Ateliers Abertos no Torreão: a educação pela paisagem

 

Ateliers Abertos in Torreão: education through landscape

 

 Paula Cristina Luersen[1]

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

 

 

 

Resumo

O texto trata de experiências de educação e arte colocadas em jogo no Torreão, espaço que promoveu, de 1993 a 2009, um cruzamento entre produção e reflexão da arte contemporânea em Porto Alegre. Os Ateliers Abertos eram incursões coletivas na paisagem realizadas com grupos de alunos/artistas que passam a fazer dos lugares vivenciados um ponto de partida para experimentações artísticas. Os deslocamentos exploram da depressão dos cânions à planura do pampa; do deserto de sal à costa litorânea. A experiência com os lugares conduz o repensar do tempo e do espaço, refutando automatismos envolvidos no fazer em arte. O encontro com as paisagens desmonta categorias como o erro e o acerto, o individual e o coletivo, a imaginação e a materialidade nos processos de experimentação. Os Ateliers Abertos reforçam o compromisso da educação com a mudança, propondo a reinvenção constante das formas de fazer.

Palavras-chave: Torreão; Ateliers Abertos; Paisagem; Tempo: Arte Contemporânea.

 

 

Abstract

The text deals with experiences of education and art held at the Torreão, a venue that promoted, from 1993 to 2009, an intersection between the production and reflection on contemporary art in Porto Alegre. The Ateliers Abertos were collective incursions into landscapes that happened with groups of students/artists that turn the experienced places into a starting point for artistic experimentation. The displacements range from canyon depressions to the plains of the pampa; from the salt desert to the sea coast. The experience with these places leads to a second reflection of time and space, refuting the automatism involved in artmaking. The encounter with the landscapes disassembles categories such as hit and miss, individual and collective, imagination and materiality, in processes of experimentation. The Ateliers Abertos reinforce the commitment of education with change as they propose the constant reinvention of different ways of crafting.

Keywords: Torreão; Ateliers Abertos; Landscape; Time: Contemporary Art.

 

 

[...] Tudo meu, nenhuma posse,

nenhuma posse para a lembrança,

mas meu enquanto olho.

Inumeráveis, impossuídas,

mas distintas até a menor fibra,

grão de areia ou gota d’água

– as paisagens.

Não conservo nem uma palha

na sua inteira visibilidade.

Saudação e despedida

numa única olhada.

Para o excesso e a falta

um só mover do pescoço.

 

Wislawa Szymborska

 

Comecemos pelas paisagens: cânions em meio à bruma a revelar o oco do abismo; montanhas coloridas que a cada passo se faziam mais distantes; o deserto de sal em sua extensão imensurável de branco. Longas pradarias levando a morros verdejantes; grandes faixas de areia a serem percorridas até a praia. A imensidão de um rio; o mar revolto.

Diante delas, o mesmo tipo de reação: “Tu foca em um ponto e não é isso. Tu vira a cabeça e não é isso também. Tem que fazer um looping pra ter a absorção de tudo, do que possa ser tudo. As fotos, nenhuma delas vai conseguir fazer isso”[2]. Não se trata aqui de fixar uma imagem, mas de tentar fazer frente a uma sensação. Como refere o poema Elegia de Viagem, da escritora polonesa Wislawa Szymborska, o deparar-se com a paisagem coloca em questão a nossa capacidade de guardar a experiência vivida junto aos lugares que contemplamos. Não há posse ou registro que dê conta de refletir tudo o que se passa no corpo. O desafio está, então, na tentativa de inscrever um gesto e tomar parte, de alguma maneira, do lugar que se mira.

É dessas ideias – o tempo das paisagens, a experimentação do gesto e do lugar – que parte o processo de educação do qual trataremos no presente artigo. Ele aconteceu no início dos anos 2000, movimentando um grupo de pessoas por diversos lugares. A proposição parte do Torreão, um casarão localizado no bairro Bom Fim, cuja proposta era efetuar um cruzamento entre produção e reflexão em arte contemporânea em Porto Alegre. O Torreão surgiu da vontade de dois artistas/professores, Elida Tessler e Jailton Moreira, de reunir em um mesmo espaço suas experiências artísticas e docentes. Essa ideia inicial funda um lugar de diálogo em torno da arte contemporânea que logo se estende, tanto em termos de abertura ao outro – somando-se aos dois artistas uma série de interlocutores que o espaço passa a acolher – quanto em termos de proposições – que se ampliam na medida em que as trocas acontecem. O Torreão permaneceu durante 15 anos em funcionamento[3] e é hoje reconhecido como precursor da profusão de espaços independentes de arte contemporânea ocorrida no Brasil nos anos 1990 e início dos anos 2000. A alcunha de “espaço independente” é atribuída, no entanto, somente após anos de funcionamento do Torreão, ganhando circulação nacional quando iniciativas em sentido análogo – AGORA/Capacete (RJ), Alpendre (CE), Espaço Experimental Rés do Chão (RJ), Camelo (PE), Atelier Aberto (SP) – tomam fôlego no país, para além das diferenças de contexto e atuação que as animavam.

A natureza do Torreão foi se definindo no decorrer de sua instauração e a partir da vontade de Elida e Jailton de não apenas ocupar conjuntamente um lugar, mas de inventá-lo à sua medida. São trocas, encontros, aulas, viagens, parcerias e produções artísticas que constituem a dinâmica da casa no decorrer de sua trajetória. Mesmo depois do fechamento do espaço, em 2009, continuou a representar uma grande dificuldade para Elida e Jailton, bem como para os frequentadores, encontrar uma forma objetiva de defini-lo, pois a própria operação de definir impõe um fechamento, tornando plana a espessura dos diálogos e acontecimentos que guiaram sua constituição e percurso. Dessa forma, conferir ao Torreão uma definição é, para usar as palavras de Jailton Moreira (2008, p. 109), deixar de considerá-lo como um “campo de ações instável, cheio das incertezas que os processos artísticos e educacionais estão sempre a gerar”. Entre as diversas iniciativas que mobilizaram as relações entre tempo, arte e educação no Torreão, destaca     mos uma em especial: os Ateliers Abertos. Eles eram incursões coletivas na paisagem reunindo grupos de alunos/artistas. A tentativa era estabelecer, segundo Jailton, “uma discussão mais próxima não só do objeto artístico, mas também dos processos que estavam se desenvolvendo simultaneamente por cada aluno” (GERALDO, 2008, p. 111).

Para dar a medida de como é difícil isolar processos quando o assunto é educação num espaço como o Torreão, cabe ressaltar que ao mesmo tempo em que Jailton articulava os Ateliers Abertos, também aconteciam, na casa, os encontros do grupo de estudos de Elida: o p.a.r.t.e.s.c.r.i.t.a. O grupo surgiu da descoberta de um interesse compartilhado nos textos do livro As palavras e as coisas (1966), de Michel Foucault.[4] Além disso, a parceria com instituições de arte trazia, para      Torreão, uma série de atividades que contribuíam na formação dos alunos, como o acolhimento de novos públicos,      lançamentos de livros, discussões sobre filmes, dentre outros. Soa artificial, assim, isolar uma só ação dentre todas as outras[5], mas tentaremos focar especificamente nos Ateliers Abertos para pensar o modo como articulavam relações entre arte contemporânea, educação e tempo. A investigação é guiada pela fala dos participantes dos Ateliers, hoje acessíveis por meio dos vídeos que eram produzidos por Jailton ao final de cada incursão. Também usaremos das falas registradas posteriormente no contexto da pesquisa de doutorado Torreão, lugar de rastros[6].

Ateliers Abertos: nenhuma posse para a lembrança

Quem sabe a experiência dos Ateliers Abertos seja para os alunos e frequentadores do Torreão o que mais claramente não cabe em palavras ou imagens. O inexprimível nessas vivências é um dos temas recorrentes nas conversas e questões registradas nos dez vídeos realizados por Jailton. Que experiência de ensino é esta que deixa as salas e o espaço do casarão para se abrir à temporalidade imensa dos desertos, cânions, praias, mares e rios? O que se propunha com os deslocamentos para lugares além-casa? O impulso primordial que nos impele a buscar paisagens não necessita de explicação. Existe uma relação com o ambiente que só locais como os explorados nos Ateliers Abertos possibilitam ao corpo. São inúmeros os escritos que tratam disso, mas parece oportuno convocar aqui uma passagem de Herman Melville em Moby Dick tratando do premente desejo de paisagem que impera nos homens. No livro, Melville (2008, p. 27-28) discorre sobre a ligação dos habitantes da vila de Nantucket com o oceano a seus pés:

Perambule pela cidade numa tarde etérea de sábado. [...] O que se vê? Plantados como sentinelas silenciosas por toda a cidade, milhares e milhares de pobres mortais perdidos em fantasias oceânicas. [...] Estes são todos os homens de terra; que nos dias da semana estão enclausurados em ripas e estuques – cravados em balcões, pregados em assentos, fincados em escrivaninhas. O que é isso, então? O que eles fazem ali? [...] Todos de terra firme, vêm de becos e vielas, de ruas e avenidas – de norte, leste, sul e oeste. Mas aqui estão todos unidos.

Os Ateliers Abertos quem sabe tivessem a força de trazer à tona o impulso evocado por Melville. O mesmo que caracteriza Ishmael, o personagem principal de Moby Dick, descrito como “um atormentado por um desejo permanente de coisas distantes”. (MELVILLE, 2008, p. 28)

Imagem 1. Frame registrado por Jailton Moreira no vídeo do Atelier Aberto XIII (São José dos Ausentes, set. 2012)

Fonte: Arquivo do Torreão.

As falas dos participantes dos Ateliers Abertos deixam claro que, mais do que a noção espacial, o vivenciar do tempo numa esfera comum entrava em colapso durante as viagens. Em um dos vídeos, um aluno comenta sobre a mudança de comportamento que lhe foi proporcionada pelos 10 dias às voltas com o Salar do Uyuni na Bolívia:

a pressa não conta, o tempo não conta, eu não trouxe relógio, a roupa não importa. Todo mundo tava interessado no lugar. E eu pensei: o oposto disso seria eu vestido de terno e gravata e indo pro trabalho com um relógio e uma pasta. O que é, na verdade, o meu dia-a-dia em Porto Alegre[7].

Os Ateliers Abertos traziam essa tentativa de “retirar o aluno do habitat para, sob novas condições, modificar o olhar e, acima de tudo, responder às surpresas” (MOREIRA, 2005, p. 111). É em alguns desses momentos que buscaremos nos deter para tratar de como essas experiências afetaram os participantes. 

Os encontros com a paisagem têm início em 2002, após as conversações sobre arte e lugar estarem se desenrolando a pleno fôlego no Torreão. De acordo com Jailton, ainda que essas trocas tivessem um papel fundamental na formação do pensamento sobre arte contemporânea, ele sentia que careciam de uma relação mais próxima com os processos artísticos desenvolvidos por cada aluno na casa. Faltava o compartilhamento das dúvidas surgidas em meio ao fazer, no momento da produção: “Desejava ouvir o aluno perguntar em alto e bom tom      em frente aos colegas: em que enrascada eu estou metido? Que esta indagação fosse partilhada no exato momento em que ela ocorresse.” (MOREIRA, 2005, p. 111) Essa percepção gera a proposta de realizar quatro workshops tendo como tema principal a paisagem. Um passeio conjunto de barco pelo rio Guaíba inicia essa série, com a prática do desenho de observação. Os alunos foram convidados a desenhar o Guaíba a partir de provocações que levavam em conta o olhar móvel proporcionado pelo percorrer do rio: “A proposta era olhar a paisagem e desenhar, sem registro. Não era nada pra depois, era pra estar lá e desenhar” (MOTTA, 2018, p. 121).

Já nessa primeira edição do Atelier Aberto se coloca a busca por uma abertura do pensar. Os alunos deveriam renunciar a tudo aquilo que julgavam saber sobre aquele trecho de paisagem porto alegrense: “Se deve confessar primeiramente que não se sabe nada, que se precisará olhar para saber. [...] A paisagem deve ensinar as suas necessidades” (MOREIRA, 2005, p. 112). A partir dessa ação, vai se estendendo o interesse por lugares que impusessem novas condições: o fluxo do Guaíba dá lugar à aridez e hostilidade das paisagens desérticas. Os cânions em São José dos Ausentes/RS; o pampa em Santana do Livramento/RS; as praias de São José do Norte/RS e da Ferrugem/SC; o deserto e o Salar de Uyuni na Argentina e Bolívia. Esses foram alguns dos encontros que diferentes grupos foram levados a experimentar, algumas vezes com o retorno para uma segunda incursão. A cada deslocamento outras nuances do pensamento sobre paisagem eram exploradas. O rastro das questões específicas que moveram cada workshop está nas formulações que intitulam os vídeos produzidos por Jailton. Alguns exemplos: “São José dos Ausentes – o passeio como estratégia, a paisagem como matéria”; “Salar do Uyuni – intervenções e a documentação como matéria”; “São José do Norte – a paisagem como suporte”; “Ferrugem – a paisagem revisitada”.

Não havia qualquer partitura conformando os Ateliers Abertos a algum tipo de padrão. Alguns encontros, como a quinta e a sexta edição, não envolveram viagens, mas caminhadas pela cidade de Porto Alegre, tendo como foco a cartografia e a malha urbana da cidade. Vendo, porém, que a experiência com paisagens diversas ainda gerava muitas questões, procurou-se por lugares capazes de contrastar com a cidade e a sua atmosfera. A única constante, perceptível em todos os encontros, era a ideia de que os participantes respondessem de alguma forma ao lugar onde se inseriam, colocando em prática o exercício de atelier expandido. Quanto aos grupos, alguns alunos são figuras constantes nos vídeos e se pode acompanhar o desenrolar de seus projetos e fazeres de uma paisagem à outra; outros participantes, menos frequentes, atuavam como contraponto nos registros, dando a medida do impacto causado pelo primeiro encontro com paisagens desconhecidas. Uma boa maneira de dimensionar o desafio que os Ateliers propunham está na fala de uma aluna que, apesar de ter frequentado o Torreão com grande constância, tomando parte da maioria das atividades no espaço, decidiu não fazer parte dos workshops. Envolvida com sua carreira de arquitetura na capital, ela afirma: “Eu não consegui me doar tanto assim. [...] Foi na medida que eu pude. Talvez um certo medo de ir e não voltar mais, entende? [...] De alguma maneira, era um passo a mais” (RECENA, 2018, p. 79). Quais as direções que propunha tal passo?

Imagem 2. Montagem de imagens registradas por Jailton Moreira nos vídeos do Atelier Aberto III (Salar do Uyuni, Bolívia, set. 2002) e Atelier Aberto IV (São José do Norte, nov. 2002).

Fonte: Arquivo do Torreão.

Para investigar como os alunos eram lançados a outro tipo de relação com a questão da arte e do lugar é necessário entender um pouco da dinâmica dos Ateliers. Relatos dão conta de mostrar que os workshops iniciavam antes do deslocamento em si, nas conversações que aconteciam no Torreão: “Tu tem uma espécie de preparação pra isso, um pouco pra pensar sobre o que está indo fazer naquele lugar ou sobre as condições do lugar.” (MOTTA, 2018, p. 123) Após algumas edições, contudo, parece ter se tornado um movimento natural os participantes erguerem suas próprias propostas: “Tiveram Ateliers Abertos em que a gente era desafiado a criar um projeto, em outros não. Acho que mais pro final, quando a coisa se tornou uma prática, isso já não era tão direcionado” (SARI, 2018, p. 245). A ideia de pensar projetos a serem desenvolvidos nos lugares, certamente, passava por desenhar sobre a paisagem a ser visitada um horizonte de expectativas. Como coloca, porém, Roberto Corrêa dos Santos em um texto sobre arte contemporânea e experiência, a experimentação não se fia por projetos ou previsões: “trata-se na experiência de um ato que requer o desconhecer sempre; de estar solto do feito como alguém se solta de uma mordaça; o feito seria apenas, e já bastante, a marca da corda na boca. E essa, todos portam”. (SANTOS, 2012, p. 91).

Como os vídeos mostram, era somente o tempo de o grupo começar a vivenciar os lugares para que o desconhecido passasse a imperar sobre as ações dos alunos, colocando em risco intenções e planejamentos. Os depoimentos demonstram que um dos problemas mais recorrentes era lidar com as discrepâncias entre imaginar e fazer. Conhecer os lugares apenas por registros trazia esses desvãos. Sobre isso, Jailton comenta:

alguns alunos e artistas chegaram a essa problemática sobre os limites da representação no desenvolvimento dos seus processos. A questão era como ‘ensinar’ esta ideia. A resposta para essa e outras situações sobre o ensino da arte passa por aceitar essa impossibilidade, e ao mesmo tempo, negar o silêncio. (MOREIRA, 2005, p. 113)

A distância entre sentir a paisagem e buscar a sua apreensão, a diferença entre as ideias esboçadas e a sua inscrição nos lugares, colocava em primeiro plano os limites da representação. Quando essa distância se impunha, as dúvidas, expectativas, pretensões e enganos passavam a ser externados entre os colegas, sendo que parte desse percurso consta nos registros em vídeo. São momentos em que a proposta de ensino dos Ateliers Abertos – fiada por um vivenciar coletivo e pelo compartilhamento de indagações – se mostra, de fato, em movimento, fazendo com que as questões das paisagens-limite tomassem a força de problemas:

Eu vim disposta a escrever, escrever um diário de viagem. Eu não leio muito diário de viagem, mas já li alguns. Eu tive uma dificuldade imensa em saber o que registrar. O que adianta eu escrever o que eu comi, não comi, que horas são? Parece idiota. Mas por outro lado, o que tu escreve? [...] Eu tô nesse lugar. Aí eu pego a bússola do celular, aponto pra um lado e vejo que grau dá. Tá sempre anotado assim. Tá, mas e daí? O que mais? O que é registrar essa viagem? [...] Vim disposta a escrever e o que menos fiz foi escrever. Até desenhar eu desenhei, uma coisa que nunca fiz na vida.[8]

Ao mesmo tempo que os dilemas se impunham, estar à deriva forçava o abandono dos clichês para agir criativamente: “Eu esqueci muitas coisas da cidade, os truques ficaram lá”; “Tentei colocar em prática muita coisa do que eu pensei, mas ao mesmo tempo sempre vinha a pergunta: precisava estar aqui pra fazer isso?”[9]. Segundo Jailton, o poder das paisagens em relativizar as atitudes, gestos e ações induziam, a cada encontro, a um silêncio inicial que foi sentido por grande parte dos alunos: “precisávamos suspender, provisoriamente, a palavra arte, com todos os seus conceitos e implicações, para que eles pudessem agir sobre a matéria da paisagem sem ambições de resultado, de produto ou sentido” (MOREIRA, 2005, p. 113). O que parece estar em jogo é essa tensão constante entre encarar os limites do gesto, dos projetos ou da própria representação e, apesar disso, procurar por saídas e movimentos que fugissem ao já experimentado, sem o compromisso de que as ações respondessem necessariamente a uma noção preestabelecida de arte: “Provar. A experiência como prova, como teste: um passo adiante valendo-se dos recursos do corpo e do frescor da curiosidade intensiva” (SANTOS, 2021, p. 92).

Imagem 3. Montagem de imagens trazendo as experimentações dos alunos na paisagem. Registradas por Jailton Moreira nos vídeos do Atelier Aberto II (São José dos Ausentes, mai. 2002), Atelier Aberto IX (Santana do Livramento, jul. 2005), Atelier Aberto XI (Ferrugem, jul. 2007), Atelier Aberto XII (Argentina e Bolívia, out. 2010).

Fonte: Arquivo do Torreão.

Uma das compreensões que se colocam, nesse ponto, e que os Ateliers Abertos pareciam enfrentar, é a ideia do erro. São inúmeras as falas que Jailton colhe em seus vídeos sobre a decepção de ter um projeto frustrado, um ato ou gesto diminuído pelas condições e reveses próprios a cada uma das paisagens: “o problema é tão grande que tu fica impotente para enfrentá-lo”[10]; “a falta de estabilidade me deixou atrapalhado. Eu queria que [o projeto] desse certo”[11]; “as respostas tão muito aquém do que eu gostaria de dar”[12]; “a gente fica tímido, pensa: ‘Essa ideia é muito ruim”[13]. O contato com os vídeos reporta ao conceito de erro pensado por Deleuze. Para o filósofo, o erro é comumente visto como um estado negativo do pensamento, em contraposição a ideia de saber, tida como um elemento que remete ao verdadeiro: “o saber e o erro favorecem uma imagem servil do pensamento, fundada sobre a interrogação: dar a boa resposta, encontrar o resultado justo, como na escola e nos jogos televisivos” (ZOUBARACHVILLI, 2016, p. 43). Para que essa noção de erro, tão reforçada em nosso dia-a-dia, tomasse outros sentidos, era preciso primeiramente suspendê-la. Os Ateliers Abertos quem sabe oferecessem outra via para que essa fosse experimentada, afinal não havia outra alternativa que não a imposta pelas dimensões imensuráveis das paisagens: “O cenário torna cada ato nosso insignificante. Mas isso dá muita liberdade. É a humildade de aceitar que é insignificante mesmo”[14].

Nas discussões que os vídeos registram se pode acompanhar as aberturas para o transbordamento: “Não dá pra escolher ideia”; “na dúvida, faça!”[15]. Era necessário esquecer, finalmente, aquilo que confinava o grupo a julgar as ações como acertos ou fracassos. O que nos leva a questões bastante complexas: em que contextos ou meios da arte isso é, de fato, posto em jogo? Como promover essa abertura para experimentação como processo educativo sem que o binômio do acerto/erro se imponha a priori? É com a liberdade em relação a esses clichês que se chega à experiência: “o deu certo está fora do teste, da prova, da ousadia da experiência. A experiência não se deixa usar (usam-se dela as inscrições, as cifras, seus códigos).” (SANTOS, 2012, p. 93).

A fala de um dos alunos pensando hoje as duas ocasiões em que vivenciou o Salar do Uyuni, dá conta de mostrar a persistência das perguntas independentemente das soluções ou tentativas frustradas:

na primeira vez eu trabalhei muito com a cor, atuando nessa situação de uma paisagem exuberante e ampla. Já na segunda oportunidade eu fui pra tentar me misturar com a paisagem, eu fui pra anular a minha presença, essa era minha intenção, de tentar me misturar um pouco com aquele lugar. E acho que isso foi parte de um processo meu, mas coletivo também porque uma das perguntas que a gente teve na primeira ida foi: “Como fazer algo em um lugar tão acachapante, tão infinito?”. E a segunda vez, era um pouco essa questão de tentar não confrontar isso e tentar me misturar mesmo. Mas claro que daí decorre uma série de coisas, porque eu acho que acabei criando uma espécie de desafio que era ficcional, ou seja, tentar me misturar pensando na visualidade da coisa. [...] As perguntas se desdobraram mesmo foi na experiência, nessa ação de tentar atingir algumas coisas. De tentar. E as respostas que eu ia tendo não fechavam muito a questão. Nessa segunda vez mesmo, a pergunta era como se misturar e a resposta foi um pouco que era impossível (risos). Mas era isso: é impossível, mas eu vou seguir perguntando. (MOREIRA, 2012, p. 112-113)

Quem sabe as paisagens e as dúvidas que se colocavam coletivamente fossem o fundo de ruptura, a linha de fuga para que se insinuasse esse outro modo de pensar – e julgar – as interferências na paisagem. Ações comuns como coletar, reunir, recolher, distribuir, amarrar, cortar, lançar, fixar, misturar, selecionar, medir, percorrer, desviar, inscrever, suspender, foram modos correntes de criar relações com o entorno. Eram saídas para, como coloca Jailton, os alunos reagirem a paisagens que “com sua monumentalidade, invertiam dramaticamente a relação de um sujeito imperativo com o espaço, apostando em apropriações provisórias e circunstanciais” (MOREIRA, 2012, p. 113). Em alguns dos encontros os alunos foram desafiados, inclusive, a utilizar apenas os materiais encontrados nos próprios lugares. Isso se amplia até o ponto em que a máxima afirmada em relação ao primeiro Atelier Aberto – “a paisagem deve ensinar as suas necessidades” – é, de fato, tomada como ponto de partida. Nessas ocasiões, situações muito específicas de cada lugar direcionavam as ações. Mais do que trabalhar com a paisagem, os alunos passam a contar com ela e com seus acasos para intervirem.

É então que a névoa responsável por impedir a visibilidade dos cânions passa a servir de referência para, num dia claro, usar de um material que volta a nublar o abismo; que a distância não percorrível do salar sugere que se experimente um exercício de imobilidade; que o vento que perturba o mar em São José do Norte é usado em favor do funcionamento de um objeto cinético; que a noite que toma o pampa e faz da terra e do rio uma massa indiscernível de escuridão se torna alternativa para uma ação baseada na luminosidade de velas acesas. E logo a paisagem revela uma maneira própria de transformar em narrativa um gesto simplesmente esboçado, como no caso narrado por um aluno:

Eu trabalho com cinema, trabalho com animação que tem muito de planejamento. Tu tem uma narrativa, um roteiro e tem um conforto em relação a isso. Vai dar certo, porque tudo aquilo ali foi planejado. [...] [Aqui no deserto] tudo que eu planejava não ia dando certo e eu tinha que reagir de alguma forma. [...] Eu achei lá pelas tantas uma placa que dizia que era proibido passar, aí comecei a andar, chegar na placa e voltar. Andava, chegava na placa e voltava. Na terceira vez eu fui atacado por umas gaivotas e tive que parar (risos). Então, a própria paisagem e a natureza deram um fim narrativo pra história. É um pouco isso, perder o conforto e saber o que fazer com isso.[16]

            Se um dos objetivos do Ateliers Abertos era o de que os alunos respondessem às surpresas, esse é um exemplo em que se reage a um imprevisto conferindo-lhe um sentido. Além de enxergar no acaso um elemento produtivo, isso envolve levar a cabo ideias sugeridas pelo entorno, para além de considerá     -las simples ou complexas, aleatórias ou elaboradas. Esse movimento é um grande desafio para quem, como no caso deste aluno, diretor de cinema, só dá prosseguimento ao trabalho quando amparado por uma ampla cadeia de ações planejadas e por um projeto aprovado em várias instâncias. Outro ponto de vista para dar corpo a uma narrativa é sugerido a partir dessa experiência: “o díspar faz fugir à representação; a diferença dos pontos de vista traça uma linha de fuga” (DELEUZE, 2013, p. 30).

Ao referir o conceito de linha de fuga, coloca-se em jogo a distância entre dois pontos de vista. Ela só é percorrida quando se traça um caminho para fora do habitualmente experimentado. Pensando em Deleuze, conforme Zoubarachvili (2016, p. 131) se pode afirmar que “um ponto de vista só se apreende como o que ele é – pura diferença – em sua diferença com outro ponto de vista. Separadamente, ele é apenas uma maneira subjetiva de representar o mundo a si”. Esse outro jeito de criar, liberto da tutela de um amplo planejamento, poderia, porém, não ter sido reconhecido pelo aluno. Mas há esse outro meio, de uma paisagem que não pode ser dominada, da liberdade para atos que não almejam qualquer outra coisa além de serem postos em prática. Há um grupo de pessoas buscando experimentar esse tipo de relação. Daí emerge a linha de fuga, conduzindo a um ponto de vista exterior àquele comumente praticado dentro do conforto habitual envolvido na lógica dos projetos.

Acredito que algo similar se colocasse em relação ao papel do grupo dentro dos fazeres e ações nos Ateliers Abertos. Como vimos, uma das particularidades ressaltadas nos relatos sobre o Torreão era o aspecto coletivo que atravessava os processos desenvolvidos pelos alunos na casa. Isso é difícil de se manter, porém, como atesta a conclusão de Jailton de que, à certa altura, as conversações haviam se distanciado do compartilhamento de perguntas que surgiam em meio à produção. Nos Ateliers Abertos isso volta a aparecer com força, em questões que são tornadas um problema comum, do grupo: “Tu olha pras outras pessoas que também estão impotentes e cada um faz um degrauzinho. Na experiência que eu tenho com arte é sempre complicado trabalhar em grupo [...] e nesse habitat isso acontece naturalmente”[17]. O grupo parece se apresentar como uma saída para a impassibilidade que a escala e as condições das paisagens impunham. Nos vídeos, se acompanha não só a colaboração entre pessoas dividindo proposições e ideias, mas também a instauração de um pensamento coletivo que cria desvios para situações de avaliação e julgamento, em favor de um compartilhamento que leve ao desdobrar das ideias:

Em determinado momento isso começou a ficar muito claro pra gente, porque como a gente estava num momento e num campo de experimentação naquele evento do Atelier Aberto, as ações acabavam sendo compartilhadas de uma forma muito espontânea, ou seja, as vezes um ia experimentar uma coisa e o outro – colegas, amigos, as outras pessoas que estavam junto – passavam a participar. Acho que isso é uma coisa interessante, porque quebra muito aquela situação da arte como produção solitária. [...] Acho que era um dos valores de lá: a gente se dar conta de que apesar da produção de cada um ter uma importância, a produção de todos também tinha importância.(SARI, 2018, p. 235-236)

Imagem 4. Montagem de imagens trazendo as experimentações coletivas registradas por Jailton Moreira nos vídeos do Atelier Aberto III (Salar do Uyuni, Bolívia, set. 2002) e Atelier Aberto IX (Santana do Livramento, jul. 2005)

Fonte: Arquivo do Torreão.

A cumplicidade que se funda a partir da experiência conjunta nos lugares pode ter atuado para fortalecer esse aspecto. Alguns dos lugares experimentados, como no caso do deserto de sal, apresentavam dificuldades físicas para a simples permanência no espaço, exigindo cuidados em relação ao corpo que muitas vezes eram postos à prova nas propostas dos alunos – no Atelier XII, por exemplo, uma aluna esboça uma ação performática embalando a cabeça em plástico. O ato, naquele contexto, remetia a uma situação que se colocava para todos, pois naquele ambiente não se podia respirar tranquilamente sem o amparo de folhas de coca. Os participantes acabavam, assim, ligados pelo embate com um novo contexto e envolvidos em um cuidado mútuo: “foram ficando as coisas mais humanas mesmo, que é isso, cuidar da saúde do outro, tomar conta das coisas do outro”.[18] Além disso, os lugares promoviam uma atenção ao que o outro trazia como ideia, como alternativa, como proposta de produção, promovendo um diálogo que se traduzia em trabalho conjunto: “Não é só pegar material do outro, é pegar a atitude, a ideia, o olhar do outro e a maneira como o outro interage no meio [...] A ideia do outro podia te ensinar como a sua ser melhor.”[19] Pode-se, então, falar em experiência coletiva, com os gestos de um repercutindo nas ideias do outro, com muitas das decisões sendo tomadas conjuntamente a partir da mobilização do grupo em torno de um mesmo lugar. Os escritos sobre experiência já citados sugerem que “opera-se a experiência pelo processo de dispor-se a, e, no ir “trabalhando” vão se abrindo os problemas” (SANTOS, 2012, p. 91). Como os Ateliers Abertos reuniam um grupo, cada qual trazia o seu ponto de vista à medida que trabalhava, abrindo questões que, ao olhar do outro, ainda não haviam aparecido enquanto problema. Talvez o mais difícil, considerando situações de ensino num panorama mais geral, seja promover esses momentos de atenção mútua, sendo os próprios espaços de educação construídos de maneira a orientar uma atuação mais individual. O embate com outros pontos de vista, depende do contato e da atenção ao outro, ao modo como se comporta e é levado a criar.

As trocas não se davam apenas entre os alunos, mas também com aqueles que já há muito habitavam os lugares visitados: as pessoas que recebiam os grupos em pousadas ou alojamentos, para os pernoites; os guias que colaboravam nos deslocamentos pela paisagem; moradores, visitantes ou crianças que eram moradores de cada um dos lugares. Os registros em vídeo, com frequência, se voltam para essas pessoas que sustentam uma visada diferente do olhar estrangeiro, trazido pelos alunos. No vídeo do Atelier IX, que trata do pampa, a fala é totalmente concedida a um gaúcho de Santana do Livramento que além de receber o grupo na estância de sua família, é convidado a discorrer sobre temas, como a diferença entre espaço e lugar, a demarcação de fronteiras, a percepção do tempo em meio a paisagem. Em outros dos registros, vêm tomar a tela cores e músicas das festas de vilarejo, a disposição curiosa das crianças, os olhos dos animais. Os vídeos partem de uma atenção a processos alheios, sejam eles dos alunos ou daqueles que habitam os lugares visitados. Há a percepção, também por parte dos participantes dos Ateliers, desse contato como parte do processo de apreensão dos lugares:

São situações muito intensas porque tu te dás conta de outras inteligências, de outros modos de pensar o mundo. [...] Por exemplo, na Bolívia a gente anda naquele jipe 4x4 num lugar que não tem estrada, não tem uma marca no chão. É tudo sal, branco. Inteiro. Perfeito. Só que, de repente, a gente se dá conta da seguinte pergunta: como o cara que tá dirigindo sabe pra que lado ir? Ele sabe o desenho das montanhas. Ele sabe de que tamanho tem que estar vendo a montanha pra saber que está indo pra direção certa. E, depois de dez minutos, ele sabe que precisa encontrar a ponta de outra montanha. Então, ele tem uma inteligência que quem não está naquele lugar não tem! Uma capacidade de leitura de paisagem que a gente não tem! [...] Tu vai pra São José do Norte e descobre um cara que sabe pra que lado ele precisa construir a porta da casa dele, pra que ela não encha de areia. Que entende do vento, que entende do sol, que entende da maré, e vai aprendendo, naquele espaço, com outras situações. (MOTTA, 2018, p. 123)

Como coloca Ranciére (2010, p. 27) em O Espectador Emancipado, “nada existe que não sejam indivíduos que traçam o seu próprio caminho pelo meio da floresta das coisas, dos atos e signos que lhes surgem pela frente”. Dá-se o reconhecimento por parte da aluna do “poder que cada um ou cada uma tem de traduzir à sua maneira o que percebe, de ligar o que percebe à sua aventura intelectual singular” (RANCIÉRE, 2010, p. 28). Um reconhecimento que se reforça nesses deslocamentos, de que não existe forma privilegiada de aprender, mas pura e simplesmente pontos de vista que podem, em sua plena diferença, assumirem uma espécie de contágio.

Imagem 5. Montagem de imagens trazendo um olhar sobre os moradores dos lugares visitados. Registradas por Jailton Moreira nos vídeos do Atelier Aberto III (Salar do Uyuni, Bolívia, set. 2002), e Atelier Aberto X (Salar do Uyuni, Bolívia, set. 2006).

Fonte: Arquivo do Torreão.

Desse exercício, acabaram surgindo, além dos vídeos aqui comentados, trabalhos e propostas artísticas que podem ser entendidas como ressonâncias daquelas incursões. Aos impasses vivenciados, na experiência junto aos lugares, muitos alunos continuaram a responder com suas atuações artísticas. Marcos Sari, um dos artistas mais frequentes nas edições dos Ateliers Abertos, reconhece naquelas vivências a base para atuar em projetos posteriores, como, por exemplo, o Cadernos de Viagem da 8ª Bienal do Mercosul (2011), que teve como proposta o deslocamento de artistas para regiões com paisagens bastante específicas do Rio Grande do Sul. Situação para a qual já se sentia preparado, tendo experimentado seus fazeres em tantos contextos díspares como os propostos pelos Ateliers Abertos. Creio que seja também disso que tratam os Ateliers Abertos ao promoverem deslocamentos que não são apenas espaciais, mas motivarem o deslocamento de formas de pensar as paisagens, o mundo, a arte. Há, por parte de Jailton, a convicção de que “todo o processo de educação só será realmente efetivo se aceitar a reinvenção constante, isto é, o seu compromisso com a mudança”. (MOREIRA, 2012, p. 116).

Tratar dos Ateliers Abertos traz questionamentos que se estendem à educação em arte como um todo: como pensar para além dos modelos e maneiras de fazer correntes que regulam os sistemas de ensino? Como atuar na arte e na educação de forma a não compartimentá-las, pensando e praticando essas dimensões conjuntamente? Como constituir espaços-tempo      para que a produção e reflexão sobre arte contemporânea se dê de maneira mais coletiva? Por quais      vias afirmar hoje a necessidade de um pensamento em arte contemporânea que inaugure novas linhas de tempo e se fie pela constante reinvenção de formas de existir?

A cada deslocamento, o encontro com novos tipos de ambiente colocava em jogo o acaso, a procura pela troca e pelo amparo no grupo, a necessidade de agir sem esperar por resultados. Há um processo de aprendizagem nesse redimensionar constante de ações e fazeres, quando o exercício concentrado no espaço restrito do Torreão se alarga à vastidão de um deserto, de um cânion, à planura do pampa. Decorre daí a descoberta de outras inteligências, a suspensão de expectativas e da própria ideia de arte, o desvio em modos corriqueiros de trabalho, o embate com novas coordenadas para o processo de criação. Os grupos de artistas vivenciam a experiência de compartilhar espaços-tempo      drasticamente diferentes daqueles projetados e imaginados à distância, testando a capacidade do gesto de lidar com o imensurável.

Trouxemos aqui apenas alguns dos pensamentos sugeridos pelos rastros dos Ateliers Abertos. Cada vivência, por certo, aponta para novas dúvidas e aberturas, mas tentamos nos deter em como os Ateliers Abertos conduziram a desafios coletivos que envolviam o tempo das paisagens e a errância por espaços diversos. Nos vídeos, se percebe que há um descolamento de uma individualidade por vezes tão proclamada em relação aos fazeres da arte. A educação pela paisagem buscada nos Ateliers Abertos era um meio, mas também um fim: “em nenhum momento tinha uma cobrança ou um desejo de que aquilo virasse algo. Aquilo já era algo. Isso talvez seja uma chave”. (SARI, 2018, p. 251) Mais do que resultados, o que estava em jogo era a possibilidade sempre presente de deslocamento. Em direção aos lugares. Em direção ao outro.

 

REFERÊNCIAS

BORDIN, Glaci. Entrevista IX [nov. 2016], p. 186. Entrevistadora: Paula Luersen. Porto Alegre, 2016. 1 arquivo .mp3 (66 min). In: LUERSEN, Paula. Torreão: lugar de rastros – volume 2. Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Porto Alegre, 2018.

DELEUZE, Gilles. Conversações. Trad. Peter Pál Pelbart. São Paulo: Editora 34, 2013.

GERALDO, Sheila Cabo (org.) Entrevista: Torreão 15 anos de trabalho. Revista Concinnitas, ano 9, volume 2, número 13, dez. 2008.

MELVILLE, Herman. Moby Dick, trad. Irene Hirsch e Alexandre Barbosa de Souza. São Paulo: Cosac Naify, 2008.

MOREIRA, Jailton. O Torreão como experiência de educação. In: Revista Porto Arte 23, volume XIII, novembro de 2005.

MOTTA, Gabriela. Entrevista V [nov.2016], p. 121. Entrevistadora: Paula Luersen. Porto Alegre, 2016. 1 arquivo .mp3 (90 min). LUERSEN, Paula. Torreão: lugar de rastros – volume 2. Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Porto Alegre, 2018.

SANTOS, Roberto Corrêa. Opus Dei: arte contemporânea e experiência. REZENDE, Renato; KIFFER, Ana; BIDENT, Christophe. Experiência e arte contemporânea. Rio de Janeiro: editora Circuito, 2012.

SARI, Marcos. Entrevista XIV [jul. 2017], p. 251. Entrevistadora: Paula Luersen. Porto Alegre, 2017. 1 arquivo .mp3 (95 min). LUERSEN, Paula. Torreão: lugar de rastros – volume 2. Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Porto Alegre, 2018.

SZYMBORSKA, Wislawa. [poemas]. Trad. Regina Przybycien. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

RANCIÉRE, Jacques. O espectador emancipado. Lisboa: Orfeu Negro, 2010.

RECENA, Maria Paula. Entrevista II [nov. 2015], p. 70. Entrevistadora: Paula Luersen. Porto Alegre, 2015. 1 arquivo .mp3 (66 min). In: LUERSEN, Paula. Torreão: lugar de rastros – volume 2. Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Porto Alegre, 2018.

 

ZOUBARACHVILI, François. Deleuze: uma filosofia do acontecimento. São Paulo: Editora 34, 2016.

This work is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International (CC BY-NC 4.0)

 



[1] Doutora em Artes Visuais (História, Teoria e Crítica) pela UFRGS com a tese "Torreão, lugar de rastros" (2018). Mestre em Artes Visuais pela UFSM (2012). Graduada em Artes Visuais (Licenciatura) pela UFPel (2009). Sua pesquisa se insere na linha de Arte Contemporânea - Arte e Cultura. E-MAIL: paulacluersen@gmail.com ORCID: 0000-0003-3307-0833

 

[2]Fala registrada no vídeo Atelier Aberto III - Intervenções e a documentação como matéria.

[3] O Torreão se manteve em funcionamento de 1993 a 2009.

[4]As leituras de Foucault foram o primeiro vislumbre de um desejo que se expande para um pensamento maior: investigar as relações entre imagem e escrita, texto literário e produção artística, literatura e arte contemporânea – questões disparadoras para a produção artística de Elida, tornadas centrais em suas pesquisas acadêmicas e compartilhadas pelo grupo. Orientandos e alunos da universidade reuniam-se com alunos do Torreão em encontros que envolviam conversas com artistas, visitação de bibliotecas, realização de exposições e outras propostas na interface entre arte contemporânea e escritos literários de diversas épocas. Para mais detalhes, sugere-se a consulta do site de Elida Tessler: https://www.elidatessler.site.

[5] Além do p.a.r.t.e.s.c.r.i.t.a, as práticas compartilhadas pelos alunos na casa – Terças-Texto, Terças no Cinema, Encontros com o artista –, são parte fundamental de um processo de ativação do pensamento sobre arte contemporânea posto em jogo no Torreão. Cada uma dessas ações está perpassada, conforme relatos, por planejamento e acaso, implicação individual e pesquisa conjunta, expectativa e descoberta.

[6] Pesquisa desenvolvida de 2014 a 2018 como parte do doutoramento em arte, realizado pela autora no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O resultado da pesquisa está disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/187858.

[7]Fala registrada no vídeo do Atelier Aberto II – O passeio como estratégia, a paisagem como matéria.

[8]Fala registrada no vídeo Atelier Aberto XII – O Encontro.

[9]Fala registrada no vídeo Atelier Aberto XIII – Um pequeno diário.

[10]Fala registrada no vídeo do Atelier Aberto II – O passeio como estratégia, a paisagem como matéria.

[11]Fala registrada no vídeo do Atelier Aberto X – Bolívia, o retorno.

[12]Fala registrada no vídeo do Atelier Aberto XII – O encontro.

[13]Fala registrada no vídeo do Atelier Aberto XIII – Um pequeno diário.

[14]Fala registrada no vídeo do Atelier Aberto IIIIntervenções e a documentação como matéria.

[15]Fala registrada no vídeo do Atelier Aberto XIIIUm pequeno diário.

[16]Fala registrada no vídeo do Atelier Aberto XII – O encontro.

[17]Fala registrada no vídeo do Atelier Aberto IIIIntervenções e a documentação como matéria.

[18]Fala registrada no vídeo do Atelier Aberto XIIO encontro.

[19]Fala registrada no vídeo Atelier Aberto XII – O encontro.