Esquizodrama das m�quinas pol�ticas: kl�nica, est�tica e forma��o
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Political machines schizodrama: klinic, aesthetics and formation
Domenico Uhng Hur[1]
Universidade Federal de Goi�s
�Margarete Aparecida Amorim[2]
Instituto Greg�rio Baremblitt
Rog�rio Felipe Santos Teixeira[3]
Centro Universit�rio de Belo Horizonte
Resumo
Desde o in�cio da pandemia da COVID-19, o Instituto Gregorio Baremblitt ministra sua Forma��o de esquizodramatistas no formato on-line. A apresenta��o da esquizoan�lise e do esquizodrama se d� pelas vias das pr�ticas te�rica e vivencial, havendo a experimenta��o de diversos dispositivos kl�nicos. O objetivo deste artigo � conhecer os discursos e afetos dos participantes da kl�nica das m�quinas pol�ticas, para discutir quais efeitos s�o eliciados pelos dispositivos que utilizam procedimentos est�ticos no processo vivencial e formativo, nesses tempos de pandemia e fundamentalismos. Como m�todo, os cento e vinte participantes experimentaram o supracitado dispositivo e enunciaram posteriormente as afec��es vividas, bem como imagens e representa��es emergentes. Foram performatizadas quatro m�quinas pol�ticas por meio de utiliza��o de m�sicas: 1� a m�quina estatal, 2� a m�quina capitalista, 3� a m�quina neofascista e 4� a m�quina do devir-guerreira. Constatamos que houve uma grande intensidade na dramatiza��o das m�sicas articuladas a cada m�quina pol�tica, que catalisou o processo kl�nico de forma muito mais contundente que os dispositivos de grupo meramente verbais. A m�quina neofascista foi a primeiro a ressoar, trazendo sensa��es de apatia e paralisia. J� a m�quina do devir-guerreira atualizou for�as de transmuta��o e ancestrais, propiciando poss�veis linhas de fuga e um agenciamento de for�as distinto.
Palavras-chave: Esquizoan�lise; Drama; Psicologia; Educa��o; Cl�nica.
Abstract
Since the beginning of the COVID-19 pandemic, the Gregorio Baremblitt Institute has provided its schizodramatists formation in an online format. The presentation of schizoanalysis and schizodrama takes place through theoretical and experiential practices, with the experimentation of various klinical dispositives. The objective of this article is to let us know the discourses and affects of those who attended the political machines klinic, to discuss which effects are elicited by dispositives that use aesthetical procedures in the experiential and formative process in these times of pandemic and fundamentalism. As a method, one hundred and twenty participants experienced the aforementioned dispositive and later stated the affections experienced, as well as images and emergent representations. Four political machines were performed through the use of music: 1st the state machine, 2nd the capitalist machine, 3rd the neo-fascist machine and 4th the becoming-warrior machine. We found that there was a great intensity in the dramatization of these songs that were articulated to each machine, which catalyzed the klinical process in a much more forceful way than the purely verbal group dispositives. The neo-fascist machine was the first to resonate, bringing apathy and paralysis sensations. On the other hand, the becoming-warrior machine has actualized transmutation and ancestral forces, providing lines of flight and a distinct assemblage of forces.
Keywords: Schizoanalysis; Drama; Psychology; Education; Clinic.
O Instituto Gregorio Baremblitt (Belo Horizonte/MG) ministra, em um fim de semana por semestre, na modalidade de imers�o, a sua Forma��o de esquizodramatistas. Conta com a participa��o de um p�blico heterog�neo de profissionais e estudantes, sendo psic�logas/os, artistas, educadoras/es, fil�sofas/os, militantes etc. A apresenta��o da esquizoan�lise e do esquizodrama nesta forma��o se d� pelas vias das pr�ticas te�rica e vivencial, pois consideramos que esses campos n�o s�o apreendidos apenas no �mbito racional, consciencial e verbal, mas principalmente via afec��es. S�o saberes e for�as que ressoam via intensidades, assim utilizamos diversos dispositivos e experimenta��es que atuam diretamente no corpo.
Grosso modo, o esquizodrama pode ser visto como um desenvolvimento rizom�tico da esquizoan�lise no territ�rio latino-americano, agenciado e composto pelo �argentino-mineiro� Gregorio Baremblitt (1936-2021[4]). Pois, se para Deleuze e Guattari (1991) a Filosofia � a arte de criar conceitos, para Baremblitt (2019) o esquizodrama � a arte de criar dispositivos que dramatizam os conceitos da esquizoan�lise. Entretanto, a partir dos processos de experimenta��o e maquina��o dos distintos dispositivos, Baremblitt tamb�m criou novos conceitos e cosmologias (1998; 2004; BAREMBLITT; AMORIM; HUR, 2020). Isto �, o esquizodrama n�o pode ser reduzido a uma mera aplica��o da esquizoan�lise, pois � um modo singular de prolifera��o inventiva que est� produzindo novas pr�ticas e outros saberes. O inventor do esquizodrama criou in�meros dispositivos de interven��o que operam com variadas refer�ncias, seja da pol�tica, de psicoterapias corporais, experimenta��es tecnol�gicas e principalmente da arte. Os dispositivos art�sticos assumem um papel central, pois se bem manejados, eliciam processos expressivos e est�ticos para a produ��o de novas subjetiva��es. Esses dispositivos de interven��o �tico-pol�tico-est�ticos s�o denominados de kl�nicas. Kl�nica com �k� para diferenciar-se das tradicionais acep��es da cl�nica, que etimologicamente refere-se ao movimento do especialista de inclinar-se sobre o leito do enfermo, muitas vezes com uma a��o disciplinarizadora. J� a kl�nica com �k� deriva-se da discuss�o dos fil�sofos gregos atomistas sobre o clinamen. Em s�ntese, explicavam o surgimento de uma nova realidade a partir do desvio e encontro dos �tomos (clinamen) que sa�am de suas trajet�rias retil�neas. A kl�nica com �k�, ent�o, remete ao encontro que sempre produz diferen�as, atualiza novas realidades, e nunca padroniza��o, normaliza��o ou adapta��o.
Nesse sentido, as imers�es em esquizodrama utilizam dispositivos kl�nicos com interven��es verbais, que podem se assemelhar a uma aula mais expositiva ou participativa � mas que traz em sua montagem a explora��o de sua pot�ncia expressiva, semi�tica e metamorfoseadora -, assim como dispositivos kl�nicos de interven��o que oferecem uma experimenta��o mais dram�tica, corporal, afetiva, teatral (no sentido de um teatro mais disruptivo e desconstrutivo) e est�tica aos participantes, catalisando seus processos de afec��es e consequentemente do pr�prio aprendizado dos conte�dos trabalhados. Portanto, os dispositivos kl�nicos proporcionam uma outra modalidade formativa, que n�o passa apenas pelo significante, mas principalmente pelas materialidades assignificantes. A essa montagem pedag�gica denominamos pedagogia kl�nica � ou o esquizodrama na educa��o (AMORIM, 2008).
Desde 2020, com a problem�tica da pandemia de COVID-19, tivemos que realizar a forma��o de esquizodramatistas, que antes ocorria na modalidade presencial, no modo on-line, atrav�s do uso da plataforma Zoom. Quando se tratava do momento mais expositivo, o novo enquadramento on-line n�o foi um grande desafio. Mas surgiu a quest�o de como realizar as experimenta��es esquizodram�ticas on-line, de forma remota, apesar de que j� apost�vamos na pot�ncia dos encontros esquizodram�ticos, que mesmo � dist�ncia, seriam capazes de transformar as viv�ncias na plataforma em uma usina de platafor�as. Esse novo enquadramento mobiliza outra espacialidade e temporalidade, ao inv�s dos participantes viajarem para Belo Horizonte, disporem de seu tempo extensivo (e intensivo) para fazer a forma��o, cada um continuou em sua pr�pria cidade, muitas vezes com uma dedica��o parcial � imers�o, pois se mantinham assoberbados pelo cotidiano em suas casas.
Evidentemente em um �nico artigo n�o � poss�vel realizar uma an�lise das quatro edi��es da forma��o de esquizodramatistas na modalidade on-line. Analisamos, nesse texto, os efeitos de um �nico dispositivo esquizodram�tico realizado na Imers�o de inverno de 2020, a primeira concretizada no formato on-line. Dentre as diversas atividades dessa edi��o, houve um eixo denominado �Esquizodrama e decolonialidade�. Os autores desse artigo tiveram como responsabilidade preparar o tema �Capitalismo, Estado, micro e macrofascismos e esquizodrama�. Realizamos uma apresenta��o conceitual dos principais movimentos da axiom�tica do capital (DELEUZE; GUATTARI, 1972[5]), do aparelho de captura (DELEUZE; GUATTARI, 1980c) e dos microfascismos (GUATTARI, 1974). Imbu�dos pela inspira��o baremblittiana, obviamente, n�o ficamos apenas na descri��o te�rica de como funcionam essas m�quinas. Propusemos, ap�s esse �aquecimento� de introdu��o te�rica sobre o tema, esquizodramatiz�-lo no �mbito kl�nico, para investigar que efeitos produziriam. O dispositivo que criamos se denominou a �Kl�nica das m�quinas pol�ticas�.
Atualmente, vivemos num enclave entre diferentes configura��es de for�as que se atualizam em distintos movimentos, temporalidades e afec��es, enfim, produzem diversos circuitos desejantes, que denominamos como m�quinas pol�ticas. Vale destacar que na esquizoan�lise a m�quina n�o � mec�nica, nem t�cnica, diz respeito ao agenciamento de vetores de for�as, de investimentos desejantes, por isso toda m�quina � desejante, articula��o de fluxos de desejo. Nesse sentido, tais investimentos desejantes podem circular e serem capturados, modulados nas distintas m�quinas constitu�das, como as da burocracia, do Estado e do fascismo (DELEUZE; GUATTARI, 1975). A m�quina estatal � a que tem os circuitos desejantes estruturados tal como o diagrama de soberania, organizado pela hierarquia e l�gica da negatividade; a m�quina capitalista funciona pela axiom�tica do capital (DELEUZE; GUATTARI, 1972), gestionando os fluxos desejantes numa perp�tua acelera��o para a hiperprodu��o; a m�quina neofascista pelas for�as reativas do niilismo e da destrui��o das diferen�as. J� a m�quina esquizodram�tica � aquela que atualiza o potencial insurgente de investimentos de desejo criativo, disruptor e n�made. Essas m�quinas pol�ticas foram teorizadas e descritas em outro trabalho (HUR, 2020), por isso n�o nos estendemos sobre elas aqui.
O objetivo deste artigo � conhecer os discursos e afetos das/os participantes da kl�nica das m�quinas pol�ticas, para discutir quais efeitos s�o eliciados pelos dispositivos que utilizam procedimentos est�ticos no processo vivencial e formativo nesses tempos de pandemia e fundamentalismos.
Consideramos que a relev�ncia desse estudo se d� por articular kl�nica, processos est�ticos e forma��o. Tamb�m ressaltamos que h� uma certa lacuna em rela��o ao registro da literatura esquizodram�tica. Pois mesmo com a cria��o do esquizodrama, desde 1973 (na ocasi�o com o nome de Fluxograma), ainda h� poucos textos acad�micos publicados sobre esse campo. Caso comparemos com o elevado volume de pr�ticas esquizodram�ticas que v�m sendo desenvolvidas por profissionais de diversas �reas, como sa�de, educa��o, artes etc., constatamos o baixo n�mero de artigos, livros e cap�tulos publicados sobre a tem�tica. Ent�o, esse artigo tamb�m � um intento de sistematiza��o sobre algumas experi�ncias kl�nicas que acumulamos durante nossas trajet�rias.
M�todo/t�cnica: a kl�nica das m�quinas pol�ticas
����������� A proposta do esquizodrama das m�quinas pol�ticas � investigar e intervir como o corpo, a consci�ncia, os fluxos desejantes e temporalidades de cada participante est�o conectados e ressoam com os distintos diagramas pol�ticos nesses tempos de crise pol�tica e social. Nessa experimenta��o, buscamos intensificar os afetos das/os participantes para que autoanalisem como s�o afetadas/os pelos diferentes diagramas pol�tico-desejantes em coexist�ncia e que poss�veis linhas de fuga podem ser esbo�adas para reconfigurar esse cen�rio.
Nessa kl�nica, performatizamos cada um dos quatro diagramas supracitados, por meio da utiliza��o de m�sicas: 1� a m�quina estatal, em que sua configura��o de for�as remete diretamente ao diagrama da forma��o soberana e ao regime jur�dico institu�do; 2� a m�quina capitalista, que se refere ao diagrama da axiom�tica do capital (DELEUZE; GUATTARI, 1972); 3� a m�quina neofascista, que se remete a configura��es de for�as vigentes, verticais e autorit�rias; e 4� a m�quina do devir-guerreira, que se relaciona a um diagrama por vir, � configura��o de for�as de uma utopia ativa (DELEUZE; GUATTARI, 1980a), da ecosofia (GUATTARI, 1989).
Para dramatizar, performatizar, as m�quinas pol�ticas, selecionamos uma m�sica (ou mais) que consideramos expressar sonoramente cada diagrama. A proposta da utiliza��o de m�sicas visa com que as/os participantes n�o focalizem apenas seus processos conscienciais, significantes, os pensamentos, mas que tamb�m possam se ater aos processos assignificantes, � ritmicidade, �s cad�ncias sonoras, aos movimentos e afetos que possam advir dessa outra conex�o. � trabalhar como processos art�sticos catalisam a produ��o de novas viv�ncias e subjetiva��es, bem como do aprendizado do conte�do ministrado. Evidentemente a tem�tica m�sica e esquizodrama deve ser mais discutida, como por exemplo as experimenta��es intituladas �esquizom�sica� (BERM�DEZ, 2009) e a pr�pria bricolagem com a produ��o te�rica-t�cnica da musicoterapia. A rela��o entre m�sica e processos corporais na esquizoan�lise � um fascinante tema de investiga��o que merece ser mais explorado, mas que por limita��es de espa�o n�o nos atemos aqui nesse artigo.
Para uma primeira desterritorializa��o de nossas identidades fixas, como aquecimento para a esquizodramatiza��o, colocamos a m�sica �Fluid� de Yosi Horikawa, em que realizamos um leve alongamento para distensionar a musculatura. Para a m�quina estatal selecionamos duas m�sicas: �Semper Paratus� de Francis Saltus Van Boskerck e �Pra Frente Brasil� interpretada pela Banda Folia Brasileira. Para a m�quina capitalista, escolhemos a m�sica �Glaze� de Container. Para a m�quina neofascista, colocamos �Endzone� de Fatima Al Qadiri e a �Cavalgada das Valqu�rias� de Richard Wagner. Para a m�quina da devir-guerreira, selecionamos �Bella Ciao� de The Red Army Choir, �Buura� de Shu-de e �Og� de Met� Met�. Essa playlist est� dispon�vel no Spotify com o t�tulo �Kl�nica das m�quinas pol�ticas�[6].
����������� Solicitamos que as/os participantes, cada um/a em sua resid�ncia, organizassem um espa�o confort�vel, amplo e privado, que lhes desse���� �liberdade de movimentos para, por exemplo, deitar, dan�ar, alongar-se. Ao escutar/sentir as m�sicas, as/os participantes tinham que intensificar o que emergisse no corpo, ou nos pensamentos, principalmente aquilo que remetesse ao emergente mais estranho, paradoxal, amb�guo, indiscriminado. A seguir transcrevemos a consigna completa:
1�- Dramatizaremos, cada um como quiser em seu espa�o, as distintas m�quinas pol�ticas: estatal, capitalista, neofascista e do devir-guerreira. Elas ser�o acompanhadas por m�sicas, para catalisar o processo.
Vamos tentar atualizar o circuito desejante que cada m�quina forma com nosso pr�prio corpo, cartografar como ele conduz cada modalidade de fluxo desejante, buscando assim tatear o que ressoa, o que bloqueia, o que circula, o que goza, em cada sistema, em n�s pr�prios.
Dessa afec��o e circula��o desejante, vamos intensificar a experi�ncia, buscando a sensa��o mais estranha, a mais bizarra, aquela que n�o tem uma significa��o clara.� �����
Ap�s a experimenta��o emitimos uma outra consigna:
2�- Queremos escutar sobre os fluxos e circuitos desejantes que passaram por voc�s. Como experienciaram essa conex�o com as diversas m�quinas? Que momentos atualizaram sensa��es de estranhamento e de intensidades para voc�s? Como que foi?
Os participantes da kl�nica das m�quinas pol�ticas foram as/os alunas/os que se inscreveram na �Forma��o de esquizodramatistas� do Instituto Greg�rio Baremblitt (IGB), realizada em agosto de 2020. Devido � converg�ncia e � similaridade dos conte�dos emergentes tamb�m adicionamos algumas falas de um segundo grupo, em que utilizamos essa mesma kl�nica: as/os alunas/os do curso �Grupalidades� do Instituto Pichon-Rivi�re (IPR), de Porto Alegre/RS, em outubro de 2020[7]. Ambos grupos foram formados por pessoas de todo o pa�s, e em grande parte s�o psic�logas/os. O grupo do IGB tinha um n�mero maior de participantes, com cerca de 120 pessoas, contabilizando o extenso corpo docente. A participa��o foi muito intensa, com diversas coreografias, um vertiginoso volume de falas verbalizadas e um alto n�mero de mensagens escritas no chat sobre o processo experienciado. Consideramos que pelo fato de ser uma imers�o de um fim de semana inteiro, o grupo j� estava bastante mobilizado, pois vivenciou outros dispositivos nos per�odos anteriores. No grupo do IPR houve a participa��o de 25 pessoas e o esquizodrama foi coordenado por apenas um dos autores deste artigo. Esse grupo foi menos intenso, e consideramos que quest�es contextuais influenciaram nesse aspecto. O curso, tamb�m on-line, tinha a frequ�ncia de um encontro por semana, no per�odo noturno, e vivenciou apenas este dispositivo, sendo um curso mais te�rico. Em ambos momentos o dispositivo foi realizado pelo aplicativo Zoom.
Outro fato que nos chamou a aten��o � que o elevado n�mero de participantes do grupo do IGB intensificou ainda mais sua mobiliza��o e vontade de participa��o. Essa participa��o intensa tamb�m ocorre nos esquizodramas presenciais, mesmo em grupos grandes, com mais de cem pessoas[8]. Tal quadro j� � diferente em sess�es de grupos apenas verbais, geralmente psicanal�ticos, que cont�m mais de trinta participantes, que devido ao elevado n�mero de pessoas, costumam ficar um pouco mais inibidos e, consequentemente, menos participativos.
O material analisado refere-se apenas �s falas emitidas pelas participantes, seja pela via oral, ou pela via escrita no chat ap�s a experimenta��o. N�o analisamos a produ��o corporal e coreogr�fica que ocorreu durante a transmiss�o das m�sicas e das consignas de intensifica��o dos processos, pois foram in�meras express�es ricas e heterog�neas. Trabalhamos sobre os conte�dos emergentes das falas que se referem a uma autoan�lise do processo e dos afetos emergentes da experimenta��o. Selecionamos as falas que apresentaram maior intensidade em suas express�es (HUR, 2021).
M�sica, dramatiza��o, afetos
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A utiliza��o de m�sicas referentes �s distintas m�quinas pol�ticas incitou e catalisou diferentes afetos e experi�ncias, assumindo um potencial intensivo para a emerg�ncia dos mais d�spares processos. Evidentemente tamb�m houve experi�ncias individuais bastante heterog�neas. Aqui selecionamos apenas algumas falas, pelo crit�rio da intensidade, que consideramos bastante expressivas e elucidativas.
A primeira fala do grupo remete a uma s�ntese dos afetos vivenciados no dispositivo. B1[9] associou: �Sufoco pris�o puni��o opress�o descarrego fluxo soltura�. Tal conte�do gerou uma resson�ncia no grupo a tal ponto que as falas decorrentes se associaram �s sensa��es de captura e paralisia, que nesse momento foram as mais prevalentes, tais como a de B2: �limitado, amarrado�, e B3: �estou com um n� na garganta tremendo�.
����������� Nessa resson�ncia da captura, referente ao contexto social que vivemos atualmente, a m�quina pol�tica do neofascismo foi a que gerou os primeiros emergentes discursivos em ambos grupos, como P1 disse: �Algo espacial, super-homem, corpo que tenta voar, mas que est� caindo. Reverso�. B4: �Senti muito t�dio e paralisia na m�quina neofascista�. B3: �Na neofascista s� consegui ficar sentada sem fazer nada...est�tica, paralisada�. B5: �limita��o e fechamento�. P2: �Na m�quina neofascista senti sono. Sa� da m�quina capitalista exausta. No neofascismo a m�sica deu um efeito, se eu continuasse a ouvir, iria dormir. Sono, letargia, causou um estranhamento��. B6: �Neofascismo foi paralisia e receio total de fazer qualquer movimento�.
����������� Dessa forma, ao inv�s de afetos de hostilidade ao outro, como � prevalente nos neofascismos (HUR; SABUCEDO, 2020), constatamos uma maior presen�a de falas relacionadas � est�tica, paralisia, letargia, como se o tempo tivesse parado. Os participantes associavam for�as de impot�ncia e estagna��o que esse diagrama social ressoava em si. Ent�o, ao inv�s de atualizar as for�as destrutivas e do ressentimento, nesses grupos a m�quina neofascista contempor�nea trouxe uma tristeza aos corpos das/os participantes, que levou a uma diminui��o do seu grau de pot�ncia, � despotencializa��o do corpo e do seu potencial do agir, conforme Espinosa nos ensina (DELEUZE, 1981a). Por isso que o fil�sofo holand�s afirma que o tirano visa nos entristecer para nos dominar. Afetos tristes que despotencializam a vida e paralisam o potencial de a��o. Atualiza��o da tristeza que tem como correlato corporal a paralisia e a estagna��o.
����������� N�o apenas no in�cio dos grupos, mas sempre que se aludia � m�quina neofascista havia o relato de medo, letargia, sufoco e ina��o. B7: �sobre o n� na garganta, na parte do neofascismo, senti n�s nas gargantas do corpo inteiro, senti vontade de chorar e gritar, mas os n�s em todas as esquinas do corpo, bloqueavam�. Nesse fragmento, a paralisia � decorrente da atualiza��o dos bloqueios pol�ticos nas inst�ncias corporais, nas interrup��es das linhas. �N�s� que impediam inclusive a express�o de uma lamenta��o, de uma descarga energ�tica relacionada ao grito e ao choro.
Por outro lado, a m�quina neofascista n�o atualizou apenas esse lugar de v�tima, mas tamb�m, em poucos casos, uma identifica��o com o lugar do agente, seja do conservador, ou de quem vigia. B8: �Na m�quina neofascista me senti vigilante, me senti m�, vigiando voc�s, colocando medo em voc�s�. Emergiu o tra�o de captura e da governamentalidade pelo medo, muito caracter�sticos dos governos autorit�rios. Tamb�m houve refer�ncia � guerra, exterm�nio, genoc�dio, � indiferen�a e � insensibilidade. Foram atualizados tantos sentimentos de impot�ncia e dessensibiliza��o que B9 falou: �na m�quina neofacista, precisei tocar meu corpo, como para saber se ainda existia algu�m ali�. Num segundo momento, quando um participante citou que sentiu cinismo na m�quina neofascista, houve a emerg�ncia de uma esp�cie de dobra, pois come�ou a haver associa��es mais bem-humoradas, sat�ricas, articulando o car�ter burlesco das m�quinas estatal e neofascista. Por exemplo, B10 disse: �Na m�sica pra frente Brasil me veio a imagem de Regina Duarte, aquele cinismo terr�vel�. B11: �Pra frente Brasil me lembrou da dancinha da Regina Duarte no castelo de Caras (risos)�.
A M�quina estatal, tal como a m�quina neofascista, tamb�m trouxe sensa��es de mal-estar. As primeiras associa��es remetem ao que B12 coloca como: �arrepio, �nsia de v�mito�, bem como B13: �na m�quina estatal deu uma vontade de n�o estar aqui como se fosse num 7 de setembro, eu fiquei enjoado�. Entretanto, al�m da paralisia e do enjoo, as sensa��es prevalentes foram uma esp�cie de formata��o, de regula��o, de canaliza��o dos fluxos desejantes. Emergiram muitas falas relativas a �Repeti��o, enrijecimento� (B14); �peso, engessamento� (B15); �� como se fosse moldada, movimentos mais enrijecidos� (B16).
����������� Dessa forma, foram enunciadas sensa��es relativas ao diagrama de soberania, de sofrer uma formata��o a partir das regras e leis do Estado, uma esp�cie de sujei��o social � hierarquia vertical, � Lei, a todos esses processos de fixa��o e estratifica��o. B17: �Na m�quina estatal me senti um soldadinho de chumbo, alienado�. B18: �Na estatal foi a cabe�a ficou num sim sim sim compuls�ria aqui�. B19: �Na m�quina estatal comecei a fazer exerc�cios ... flex�o, abdominal�. Desse modo, a canaliza��o dos fluxos desejantes em moldes formatados n�o gerou tanto mal-estar como o diagrama da m�quina neofascista, mas sim uma esp�cie de sujei��o social e encoura�amento. A seguinte fala expressa bem a diferencia��o entre as duas m�quinas. B20: �Na m�quina estatal me senti rob�tica, como um militar. Na m�quina fascista paralisada...�.
Consideramos que a m�quina estatal n�o implicou apenas em interdi��o, mas principalmente numa canaliza��o dos fluxos desejantes na l�gica da ordem e da hierarquia. Assim houveram associa��es que remeteram at� a gl�ria e orgulho do Estado. B21: �me impeliu ao sentimento de gl�ria, de ades�o ao fluxo de um tipo de ex�rcito de corpos eretos e rijos�. B22: �sinto um pouco como voc� tamb�m, B21, na m�quina estatal. E um conforto muito estranho, que me incomodou�. P3 associou a m�quina estatal ao poder e afirmou que, conjuntamente � neofascista, foi a que mais o atravessou, mesmo sendo um cr�tico dessas duas forma��es sociais. Por outro lado, essa experi�ncia tamb�m gerou dobras, que, de uma linha de segmentaridade r�gida, pode-se tra�ar algumas curvas, desvios B23: �Na m�quina Estatal, comecei a marchar em linha reta. Quando percebi, meu quadril se moveu de forma circular, lentamente, soltando a bacia... Como se tivesse come�ado a sambar na cara do Estado...�. Ser� o samba, a dan�a, o movimento p�lvico, linhas de fuga frente �s r�gidas normas estatais?
A M�quina capitalista foi majoritariamente associada em v�rias falas com a acelera��o, a produtividade, a uma temporalidade com um ritmo fren�tico, automatizada. Na fala de B6: �capitalismo foi acelera��o e frita��o total�. B24 sentiu uma estimula��o � a��o: �Na m�quina do capitalismo senti muito uma necessidade de a��o, de produ��o desenfreada que reprimia o relaxamento e o eu interno que tentava brotar quando o som acalmava�. B25 afirmou que: �Na m�quina capitalista senti o inc�modo mesmo que sinto quando olho o mar de carros incessante pela sacada do meu apartamento, parece um fluxo sem fim de uma correria desesperada por motivo nenhum�. Enfim, tais falas remetem � maximiza��o da produtividade do objeto qualquer que o diagrama neoliberal fomenta (DELEUZE, 1979), seja realizada de forma consciente, ou n�o. Essa m�quina incita os fluxos desejantes a amplificar sua rota��o, sempre em dire��o � maior produtividade.
Essa m�quina pol�tica tamb�m
gerou sentimentos de satisfa��o e n�o apenas desprazerosos. Como, por exemplo,
em P4, que afirmou ter tido uma experi�ncia prazerosa. B25 tamb�m associou as
m�sicas dessa m�quina �s experi�ncias de lazer: �Na m�quina capitalista,
comecei a dan�ar, pensando nas festas noturnas. Comecei a mexer nos meus
vestidos. Me imaginei em um monte de figurinos, festas e cerveja...�
����������� Consideramos que como a axiom�tica do capital gestiona os fluxos
desejantes n�o pela canaliza��o e interdi��o, tal como o Estado e o diagrama
disciplinar (HUR, 2018), sen�o pela sua acelera��o e vaz�o, h� uma incita��o
para que os fluxos desejantes circulem, busquem conex�es, por mais que seja por
sua acelera��o. Por isso, podemos vislumbrar que tal m�quina � t�o eficaz na
governamentalidade atual, se a comparamos com a m�quina estatal, o diagrama de
soberania, ou mesmo o diagrama disciplinar (FOUCAULT, 1975). H� uma incita��o
perp�tua do desejo � produ��o, e n�o � sua interdi��o por regras e normas. B26
expressou muito bem os sintomas que essa m�quina provoca na gest�o desejante:
�Na capitalista senti uma fome insaci�vel e um movimento de trabalho inacabado,
apesar do cansa�o�. B26 sentiu um imperativo dessa movimenta��o, tal como uma
fome, algo em que operava no �mago de suas engrenagens, em que tinha que concretizar
as tarefas. Entretanto, ao lado dessa �d�vida� em finalizar o trabalho,
experienciava um �cansa�o�. Constata-se assim que sua fala sintetiza os
principais enunciados proferidos por Deleuze e Guattari (1972), Maurizio
Lazzarato (2013) e Byung-Chul Han (2012) acerca das vicissitudes do diagrama
capitalista: acelera��o, d�vida e esgotamento, numa acelera��o sem fim de uma
temporalidade direcionada apenas ao trabalho, e n�o � frui��o da vida.
����������� A m�quina do devir-guerreira provocou associa��o a outras experi�ncias, muito diversas das m�quinas anteriores. As falas relatam um certo giro, uma esp�cie de dobra que se deu em rela��o �s outras m�quinas. Muitos expressaram que diferente das dramatiza��es das m�sicas anteriores, em que se sentiu uma esp�cie de ina��o e m�ltiplos sofrimentos, houve uma incita��o de movimentos, de for�as. P5 sintetiza essa sensa��o: �deu vontade de me movimentar, me mobilizou para sentir meu corpo. Alegria. Vontade de movimento�. B5 aludiu � �for�a, pot�ncia, fluidez e ar�. B12 �: �liberdade, abertura, pot�ncia�. P6 viu essa transmuta��o de humores, inicialmente com uma sombra: �descobri uma sombra; essa sombra crescia como um guerreiro potente, bailarina�. Manchas que podem vir a desmanchar os estratos, o consolidado e o estabelecido: o figural de um movimento (DELEUZE, 1981b). Um processo que elicia, tal como B21 proferiu: �movimentos corporais sinuosos, n�o retos e nem precisos, molejo brincante�. Linhas flex�veis que abrem sendas para novos processos. Uma maleabilidade que pode produzir a figura ic�nica e transgressora aludida por P7: �Macuna�ma�.
Portanto, houve associa��es relacionadas a outro movimento, n�o mais a for�as reativas (DELEUZE, 1962) que levam � paralisia, ao mal-estar, ou for�as de acelera��o para a produ��o. Mas um movimento que direciona a poss�veis linhas inventivas de outros poss�veis. Perder o ch�o, tentar soltar, procurar deixar de ser. Uma vontade de se movimentar, dan�ar livremente, de uma transloca��o e de uma outreidade. Sair da temporalidade estriada de Cronos, ascendendo a um espa�o liso e temporalidade de Aion (DELEUZE, 1969), o fluxo da dura��o (DELEUZE, 1966). Tamb�m se expressaram falas de conex�o com a terra, de prepara��o para uma luta e de gesta��o de um novo mundo. Uma maternagem de poss�veis que nos mostra que a revolu��o devir� feminina.
Nesse movimento e devir, tamb�m se associaram for�as de vida relacionadas � sensualidade, que se articulam � pot�ncia e � vida. B14 afirmou: �na m�quina guerreira senti-me sensual, alegre, potente, destemida�. B27: �Identifiquei muito isso da sensualidade tamb�m. Em nenhum momento precisei for�ar meu corpo a agir, a m�sica me levava �queles lugares�. B16: �no devir guerreiro senti uma sensualidade, uma for�a e uma for�a de al�vio�. B28: �guerreira sedutora; toureira; dan�arina; sensualidade feminino�. Com essa sensualidade emerge uma sensa��o de vaz�o e fluidez do corpo, ou mesmo uma autoapropria��o do corpo. Um corpo que deseja e que luta, que transpira vida. B24: �Quando chegou a m�quina guerreira ficou uma sensa��o de primeiro opor violentamente ao neofascismo, ao Estado que aparece como m�quina opressora, com o tempo se transmutou em dan�a, em sensualidade, um guerreiro de saber que liberta�. Mas � uma luta desejante que n�o � pac�fica, ou simples, de uma bela alma (DELEUZE, 1968). � uma luta desafiadora contra as capturas, contra os in�meros bloqueios e opress�es do cotidiano, que remetem ao contato com o sofrimento, que mobiliza um choro sufocado. B29: �Com a de guerra ressoa a sensualidade que voc�s falam, uma bixa louca, mas em um momento veio um choro preso tamb�m�. A possibilidade da express�o e afirma��o dos investimentos desejantes e identit�rios singulares, mas que tamb�m remete ao sofrimento sufocado no peito devido �s opress�es cotidianas.
Nessa sensualidade guerreira, B2 criou um interessante neologismo: �devir guerreiro me veio a amorocidade�. Amorocidade pode ser vista como uma articula��o significante do personagem do guerreiro como aquele que conjuga amor e ferocidade. Para produzir o amor em tempos t�o dif�ceis temos que mobilizar tamb�m uma pot�ncia agressiva, primal, feroz. Estabelecer sentimentos de liga��o, de afetos, de conex�o, mas com a ferocidade de um ser que luta, que ruge. Pois no amar n�o h� nada de passividade, sen�o uma atividade de luta, de produ��o de novas composi��es. Al�m disso, amorocidade n�o � apenas a ferocidade do amor, mas tamb�m amar a cidade, amar o coletivo, a comunidade que nos vem sendo subtra�da, ou ent�o amar a mocidade desse devir-crian�a que sempre se reinventa, experimenta, desbrava. De modo geral, foram relatadas muitas experi�ncias intensivas, com descargas energ�ticas, choros, del�rios, situa��es paradoxais e at� experi�ncias de transe. Nelas relacionou-se a muitas experi�ncias de liga��o com as ancestralidades. Sejam as ancestralidades ind�genas, os �povos �rabes� (B30), �eg�pcios, povos origin�rios, xam�s, povos africanos...� (B31), os �devires amaz�nicos� (B32). Ser� que podemos pensar essa liga��o com as ancestralidades como um �novo� modelo subjetivo de luta contra os neofascismos? Novas inspira��es para a nossa esquizoan�lise e esquizodrama latino-americanos?
Considera��es finais
����������� A kl�nica das m�quinas pol�ticas, realizada de forma on-line, demonstrou-se de grande valia para a atualiza��o das problem�ticas s�cio-pol�ticas que estamos enfrentando no �mbito coletivo, do corpo e dos afetos. Seguramente potencializou o aprendizado e absor��o das quest�es que foram apresentadas verbalmente, mostrando como um dispositivo kl�nico, corporal, est�tico, afeta as/os participantes em outros registros, que n�o s� o consciencial. Proporcionou uma forma��o mais potente, com uma maior incorpora��o dos conte�dos e poss�veis linhas de reinven��o.
����������� Ent�o, mesmo sendo on-line, com as participantes n�o compartilhando a presen�a f�sica imediata umas com as outras, houve a constitui��o de um campo comum que transpassou as dist�ncias espaciais e que as articulou num mesmo fluxo temporal, que variava de acordo com os diferentes ritmos, ou compassos, de cada m�quina. Houve uma resson�ncia entre os corpos que produziu uma experimenta��o intensiva, tal como pudemos acompanhar pelas falas e express�es corporais.
����������� Constatamos que houve uma grande intensidade na dramatiza��o das m�sicas articuladas a cada m�quina pol�tica, que catalisou o processo kl�nico de forma muito mais contundente que os dispositivos de grupo meramente verbais. Mesmo sendo a terceira a ser dramatizada, a m�quina neofascista foi a primeira a ser associada no discurso pelas participantes, evidentemente pela viv�ncia dif�cil que muitas est�o tendo atualmente. Entretanto, n�o foi o �dio dos extremismos e da polariza��o que foram atualizados, sen�o a paralisia, o mal-estar, com o atual estado de coisas, que expressa a governamentalidade de despotencializa��o dos afetos que � empregada pelos regimes autorit�rios: as paix�es tristes enunciadas por Espinosa (DELEUZE, 1981a). As m�quinas estatal e capitalista n�o foram associadas somente com afetos desprazerosos, mas tamb�m com caracter�sticas �positivas� que corroboram com a pr�pria estrutura��o do Eu na sociedade atual, numa servid�o maqu�nica (DELEUZE; GUATTARI, 1980c), em que ambas agenciam os fluxos desejantes de formas distintas e fabricam modalidades subjetivas. J� a m�quina do devir-guerreira atualizou as for�as de transmuta��o e ancestrais, propiciando poss�veis linhas de fuga e um agenciamento de for�as distinto.
Contudo ressalta-se que esse dispositivo n�o se refere apenas a um movimentar-se, a dan�ar, pois a consigna deve destacar a import�ncia de trabalhar os aspectos assignificantes, o estranho, no sentido que provoque processos de raspagem e desterritorializa��o. Fissuras que possibilitem uma nova circula��o aos fluxos desejantes, incitando os processos de produ��o est�tica e subjetiva��o. Para tanto, a performatiza��o n�o deve se restringir � apar�ncia, ao visibilizado, ao representado, mas ao quantum de intensidades eliciados, que leve a uma moleculariza��o dos processos, e quem sabe, a um descentramento do Eu, numa fulgurante produ��o de um corpo sem �rg�os (DELEUZE; GUATTARI, 1980b). B10 trouxe uma fala que expressa esse movimento de moleculariza��o: �Aqui comigo funcionou primeiro como uma dramatiza��o e depois como uma possess�o�. Uma incorpora��o na qual B10 emprestou seu corpo como um ve�culo, �cavalo�, para as for�as de cada m�quina pol�tica, para a produ��o de passagens e migra��es.�
Tamb�m devemos tomar cuidado com o perigo de uma psicologiza��o, ou individualiza��o da experi�ncia, ou seja, de n�o cair nas for�as centr�petas do buraco negro do Eu. Assim, adotar a prud�ncia para que a sensualidade e as for�as de Eros eliciadas n�o sejam vividas apenas no �mbito de uma intimidade individual, ou edipiana, que podem despotencializar a produ��o e subvers�o coletiva. Nesse sentido, os dispositivos do esquizodrama sempre devem fomentar os princ�pios enunciados por Baremblitt (1984), de desterritorializa��o e reinven��o; raspagem e produ��o. Para finalizar, podemos utilizar como uma das express�es dessa experi�ncia a s�ntese realizada por B2: �se fosse pintar em cores as m�quinas, diria: 1. estatal: cinza. 2. capitalista: cores que se alternam, mas n�o se incorporam. 3. fascista: amarelo. 4. devir guerreiro: lembrou o livro de Ziraldo que trata de uma cor: flicts�.
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[1] Psic�logo, mestre e doutor. Professor associado de gradua��o e do Programa de P�s-Gradua��o em Psicologia da Universidade Federal de Goi�s. Membro do Instituto Gregorio Baremblitt. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-6766-7024. E-mail: domenicohur@hotmail.com
[2] Atuou como professora em v�rios cursos de p�s gradua��o (PUC Minas, Ista, Cepemg, Faculdade de |Ci�ncias M�dicas/Feluma/Instituto F�lix Guattari/Funda��o Gregorio Baremblitt). Pesquiadora Colaboradora do Laborat�rio de Grupos, Institui��es e Redes Sociais - L@gir/UFMG. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3637-4322. E-mail: margareteaamorim@gmail.com
�Psic�logo e mestre.Trabalha com os balizamentos conceituais da An�lise Institucional, Construcionismo Social e da Esquizoan�lise. Realiza palestras, interven��es em organiza��es e pequenos grupos nas �reas de Educa��o, Trabalho, Artes, Cinema, entre outras atividades. Orcid:� https://orcid.org/0000-0003-0367-3545�� �E-mail: rogeriofsteixeira@gmail.com
[4] Para conhecer a trajet�ria de Baremblitt sugerimos os artigos de Amorim et. al (2021), Hur (2014) e o posf�cio do pr�prio Gregorio (BAREMBLITT, 2021).
[5] Ao longo do texto utilizamos o ano da publica��o original dos livros de Deleuze e Guattari.�
[6] Playlist �Kl�nica das m�quinas pol�ticas� dispon�vel em: https://open.spotify.com/playlist/0YXMUjmehenv7wr1xGHGVr?si=f915dd6e39c44c5f . Acesso em 20 mar., 2022.
[7] Tamb�m realizamos esse dispositivo com outros p�blicos, mas n�o inserimos suas falas aqui, devido a contextos muito diferentes. Por exemplo, os conte�dos emergentes com alunas/os de gradua��o em psicologia da Universidade Federal de Goi�s foram bem mais t�midos por variadas raz�es: conflitos institucionais, receio de exposi��o de si, pouca afinidade ou desconhecimento da teoria e pr�tica etc.
[8] A quest�o do n�mero de participantes em sess�es de diferentes dispositivos de grupos � bastante interessante e tamb�m merece maior aten��o em futuros trabalhos. Por exemplo, no grupo operativo de Enrique Pichon-Rivi�re (1983) geralmente se estabelece como vinte o n�mero m�ximo de participantes; j� na Groupanalysis de S. H. Foulkes (1967) o n�mero doze. No esquizodrama n�o se estipula um n�mero m�ximo, nem m�nimo, de participantes.��
[9] Para citar as/os participantes n�o utilizamos os seus nomes, mas B1, B2, B3 etc. para os da Forma��o de esquizodramatistas do Instituto Gregorio Baremblitt e P1, P2, P3 etc. para os do curso �Grupalidades� do Instituto Pichon-Rivi�re.