumento recém-surgido, chamado pianoforte”, escreveu muitas óperas e na fase adulta tentou se tornar independe, não gostava de trabalhar para um único senhor.

Beethoven era de família humilde e também era um excelente músico desde menino, pianista virtuoso e improvisador que surpreendia o público. Desejava ser aluno de Mozart, mas quando chegou em Viena o mestre já havia falecido. Beethoven compôs inúmeras sinfonias e a maioria delas já com problemas de surdez, e quanto mais a audição se esvaia, Beethoven “concebia meios elaborados para ajudar na audição, para que pudesse captar diretamente as vibrações de seu piano”, como dizem Menuhine e Davis (1981, p. 150).

E foi na chamada era do indivíduo, no período Romântico, que Chopin descobriu “o segredo de fazer o piano cantar como uma orquestra, ao mesmo tempo que sustentava um harmônico inteiro como base. [...] conseguia fazer os ouvintes sentirem a ambiguidade das notas, [...] pelos dedos ou pelo pedal” (MENUHINE; DAVIS, 1981, p. 176).

No século XX, o piano foi destinado ao uso doméstico, como “símbolo de prestígio social atingiu seu auge nos anos anteriores à I Guerra Mundial [...]”.  Nos anos posteriores a produção de pianos foi retraída, mesmo assim outros modelos de novas invenções de piano ocorreram no pós Guerra (DICIONÁRIO GROOVE DE MÚSICA, 1994, p. 722).

O breve histórico acima nos apresenta o piano na sua materialidade e símbolo de riqueza, cultura e status social e algumas relações dos famosos pianistas da História Humana. Assim, ao trazermos a narrativa auto/biográfica de uma das autoras como pianista/pesquisadora/professora é possível cruzar linhas e pontos traçando caminhos numa constituição de vida, identidade e pertencimento que se relaciona com o piano por meio da A/r/tografia.

Pertenço a uma família de classe média, filha do motorista educado e atencioso, e da professora normalista que sonhava cuidar de crianças. Fui a escola que minha mãe lecionava desde os três anos de idade.  Era divertido brincar pelos corredores, e por vezes, cansativo ficar horas a fio numa sala cheia de livros em prateleiras - a biblioteca. Uma senhora cuidava com muito zelo daqueles livros, e os estudantes no ir e vir daquela sala pegavam alguns dos livros. Mas, era num devir que ela me cuidava num olhar por cima de seus óculos, enquanto eu lia as imagens de outros livros. E como dizem Deleuze e Guattari (2015, p.29) “o devir é uma captura, uma possessão, uma mais-valia, jamais uma reprodução ou uma imitação”. E sem eu saber, já vivia o devir, que é a transformação pelas quais as coisas passavam.

De um dia para outro, sem nenhuma repetição na escola que minha mãe lecionava, uma ou duas vezes durante a semana, escutava vozes cantadas. Procurava aqueles sons ora em correria, ora cantarolando pelo corredor. Quando lá chegava, via um professor que parecia desenhar alguma coisa no ar e todos os cantores olhavam e cantavam conforme os movimentos daqueles desenhos. Um regente, maestro e professor de coro! Jamais imaginaria que eram números que conduziam a música e que um dia estaria desenhando movimentos com as minhas mãos e meu olhar estaria feito em múltiplos olhares nos gestos da regência. Pois, um rizoma

 

[...] entre as coisas não designa uma correlação localizável que vai uma para a outra e reciprocamente, mas uma direção perpendicular, um movimento transversal que as carrega uma e outra, riacho sem início nem fim, que rói suas duas margens e adquire velocidade no meio. (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p.49).

 

Nesse sentido, os rizomas ativam o entrelugar acionando a “exploração dos espaços intersticiais da criação artística, da pesquisa e do ensino” (IRWIN; SPRINGGAY, 2013, p. 139). O entrelugar não se caracteriza por um objeto ou locação, “mas um processo, um movimento e deslocamento do significado (GROSZ, 2001 apud IRWIN; SPRINGGAY, 2013, p. 139). Desse modo, o lugar aqui instituído, não perpassa pela geografia fixa, mas pelo imagético em situações e “processos constituídos de relações sociais, econômicas, culturais e políticas” (DOHERTY, 2004; KWON, 2022 apud IRWIN; SPRINGGAY, 2013, p. 139).

E em meio ao tempo e lugares, aos quatro anos de idade ingressei no chamado Jardim de Infância, (hoje Educação Infantil) do Instituto Nossa Senhora da Glória. Lembro-me do salão de brinquedos, do parquinho, mas era a sala de música que eu mais esperava. Lá havia um velho e lindo piano de armário várias cadeirinhas, uma lousa preta, caixinhas de giz colorido e um aparelho de som muito estranho para os dias de hoje.

Fiz muitos desenhos naquele tempo e ainda guardo a pasta com as produções, reencontrando minhas mãozinhas representadas nos papéis, agora amarelados. Por que falar das mãos? Mãos que tocariam o piano, ensinariam crianças na arte de tocar piano, que escreveriam músicas e arranjos, e muitas palavras para dar novo sentido a mim e ao piano que um dia eu teria.

O tempo continuava a passar, e nos 1976 fui matriculada por minha mãe nas aulas de piano no Conservatório Musical de Francisco Beltrão/PR, minha cidade natal. Enquanto aprendia, também brincava em casa com o “pianinho” vermelho da Hering que ganhei aos três ou quatro anos de idade num certo natal.

A memória nos alerta assim que iniciamos uma escavação em nossa mente!  Lembro-me que tive uns dois meses de aulas apenas teóricas com atividades de desenhar a clave de sol e de fá, e repetindo muitas vezes as notas musicais de dó a si no caderno de música. Enquanto eu fazia essas atividades de teoria musical sobre uma mesa de toalha vermelha e branca, uma moça, morena, de cabelos longos e mãos perfeitas ao teclado do piano tocava lindas músicas, pois estávamos na sala de estudo de piano. E como uma criança pequena presta atenção nas atividades teóricas escutando belíssimas músicas ao som do piano? Além de não saber tocar nas primeiras aulas, não entendia muito bem onde estavam as notas e como iria fazer para colocá-las no instrumento para que se transformassem no som que estava dentro da minha cabeça!

Apresentamos aqui a memória como a capacidade de armazenar fatos, imagens, de evocar lembranças, pessoas, relacionamentos e sons, e na música é indispensável ter memória como afirma Ramos (2017, p. 43) dizendo que “só se toca com segurança e domínio se a peça estiver de cor. Utilizamos no piano várias memórias: auditiva, visual, muscular, locativa, analítica, nominativa, afetiva e por reflexão”. Desse modo, com memória auditiva e afetiva, tentava tocar ao piano as cirandas que cantávamos na escola. Pois, além de estudar, o piano era minha diversão e prazer, já que em minha casa a cultura era presente com pessoas da música, da história, da poesia, das artes...

No entanto, o piano estava apenas no território das ideias, sem sonoridades físicas, apenas na imaginação criativa onde o pianista através do teclado movimenta o martelo do mecanismo do piano e percute a corda. “Ao atingir a corda, o martelo encontra-se totalmente livre, e a arte do pianista deve ser demonstrada antes da corda ser atingida, na sensibilidade com que os dedos ferem o teclado” (RAMOS, 2017, p. 15).

Relações de técnica e sensibilidade se encontram não somente nas linhas que ligam as notas musicais, mas nas linhas em que a sensação do pianista perpassa pela materialidade do piano e do próprio corpo do pianista, e simultaneamente, pela imaterialidade dos sons que reverberam no espaço e na alma de quem os escuta.  Impossível aqui não emergir no mundo das ideias de Platão, em que o inefável é o real, que ao assumir a materialidade deixa de existir porque entra no mundo da matéria. O mundo das ideias é eterno, divino, o conhecimento é inato, a citar que antes de aprender música, Mozart já fazia música com apenas cinco anos de idade. E nessa concepção, Suassuna (1975) diz que para Platão

 

a contemplação da Beleza, era em essência, uma recordação. A alma lembra, dificultosamente e como pode, realidades que contemplou, numa outra vida mais autêntica, da qual vivemos desterrados [...] é a famosa teoria da reminiscência [...] (SUASSUNA,1975, p. 46).

 

Tal teoria formou o pensamento de Platão no que diz respeito à beleza, à verdade, ao bem e aos processos criadores da Arte. Assim, o mundo das ideias é superior ao mundo da matéria, que por sua vez, se constrói no humano com algo do sublime que emana do Divino, e a criatividade tende a ser a força divina da humanidade. Nossos modelos ideais, nossos padrões ou arquétipos estão vinculados ao mundo das essências, segundo Platão (SUASSUNA, 1975).

E no contraponto, Aristóteles diz que o material é o que define a realidade. O conhecimento é adquirido, não é inato. Aristóteles, tem uma visão metafisica – um Deus impessoal – como motor imóvel, justo juiz, sem misericórdia, sem deslocamento, sendo a realidade construída pela matéria e pela forma, assim o que dá sentido e vida a matéria é a forma, a formalização. Parafraseando Platão apud Suassuna (1975), um piano pertencente à esfera inferior terrestre, seria tanto mais belo quando se aproximasse da esfera do piano ideal. Teríamos, então a beleza absoluta concebida dos arquétipos.

Desse modo, essa relação da materialidade e da imaterialidade entrelaçadas, traz um pensamento sobre construir, afinar, tocar, escutar, apreciar um toque ao piano, além disso... É belo para quem? Como isso se encontrava em minha vida de pianista/estudante?

Numa singularidade da experiência com o piano e numa coletividade dos acontecimentos sonoros da minha infância e adolescência, tocava as escalas e exercícios mecânicos, técnicos e melódicos de compositores principalmente europeus, por vezes distantes de minha cultura, mas ao mesmo tempo fascinante aos meus ouvidos. Entretanto, ainda não sabia como percorrer o caminho da música, pois esse “luxo” era historicamente para pessoas de classe social mais elevada, de boas finanças para pagar os livros importados da Europa e Estados Unidos. E como participar de concertos com altos custos para figurinos finos e brilhantes, caros ingressos e álbuns fotográficos?

Ao final do 1º grau (hoje Ensino Fundamental II) me encontrava em pausas múltiplas com esses questionamentos. A solução veio sob um convite, trabalhar como estagiária na secretaria do Conservatório onde estudava piano. No ano seguinte, já monitorava os estudos de piano para as crianças e posteriormente me encontrei lecionando piano para os adolescentes também, todos iniciantes!

Passei da escola privada para a pública, surgindo alguns contrapontos – não os musicais! Minha dificuldade de adaptação, organização, tarefas e novamente no local de trabalho de minha mãe, agora não soando tão uníssono como no tempo em que eu brincava pela biblioteca e sala de música, era total. Estava apaixonada com essa experiência, pois como sujeito que reflete sobre si mesmo, também se torna um agente, “a partir de uma teoria das condições de possibilidade da ação, mas a partir de uma lógica da paixão, uma reflexão do sujeito sobre si mesmo enquanto sujeito passional” (BONDIA, 2002, p. 26). Assim estava eu, e não perdi tempo...

O Magistério foi minha escolha, mesmo contrariada por minha mãe, busquei associar o ser professora ao lecionar piano, o curso despertou para muitas coisas, as quais eu não tinha experiência. Entre elas, a vontade de ser pianista e professora de piano. Nesse momento soube que seria esse o caminho que queria percorrer como vida/profissão, mesmo sem ter o piano!

Mas, nos anos 1980 algo especial aconteceu... Eu e minha mãe fomos à Curitiba a fim de visitarmos inúmeras lojas que comercializavam pianos. Foram três dias a procura de lojas, fábricas e pianos, porém, nenhuma delas aceitou nossa compra, já que a renda mensal de minha família não alcançava os valores a serem pagos pelos pianos que estavam à venda. Aquela noite foi silenciosa, os pensamentos inundavam as nossas mentes, mas não falávamos, o silêncio tomava conta de nós e muito nos tocava. E como diz Larrosa (2015, p. 32) “se a experiência não é o que acontece, mas o que nos acontece, duas pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não fazem a mesma experiência”. Assim estávamos, num mesmo acontecimento, com experiências distintas.

No dia seguinte, minha mãe determinada e decidida, já estava com telefone do Sr. Falkoswky em mãos. Fomos à fábrica dele e como num poema musicado, o acordo entre o cavalheiro/fabricante, a senhora/professora e moça/pianista estava feito. Meu piano de marca Falkoswky foi construído de acordo com as minhas opções: cor marrom fosco/encerado, molduras na tampa frontal superior e inferior, banco baú para guardar os livros e partituras. O piano chegou em minha casa três meses depois, embora minha mãe tenha levado mais doze meses para finalizar o pagamento ao banco. Um mês depois já estava lecionando piano para minha vizinhança, além do trabalho no Conservatório.

O ano de 1984 foi de muito trabalho pela parte de meus pais e por mim. Toquei piano como nunca tinha feito antes, estudando sozinha, em festas familiares, nos jantares com amigos e outros curiosos do bairro que, atraídos pelo som do piano espiavam do portão, e que convidados a entrar, por meu pai, apreciavam um recital doméstico. O piano estava se tornando uma extensão de mim, e foi nesse momento que decidi ser pianista/professora de música. E assim aconteceu, me tornei professora de piano e busquei cada vez mais estudar música e didática musical, acompanhada do piano não mais em minha casa, mas na escola que constituí e que por muito tempo lecionei piano com esse instrumento, especificamente.

Alguns anos se passaram e na continuidade dos estudos, também ministrava cursos formativos musicais para pedagogos, percebendo uma atração para a relação entre música e pedagogia. E, nesse entre meio de docente e pianista, ingressei no curso de Pedagogia. Mais tarde, me tornei mestra em Educação pelo viés da musicalização, o que contribuiu para me tornar pesquisadora e encontrar a A/r/tografia, a cartografia, (auto)biografia e outras formas de perguntar, estudar e mergulhar no conhecimento da ciência e da vida!

Questões como trazer uma nova perspectiva de ensino para a música, conectar novas possibilidades aos alunos era meu prazer em descobrir, já era pesquisadora, entretanto sem ideia de sê-la! Provocações como ensinar aprendendo com os alunos, observa-los, propor uma vivência musical, pedagógica criativa, sensível e poética. Entretanto, eu continuava a ler, pesquisar e estudar novas formas de propor conhecimento, e nesse sentido

 

Estudar, escrever, ler perguntando... Escrita em forma interrogativa... É isto que nos move como eternos aprendizes. Percebo que cada texto iniciado vai construindo sua própria narrativa na resposta às questões que vão surgindo, além de buscar na memória experiências e autores que nos levam a aprofundá-las e a encontrar outras perguntas... e assim continuamos aprendizes (MARTINS, 2021, p. 231).

 

E nesse contexto, para continuar aprendendo e questionando o mundo, ingressei num Programa de Doutoramento com a possibilidade de ampliar os estudos sobe o piano e suas relações com outros campos do conhecimento, entre elas a da cultura i/material.

 

Processos/conclusivos em intermezzo 

Os processos fazem parte de nossa vida, por vezes emendando um ao outro, sem ter um início e um fim, mas num lugar chamado entre, como se um projeto tivesse o início e o fim pré-determinado, mas a concepção fosse continuada, estaria no meio para seguir outra etapa que poderia ser outro início.  Na música chamamos de intermezzo, que desde a Renascença é um “termo usado no século XVIII para interlúdios cômicos executados entre os atos ou cenas de uma ópera séria”, ou seja, está no meio! (DICIONÁRIO GROVE DE MÚSICA, 1994, p. 460).

A partir desse ponto, revisitamos o objetivo desse artigo: refletir sobre as relações da cultura i/material encontradas a partir do tocar/pesquisar/ensinar por meio do piano e da narrativa vida/profissão de uma das autoras. Destacamos que as reflexões são múltiplas e que as relações imbricadas que se encontram entre o tocar/pesquisar/ensinar e o ser pianista/pesquisadora/professora, que não se intercalam, mas se fundem na visão e na proposição da Ar/tografia. Outra possibilidade percebida é a aproximação de experiências e subjetividades que ocasionaram aberturas para as complexas relações entre as coisas e as pessoas, foram se apresentando no decorrer da terceira sessão do artigo.

No que tange à cultura i/material, os processos/conclusivos são indivisíveis, se complementam, se integram um ao outro. O piano e a pianista/pesquisadora/professora se entrelaçam como fios amarrados num trabalho artesanal, ou como notas numa partitura que somente tocadas no instrumento podem articular significados que perpassam pela emoção, sensação e linguagem, para além da técnica. Tanto o piano quanto quem o toca, emergem em uníssono movimento sonoro e proliferam sensações e emoções, para além da beleza apenas apreciadas na visualidade e na escuta.

O piano com valor significativo de instrumento musical nobre foi o mediador para a condição artística da estudante de música, que se tornou pianista e professora, mesmo num contexto que não se enquadrava numa alta condição social. A tratativa entre o piano e pianista/pesquisadora/professora trouxe a possibilidade de ampliar conhecimentos da relação i/material no campo acadêmico, e por último, trouxe uma perspectiva artística educacional baseada na A/r/tografia.

 

 

REFERÊNCIAS

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[1] Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Patrimônio Cultural e Sociedade da Universidade da Região de Joinville/Univille.  Professora titular dos Cursos Técnicos de Música e Teatro, Coordenadora do Curso de Artes Visuais e Diretora Pedagógica do Conservatório Belas Artes de Joinville-SC Orcid: https://orcid.org/0000-0002-2995-3097 E-mail: mirteslocatelli@gmail.com.

[2] Arqueóloga, bacharel em Ciências Biológicas e mestre em Antropologia Social pela UFSC e doutora em História pela UNICAMP. Professora do Programa de Pós-graduação interdisciplinar em Patrimônio Cultural e Sociedade da UNIVILLE linha Patrimônio, Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5878-769X E-mail: dione.rbandeira@gmail.com.

[3] Doutora em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, pós- doutora em Museologia pela Universidade Lusófona de Lisboa. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5274-3338 E-mail: sandraplcguedes@gmail.com.